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Processo n.º 864/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura
como recorrente A., SA e como recorrida a Fazenda Pública, aquela reclamou para
o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu do despacho do chefe da repartição
de finanças de Tondela que contra si ordenou a instauração de um processo de
execução fiscal, invocando falta de um pressuposto processual e falta de
requisitos essenciais do título executivo. A reclamação foi indeferida,
considerando-se que não tinha sido efectuada ainda a penhora e não tinham sido
alegados quaisquer factos reveladores de prejuízo irreparável, integrador das
ilegalidades contempladas no n.º 3 do artigo 278° do CPPT, pelo que não seria
esse o momento para conhecer do mérito da reclamação.
2. Inconformada com esta decisão, a ora recorrente interpôs recurso para o
Supremo Tribunal Administrativo, formulando as seguintes conclusões:
“1) A prolação de despachos de indeferimento liminar insere-se no principio
básico de economia processual, que contém a sua expressão máxima na proibição de
actos inúteis (art.137° do C PC), pelo que: apenas se for evidente que a
pretensão não pode proceder, apenas nestes casos, deve o juiz indeferir, sem
mais delongas, pretensão que lhe for presente.
2) A falta de pressuposto processual e a falta de requisitos essenciais do
título executivo não constituem fundamento de oposição, enquadrável nas alíneas
do n.º l do art.204° do CPPT, pelo que: devem ser invocadas em requerimento na
execução fiscal, tal como fez a recorrente.
3) Não sendo evidente que a pretensão da recorrente não pode proceder, não cabe
despacho de indeferimento liminar pelo motivo de apenas se poder conhecer da
mesma após a realização da penhora e da venda; trata-se de interpretação da lei
que viola o princípio da economia processual e é, por isso ilegal a decisão
recorrida que deverá vir revogada e substituída por outra que, admitindo a
reclamação/recurso, profira decisão de mérito, com as legais consequências.”
3. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 22 de Setembro de 2004,
decidiu negar provimento ao recurso. Para tanto, escudou-se na seguinte
fundamentação:
“[...] O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão no disposto no n.º l do
artigo 278° do CPPT que apenas permite ao tribunal o conhecimento das
reclamações quando, após a penhora .e venda, o processo lhe for remetido a
final, considerando não ter sido invocado pela recorrente o prejuízo irreparável
a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo. Somente nesses casos o recurso será de
apreciação prioritária, nos termos do n.º 5 do mesmo normativo. Ora nas suas
alegações a recorrente não ataca os fundamentos em que assentou a decisão
recorrida, pretendendo que deve ser apreciada a questão de fundo que invocou no
recurso para a 1ª instância, invocando o princípio da economia processual.
Todavia, tal princípio não pode fazer tábua rasa dos dispositivos legais como se
eles não existissem. E a lei determina expressamente que o conhecimento das
reclamações se fará apenas após a penhora e venda salvo nos casos previstos no
n.º 3 que ao caso não é aplicável. De qualquer modo, não tendo a recorrente
atacado no recurso o fundamento em que assentou a decisão, não pode ele
proceder. [...]”
4. Veio então a recorrente aos autos requerer o esclarecimento de diversas
dúvidas. O Tribunal, considerando que o acórdão negou provimento ao recurso “por
nele se não ter atacado o fundamento em que assentou a decisão recorrida” e que
não havia, assim, qualquer ambiguidade ou obscuridade, indeferiu o pedido de
esclarecimento.
5. Sempre inconformada, a recorrente pretendeu, então, interpor recurso para
uniformização de jurisprudência, “nos termos dispostos no art. 27º, n.º 1, al.
b) do ETAF”. Considerando não caber no caso este recurso e não existir oposição
de julgados, o relator decidiu julgar findo o recurso, nos termos do artigo
284º, n.º 5, 1ª parte, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
6. Deste despacho reclamou a ora recorrente para a conferência, requerendo que,
sobre o mesmo, recaísse acórdão. Foi então proferido, em 13 de Julho de 2005,
acórdão que indeferiu a reclamação, fundamentando assim a sua decisão:
“[...] 2 - A recorrente limita-se a manter, sem mais, a existência da alegada
oposição de acórdãos.
Todavia, essa oposição não existe.
Com efeito, diz-se no despacho reclamado que “o acórdão fundamento, fotocopiado
a fls. 13, revogou o despacho recorrido, de indeferimento liminar do recurso
interposto do Chefe da RF de Tondela, porque, contrariamente, ao decidido, nem a
incompetência em razão da matéria nem a nulidade decorrente da falta de
requisitos essenciais do título executivo constituem fundamentos de oposição
previstos no art.º 204° do C.P.P.T., não se verificando, pois, o decretado erro
na forma do processo”.
Por sua vez, no acórdão recorrido “decidiu-se que, tal como se preceitua no
art.º 278° do C.P.P.T., o conhecimento das reclamações apenas tem lugar após a
penhora e sendo, salvo nos casos previstos no n° 3 que ao caso não era
aplicável”.
É, pois, evidente a falta de “antítese discursiva” entre os dois acórdãos em
oposição: o acórdão recorrido não versa, minimamente, sobre “a admissibilidade
da reclamação/recurso, formulada na execução fiscal, por falta de requisitos
essenciais do título executivo e o respectivo regime”.
Aliás, nem sequer está em causa a mesma questão fundamental de direito.
“Por outro lado, o art. 95°, n.º 1 da LGT não constitui mais que reprodução da
garantia constitucional da tutela judicial efectiva prevista no art. 268°, n.º 4
da CRP, relativamente a actos lesivos dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos respectivos interessados, segundo as formas de processo previstas
na lei - cfr. art. 101°.
E seguramente que uma delas é a do art. 284° do CPPT.
Todavia, no caso, como se viu, não existe oposição entre os arestos em
confronto, pelo que nenhum direito ou interesse da requerente legalmente
protegidos, se mostra lesado” (Acórdão do Pleno desta Secção do STA de 16/5/05,
rec. n° 1.366/04, tirado em caso idêntico e que, por isso, aqui vimos seguindo
de perto ).[...]”
7. Na sequência deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal
Constitucional, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“[...], notificada do acórdão de 13/07/2005, interpõe,
Recurso para o Tribunal Constitucional
na conformidade com o disposto no art.75°-A da Lei n.º 28/82, na redacção da Lei
n.º 13-A/98, indicando:
- Alínea do n.º 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto: alínea
b).
- Norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie: art. 278°
do CPPT na dimensão normativa encontrada pelo acórdão recorrido – segundo a qual
o conhecimento o judicial da reclamação de decisões proferidas pelo órgão da
execução fiscal deverá ter subida diferida, após a penhora e venda - em
contravenção do princípio da tutela judicial em tempo útil.
- Norma ou princípio constitucional que se considera violado: garantia do
direito à tutela judicial efectiva, art. 268°, n.º 4 da CRP.
- Peça processual em que o recorrente suscitou a questão da
inconstitucionalidade: alegações de reclamação e recurso. [...]”
8 Foi então proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte agora relevante, o seu teor:
“Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma
vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr.
artigo 76º, n.º 3, da LTC).
A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional - o interposto pela recorrente - pressupõe,
nomeadamente, não só que a questão de constitucionalidade normativa tenha sido
suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, mas também que a
decisão recorrida tenha efectivamente aplicado, como ratio decidendi, a norma
cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada.
No presente caso, a recorrente pretende ver apreciada, por alegada violação da
“garantia do direito à tutela judicial efectiva, art. 268°, n.º 4 da CRP”, a
norma constante do “art. 278° do CPPT na dimensão normativa encontrada pelo
acórdão recorrido – segundo a qual o conhecimento judicial da reclamação de
decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal deverá ter subida diferida,
após a penhora e venda - em contravenção do princípio da tutela judicial em
tempo útil”. Acontece, porém, que, como vai sumariamente ver-se, é manifesto
que, no que respeita a qualquer dos acórdãos em relação aos quais se poderia
considerar ter a recorrente pretendido interpor o presente recurso, tal não
aconteceu.
Senão vejamos.
8.1. A recorrente, notificada do acórdão de 13 de Julho de 2005, veio interpor
recurso para este Tribunal. Admitindo-se que pretendia recorrer deste mesmo
acórdão, é óbvio e patente que tal aresto manifestamente não aplicou, como ratio
decidendi, a norma constante do “art. 278° do CPPT”. De facto, basta ler o seu
teor, que acima reproduzimos na parte relevante, para se concluir, sem margem
para qualquer discussão, que o mesmo se limitou a indeferir a reclamação
apresentada, por entender que, ao contrário do que é exigido pelo artigo 284º do
Código de Procedimento e de Processo Tributário, não existe oposição entre os
arestos em confronto, “nem sequer está em causa a mesma questão fundamental de
direito.”
Tanto basta para se concluir que deste recurso se não pode conhecer.
8.2. Admitindo-se, porém, que a recorrente pretendia interpor recurso do acórdão
de 22 de Setembro de 2004, à mesma conclusão se terá necessariamente de chegar.
Na verdade, sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, seria desde logo necessário que a
recorrente tivesse suscitado, perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada. Ora, dos
elementos constantes do processo, nomeadamente da reprodução que é feita das
conclusões da alegação de recurso da decisão da 1ª instância, decorre não estar
aí suscitada qualquer questão de constitucionalidade que permita abrir uma via
de recurso para este Tribunal, pelo que, por esse motivo, não se pode conhecer
do respectivo objecto.
Mas, ainda que assim não fosse, verifica-se que, nesse acórdão, constatando que,
“nas suas alegações a recorrente não ataca os fundamentos em que assentou a
decisão recorrida, pretendendo que deve ser apreciada a questão de fundo que
invocou no recurso para a 1ª instância”, ao contrário do que, em seu entender,
obrigatoriamente deveria ter feito, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu
que “não tendo a recorrente atacado no recurso o fundamento em que assentou a
decisão, não pode ele proceder” [itálico aditado]. Ou seja, o acórdão negou
provimento ao recurso, não porque tenha aplicado a norma alegadamente
inconstitucional, mas antes por ter considerado que não foi cumprido pela
recorrente um ónus de alegação, consistente na necessidade de atacar os
fundamentos em que assentou a decisão recorrida. Ora, não tendo a decisão
recorrida efectivamente aplicado, como ratio decidendi, a norma cuja
constitucionalidade se pretende ver apreciada, não pode o Tribunal conhecer do
recurso.
9. Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações ou da prática de
qualquer outro acto, que, no presente contexto, não deixaria de configurar a
prática de acto inútil, proibido pelo artigo 137º do Código de Processo Civil,
torna-se evidente que não pode conhecer-se do recurso de constitucionalidade que
a recorrente pretendeu interpor, por manifesta falta de pressupostos legais de
admissibilidade.”
9. É desta decisão que vem interposta, nos termos do n.º 3 do art. 78 - A da Lei
do Tribunal Constitucional a presente reclamação para a Conferência, que a
reclamante conclui da seguinte forma:
“1) A decisão recorrida é a proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo em
22.09.2004.
2) No qual foi feita aplicação da norma impugnada no presente recurso.
3) Pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso de
constitucionalidade.[...]”
10. Notificada para responder, querendo, à reclamação do recorrente, a Fazenda
Pública recorrida nada disse.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
11. Na decisão sumária ora reclamada decidiu-se não ser possível conhecer do
objecto do recurso, “por manifesta falta de pressupostos legais de
admissibilidade”. A recorrente vem reclamar daquela decisão, limitando-se,
contudo, a afirmar que pretendia recorrer do acórdão proferido em 22 de Setembro
de 2004, o qual teria aplicado a norma cuja inconstitucionalidade pretendia que
o Tribunal apreciasse.
Não tem, porém, razão. De facto, como já claramente se demonstrou na decisão
sumária reclamada, em termos que de modo algum são infirmados na presente
reclamação, e que, por isso, aqui se reiteram, também em relação ao citado
acórdão de 22 de Setembro de 2004 não estão presentes os pressupostos de
admissibilidade do recurso. Na verdade, ao contrário do que sustenta a
recorrente, basta ler os autos, nomeadamente nas partes supra transcritas, para
verificar que deles não só resulta que a questão de constitucionalidade não foi
suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, mas também que a norma questionada não foi aplicada, como
ratio decidendi, pela decisão recorrida.
Assim sendo, improcede o fundamento da reclamação.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação, confirmando-se a
decisão reclamada de não conhecimento do recurso;
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício