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Processo n.º 147/05
3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, os embargados A. e B., ora reclamantes, recorreram para aquele Supremo Tribunal de um despacho proferido pelo Desembargador Relator que não admitiu a reclamação para a conferência, por eles deduzida, contra um outro despacho. Por despacho do Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, atento o disposto no art.º
700º, n.º 3 do CPC. Inconformados com o assim decidido, reclamaram os ora reclamantes para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Entendendo que o despacho de não admissão de reclamação para a conferência, proferido pelo juiz relator, deveria ter sido sujeito, “na parte inovatória” nos termos do artigo 700º, n.º 3, do CPC, a reclamação para a conferência, a fim de que sobre tal decisão recaísse acórdão, o Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não conheceu da reclamação e determinou que os autos fossem apresentados de novo ao Desembargador Relator para, se este assim o entendesse, converter o requerimento de interposição de recurso, fundado no teor da reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em reclamação para a conferência.
3. Notificados deste despacho, vieram os ora reclamantes aos autos com um requerimento em que disseram o seguinte:
“[...] não se conformando com a referida DECISÃO, porque admite uma desnecessária e ilegal duplicação de reclamações para o Órgão Colegial na base do disposto no art.º 700/3/ do CPC, a que inintelegivelmente se apelida de reclamação da parte inovatória (!!!) não existindo qualquer inovação, antes se verificando uma persistente repetição (há mais do mesmo), Vêm recorrer do referido Despacho para o Venerando Tribunal Constitucional de Lisboa, na sequência do recurso já interposto em 30.9.04, a fls –, que se mantém, porque a interpretação dada à norma do art.º 700º/3/ do CPC é uma decisão surpresa (Art.º 688º/1/CPC). [...]”
4. Este requerimento foi indeferido por despacho do Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, cujo teor é o seguinte:
“[...] notificados da decisão de fls. 56 e 57, vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por entenderem que a interpretação dada à norma do art.º 700º, n.º 3 do CPC constitui uma decisão-surpresa. Não lhes assiste todavia razão. Com efeito, a interpretação encontrada na decisão que agora se impugna no que concerne à norma do art.º 700º, n.º 3 do CPC, coincide com a do despacho que não admitiu o recurso para este Supremo Tribunal, ou seja, esta norma não foi agora pela primeira vez aplicada no processo, daí não estarmos perante urna decisão-surpresa. Pelo exposto, indefere-se o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. [...]”
5. Sempre inconformados, vieram os ora reclamantes aos autos, ao abrigo do disposto nos artigos “69° e 76°/4/ da Lei 28/82 de 15 de Novembro, na redacção resultante da Lei 13 A/98, de 26 de Fevereiro, o art.º 688° do CPC e o art.º
280° da Lei Fundamental”, reclamar para o Tribunal Constitucional. Disseram, nomeadamente, o seguinte:
“[...] II. A posição dos reclamantes
2. Os reclamantes não se conformam com a referida DECISÃO, porque admite uma desnecessária e ilegal duplicação de reclamações para o Órgão Colegial na base do disposto no art.º 700º/3/ do CPC, a que inintelegivelmente se apelida de reclamação da parte inovatória (!!!), não existindo qualquer inovação, antes se verificando uma persistente repetição (há mais do mesmo).
3. Mantém-se o recurso já interposto em 30.9.04, a fls . A interpretação dada à norma do Art.º 700º/3/ do CPC é uma decisão surpresa, face ao art.º 688º/l/CPC.
4. Donde requer a admissão do referido recurso. PEDIDO a. É competente para apreciar a reclamação o STJ LISBOA, de harmonia com o preceituado no artº 688º/3 do CPC, a incidir sobre o indeferimento; b. Mas, compete ao Tribunal Constitucional, em Secção, o julgamento de reclamação do despacho que indefira o requerimento de recurso ( arts. 76º e
77º/1 da Lei 28/82, de 15 de Novembro) . NESTES TERMOS requer a VV. Exas - Exmo. Senhor Doutor Juiz Conselheiro que seja alterado o Despacho reclamado, mandando admitir o recurso em causa, seguindo imediatamente o recurso para o Tribunal Constitucional, nos próprios autos, com efeito suspensivo, ex vi do preceituado nos arts. 69º e ss. da Lei 28/82, de 15 de Novembro, incorporando-se o presente apenso no processo principal (primeira parte do n.º 4 do artº 688º do Cód. Proc. Civil). [...]”
3. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se pronunciou nos seguintes termos:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério, já que se não mostra suscitada pelos ora reclamantes, de forma inteligível, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
4. O recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, visa apreciar, em recurso, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa – aplicada, ratio decidendi, no julgamento do caso.
4.1. Ora, no presente caso, é manifesto que, no requerimento de interposição do recurso, não vem suscitada, sequer, de forma inteligível, como salienta o representante do Ministério Público, qualquer questão de constitucionalidade normativa. Tanto basta para que dele se não possa conhecer, pelo que o mesmo não deveria ser admitido.
4.2. Acresce que admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 pressupõe, ainda, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada, constituindo desde há muito jurisprudência assente neste Tribunal
(veja-se, entre muitos nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional., 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573, respectivamente) que, em princípio, tal implica que a questão de constitucionalidade seja suscitada antes da prolação da decisão recorrida. Tem, contudo, o Tribunal admitido que a questão de constitucionalidade seja suscitada já depois de proferida a decisão recorrida em hipóteses, de todo em todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não tenha tido oportunidade processual de o fazer antes, por ter sido confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa, feita pela decisão recorrida, de todo imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser exigível que a antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da prolação dessa decisão.
Ora, ainda que se admitisse, numa interpretação extremamente benevolente e favorável aos reclamantes, construindo a partir das afirmações contidas na reclamação, que é uma hipótese deste tipo que os reclamantes entendem que se encontra retratada nos autos e que o que pretenderiam seria uma apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 700º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o facto é que os ora reclamantes nunca suscitaram perante o tribunal recorrido, de modo processualmente adequado, qualquer questão de constitucionalidade normativa relativa a essa norma e, consultados os autos, verifica-se que a interpretação de tal norma, efectuada no despacho do Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ora recorrido, corresponde, exactamente, à interpretação que anteriormente fora efectuada no despacho que não admitira o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Tanto basta, igualmente, para concluir, nos termos do n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, que não pode conhecer-se do objecto do recurso, pelo que o mesmo não deve ser admitido, como, efectivamente, o não foi.
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2005
Gil Galvão Bravo Serra Artur Maurício