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Procº nº 177/97.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça e em que figuram, como recorrente, A. e, como recorridos, B. e mulher, C., concordando-se, no essencial, com a exposição lavrada pelo relator de fls.
218 a 229, que aqui se dá por integralmente reproduzida, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 15 de Outubro de 1997 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida
______________________________________________________________ EXPOSIÇÃO PRÉVIA
Procº nº 177/97.
2ª Secção.
1. B. e mulher, C., intentaram, em 15 de Junho de 1992 pelo Tribunal Cível da comarca do Porto e contra D. e mulher, A., acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando que fosse decretada a resolução de um contrato de arrendamento incidente sobre os segundo e terceiro andares de um prédio urbano sito nos nºs ........ da Rua ............., no Porto, e ainda que os Réus fossem condenados a pagarem aos Autores, a título de indemnização, a quantia de PTE. 2.500.000$00.
Seguindo a acção seus termos, a dado passo foi, pelos mandatários dos Autores, pelo Réu D. e pelo mandatário deste, lavrado termo de transacção, o qual, por sentença lavrada em 19 de Outubro de 1993, veio a obter homologação.
Nessa sentença foi ainda determinado o cumprimento do nº
5 do artº 300º do Código de Processo Civil relativamente à Autora C. e à Ré A..
1.1. Consumada a notificação a estas da aludida sentença, veio a Ré A. arguir a nulidade da citação e do termo de transacção e, quanto a este último, na sua óptica, devido ao facto de o Réu D. não dispor de poderes para o lavrar. Na parte final do requerimento consubstanciador da arguição de nulidades veio a Ré A. dizer que, caso assim se não entendesse, interpunha, 'com os mesmos fundamentos' e da sentença homologatória da transacção, recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
Por despacho proferido em 17 de Março de 1994 pelo Juiz do 8º Juízo do Tribunal Cível da comarca do Porto, foi indeferida a arguição de nulidades e admitido, como de apelação, o recurso interposto da mencionada sentença.
Da parte que julgou não verificadas as invocadas nulidades pretendeu a arguente recorrer para o Tribunal da Relação do Porto e, como o recurso não viesse a ser admitido, reclamou para o Presidente daquele Tribunal, tendo o seu Vice-Presidente, por despacho de 21 de Outubro de 1994, indeferido a reclamação.
1.2. Subindo os autos ao Tribunal da Relação do Porto, a fim de ser conhecido o recurso interposto da sentença homologatória da transacção, foi, em 1 de Junho de 1995, lavrado acórdão que alterou para agravo a espécie atribuída ao recurso no despacho de admissão, determinando-se ainda, nos termos do nº 2 do artº 702º do Código de Processo Civil, a notificação das
«partes» para produzirem alegações.
Por despacho de 29 de Junho de 1996 prolatado a fls. 154 dos autos pelo Desembargador Relator, foi o recurso de agravo considerado deserto por falta de alegação da agravante, o que motivou que esta viesse reclamar daquele despacho para a conferência, invocando ainda uma nulidade por
'omissão de notificação' do despacho proferido pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
A Relação do Porto, por acórdão de 9 de Novembro de
1995, julgou 'inexistentes as nulidades apontadas pela reclamante'. Fê-lo, relativamente à alegada nulidade derivada da não notificação do despacho prolatado pelo Vice-Presidente da Relação do Porto, com o fundamento de que a respectiva arguição foi extemporânea, de harmonia com o disposto nos artigos
'205º, nº 1, segunda parte, e 153º, ambos do C. Proc. Civil'; e, concernentemente ao segundo motivo de reclamação, porque entendeu que o requerimento de interposição de recurso, subsidiariamente formulado no requerimento de arguição de nulidade dirigido ao Juiz do Tribunal de 1ª Instância, de todo em todo, não podia ser considerado como uma alegação.
1.3. Não se conformando com o assim decidido, veio a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na alegação adrede apresentada, e para o que ora releva, disse a recorrente (repetindo-o nos mesmos termos nas «CONCLUSÕES» que, posteriormente e após convite que lhe foi endereçado, veio a fazer juntar aos autos):-
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A- Da nulidade por omissão de notificação do douto despacho de
21.10.94, proferido a fls. 140 dos autos.
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Com efeito, o douto Despacho de 21.10.94, proferido pelo do Exmº Vice-Presidente do Tribunal a quo, não foi, tal como resulta dos autos, objecto de qualquer notificação à recorrente.
Esse Despacho foi proferido nos respectivos autos de reclamação e posteriormente incorporado nos presentes autos a fls. 140, sem que à interessada tenha sido notificado.
Só quando a ora recorrente examinou os autos em resultado da notificação do douto Despacho de fls. 154 dos autos do Venerando Juiz Desembargador Relator, que julgou deserto o recurso interposto a fls. 88 e 92 dos autos por alegada falta de apresentação das suas alegações de recurso nos termos previstos no art. 702º nº 2 do C.P.C., é que a recorrente constatou a imcorporação nos presentes autos desse Despacho e a inexistência de qualquer notificação do mesmo !
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Assim sendo, a interessada, porque não teve qualquer intervenção neste processo desde a data de incorporação nos autos do Despacho em causa até à data em que interpôs a reclamação de fls. 160 a 161 dos autos, para além de se tratar de Despacho proferido noutro processo, desconhecia em absoluto a existência e a incorporação nestes autos do Despacho em causa, nem tinha que conhecer (adivinhar) a sua existência, pelo que se tem de concluir que é tempestiva a sua arguição de nulidades de fls. 160 a 161 dos autos nos termos prescritos no art. 205º nº 1 e 153º do C.P.C., ao contrário do que foi considerado no douto Acórdão sob recurso (V. Ac. da R.L. de 08.01.80, in C.J. de
1980, 1º Vol., p. 200).
Caso assim não se entenda, o que se considera por mera cautela e sem conceder, a interpretação restritiva dada no douto Acórdão sob recurso aos arts.
205º nº 1 segunda parte e 153º do C.P.C., segundo a qual a arguição de nulidade por omissão de notificação de fls. 160 a 161 dos autos é extemporânea, revela-se ilegal e inconstitucional por violar de forma desproporcionada o seu direito fundamental à notificação e recurso das decisões judiciais que afectam os seus direitos e/ou interesses legalmente protegidos, insíto nos arts. 228º nº 2 e
253º a 259º do C.P.C. e 2º, 13º e 20º da C.R.P.
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B- Da nulidade do douto despacho de fls. 154 dos autos.
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Com efeito, as alegações de recurso em causa constam por remissão do requerimento de arguição de nulidade dirigido ao Mmº Juiz subscritor da douta sentença recorrida, isto é, são as formuladas no mesmo requerimento interposto a fls. 88 e 92 dos autos..............................................
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Assim sendo, revela-se improcedente o fundamento aduzido no douto Acórdão sob recurso, segundo o qual existe falta absoluta de alegação, o que determinaria a deserção do recurso.
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Por outro lado, a notificação a que alude o art. 702º nº 2 apenas se refere «às partes que ainda não tenham alegado», o que, como se viu, não era o caso da ora recorrente.
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O disposto no art. 702º nº 2 do C.P.C., com o sentido e alcance dado no douto Acórdão sob recurso, é inaplicável in casu.
Caso assim não se entenda, o que se considera por mera cautela e sem conceder, a interpretação restritiva dada no douto Acórdão sob recurso às normas legais contidas nos arts. 690º nº 1, 702º nº 2 e 743º nº 1 do C.P.C., revela-se materialmente inconstitucional por violar injustificada e desproporcionadamente o princípio geral da economia e celeridade processual ínsito no direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais consagrado nos arts. 2º, 20º nº
2, 205º e 206º da C.R.P................................................................................................'
1.4. Por acórdão de 14 de Janeiro de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo.
No mesmo, a fundamentação do decidido inicia-se com as seguintes considerações:-
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O presente recurso vem interposto do acórdão da Relação do Porto de fls. 165 e 166, que manteve o despacho do relator de fls. 154, a julgar deserto o recurso de agravo por falta de alegação.
Para notificação deste despacho foi remetida carta registada à Ex.ma Advogada da recorrente para o escritório que constava dos autos. A carta foi devolvida com a indicação de 'Desconhecido na morada indicada', datada de
3-7-95.
Não obstante a devolução da carta, a notificação tem-se como efectuada.
Na verdade, segundo o artigo 254º do Código de Processo Civil, que não foi revogado pelo artigo 1º do Dec.-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro (...), a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de os papéis serem devolvidos...desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; em qualquer desses casos, ou no de a carta não ter sido entregue no escritório ou no domicílio por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito ou aviso de recepção, considerando-se a notificação como efectuada no segundo dia posterior àquele em que a carta foi registada.
Como a carta foi registada em 30-6-95, a notificação do despacho que julgou deserto o recurso considera-se feita em 3-7-95.
O prazo para requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão é de cinco dias - artigos 153º e 700º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Como a notificação do despacho se considera feita em 3-7-95, o prazo de reclamação para a conferência terminou em 10-7-95.
Como a agravante apenas reclamou para a conferência em 4-10-95, o decurso daquele prazo peremptório extinguiu o direito de praticar o acto.
O que quer dizer que o despacho a julgar deserto o recurso transitou em julgado, não havendo lugar à prolação do acórdão subsequente e ora recorrido.
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Após as transcritas considerações, o Supremo Tribunal de Justiça ainda discreteou no sentido de, para além delas, nunca poder o agravo ser tido por procedente.
1.5. Inconformada com o aresto de que parte acima se encontra transcrita, recorreu a A. para o Tribunal Constitucional, pretendendo com esse recurso a apreciação da 'ilegalidade' e 'inconstitucionalidade da interpretação restritiva dada no douto Acórdão sob recurso aos arts. 205º nº 1 segunda parte e 153º do C.P.C., segundo a qual a arguição de nulidade de fls.
160 a 161 dos autos por omissão de notificação do Despacho de fls. 140 é extemporânea, independentemente do facto de a ora recorrente não ter sido notificada nem ter tido qualquer intervenção no processo desde a data de incorporação nos autos desse Despacho até à data em que interpôs a reclamação de fls. 160 a 161 dos autos, para além de se tratar de Despacho proferido noutro processo, por o prazo geral prescrito no art. 153º do C.P.C. se contar a partir da data da notificação do Despacho de fls. 154 e não da data em que a interessada interveio nos autos' e da 'ilegalidade' e 'inconstitucionalidade da interpretação restritiva dada no douto Acórdão sob recurso às normas legais contidas nos arts. 690º nº 1, 702 nº 2 e 743º nº 1 do C.P.C., segundo a qual a falta de apresentação das alegações relativas ao recurso de fls. 88 a 92 na sequência da notificação feita nos termos previstos no art. 702 nº 2 do C.P.C. determina a deserção desse recurso, sendo irrelevante para o efeito que o agravante tenha já apresentado as suas alegações juntamente com o requerimento de interposição de recurso'.
O recurso veio a ser admitido por despacho prolatado em
25 de Fevereiro de 1997 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, efectua-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a presente exposição, na qual se propugna por dele se não dever tomar conhecimento.
De facto, independentemente da questão de saber se a questão da desconformidade com a Lei Fundamental das normas constantes dos artigos 153º, 205º, nº 1, primeira parte, 690º, nº 1, 702º, nº 2, e 743º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, foi suscitada de modo processualmente adequado e perceptível (antes tudo indicando o contrário, já que, previamente a ser tirado o acórdão ora pretendido impugnar, não foi enunciada qualquer concreta dimensão normativa ou, se se quiser, qualquer sentido concreto que a recorrente questionasse do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional
- o que vale por dizer que o que, verdadeiramente, ela discutiu foi o eventual desacerto, quanto ao caso em concreto, do acórdão lavrado na Relação do Porto e que se arrimou em pelo menos algumas daquelas normas - cfr., a este propósito, os Acórdãos deste Tribunal números 367/94 e 178/95, publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 7 de Setembro de 1994 e 21 de Junho de
1995), o que é certo é que uma circunstância se nos depara que tornaria inútil o conhecimento do vertente recurso.
Efectivamente, tem, sem discrepâncias, sido entendido por este Tribunal que os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa se apresentam como detendo características meramente instrumentais, no sentido de que a decisão a tomar nos mesmos só se justifica se puder influir na decisão que, pelo tribunal a quo, há-de ser tomada na sequência do juízo que, sobre a questão de constitucionalidade, foi formulado pelo Tribunal Constitucional.
Ora, no caso sub specie, como facilmente deflui do extenso relato acima feito, a razão de ser do decidido no acórdão ora intentado impugnar baseou-se na circunstância de aí se ter entendido que o despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto tinha já transitado aquando da dedução da reclamação para a conferência, motivo pelo qual, sendo esta extemporânea, não devia, até, ter tido lugar o acórdão que decidiu essa reclamação.
Esse entendimento estribou-se, e tão só, nos artigos
254º, nº 3, e 700º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil, normas que, seguramente, nunca foram postas em crise pela recorrente na perspectiva de serem conflituantes com o Diploma Básico.
E, se é certo que naquele aresto, como acima se disse, ainda se discreteou sobre a não razão dos motivos invocados pela recorrente, menos certo não é que esse discretar foi antecedido da frase 'Ainda que assim não fosse, sempre se dirá que o recurso não pode obter êxito', o que, inequivocamente, aponta para que o Alto Tribunal a quo, não obstante haver um motivo que, desde logo, havia de bastar para a improcedência do recurso, não quis deixar de realçar a falência da argumentação carreada pela agravante, sem que isso significasse que aquilo que, neste particular, era dito, era algo de alternativo àquele primeiro motivo.
Sendo assim, como é, mesmo que, hipoteticamente, este Tribunal viesse e emitir um juízo de inconstitucionalidade sobre as normas que agora são indicadas no requerimento corporizador do recurso - suposto que a impugnante as questionou de jeito processualmente adequado e perceptível no tocante a uma sua dada interpretação, e que o Supremo Tribunal de Justiça as aplicou, ao rebater a argumentação constante da alegação da agravante, com tal sentido (disto tudo se podendo legitimamente duvidar) - sempre a decisão lavrada por este último Alto Tribunal se haveria de manter, justamente porque, na sua
óptica, já não era possível reclamar para a conferência do despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, uma vez que o mesmo se havia de considerar já transitado em julgado.
De onde não poder aquele hipotético juízo de inconstitucionalidade ter qualquer relevância para o caso vertente.
Cumpra-se a parte final do aludido nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Lisboa, 2 de Maio de 1997.