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Processo n.º 665/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
1.1. O Ministério Público deduziu acusação contra A. e
mais onze arguidos, por factos relacionados com a exploração económica da
prostituição de mulheres, em especial de nacionalidade brasileira, que os
arguidos recrutavam, fazendo‑o de forma organizada entre si, imputando, em
concreto, à aludida arguida um crime de associação criminosa, previsto e punido
pelo artigo 299.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, um crime de auxílio à emigração
ilegal, previsto e punido pelo artigo 134.º‑A, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 244/98,
de 8 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 97/99, de 26 de
Julho, pelo Decreto‑Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, e pelo Decreto‑Lei n.º
34/2003, de 25 de Fevereiro, e ainda vinte e um crimes de lenocínio, previstos e
punidos pelo artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal.
1.2. A referida arguida requereu a abertura de
instrução, sustentando a inexistência de indícios da prática, pela sua parte,
dos crimes pelos quais foi acusada, e invocando a nulidade das escutas
telefónicas e da recolha de imagem e voz. Concretamente, essa arguida alegou:
1) Que o termo inicial das escutas não pode ser cometido
ao livre arbítrio da autoridade policial que executa as operações, sendo que, no
caso dos autos, apenas o despacho de fls. 780 teria fixado o termo inicial das
intercepções;
2) O início da intercepção deve ser registado em auto
lavrado imediatamente, que terá de ser levado também de imediato ao conhecimento
do juiz, não satisfazendo este requisito o procedimento de lavrar o auto de
intercepção e gravação no final do prazo da autorização, ou no decurso da
mesma, mas com intervalos de vários dias, semanas ou meses, como terá sido o
caso dos autos;
3) A ordem judicial de desmagnetização da parte das
gravações e escutas consideradas irrelevantes para o processo tem de ser
executada imediatamente, sendo que nos autos tal não teria sucedido;
4) A ordem da M.ma Juiz exarada a fls. 317 dos autos, de
acordo com a qual, antes de findarem os 60 dias do prazo fixado para a
intercepção, deveria ser‑lhe dado conhecimento do auto lavrado com indicação
das passagens relevantes para a prova, acompanhadas das respectivas fitas
magnéticas de suporte, nunca teria sido cumprida;
5) Também não teria sido cumprida a ordem exarada a fls.
726, nos termos da qual deveria ser dado conhecimento à M.ma JIC, de 20 em 20
dias, do auto lavrado com indicação das passagens consideradas relevantes para
a investigação;
6) Só o despacho de fls. 360 teria fixado o termo final
das intercepções;
7) As intersecções relativas aos telefones n.ºs
111111111 e 222222222, considerando o despacho de autorização (renovação) das
mesmas, por 60 dias, deveriam ter terminado em 12 de Abril de 2003 e
continuaram até ao dia 20 do mesmo mês, pelo que as efectuadas após essa data
padeceriam de nulidade;
8) O auto de gravação de fls. 352, confrontado com o
teor da informação de fls. 334, revelaria uma evidente falsidade, na medida em
que nesta se afirma que “em 11 de Março de 2003 foi contactado, via telefone, o
Departamento de Telecomunicações de Lisboa, tendo confirmado que as conversas
estavam a ser interceptadas desde 2 de Fevereiro de 2003, mas que não estavam a
ser gravadas” e naquele mencionam intercepções e gravações efectuadas entre os
dias 20 de Fevereiro e 11 de Março de 2003;
9) No item III da informação de fls. 355 dar‑se‑ia nota
de um CD de gravação respeitante ao alvo XXXXX apenas entregue ao instrutor do
processo em 23 de Abril de 2004, ou seja, após expirar o prazo da autorização, o
que significaria que as escutas estavam a efectuar‑se sem o mínimo controlo da
M.ma JIC;
10) Relativamente ao telefone n.º 333333333, o segundo
auto de gravação teria sido lavrado 86 dias depois e a M.ma JIC apenas teria
tomado conhecimento dos suportes magnéticos e seu conteúdo após cessar a
intercepção; quanto ao telefone 444444444, a M.ma JIC teria prorrogado a
autorização para as intersecções sem ter lido qualquer auto de gravação; por seu
turno, o 10.º auto de gravação teria sido lavrado 125 dias depois das
intercepções que documenta e refere‑se a sessões cujo conteúdo foi considerado
sem interesse por despachos anteriores;
11) Quanto ao telefone n.º 555555555, não teria sido
lavrado auto de fim de intercepção das intercepções efectuadas a coberto da
primeira autorização e a segunda teria sido requerida e concedida como se se
tratasse de uma primeira autorização; por seu turno, a ordem de cancelamento
proferida em 18 de Dezembro de 2003 não teria sido respeitada pelo órgão de
polícia criminal, que nelas prosseguiu até 3 de Janeiro de 2004;
12) No que concerne ao telefone n.º 666666666: teriam
sido efectuadas e registadas intercepções e gravações após o dia 29 de Novembro
de 2003, ou seja, mais de 60 dias após o início efectivo das escutas; o auto de
fls. 1364 seria falso, na medida em que nele se afirma que as escutas terminaram
em 29 de Novembro de 2003 e, conforme fluiria dos autos de fls. 1312, tal facto
não corresponderia à verdade;
13) Por último, também a recolha de imagem e voz
autorizada nos autos a fls. 317 padeceria de nulidade, uma vez que não foi
fixado o prazo para o efeito.
1.3. Por despacho de 18 de Março de 2005, o Juiz de
Instrução Criminal de Vila Nova de Famalicão indeferiu a arguição de nulidade e
pronunciou a arguida pelos crimes por que vinha acusada. Tal decisão assentou na
seguinte fundamentação:
“No domínio das provas obtidas através da realização de intercepções
telefónicas, importará ponderar, em primeira linha, o artigo 187.º do Código de
Processo Penal, o qual faz depender de autorização judicial a realização de
intercepções telefónicas.
Rege, nesta matéria, igualmente, o artigo 188.º do Código de
Processo Penal, referindo que da intercepção e gravação a que se refere ao
artigo 187.º do mesmo Código é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas
ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver
ordenado ou autorizado as intercepções.
O conceito de «imediatamente» – consagrado, como muito bem refere o
Ministério Público, em ordem a possibilitar o controlo efectivo das
intercepções telefónicas por parte do Juiz (face à natureza do meio de prova em
causa, necessariamente limitadora dos valores fundamentais inerentes à reserva
da vida privada e ao sigilo e inviolabilidade das comunicações – cfr. os artigos
26.º, n.º 1, e 34.º, n.ºs 1 e 2, ambos da Constituição da República Portuguesa)
tem que ser entendido em termos hábeis (cfr. os Acórdãos da Relação de Lisboa,
de 16 de Agosto de 1996 e 25 de Outubro de 2000, ambos in www.dgsi.pt/jtrl), de
modo a serem levadas em conta as dificuldades próprias da tarefa e as
disponibilidades dos meios técnicos e humanos existentes para o efeito, sob pena
de se tornar de todo inviável o recurso a este meio de prova, não se olvidando
as próprias dificuldades do exercício da função jurisdicional, em específico no
domínio da instrução criminal, quantas vezes abrangendo mais do que uma comarca,
como é o caso da presente.
Não se vislumbra que no caso dos autos se verifique qualquer
nulidade susceptível de atingir os elementos de prova integrantes das
intercepções telefónicas efectuadas.
Vejamos ponto por ponto, acompanhando, de resto, o raciocínio
efectuado na tomada de posição do Ministério Público:
1) Corresponde à verdade que apenas o despacho de fls. 780 fixou o
termo inicial das intercepções ordenadas.
Simplesmente, tal omissão nos restantes despachos não implica a
nulidade das intercepções realizadas, nem significa sequer que o início das
mesmas tenha sido deixado ao livre arbítrio da autoridade policial que executou
a intercepções.
Na verdade, tal menção não resulta expressa no regime dos normativos
invocados (cfr. os artigos 187.º e 188.º, ambos do CPP), e muito menos,
cominada com nulidade pelo artigo 189.º do Código de Processo Penal.
Como bem refere o Ministério Público, podendo, eventualmente,
equacionar‑se da manutenção dos pressupostos (de necessidade e
proporcionalidade) que fundamentaram a autorização de intercepção, se estas
tivessem início decorrido largo período de tempo desde a data da autorização,
tal não sucedeu no caso concreto.
2) Como também refere o Ministério Público, também não resulta do
teor do artigo 188.º do CPP que o auto de início da intercepção tenha que ser
elaborado de imediato, mas antes que o mesmo deverá ser imediatamente levado ao
conhecimento do Juiz, realidades bem distintas, em nosso entendimento.
Tal como concluímos no ponto anterior, diremos que tal menção não
surge expressa no regime dos artigos 187.º e 188.º, ambos do CPP, e muito menos,
cominada com nulidade pelo artigo 189.º do mesmo Código.
Em conformidade com o exposto, cumprem os requisitos exigidos pelo
artigo 188.º os autos de intercepção elaborados nos autos, reportados à data do
efectivo início das mesmas, pese embora lavrados em data posterior, o que
sucede, no caso, em virtude de as intercepções em causa estarem a ser
efectuadas por órgão de polícia criminal diferente daquele que procedeu à
realização da investigação, que não dispunha de meios técnicos para o efeito,
como também muito bem refere o Ministério Público.
Ora, estes autos de início de intercepção (vejam‑se fls. 333, 489,
686, 761 e 831), indicando o tempo, lugar e o modo da intercepção, a indicação
do telefone a que se dirigiu e a identidade de quem à mesma procedeu,
satisfazem, assim, plenamente, o objectivo que se pretendeu assegurar com o
regime previsto no n.º 1 do artigo 188.º do CPP – o controlo das intercepções
por parte de magistrado judicial.
3) Relativamente ao argumento da necessidade de desmagnetização
imediata das intercepções consideradas sem interesse para a prova, valem as
considerações supra expostas, sendo, em nosso entendimento, inequívoco de que
neste ponto, em particular neste ponto, não assiste razão à arguida requerente
da instrução; efectivamente, nenhuma concreta sanção se encontra prevista para
tal omissão, sendo certo que a imediata destruição não resulta de qualquer
imposição do legislador; salientaremos que usamos neste domínio a palavra
«imediata» de forma intencional, pois, usando a defesa da arguida requerente de
forma recorrente esta palavra no domínio das intercepções telefónicas, não a
refere o legislador neste particular âmbito, conforme flui da mera leitura do
artigo 188.º, n.º 3, 2.ª parte, do Código de Processo Penal.
4) Relativamente ao sustentado pela arguida requerente da instrução
no ponto 4) do nosso relatório supra referido, consignaremos que se nos afigura
corresponder à verdade que no despacho judicial de fls. 317 se determina que,
antes de findarem os 60 dias da intercepção, fosse dado conhecimento ao
magistrado judicial do auto de gravação lavrado, com indicação das passagens
relevantes para a prova, acompanhadas das fitas magnéticas de suporte.
Nesse mesmo despacho autorizou‑se a intercepção das chamadas
efectuadas de e para os números 222222222 e 111111111, por um período de 60
dias.
Tal intercepção iniciou‑se em 20 de Fevereiro de 2003 (cfr. fls.
333).
O auto de gravação respectivo a essas intercepções data de 24 de
Abril de 2003.
O auto de gravação respectivo, bem como os correspondentes suportes
magnéticos, foi trazido ao conhecimento do magistrado judicial, cerca de 4 dias
depois do aludido prazo de 60 dias.
Não obstante, como muito bem refere o Ministério Público, o certo é
que o prazo fixado para a intercepção, de 60 dias, foi rigorosamente cumprido,
conforme aliás resulta do teor do auto de gravação de fls. 352, reportado às
sessões interceptadas e gravadas entre 20 de Fevereiro de 2003 e 20 de Abril de
2003.
Ora, o facto de não se ter dado cumprimento ao despacho judicial, na
parte em que determina que lhe seja dado conhecimento do auto de gravação e
suportes magnéticos respectivos, antes de decorridos os 60 dias, por meramente
orientador, não implica a nulidade das intercepções realizadas, tanto mais que,
se as mesmas foram autorizadas por um período de 60 dias, sempre não se poderia
dar cumprimento a tal ordem relativamente às intercepções que decorressem até
ao termo do prazo, argumento também muito bem aduzido pelo Ministério Público.
5) Neste ponto do sustentado, deveremos consignar que não
corresponde à verdade que não tenha sido cumprida a ordem exarada a fls. 726,
de acordo com a qual deveria ser dado conhecimento à magistrada judicial, de 20
em 20 dias, do auto lavrado com indicação das passagens relevantes para a prova.
Nesse despacho (constante das mencionadas fls. 726) autorizava‑se a
intercepção das chamadas efectuadas de e para o número 666666666, por um período
de 60 dias.
Tal intercepção iniciou‑se em 30 de Setembro de 2003 (cfr. fls.
761).
O primeiro auto de gravação relativo a essa intercepção, respeitante
às sessões gravadas entre 1 e 15 de Outubro de 2003, data de 16 de Outubro de
2003 (cfr. fls. 769), data em que foi trazido ao conhecimento da magistrada
judicial.
Por sua vez, o segundo auto de gravação relativo a essas
intercepções, respeitante às sessões gravadas entre 16 de Outubro e 6 de
Novembro de 2003, data de 7 de Novembro de 2003 (cfr. fls. 796).
O mesmo sucede com o auto de gravação junto a fls. 882.
Foi assim cumprida a ordem judicial dada, na parte em que determina
que lhe fosse dado conhecimento dos autos de gravação e respectivos suportes
magnéticos, de 20 em 20 dias.
6) Quanto a este ponto, na verdade, apenas o despacho de fls. 360
fixou uma data concreta para o termo da intercepção e gravação das conversações
ocorridas de e para o telefone móvel com o n.º 444444444: «até 4 de Agosto de
2003»; não obstante, todos os restantes fixaram um prazo durante o qual se
autorizou a intercepção e gravação das conversações (cfr., a título de exemplo,
fls. 316, 637, 726, 780).
Ficou assim assegurado o objectivo pretendido, em ambas as
situações, ou seja: o controlo jurisdicional das intercepções e gravações
efectuadas, que não deixaram de estar na disponibilidade da magistrada judicial.
7) As intercepções telefónicas aos postos números 111111111 e
222222222 foram determinadas e autorizadas por despacho datado de 31 de Janeiro
de 2002, por um período de 60 dias (cfr. fls. 316 e 317 dos autos).
As mesmas tiveram início em 20 de Fevereiro de 2003, conforme auto
de início de intercepção junto a fls. 333.
Terminaram em 20 de Abril de 2003, conforme auto de fim de
intercepção junto a fls. 350.
Assim, o prazo de 60 dias fixado para a intercepção e gravação no
despacho de fls. 316 foi rigorosamente cumprido, sendo certo que tal prazo se
conta da data em que as mesmas tiveram efectivamente início (20 de Fevereiro de
2003) e não da data do despacho que as ordenou e autorizou; de resto, se outro
fosse o entendimento e se considerasse que aqui tivesse imediato início efectivo
(no mesmo dia), ponderando o (esforçado) trabalho nocturno da generalidade dos
magistrados judiciais, sendo o despacho proferido em hora tardia, teria de ser
dado início efectivo às intercepções no minuto imediatamente subsequente ao
despacho ou à notificação do mesmo ao Ministério Público, o que, conforme por
nós já referido, tornaria inviável a execução de tal meio de prova.
8) Antes do mais, importará afirmar que na informação de fls. 334 se
refere intercepções efectuadas a partir de 20 de Fevereiro de 2003 e não desde 2
de Fevereiro, conforme alega a arguida.
Ora, o auto de gravação de fls. 352 reporta‑se a intercepções e
gravações efectuadas a partir de 20 de Fevereiro, tendo este auto sido
acompanhado dos suportes magnéticos respectivos que comprovam a aludida
gravação, os quais foram ouvidos pela magistrada judicial (cfr. despacho de fls.
359 e 360).
Nesta sequência, o auto em causa não contém qualquer falsidade, uma
vez que foram efectivamente interceptadas sessões a partir do dia 20 de
Fevereiro, conforme aí consta e conforme se comprova pelo despacho judicial
supra referido, tendo sido ouvidas por magistrado judicial.
9) Relativamente ao item III de fls. 355, ao contrário do que alega
a arguida requerente, dá‑se indicação de um CD entregue ao instrutor do
processo em 23 de Abril de 2003 e não de 2004.
Ora, tal facto não significa, ao contrário do que pretende a
arguida, que as escutas se estavam a efectuar após expirar o prazo da
autorização.
Na verdade, tal CD, relativo ao alvo XXXXX (serviço de telefone
móvel terrestre com o número 333333333 – cfr. fls. 328), reporta‑se a
intercepções efectuadas entre 20 de Fevereiro de 2003 a 20 de Abril do mesmo
ano (veja-se o auto de gravação de fls. 482).
As intercepções das chamadas telefónicas efectuadas de e para este
número de telefone foram determinadas e autorizadas, em 11 de Fevereiro de
2003, também pelo período de 60 dias (cfr. despacho de fls. 320, que remete para
o despacho de fls. 316 e 317).
Tal intercepção teve início em 20 de Fevereiro de 2003 (vide fls.
333) e durou até ao dia 20 de Abril do mesmo ano, ou seja, também aqui foi
rigorosamente cumprido o prazo de 60 dias fixado por despacho judicial.
10) Quanto à questão suscitada relativa ao telefone 333333333: veio
a arguida alegar que o segundo auto de gravação foi lavrado 86 dias depois e que
o magistrado judicial apenas tomou conhecimento do seu conteúdo e dos suportes
magnéticos da gravação cento e vinte e sete dias depois de cessar a
intercepção.
A intercepção a este telefone foi determinada e autorizada em 11 de
Fevereiro de 2003 (cfr. fls. 320), por um período de 60 dias.
A mesma teve início em 20 de Fevereiro de 2003 (cfr. fls. 333).
O 1.º auto de gravação data de 24 de Abril de 2003 (cfr. fls. 352).
O 2.º auto de gravação data de 8 de Julho de 2003 (cfr. fls. 482),
reportando‑se, contudo, a sessões gravadas entre 20 de Fevereiro de 2003 e 20
de Abril de 2003, ou seja, apesar da data em que foi lavrado este auto, o prazo
fixado para a intercepção foi cumprido, tendo sido este auto trazido ao
conhecimento do magistrado judicial em 14 de Julho de 2004, ou seja, no
primeiro dia útil seguinte à remessa do processo ao Ministério Público e,
portanto, levado «imediatamente» ao conhecimento do magistrado judicial.
A intercepção das chamadas telefónicas efectuadas de e para o
telefone n.º 444444444 foi determinada e autorizada por despacho datado de 4 de
Junho de 2003 (cfr. fls. 360, com remissão para o primeiro parágrafo de fls.
317), pelo período de 60 dias.
Essa intercepção teve início em 18 de Junho de 2003 (cfr. auto de
início de intercepção de fls. 489), tendo, portanto, como terminus o dia 18 de
Agosto de 2003.
O primeiro auto de gravação respeitante a esta intercepção data de
31 de Julho de 2003 (cfr. fls. 507 a 509).
Com efeito, a prorrogação do prazo das intercepções teve lugar em 30
de Julho de 2003 (cfr. fls. 503), ou seja, antes que o magistrado judicial
tivesse tido acesso aos suportes magnéticos e ao primeiro auto de gravação.
Não obstante, essa prorrogação foi efectuada apenas um mês depois da
autorização das mesmas com exame dos pressupostos que fundamentaram aquela e,
logo, com completo controlo por parte do Juiz da realização das mesmas.
Acresce que foram cumpridos, relativamente à ordem inicial (cfr.
fls.360), os prazos e trâmites fixados: o segundo auto de gravação data de 4 de
Agosto de 2003 (cfr. fls. 514 e 515), tendo sido trazido ao conhecimento do
magistrado judicial, acompanhado dos suportes magnéticos respectivos, em 7 de
Agosto de 2003 (cfr. fls. 521).
No que respeita ao alegado relativamente ao auto de fls. 795 (10.º
auto de gravação), constituiu o mesmo um mero aditamento ao auto de fls. 649,
reportando‑se a duas sessões: números 3283 e 6086, que, por lapso, não haviam
sido ali incluídas.
Tal não significa, só por si, que o magistrado judicial não teve
participação activa na análise e selecção das sessões cujo conteúdo releva para
a prova, conforme aliás resulta do teor do despacho de fls. 512, onde o mesmo
faz constar que procedeu à audição dos suportes magnéticos respectivos, nem se
afigura prática contrária à lei, na medida em que o próprio n.º 2 do artigo
188.º do CPP prevê a possibilidade de o órgão de polícia criminal encarregue da
investigação tomar conhecimento prévio do conteúdo das intercepções; no sentido
do exposto, vejam-se de resto, o Acórdão da Relação do Porto, de 7 de Dezembro
de 2004, in www.dgsi.pt/jtrp, bem como o Acórdão da Relação de Lisboa, de 25 de
Junho de 2002, este in www.dgsi.pt/jtrl.
11) Relativamente à intercepção ao posto com o n.º 555555555, a
mesma foi determinada e autorizada por despacho datado de 14 de Agosto de 2003
(cfr. fls. 637 e 638 verso, com referência a fls. 633), por um período de 60
dias.
Tal intercepção teve início em 22 de Agosto de 2003 (cfr. auto de
início de intercepção de fls. 686).
Por despacho datado de 25 de Outubro, foi ordenada a intercepção das
chamadas efectuadas de e para esse número de telefone por mais 60 dias (cfr.
fls. 780), tendo sido novamente reexaminados os pressupostos que as
fundamentaram.
Corresponde à verdade que não foi elaborado auto de fim de
intercepção relativo ao primeiro período de escutas, existindo um lapso de
tempo entre o final da primeira autorização (22 de Outubro de 2003) e o início
da nova intercepção (5 de Novembro de 2003 – fls. 831), pelo que não se pode
entender que a segunda autorização visou uma prorrogação do prazo da primeira.
Contudo, o certo é que, conforme refere o Ministério Público, com
esta situação não foram afectados quaisquer direitos, liberdades e garantias dos
arguidos e, designadamente, da arguida requerente, uma vez que não foram, de
facto, interceptadas e gravadas quaisquer comunicações neste lapso de tempo,
conforme se constata do teor dos autos de gravação (cfr. fls. 794 e 883, o
último auto de gravação elaborado a coberto da primeira intercepção e o
primeiro elaborado a coberto da primeira, respectivamente).
Cumpre também salientar que do teor do artigo 188.º não resulta a
obrigatoriedade da elaboração do auto de fim de intercepção, nem essa falta
surge cominada com a nulidade prevista no artigo 189.º do mesmo Código.
No que respeita à ordem de cancelamento das intercepções, esta foi
dada em 19 de Dezembro de 2003 (cfr. fls. 1300).
Tal cancelamento só ocorreu em 3 de Janeiro de 2004, conforme auto
de fls. 1365.
Tal desfasamento, conforme refere o Ministério Público, mais uma vez
terá tido na sua origem a circunstância de as intercepções em causa estarem a
ser efectuadas por órgão de polícia diferente daquele que estava a proceder à
investigação, por falta de meios técnicos por parte deste.
Não obstante, de tal situação não decorreu qualquer prejuízo para a
arguida requerente da instrução, ou qualquer outro, uma vez que das
intercepções efectuadas nesse período nenhuma foi transcrita, tendo sido, antes
pelo contrário, todas elas desmagnetizadas (cfr. fls. 1366).
12) Relativamente à intercepção das chamadas efectuadas de e para o
telefone com o número 666666666, foi determinada e autorizada em 18 de Setembro
de 2003, por um período de 60 dias (cfr. fls. 726).
Tal intercepção teve início em 30 de Setembro de 2003 (cfr. fls.
761).
Em 29 de Novembro cessaram essas intercepções (cfr. auto de fls.
1364).
Não obstante, do teor do auto de gravação de fls. 1312 decorre que
estas prosseguiram até ao dia 2 de Dezembro de 2003, quando deveriam ter só
prosseguido até ao dia 30 de Novembro.
Não obstante, destes dois dias em que foi excedido o prazo da
intercepção não adveio qualquer prejuízo para qualquer arguido, uma vez que, a
par do mencionado no ponto anterior, nenhuma das sessões gravadas nesse período
foi transcrita (cfr. fls. 1312), tendo sido antes desmagnetizadas.
13) Neste ponto, conforme teor de fls. 317 dos autos, foi
autorizada, de harmonia com o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de
Janeiro, a recolha de imagem e voz.
São aplacáveis a este regime de prova as formalidades previstas no
artigo 188.º do CPP.
Não obstante, não se fala nem no diploma em apreço, nem no artigo
188.º do CPP, na exigência da fixação de prazo, sob pena da nulidade prevista no
artigo 189.º do mesmo Código.
Assim, as formalidades previstas no artigo 188.º do CPP foram,
também no que se refere à recolha de imagem e voz, cumpridas, tendo havido,
também nesta parte, um efectivo controlo jurisdicional das mesmas (cfr. autos de
recolha de imagem de fls. 798, 799, 803, 807, 811, 814, 1285, 1323, 1341, os
quais foram trazidos ao conhecimento da magistrada judicial que os viu,
seleccionou e ordenou a extracção de fotogramas considerados relevantes e a
destruição dos restantes, conforme resulta dos despachos proferidos a fls. 827,
1328, 1361).
14) Em síntese, nenhuma nulidade se nos afigura ter sido cometida no
domínio das provas obtidas, mantidas nos autos e arroladas na acusação
deduzida, no seguimento das intercepções realizadas: as mesmas foram
autorizadas por despacho judicial e tiveram início no seguimento dessa
autorização, no mais curto espaço de tempo possível (e aqui haverá alguma
latitude para os órgãos de polícia criminal, ao contrário do alegado pela
arguida requerente, pois as necessidade de investigação poderão levar a que se
dê preferência à realização prévia de outras diligências; foi dado conhecimento
do início das mesmas ao magistrado judicial dentro do tal mais curto espaço de
tempo (atendendo à miríade de dificuldades técnicas e humanas que não deixam de
se abater sobre os esforços dos operadores judiciários, como o caso dos autos é
exemplo; veja‑se a este propósito o Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de
Dezembro de 2001, Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, tomo V, p. 148, e o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 407/97, publicado no Diário da
República, II Série, de 18 de Julho de 1997); houve efectivo e real controlo
jurisdicional dessas mesmas intercepções, com a audição das sessões em apreço e
inclusivamente a ordem judicial de transcrição de sessões que não vinham
assinaladas como tendo interesse para a investigação (cfr. fls. 359).
Em conformidade com o exposto e ao abrigo das normas legais supra
citadas, indefiro a arguida declaração de nulidade.
Sem prescindir, sempre se dirá que os restantes elementos de prova
carreados para os autos, entre depoimentos testemunhais, aqui se incluindo as
declarações para memória futura realizadas, as apreensões efectuadas, os
diversos documentos juntos aos autos e demais elementos probatórios
descriminados na acusação pública, articulados entre si, permitem a imputação
indiciária, aliás faremos notar, permitem a imputação indubitavelmente forte da
prática indiciária dos factos por parte da arguida.
Equivale o exposto a concluir pela formulação de um juízo de
prognose de condenação da mesma se sujeita a julgamento pela prática respectiva,
ou seja, importa concluir pela prolação de despacho de pronúncia, nos termos do
artigo 308.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Penal.”
1.4. A referida arguida interpôs recurso para o Tribunal
da Relação do Porto contra a decisão instrutória, de 18 de Março de 2005, do
juiz de instrução criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, na
parte em que indeferiu a arguição de nulidade das escutas telefónicas e da
recolha de imagens e de voz. A motivação desse recurso termina com a formulação
das seguintes conclusões:
“1. A articulação das várias regras e princípios estabelecidos nos
artigos 126.°, n.º 3, 187.° e 188.° [do Código de Processo Penal] impõe a
adopção, entre outros, dos seguintes princípios em matéria de escutas
telefónicas:
A. O termo inicial do prazo das escutas não pode ser cometido ao
livre arbítrio da autoridade policial que executa as operações.
Quando não seja fixado pelo despacho que as ordena ou autoriza, o
termo inicial de vigência da autorização judicial terá de coincidir com a data
do próprio despacho ou, quando muito, com a da notificação desse despacho ao
Ministério Público.
B. O início da intercepção deve ser registado em auto lavrado
imediatamente, que terá de ser levado de imediato ao conhecimento do juiz, e
sempre que no decurso do prazo da vigência da autorização ocorra a intercepção e
gravação de qualquer conversa telefónica tem de ser lavrado imediatamente auto
desse facto e o mesmo, acompanhado dos suportes técnicos da gravação efectuada,
levado, de imediato, ao conhecimento do juiz, que terá de proceder também de
imediato à leitura do auto e ao controlo do seu conteúdo, através da audição
das gravações.
C. A ordem judicial de desmagnetização da parte das gravações de
escutas considerada sem interesse para o processo tem de ser executada
imediatamente.
2. Estes princípios são essenciais para garantir o «acompanhamento
contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato, na terminologia
legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real, em função do
decurso da escuta, de ser mantida ou alterada a decisão que a determinou» e «a
destruição, em tempo necessariamente breve, dos elementos recolhidos sem
interesse relevante para a prova, à qual, só por si, não obsta a fixação pelo
juiz de um prazo para a intercepção, no termo do qual esta deve findar».
3. Não o entendeu assim o douto acórdão [ter‑se‑á querido escrever
despacho] impugnado, que considerou:
– que o termo inicial do prazo concedido para as escutas coincide
com o momento em que o órgão de polícia criminal inicia, de facto e segundo a
sua avaliação da respectiva possibilidade e/ou oportunidade, as intercepções,
«no mais curto espaço de tempo possível», mas com «alguma latitude para os
órgãos de polícia criminal (…) pois as necessidades de investigação poderão
levar a que se dê preferência à realização prévia de outras diligências»;
– que não é obrigatório lavrar de imediato o auto de início de
gravação, podendo sê‑lo em momento posterior;
– que a exigência legal de imediação fica satisfeita se o auto de
gravação das intercepções for lavrado de vinte em vinte dias ou apenas no final
do prazo das intercepções e se for apresentado ao juiz, com os respectivos
suportes técnicos, «dentro do tal mais curto espaço de tempo (atendendo à
miríade de dificuldades técnicas e humanas)»;
– que essa imediação não é violada se o auto de gravação for
lavrado, num caso, 125 dias depois das intercepções que documenta, e, noutro, 80
dias (pelo menos) depois de efectuadas as intercepções e levado ao conhecimento
do juiz apenas 6 dias (pelo menos) depois, no primeiro dia útil seguinte à
remessa do processo ao Ministério Público;
– que não existe obrigação de proceder à imediata desmagnetização da
gravação das intercepções consideradas sem interesse;
– que não implica nulidade a apresentação ao juiz de um auto de
gravação quatro dias depois de esgotado o prazo que o próprio juiz
expressamente fixara para esse efeito;
– que não implica nulidade a prorrogação do prazo das escutas «antes
que o magistrado judicial tivesse tido acesso aos suportes magnéticos e ao
primeiro (anterior) auto de gravação»;
– que não está ferida de nulidade a transcrição de intercepções 125
dias depois do despacho que as considerou sem interesse e ordenou a
desmagnetização dos respectivos suportes de gravação;
– que não estão afectadas por nulidade escutas efectuadas após
findar o prazo de vigência duma autorização – de que não foi lavrado auto de fim
de intercepção, considerado não obrigatório pelo M.mo Juiz a quo – e antes de
ter sido concedida nova autorização;
– que não implica nulidade a desobediência, pelo órgão de polícia
criminal, à ordem de cancelamento das intercepções ou a continuação de
intercepções para além do prazo fixado pelo JIC.
4. Este conjunto de decisões e entendimentos implica uma
interpretação inconstitucional dos preceitos contidos nos artigos 126.°, n.º 3,
187.º, n.º 1, 188.°, n.ºs 1 a 4, e 189.º [do CPP], por ofensa do disposto nos
artigos 18.°, n.º 2, e 34.º, n.º 4, da CRP.
5. e determinou, no caso vertente, a validação de um conjunto de
procedimentos que inculcam que as escutas efectuadas no âmbito deste processo
estão, na sua globalidade, afectadas por irregularidades sistemáticas, que
implicam nulidade e revelam que, de facto, não foram acompanhadas pelo
magistrado judicial.
6. Em síntese e em concreto são as seguintes as irregularidades mais
salientes que afectam as escutas:
A. Telefones 111111111 e 222222222:
– considerando a data do despacho de autorização (renovação) das
escutas relativas a estes dois telefones, o prazo de sessenta dias terminou em
12 de Abril de 2003, pelo que as escutas realizadas após essa data, até 20 de
Abril, são ilegais e nulas;
– auto de início de intercepção só é lavrado vinte e dois [dias]
depois do facto que documenta;
– o único auto de gravação foi lavrado depois de o prazo das escutas
se ter esgotado, pelo que nem sequer foi respeitada a ordem proferida a fls.
317;
– o M.mo JIC não acompanhou as escutas, apenas tendo tomado
conhecimento do seu conteúdo vários meses depois de estas se iniciarem,
quarenta e cinco dias depois de terem terminado e trinta e seis dias depois de o
auto de gravação lhe ter sido facultado;
– o auto de gravação de fls. 352, confrontado com o teor da
informação de fls. 334, revela uma evidente falsidade, na medida em que nesta se
afirma que «em 11 de Março de 2003, foi contactado via telefone o Departamento
de Telecomunicações de Lisboa, tendo confirmado que as conversas estavam a ser
interceptadas desde 2 de Fevereiro de 2003, mas que não estavam a ser gravadas»
e naquele se mencionam intercepções e gravações efectuadas entre os dias 20 de
Fevereiro e 11 de Março de 2003;
B. Telefone 333333333:
– quanto às escutas relativas a este telefone valem as considerações
expendidas a respeito das anteriores, acrescendo que o segundo auto de gravação
foi lavrado oitenta e seis dias e o JIC só tomou conhecimento do seu conteúdo e
dos suportes magnéticos da gravação cento e vinte e sete dias depois de cessar
a intercepção.
C. Telefone 444444444:
– além das considerações de natureza geral expendidos na conclusão
1, que se aplicam também às escutas relacionadas com este telefone, acresce que
o auto de início da intercepção foi lavrado vinte e nove dias após este se ter
verificado;
– o M.mo JIC prorrogou a autorização para as escutas sem ter lido
qualquer auto de gravação nem ter tido acesso aos respectivos suportes
magnéticos e, portanto, ignorando por completo o teor e conteúdo dessas
escutas, que não acompanhou nem controlou;
– o 3.° auto de gravação diz respeito a escutas efectuadas entre os
dias 9 e 17 de Julho de 2003, ou seja, anteriores à data da elaboração do 1.º
auto e vinte dias anteriores à leitura deste auto pelo JIC e audição dos
respectivos suportes magnéticos;
– o 10.º auto de gravação (datado de 7 de Novembro de 2003 – fls.
795) foi lavrado 125 dias depois das intercepções que documenta e refere-se a
sessões de intercepção (de 14 de Julho de 2003 a 18 de Agosto de 2003) cujo
conteúdo já tinha sido considerado sem interesse por anteriores despachos que
tinham ordenado que os respectivos suportes técnicos fossem desmagnetizados;
– o 11.º auto de gravação foi elaborado cento e trinta e cinco dias
depois de efectuadas as escutas nele relatadas.
D. Telefone 555555555:
– as escutas foram iniciadas oito dias após o despacho que as
autorizou e o auto respectivo foi lavrado doze dias após a ocorrência do facto;
– o 1.º auto de gravação foi lavrado dezassete dias após a primeira
intercepção documentada e a gravação foi ouvida mais de vinte e três dias após
essa intercepção;
– o 2.° auto de gravação foi lavrado vinte dias após a primeiro
intercepção documentada e a gravação foi ouvida vinte e sete dias após essa
intercepção;
– o 3.° auto de gravação foi lavrado dezasseis dias após a primeira
intercepção documentada e a gravação foi ouvida vinte e um dias após essa
intercepção;
– o 4.° auto de gravação foi lavrado vinte e quatro dias após a
primeira intercepção documentada (e dezasseis dias após a última) e a gravação
foi ouvida trinta e dois dias após essa intercepção;
– o 5.° auto de gravação foi lavrado vinte e dois dias após a
primeira intercepção documentada e a gravação foi ouvida quarenta e seis dias
após essa intercepção;
– o 6.° auto de gravação foi lavrado trinta e cinco dias após a
primeira intercepção documentada e a gravação foi ouvida quarenta e um dias após
essa intercepção;
– o 7.° auto de gravação foi lavrado cinquenta e dois dias após a
primeira intercepção documentada e a gravação foi ouvida cinquenta e nove dias
após essa intercepção;
– não foi lavrado auto de fim das intercepções efectuadas a coberto
da primeira autorização relativa a este telefone e a segunda autorização foi
requerido e concedida sem nenhuma referência à autorização anterior, como se se
tratasse de uma primeira autorização;
– o 4.º auto de gravação abrange sessões de intercepções que estão
contidas no período temporal a que se reporta o 3.º auto, no qual, todavia,
foram omitidas, o que demonstra a falta de acompanhamento e controlo das escutas
por parte do JIC;
– a concessão do novo prazo de intercepção ocorre antes de o JIC ter
tido acesso ao 4.º auto de gravação que reporta intercepções efectuadas muito
tempo antes, cujo conteúdo o JIC só conheceu muito tempo depois;
– a ordem de cancelamento das escutas, proferida em 18 de Dezembro
de 2003, não foi respeitada pelo órgão de polícia criminal, que nelas prosseguiu
até 3 de Janeiro de 2004.
E. Telefone 666666666:
– o 1.º auto de gravação foi concluso ao JIC 21 dias após ter sido
dado início às intercepções; o 2.º auto, 28 dias após a primeira intercepção
nele referida; o 3.º auto, 27 dias após a primeira intercepção nele referida; e
o 4.º auto, 36 dias após a primeira intercepção nele referida, de onde se
conclui, além do mais, que não foi dado cumprimento à ordem exarada a fls. 726,
segundo a qual devia ser dado conhecimento ao JIC de 20 em 20 dias do auto
lavrado;
– foram efectuadas e registadas intercepções e gravações após o dia
29 de Novembro de 2003, mais de 60 dias após o início efectivo das escutas e,
por maioria de razão, da data do despacho que as autorizou;
– o auto de fim de intercepção de fls. 1364 é falso, na medida em
que nele se afirma que as escutas terminaram no dia 29 de Novembro de 2003, e
como se vê do auto de fls. 1312 esse facto não corresponde à verdade.
7. Acresce que, como se vê de fls. 213 e seguintes, os suportes das
gravações das escutas apenas foram desmagnetizadas e destruídas no dia 19 de
Julho de 2004, ou seja, mais de um ano após a primeira e mais de sete meses após
a última ordem proferidas nesse sentido.
8. Todas as circunstâncias que foram relevadas implicam a insanável
nulidade de todas as escutas telefónicas que foram efectuadas no âmbito deste
processo, por ofensa do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 188.° e atento o
preceituado no artigo 189.° [do CPP].
Sem prescindir:
9. O douto despacho de fls. 317 autorizou que se procedesse ao
registo de imagem e voz no âmbito das diligências de investigação a levar a cabo
no processo, mas não fixou qualquer prazo para essa autorização, nem
circunscreveu sequer o respectivo âmbito.
10. Desde, pelo menos, 7 de Agosto de 2003 (cf. fls. 616; v. fls.
798), o órgão de polícia criminal encarregado da investigação procedeu à
recolha, por diversas vezes, de imagens e vozes, incluindo através de gravação
vídeo, tendo lavrado os respectivos autos vários meses depois de recolhida essa
prova e só a tendo facultado ao JIC com igual atraso (v., a título
exemplificativo, fls. 827).
11. Tal meio de prova foi, por isso, obtido sem nenhuma espécie de
controlo ou acompanhamento do JIC pelo que padece de nulidade, por ofensa do
preceituado nos artigos 6.° da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, 187.°, 188.°,
189.° e 190.° [do CPP].
12. O douto despacho recorrido considera que não vigora para a
recolha de imagens e de voz a «exigência de fixação de prazo», porque nem o
artigo 6.° da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, nem o artigo 188.° [do CPP]
falam nessa exigência (na qua1 se inclui, está bom de ver, a de o auto lavrado
ser imediatamente facultado ao JIC).
13. Sufragou, assim, o M.mo Juiz a quo uma interpretação desses dois
preceitos, e ainda dos contidos nos artigos 187.°, 189.° e 190.º [do CPP], que,
pelas razões que ficaram explicitadas no n.º 1 do corpo desta motivação,
aplicáveis na sua totalidade à recolha de imagens e de voz, ofende o disposto
nos artigos 18.°, n.° 2, e 34.°, n.° 4, da CRP.”
1.5. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 1 de
Junho de 2005, negou provimento a este recurso, com a seguinte fundamentação:
“Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas
delimitam o seu objecto, a única questão suscitada pela recorrente a merecer
apreciação diz respeito à nulidade das escutas telefónicas efectuadas através
dos telefones identificados nas alíneas a) a e), inclusive, da conclusão n.º 6,
bem como da recolha de imagens e som a que aludem as conclusões n.ºs 9 a 13.
Estabelece o n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal que,
ressalvados os casos previstos na lei, são nulas as provas obtidas mediante a
intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
Aquele Código estabelece nos artigos 187.º e 188.º as condições em
que é permitida a intercepção e a gravação de conversações telefónicas, bem como
a forma a que devem obedecer.
Por sua vez, o artigo 6.º da Lei n.º 5/2002 estabelece as regras a
que há‑de obedecer a recolha de imagens e de voz.
Segundo a recorrente, as intercepções telefónicas e a recolha de
imagens e de voz de que foi alvo não obedeceram ao preceituado naquelas
disposições legais, estando assim feridas de nulidade nos termos do artigo
189.º do CPP.
Na 1.ª conclusão da motivação do recurso refere a recorrente os
princípios a que, no seu entender, por força do disposto nos artigos 126.º, n.º
3, 187.º e 188.º, devem obedecer as escutas telefónicas e que, também no seu
entender, não foram observados no processo.
Vejamos, antes de mais, o que preceituam aquelas disposições legais.
Estabelece o n.º 3 do artigo 126.º do CPP que, ressalvados os casos previstos na
lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida
privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o
consentimento do respectivo titular.
O artigo 187.º permite a intercepção e gravação de conversações ou
comunicações, estabelecendo as condições e os crimes relativamente aos quais
isso é possível, constituindo um dos casos a que alude a ressalva do n.º 3 do
artigo 126.º.
Assim, e no que interessa a esta decisão, a intercepção e gravação
das conversações só podem ser autorizadas por despacho de um juiz, por crimes
puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos, se houver razões
para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da
verdade ou para a prova.
Por sua vez, o artigo 188.º estabelece as formalidades a que devem
obedecer as intercepções e gravações das conversas telefónicas.
Dispõe o seu n.º 1 que da intercepção e gravação a que se refere o
artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos
análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou
autorizado as operações, com indicação das passagens das gravações ou elementos
análogos considerados relevantes.
O seu n.º 2 permite que o órgão de polícia criminal que proceder à
investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação
interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes
para assegurar os meios de prova.
O seu n.º 3 estabelece que se o juiz considerar os elementos
recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a transcrição em
auto e fá‑lo juntar ao processo e que, no caso de não se verificar essa
relevância, ordena a sua destruição.
Por fim, o seu n.º 4 estabelece que, para efeitos do número
anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando o entender conveniente, por órgão
de polícia criminal.
Defende o recorrente na alínea A) da conclusão n.º 1 que o termo inicial do
prazo das escutas não pode ser cometido ao livre arbítrio da autoridade
policial que executa as operações e que, quando o mesmo não for fixado pelo
despacho que as ordena ou autoriza, o termo inicial de vigência da autorização
terá de coincidir com a data do próprio despacho ou, quando muito, com a da
notificação do despacho ao Ministério Público.
Trata‑se de uma interpretação que não tem apoio na letra da lei nem se coaduna
com a tramitação processua1.
Com efeito, se, por um lado, as disposições legais acima referidas
nada estabelecem quanto a tal questão, por outro lado, a ordem ou autorização
das escutas não é de realização instantânea, estando dependente da realização de
diligências e actos processuais prévios necessários ao seu cumprimento, como é o
caso, por exemplo, das informações, junto das operadoras, sobre o IMEI a que os
telefones móveis estão associados, os quais obedecem a prazos processuais e
levam o seu tempo a cumprir, podendo mesmo ser solicitada a sua realização a
juízes dos lugares onde possam ser efectuadas as intercepções ou da sede da
entidade competente para a investigação criminal. Tanto mais que as comunicações
entre os vários agentes intervenientes no processo com vista à realização das
escutas não podem ser efectuadas através de simples telefonemas, devendo antes
ser documentadas nos autos, por forma a poderem permitir a verificação de que
numa matéria tão sensível como esta foram cumpridas todas as formalidades
legais. Assim, só após ter tomado conhecimento oficial da ordem ou autorização
para efectuar as escutas telefónicas é que a autoridade encarregada de a ela
proceder pode dar‑lhe início, pelo que nunca o termo inicial de vigência da
autorização poderia coincidir com a data do despacho ou com a notificação deste
ao Ministério Público. Se assim fosse, atendendo ao tempo necessário à
comunicação do despacho, o prazo estabelecido acabaria por ficar encurtado.
Importa ainda ter em atenção que as escutas telefónicas estão dependentes de
meios técnicos que levam algum tempo a ser accionados (questão que não tem nada
a ver com a disponibilidade de meios técnicos e humanos e com as dificuldades do
exercício da função jurisdicional, nomeadamente no domínio da instrução
criminal, muitas vezes abrangendo mais do que uma comarca, referida pelo senhor
juiz de instrução no despacho recorrido e a que a recorrente respondeu na
motivação do recurso, a fls. 132, invocando em seu favor o Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 528/2003, de 31 de Outubro de 2003), nomeadamente junto das
operadoras de telecomunicações. Acresce que, nos termos do n.º 2 do artigo 187.º
do CPP, a ordem ou autorização podem ser solicitadas ao juiz dos lugares onde
eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação ou da sede da
entidade competente para a investigação criminal, tratando‑se de um determinado
número de crimes nele elencados, entre os quais o de associação criminosa
previsto no artigo 299.º do Código Penal, sendo certo que a arguida foi acusada
e pronunciada pela prática daquele crime, tendo, no despacho recorrido, sido
solicitada a colaboração, para as intercepções, da Polícia Judiciária (Director
do Departamento de Telecomunicações), por o órgão de polícia criminal incumbido
da investigação não dispor de meios técnicos que lhe permitissem efectuar as
intercepções. Não se pode esquecer, por outro lado, que os senhores magistrados
judiciais e do Ministério Público e senhores funcionários judiciais e de
investigação criminal têm prazos para efectuar as diligências.
Na alínea b) da conclusão n.º 1 suscita a recorrente duas questões
distintas: uma relativamente ao auto que deve ser lavrado dando conta do início
da intercepção e gravação e outra relativamente à intercepção e gravação de
qualquer conversa dentro do prazo estabelecido.
Quanto à primeira, se bem percebemos o que a recorrente quis dizer,
defende que logo que tenha início a intercepção deve, de imediato, ser lavrado
um auto, levado, também de imediato, ao conhecimento do juiz.
Da letra do n.º 1 do artigo 188.º do CPP não resulta que o mesmo
impõe que, logo que tenham sido iniciadas as intercepções, tenha, imediatamente,
de ser lavrado o auto e que este, de imediato, tenha de ser levado ao
conhecimento do juiz.
Com efeito, o que o mesmo estabelece é que tem de ser lavrado auto
da intercepção ou gravação e que, uma vez efectuadas as gravações, o auto, junto
com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao
conhecimento do juiz.
Se o auto tem de ser levado ao conhecimento do juiz juntamente com
as fitas gravadas ou elementos análogos, tal só pode acontecer depois de a
intercepção ter sido iniciada e de terem sido efectuadas gravações, não podendo
ser de outro modo.
O termo imediatamente refere‑se ao auto juntamente com as fitas
gravadas ou elementos análogos, que devem ser levados ao juiz, e não ao auto do
início de intercepção e gravação.
O imediatamente, aqui, tem de ser entendido em termos hábeis, pois
que o n.º 2 do artigo 188.º do CPP permite que o órgão de polícia criminal que
proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da
comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares
necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, e pode muito bem
acontecer que, devido à extensão das conversações, a sua audição pelo órgão de
polícia criminal leve alguns dias. Além disso, de harmonia com a parte final do
n.º 1 da mesma disposição legal, o auto é apresentado ao juiz com a indicação
das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para
a prova, o que significa que, para dar cumprimento a tal preceito legal, a
entidade que tiver procedido às intercepções deve ouvir previamente as
gravações, pois só assim pode ficar a saber quais as que são relevantes para a
prova, o que pode demorar mais ou menos tempo consoante a extensão das gravações
e que tem necessariamente de ser levado em conta na interpretação do que deve
ser a apresentação imediata ao juiz.
Defende a recorrente que sempre que, dentro do prazo de vigência da
autorização, houver intercepção e gravação de qualquer conversa telefónica, tem
de ser lavrado imediatamente auto desse facto e o mesmo, acompanhado dos
suportes técnicos da gravação efectuada, levado de imediato ao conhecimento do
juiz, que terá de proceder também de imediato à sua leitura e ao controlo do
seu conteúdo através da audição das gravações.
Significa isto, se bem interpretamos o que a arguida quer dizer,
que, dentro do prazo concedido para a realização das escutas, de cada vez que
for efectuada a intercepção e gravação de uma conversa telefónica, deve ser
imediatamente lavrado um auto, levado de imediato ao conhecimento do juiz
juntamente com os suportes técnicos, o qual, também de imediato, deve proceder
à sua leitura e ao controlo do conteúdo da audição das gravações. Ou seja,
relativamente a cada telefonema gravado deveria ser imediatamente lavrado um
auto e imediatamente também levado ao conhecimento do juiz que, imediatamente,
devia proceder à audição da gravação. Assim, se, por exemplo, num só dia
houvesse 50 telefonemas gravados deviam ser lavrados 50 autos e seguir‑se o
mesmo procedimento em relação a cada um deles.
Ora, para além de a letra da lei não consentir tal interpretação,
tal procedimento só seria tecnicamente possível se relativamente a cada
gravação autorizada houvesse um funcionário a controlar permanentemente a
gravação e bem assim um juiz permanentemente disponível para ouvir a gravação e
controlar o seu conteúdo, o que, como é por demais evidente, não é tecnicamente
possível.
Certamente que não foi este o pensamento do legislador. Ao
estabelecer as regras a que devem obedecer as escutas telefónicas, o legislador
não pode ter deixado de ponderar a sua viabilidade técnica. Caso contrário,
estava a conceder, por um lado, a possibilidade de obtenção de meios de prova
através das intercepções telefónicas e, por outro lado, a inviabilizá-la.
Nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 188.º do CPP, no caso
de os elementos recolhidos não terem relevância para a prova, o juiz ordena a
sua destruição. Não estabelece aquela disposição legal o prazo para que tal
operação seja efectuada nem refere, sequer, que o deva ser imediatamente.
Como decorre do artigo 188.º do CPP, não estabelece este quaisquer
prazos para a realização dos procedimentos a adoptar na intercepção e gravação
das conversas telefónicas. No que a esta questão diz respeito, apenas o seu n.º
1 impõe que o auto da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior
seja imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou
autorizado as operações. Assim, a questão que se coloca e que foi já objecto de
vários acórdãos do Tribunal Constitucional é a da interpretação do que deve ser
entendido por imediatamente, por referência ao período de tempo considerado
razoável para que tais operações devam ser efectuadas sem que se possa dizer que
não houve por parte do juiz de instrução um acompanhamento efectivo das mesmas,
e não propriamente prazos certos em que as operações devam ser efectuadas. Deste
modo, os períodos de tempo referidos nos acórdãos do Tribunal Constitucional
sobre esta questão, citados pela recorrente na motivação do recurso, bem como
noutros, têm a ver tão‑só com o entendimento de que as escutas telefónicas devem
ter um acompanhamento efectivo do juiz de instrução e não com um prazo certo
para que as operações sejam efectuadas, mesmo porque, como já acima foi dito, o
artigo 188.º do CPP não estabelece quaisquer prazos para o efeito, isto porque
em qualquer dos acórdãos citados não foi fixado um prazo concreto com
correspondência ao termo «imediatamente», tendo‑se tomado posição apenas
relativamente aos prazos em que decorrem as operações nas decisões recorridas.
Vejamos, então, em resumo, algumas decisões do Tribunal
Constitucional sobre esta questão.
No Acórdão n.º 407/97, decidiu o Tribunal Constitucional «julgar
inconstitucional, por violação do disposto no n.º 6 do artigo 32.º da
Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal,
quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação
de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado
ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a
junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns
deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao
processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da
decisão que ordenou as escutas».
No Acórdão n.º 347/2001, escreveu‑se que «cobrir» situações como a
de o auto de transcrição ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a
intercepção e gravação das comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a
gravidade do crime investigado e a necessidade daquele meio de obtenção de
prova, restringe despropositadamente o direito à inviolabilidade de um meio de
comunicação privado e faculta uma ingerência neste meio para além do que se
considera ser constitucionalmente admissível, que ficar no desconhecimento do
juiz, por tal lapso de tempo, o teor das comunicações interceptadas significa o
desacompanhamento próximo e o controlo judiciais do modo como a escuta se
desenvolve, e que autorizar novos períodos de escuta, a mero requerimento do
Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do conhecimento
judicial do resultado da intercepção anterior, continua a significar a mesma
ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz.
E no Acórdão n.º 379/2004 decidiu‑se: a) julgar inconstitucional,
por violação das disposições conjugados dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.º s 1
e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante
do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quer na redacção anterior
quer na posterior à que foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de
Dezembro, quando interpretada no sentido de uma intercepção telefónica,
inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar‑se, sendo
prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, sem que previamente o
juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das conversações; e b) julgar
inconstitucional, por violação dos mesmos preceitos da Constituição da
República Portuguesa, a citada norma na interpretação segundo a qual a primeira
audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer
mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações
telefónicas.
XXX
As escutas telefónicas relativamente aos telefones indicados nas
alíneas a) a e) das conclusões desenvolveram‑se pela forma apontada pela
recorrente a fls. 134 a 139 dos presentes autos, que, por estarem disponíveis
no processo, nos dispensamos de transcrever.
As irregularidades, nulidades e ilegalidades de que as mesmas,
segundo a recorrente, padecem, bem como os períodos de tempo e as datas por ela
consideradas estão em conformidade com a interpretação que a mesma faz
sobretudo do artigo 188.º do CPP, a qual, como resulta do que acima foi
escrito, não coincide com a interpretação que nós fazemos desta disposição
legal.
Da análise do desenvolvimento das escutas telefónicas sobressai o
facto de, relativamente a todas elas, a sua audição e ordem de desmagnetização
por parte do senhor juiz ter ocorrido em prazos que consideramos não excederem
o que é exigível. Assim, relativamente aos telefones n.ºs 111111111, 222222222 e
333333333, o fim da intercepção ocorreu no dia 20 de Abril de 2003, o processo
foi concluso ao senhor juiz de instrução no dia 29 de Abril de 2003, tendo a sua
audição e ordem de desmagnetização ocorrido no dia 4 de Junho de 2003.
Relativamente ao último daqueles números há a acrescentar um auto de gravação
lavrado no dia 8 de Julho de 2003, tendo o processo sido concluso ao senhor
juiz de instrução para audição no dia 14 de Julho de 2003, tendo a audição e a
ordem de desmagnetização ocorrido no dia 17 de Julho de 2003. Quanto ao telefone
n.º 444444444, procedeu o senhor juiz de instrução à audição e ordem de
desmagnetização das diversas escutas efectuadas, cujo início ocorreu no dia 18
de Junho de 2003, em 1 de Agosto de 2003, 8 de Agosto de 2003, 14 de Agosto de
2003, após 20 de Agosto de 2003, 6 de Setembro de 2003, após 16 de Setembro de
2003, 6 de Outubro de 2003, 14 de Novembro de 2003 e 24 de Novembro de 2003. Das
escutas ao telefone n.º 555555555, efectuadas entre 22 de Agosto de 2003 e 30 de
Janeiro de 2004, procedeu o senhor juiz de instrução à sua audição e ordenou a
desmagnetização após 16 de Setembro de 2003, 6 de Outubro de 2003, 22 de Outubro
de 2003, 14 de Novembro de 2003, 19 de Dezembro de 2003, 30 de Dezembro de 2003
e 6 de Fevereiro de 2004. Relativamente ao telefone n.º 666666666, cuja
intercepção teve início em 30 de Setembro de 2003 e se prolongou até 2 de
Dezembro de 2003, procedeu o senhor juiz de instrução à sua audição e ordenou a
desmagnetização em 22 de Outubro de 2003, 14 de Novembro de 2003, 3 de Dezembro
de 2003 e 19 de Dezembro de 2003.
XXX
No mesmo despacho em que ordenou as escutas telefónicas a que se
alude nas alíneas a) e b), com os mesmos fundamentos e com base no disposto nos
artigos 1.º, n.º 1, alínea i), e 6.º, ambos da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro,
autorizou o senhor juiz de instrução se procedesse ao registo de imagem e voz no
âmbito das diligências de investigação a levar a cabo.
Estabelece o artigo 6.º daquele diploma legal o seguinte:
«1 – É admissível, quando necessário para a investigação de crimes
referidos no artigo 1.º, o registo de voz e imagem, por qualquer meio, sem
consentimento do visado.
2 – A produção destes registos depende de prévia autorização ou
ordem do juiz, consoante os casos.
3 – São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias
adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo
Penal.»
No caso, a produção dos registos de imagem e som foi previamente
autorizada por um despacho de um juiz.
São‑lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as formalidades
previstas no artigo 188.º do CPP.
Foram efectuadas recolhas de imagem e som, de que foram lavrados os
respectivos autos datados de 1, 8, 15 e 22 de Setembro e 1 e 6 de Outubro,
todos de 2003.
Tal recolha processou‑se, ao que resulta dos respectivos autos,
entre 7 de Agosto de 2003 e 29 de Setembro do mesmo ano.
O seu visionamento foi efectuado pelo senhor juiz de instrução no
dia 14 de Novembro de 2003, tendo este, nessa mesma data, ordenado a extracção
de fotografias consideradas relevantes para a prova, o que foi feito no dia 19
do mesmo mês e ano, e a desmagnetização quanto aos restantes registos de
imagem.
Após aquela data foram recolhidas imagens e som até 20 de Janeiro de
2004, visionadas por duas vezes pelo senhor juiz de instrução.
XXX
As datas e períodos de tempo a que a recorrente alude no que diz
respeito às datas de início e termo das intercepções e gravações das conversas
telefónicas e aos períodos de tempo durante os quais decorreram têm como
referência a interpretação que por ela é feita do artigo 188.º do CPP,
interpretação que, segundo o nosso entendimento, pelas razões acima aduzidas,
não é a correcta.
Da forma como foram efectuadas resulta que houve um acompanhamento
muito próximo das mesmas por parte do senhor juiz de instrução.
É certo que não foi cumprida a sua ordem dada no despacho proferido
no dia 31 de Janeiro de 2003 no sentido de, antes de findar o período de 60 dias
de intercepção e gravação, lhe ser dado, de imediato, [conhecimento] do auto
lavrado. O não cumprimento de tal ordem mostra‑se, no entanto, plenamente
justificado, não sendo cominado como nulidade em qualquer disposição legal.
Quando muito, poderia constituir uma irregularidade que, todavia, não teve
qualquer influência na decisão, nomeadamente em termos de causar qualquer
prejuízo à arguida.
Relativamente à invocada falsidade do auto de início de intercepção
e gravação elaborado no dia 12 de Março de 2003, há um lapso manifesto da
recorrente quando refere que da informação de fls. 334 (fls. 10 dos presentes
autos) resulta que as conversações estavam a ser interceptadas desde 2 de
Fevereiro de 2003, pois o que consta de tal informação é que «Em 11 de Março de
2003, foi contactado via telefone o Departamento de Telecomunicações de Lisboa,
tendo confirmado que as conversas estavam a ser interceptadas desde 20 de
Fevereiro de 2003, mas que não estavam a ser gravadas», sendo certo que do auto
de gravação de conversações telefónicas de fls. 352 (fls. 12 destes autos),
consta esta data como a do início da gravação das conversações, não se
verificando assim qualquer falsidade.
Dispõe o n.º 4 do artigo 34.º da CRP que «É proibida toda a
ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e
nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de
processo criminal».
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 18.º estatui que «As leis só podem
restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente
previstos na Constituição, devendo as restrições limitar‑se ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
Estabelece este último normativo o princípio da proporcionalidade a
que deve obedecer o constrangimento dos direitos, liberdades e garantias.
Os meios de comunicação são usados com muita frequência, com
sucesso, pelos agentes dos chamados crimes de «colarinho branco».
Dada a natureza de tais crimes e as suas implicações, a sua prática,
se não for combatida eficazmente, pode mesmo pôr em causa o normal
funcionamento de um Estado de Direito e, consequentemente, outros direitos
constitucionalmente protegidos e até mais importantes do que aqueles a que se
referem os presentes autos. Entendemos, por isso, que a interpretação que [foi]
feita no despacho recorrido do disposto no artigo 188.º do CPP não viola o
princípio da proporcionalidade estabelecido no n.º 2 do artigo 18.º da
Constituição da República Portuguesa e, consequentemente, que não foram
violadas as disposições desta indicadas pela recorrente.
XXX
Deste modo, nega-se provimento ao recurso.”
1.6. Notificada deste acórdão, dele interpôs a mesma
arguida recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por
último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver
apreciada a inconstitucionalidade (que teria sido suscitada no requerimento de
instrução e na motivação do recurso que interpôs da decisão instrutória para o
Tribunal da Relação do Porto) das normas contidas:
“A. Nas disposições conjugadas dos artigos 126.°, n.º 3, 187.°, n.º
1, 188.°, n.º s 1 a 4, e 189.° do Código de Processo Penal, por ofensa do
disposto nos artigos 18.°, n.º 2, e 34.°, n.º 4, da CRP, na interpretação
adoptada segundo a qual:
– o termo inicial do prazo concedido para as escutas coincide com o
momento em que o órgão de polícia criminal inicia, de facto e segundo a sua
avaliação da respectiva possibilidade e/ou oportunidade, as intercepções, «no
mais curto espaço de tempo possível», mas com «alguma latitude para os órgãos
de polícia criminal (…) pois as necessidades de investigação poderão levar a
que se dê preferência à realização prévia de outras diligências»;
– não é obrigatório lavrar de imediato o auto de início de gravação,
podendo sê‑lo em momento posterior;
– a exigência legal de imediação fica satisfeita se o auto de
gravação das intercepções for lavrado de vinte em vinte dias ou apenas no final
do prazo das intercepções e se for apresentado ao Juiz, com os respectivos
suportes técnicos, «dentro do tal mais curto espaço de tempo (atendendo à
miríade de dificuldades técnicas e humanas)»;
– essa imediação não é violada se o auto de gravação for lavrado,
num caso, 125 dias depois das intercepções que documenta, e, noutro, 80 dias
(pelo menos) depois de efectuadas as intercepções e levado ao conhecimento do
Juiz apenas 6 dias (pelo menos) depois, no primeiro dia útil seguinte à remessa
do processo ao Ministério Público;
– não existe obrigação de proceder à imediata desmagnetização da
gravação das intercepções consideradas sem interesse;
– não implica nulidade a apresentação ao Juiz de um auto de gravação
quatro dias depois de esgotado o prazo que o próprio Juiz expressamente fixara
para esse efeito;
– não implica nulidade a prorrogação do prazo das escutas «antes que
o magistrado judicial tivesse tido acesso aos suportes magnéticos e ao primeiro
(anterior) auto de gravação»;
– não está ferida de nulidade a transcrição de intercepções 125
dias depois do despacho que as considerou sem interesse e ordenou a
desmagnetização dos respectivos suportes de gravação;
– não estão afectadas por nulidade escutas efectuadas após findar o
prazo de vigência duma autorização – de que não foi lavrado auto de fim de
intercepção, considerado não obrigatório pelo M.mo Juiz – e antes de ter sido
concedida nova autorização;
– não implica nulidade a desobediência pelo órgão de polícia
criminal à ordem de cancelamento das intercepções ou a continuação de
intercepções para além do prazo fixado pelo JIC.
B. Nas disposições conjugadas dos artigos 6.º da Lei n.º 5/2002, de
11 de Janeiro, 187.°, 188.°, 189.° e 190.° do Código de Processo Penal – por
ofensa do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 34.°, n.º 4, da CRP – na
interpretação adoptada segundo a qual não vigora para a recolha de imagens e de
voz a «exigência de fixação de prazo» (na qual se inclui a de o auto lavrado ser
imediatamente facultado ao JIC) e que considera válida, como meio de prova, a
recolha de imagens e vozes, incluindo através de gravação vídeo, cujos autos
apenas foram lavrados vários meses depois de recolhida essa prova e de cujo
conteúdo o JIC só então tomou conhecimento.”
1.7. Neste Tribunal Constitucional, a recorrente
apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
“1. O douto acórdão impugnado interpretou as disposições conjugadas
dos artigos 126.°, n.º 3, 187.°, n.º 1, 188.º, n.ºs 1 a 4, e 189.º do Código de
Processo Penal no sentido de que:
– o termo inicial do prazo concedido para as escutas coincide com o
momento em que o órgão de polícia criminal inicia, de facto e segundo a sua
avaliação da respectiva possibilidade e/ou oportunidade, as intercepções, «no
mais curto espaço de tempo possível», mas com «alguma latitude para os órgãos
de polícia criminal (…) pois as necessidades de investigação poderão levar a
que se dê preferência à realização prévia de outras diligências»;
– não é obrigatório lavrar de imediato o auto de início de gravação,
podendo sê‑lo em momento posterior;
– a exigência legal de imediação fica satisfeita se o auto de
gravação das intercepções for lavrado de vinte em vinte dias ou apenas no final
do prazo das intercepções e se for apresentado ao Juiz, com os respectivos
suportes técnicos, «dentro do tal mais curto espaço de tempo (atendendo à
miríade de dificuldades técnicas e humanas)»;
– essa imediação não é violada se o auto de gravação for lavrado,
num caso, 125 dias depois das intercepções que documenta, e, noutro, 80 dias
(pelo menos) depois de efectuadas as intercepções e levado ao conhecimento do
Juiz apenas 6 dias (pelo menos) depois, no primeiro dia útil seguinte à remessa
do processo ao Ministério Público;
– não existe obrigação de proceder à imediata desmagnetização da
gravação das intercepções consideradas sem interesse;
– não implica nulidade a apresentação ao Juiz de um auto de gravação
quatro dias depois de esgotado o prazo que o próprio Juiz expressamente fixara
para esse efeito;
– não implica nulidade a prorrogação do prazo das escutas «antes que
o magistrado judicial tivesse tido acesso aos suportes magnéticos e ao primeiro
(anterior) auto de gravação»;
– não está ferida de nulidade a transcrição de intercepções 125 dias
depois do despacho que os considerou sem interesse e ordenou a desmagnetização
dos respectivos suportes de gravação;
– não estão afectadas por nulidade escutas efectuadas após findar o
prazo de vigência duma autorização – de que não foi lavrado auto de fim de
intercepção, considerado não obrigatório pelo M.mo Juiz – e antes de ter sido
concedida nova autorização;
– não implica nulidade a desobediência pelo órgão de polícia
criminal à ordem de cancelamento das intercepções ou a continuação de
intercepções para além do prazo fixado pelo JIC.
2. Tais normas, assim interpretadas, são inconstitucionais, por
ofensa do disposto nos artigos 18.°, n.º 2, e 34.º, n.º 4, da CRP.
3. Por outro lado, o douto acórdão recorrido interpretou as
disposições conjugadas dos artigos 6.° da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e
187.º, 188.°, 189.º e 190.º do Código de Processo Penal no sentido de que não
vigora para a recolha de imagens e de voz a «exigência de fixação de prazo» (na
qual se inclui a de o auto lavrado ser imediatamente facultado ao JIC) e de que
é válida, como meio de prova, a recolha de imagens e vozes, incluindo através
de gravação vídeo, cujos autos apenas foram lavrados vários meses depois de
recolhida essa prova e de cujo conteúdo o JIC só então tomou conhecimento.
4. Esse complexo normativo, assim interpretado, é inconstitucional porque
ofende o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 34.°, n.º 4, da CRP.”
1.8. O representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional contra‑alegou, concluindo:
“1 – Iniciada uma intercepção telefónica, a observação do carácter
imediato da apresentação ao juiz, a que alude o n.º 1 do artigo 188.° do Código
de Processo Penal (na redacção do Decreto‑Lei n.º 320-C/2000, de 15 de
Dezembro), tem como prazo inicial a real existência de uma conversação gravada
e como prazo final a análise – ainda que necessariamente urgente e prioritária –
por parte do órgão de polícia criminal, dos elementos recolhidos, que lhe
permita indicar com rigor quais os considerados relevantes para a prova.
2 – Apenas as invalidades que simultaneamente ponham em causa
normas ou princípios constitucionais, violando‑os, designadamente em matéria de
direitos fundamentais, podem fundamentar a existência de juízos de
inconstitucionalidade.
3 – Relativamente aos procedimentos e operações referidos no n.º 3
do artigo 188.° do Código de Processo Penal – os quais têm como pressuposto que
as intercepções e gravações anteriormente ordenadas já não decorrem – não é
exigível o grau de imediatismo expressamente estabelecido no n.º 1 do mesmo
preceito.
4 – Direito à imagem e à palavra constituem realidades distintas da
inviolabilidade dos meios de comunicações privadas, não sendo igual a exigência
constitucional relativamente à observância de prazos de controlo judicial na
obtenção dos respectivos elementos de prova, não resultando, aliás, da norma do
n.º 3 do artigo 6.° da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, a existência de uma
aplicação necessariamente automática de todo o regime do artigo 188.° do Código
de Processo Penal, relativamente a escutas telefónicas.
5 – Atentas as circunstâncias do caso concreto em apreciação, o
controlo judicial dos elementos recolhidos através do recurso a escutas
telefónicas e a imagens recolhidas, teve lugar em prazos constitucionalmente
razoáveis, não resultando violados princípios ou normas constitucionais, pelo
que deverá improceder o presente recurso.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. A recorrente baseia a inconstitucionalidade das
normas impugnadas na violação do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 34.º, n.º
4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O artigo 34.º da CRP, após proclamar, no n.º 1, a
inviolabilidade do domicílio e do sigilo da correspondência e dos outros meios
de comunicação privada, considera, no n.º 4, “proibida toda a ingerência das
autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais
meios de comunicação, salvo os demais casos previstos na lei em matéria de
processo criminal” (o inciso “e nos demais meios de comunicação” foi aditado
pela revisão constitucional de 1997, tendo em vista as modernas formas de
comunicação à distância, que não correspondem aos sentidos tradicionais de
correspondência ou de telecomunicações). Da formulação literal do n.º 4 do
artigo 34.º da CRP resulta a limitação directa da admissibilidade da
“ingerência ... nas comunicações” ao âmbito do processo criminal e a sua
sujeição a reserva de lei. Mas desse preceito constitucional já não resulta, ao
menos de forma explícita e directa, a sujeição da “ingerência” a reserva de
decisão judicial, como, diversamente, o precedente n.º 2 faz relativamente à
entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade, que só pode ser ordenada
“pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na
lei”.
Representando a intercepção e gravação de conversações
telefónicas uma restrição a um direito fundamental, esta restrição deve
limitar‑se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos, sem jamais diminuir a extensão e o alcance do
conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da
CRP).
2.2. Assim definidos os parâmetros constitucionais tidos
por relevantes para a apreciação do mérito do presente recurso, interessará
recordar a evolução do quadro legal relativo à efectivação de escutas
telefónicas no âmbito do processo criminal, com menção da jurisprudência do
Tribunal Constitucional sobre a matéria, o que foi objecto de desenvolvido
tratamento no recente Acórdão n.º 426/2005, de que se retomarão as passagens
essenciais.
Na versão originária do CPP, o artigo 187.º condicionava
a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas a: (i)
ordem ou autorização por despacho judicial; (ii) estarem em causa crimes: 1)
puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos; 2) relativos ao
tráfico de estupefacientes; 3) relativos a armas, engenhos, matérias explosivas
e análogas; 4) de contrabando; ou 5) de injúrias, de ameaças, de coacção e de
intromissão na vida privada, quando cometidos através de telefone (o Decreto‑Lei
n.º 317/95, de 28 de Novembro, substituiu a expressão “intromissão na vida
privada”, usada no artigo 180.º da versão originária do Código Penal, por
“devassa da vida privada e perturbação da paz e sossego”, em conformidade com as
designações dos ilícitos previstos nos artigos 192.º e 190.º, n.º 2, do Código
Penal revisto pelo Decreto‑Lei n.º 48/95, de 15 de Março); e (iii) haver razões
para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da
verdade ou para a prova (n.º 1). Proibia‑se, porém, a intercepção e a gravação
de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o
juiz tivesse fundadas razões para crer que elas constituíam objecto ou elemento
do crime (n.º 3). As formalidades das operações eram estabelecidas no artigo
188.º, que determinava que: (i) da intercepção ou gravação fosse lavrado auto, o
qual, juntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos, devia ser
imediatamente levado ao conhecimento do juiz que ordenara ou autorizara as
operações (n.º 1); (ii) o juiz, se considerasse os elementos recolhidos, ou
alguns deles, relevantes para a prova, fá‑los‑ia juntar ao processo, ou, caso
contrário, ordenava a sua destruição, ficando todos os participantes nas
operações ligados por dever de sigilo relativamente àquilo de que tivessem
tomado conhecimento (n.º 2); (iii) o arguido e o assistente, bem como as pessoas
cujas conversações tiverem sido escutadas, podiam examinar o auto para se
inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópia dos
elementos naquele referidos (n.º 3), excepto se, tratando‑se de operações
ordenadas no decurso do inquérito ou da instrução, o juiz tivesse razões para
crer que o conhecimento do auto ou das gravações pelo arguido ou pelo
assistente podia prejudicar as finalidades do inquérito ou da instrução (n.º
4). Nos termos do artigo 189.º, todos os requisitos e condições referidos nos
artigos 187.º e 188.º eram estabelecidos sob pena de nulidade, e o artigo 190.º
estendia o disposto nos três artigos anteriores às conversações ou comunicações
transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone.
As normas contidas nos referidos artigos 187.º, n.º 1, e
190.º foram apreciadas, em sede de fiscalização preventiva da
constitucionalidade, pelo Tribunal Constitucional, que, no Acórdão n.º 7/87, não
se pronunciou pela sua inconstitucionalidade, por entender que, “face à natureza
e gravidade dos crimes a que se aplicam (...) se afigura que tais restrições [ao
direito à intimidade da vida privada e familiar”, consagrado no artigo 26.º, n.º
1, da CRP] não infringem os limites da necessidade e proporcionalidade exigidos
pelos citados números [n.ºs 2 e 3] do artigo 18.º da Constituição”.
A regulamentação legal da matéria em causa na versão
originária do CPP, pelo seu relativo laconismo, suscitou diversas dúvidas de
interpretação e de aplicação: qual o prazo de duração das escutas; quem tem
legitimidade para as requerer ao juiz; qual o relacionamento entre órgão de
polícia criminal, magistrado do Ministério Público e juiz de instrução; se a
proibição do n.º 3 do artigo 187.º é extensível a conversações com pessoas que,
para além do defensor, estejam legitimadas a recusar depoimento em nome de
outros tipos de sigilo profissional (artigo 135.º) ou que, em geral, possam
recusar‑se a depor como testemunhas (artigo 134.º); qual o conteúdo do auto de
intercepção e gravação; qual a oportunidade de efectivação da transcrição e da
destruição; como se efectiva o acesso do arguido, do assistente e das pessoas
escutadas ao auto e às gravações; se a nulidade referida no artigo 189.º
respeita a nulidade da prova ou a nulidade processual e se, neste caso, é
sanável ou insanável, etc.
Foi neste contexto que foi emitido o Parecer
(complementar) n.º 92/91, do Conselho Consultivo da Procuradoria‑Geral da
República, de 17 de Setembro de 1992 (cuja fundamentação foi integralmente
transcrita no n.º 2.4. do citado Acórdão n.º 426/2005), cuja doutrina foi
sintetizada nas seguintes conclusões:
“1.ª – Da intercepção e gravação das comunicações telefónicas ou
similares é lavrado um auto (artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal –
CPP);
2.ª – O referido auto deve inserir a menção do despacho judicial que
ordenou ou autorizou a intercepção e da pessoa que a ela procedeu, a
identificação do telefone interceptado, o circunstancialismo de tempo, modo e
lugar da intercepção, bem como o conteúdo da gravação necessária à decisão
judicial sobre o que deverá ou não constar do processo penal respectivo;
3.ª – A transcrição do conteúdo da gravação a que se refere a alínea
anterior deverá abranger a integralidade dos elementos da comunicação
telefónica ou similar interceptada que a entidade responsável pelas operações
considere de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes
previstos no artigo 187.º, n.º 1, do CPP;
4.ª – O conteúdo da gravação, que àquela entidade se revelar
destituído de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes
referidos na conclusão anterior, deverá ser mencionado naquele auto, tão só de
modo genérico com a mera referência à sua natureza ou tema, sob a égide do
respeito do direito à intimidade da vida privada dos cidadãos;
5.ª – Lavrado o referido auto, é imediatamente levado ao
conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a intercepção telefónica
ou similar (artigo 188.º, n.º 1, do CPP);
6.º – O juiz, por despacho, ordenará a junção ao processo dos
elementos relevantes para a prova e a destruição dos irrelevantes, incluindo a
desmagnetização das «cassetes» ou bandas magnéticas (artigo 188.º, n.º 2, do
CPP);
7.ª – O juiz, se o entender necessário à prolação da decisão
referida na conclusão segunda, poderá ordenar a transcrição mais ampla ou
integral da parte objecto da menção referida na conclusão 4.ª;
8.ª – Os participantes nas operações de intercepção, gravação,
transcrição e eliminação de elementos recolhidos ficam vinculados ao dever de
sigilo quanto àquilo de que em tais diligências tomaram conhecimento (artigo
188.º, n.º 2, do CPP);
9.ª – As «cassetes» ou as bandas magnéticas cujo conteúdo seja
inserido nos autos devem a estes ser apensos ou, se isso se tornar impossível,
guardadas depois de seladas, numeradas e identificadas com o processo respectivo
(artigos 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, e 101.º, n.º 3, do CPP);
10.ª – O arguido, o assistente e as pessoas escutadas podem examinar
o referido auto a fim de controlarem a conformidade dos elementos recolhidos e
objecto de aquisição processual com os registos de som respectivos, e desses
elementos constantes do auto obterem cópias (artigo 188.º, n.º 3, do CPP);
11.ª – O arguido e o assistente não podem proceder ao exame referido
na conclusão anterior se a intercepção telefónica ou similar ocorrer no decurso
do inquérito ou da instrução e o juiz decidir que o conhecimento por eles do
auto ou das gravações é susceptível de prejudicar a respectiva finalidade
(artigo 188.º, n.º 4, do CPP).”
Foi ainda na vigência da redacção originária do artigo
188.º do CPP que o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 407/97, que
constitui a sua primeira decisão sobre questão de constitucionalidade suscitada
a propósito dessa norma, embora centrada (como os posteriores Acórdãos n.ºs
347/2001, 528/2003, 379/2004 e 223/2005) na interpretação do conceito de
“imediatamente” reportado à apresentação, ao juiz que tiver ordenado ou
autorizado a operação, do auto de intercepção e gravação, juntamente com as
fitas gravadas ou elementos análogos. Após referências aos parâmetros
constitucionais pertinentes e ao direito comparado, o Acórdão n.º 407/97 fundou
o seu juízo de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 6 (actual
n.º 8) do artigo 32.º da CRP, da norma do n.º 1 do artigo 188.º do CPP – “quando
interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de
conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao
conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a
junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles,
e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de
novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que
ordenou as escutas” – nas seguintes considerações:
“Trata‑se aqui de precisar o conteúdo constitucionalmente viável do
trecho do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, onde surge a expressão «imediatamente».
Ora, partindo do pressuposto consubstanciado na proibição de ingerência nas
telecomunicações, resultante do n.º 4 do artigo 34.º da Lei Fundamental, a
possibilidade de ocorrer diversamente (de existir ingerência nas
telecomunicações), no quadro de uma previsão legal atinente ao processo
criminal (a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser
compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade,
subjacente ao artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do
direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta
telefónica, na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite ao
estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta
de um concreto crime e punição do seu agente.
Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova
através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma
medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens
fixadas pelo texto constitucional.
O actuar desta imediação, potenciadora de um efectivo controlo
judicial das escutas telefónicas, ocorrerá em diversos planos, sendo um deles o
que pressupõe uma busca de sentido prático para a obrigação de levar
«imediatamente» ao juiz o auto da intercepção e «fitas gravadas ou elementos
análogos», de que fala a lei.
13. Vejamos, a este propósito, o discurso interpretativo subjacente
à decisão recorrida. De sublinhar nesta, desde logo, a afirmação de que o
artigo 188.º, n.º 1, do CPP, ao não fixar um prazo certo, «acaba por relativizar
muito as coisas». Há que reter esta ideia que torna patente a existência de um
espaço aberto à procura de um sentido, enfim, de um espaço aberto à
interpretação.
Não obstante, mais adiante, a decisão recorrida parece apontar para
uma impossibilidade de alcançar o sentido da expressão «imediatamente» no
contexto normativo em causa (ao dizer a fls. 102: «Não sabemos. Não dispomos de
qualquer critério para decidir sobre isso. Nem sequer é possível estabelecer e
assentar num critério de razoabilidade a tal propósito»).
Ora, já se indicou que o critério interpretativo neste campo não
pode deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos
fundamentais afectados pela escuta telefónica. Também já se assentou – e
importa lembrá‑lo de novo – que a intervenção do juiz é vista como uma garantia
de que essa compressão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal
intervenção, para que de uma intervenção substancial se trate (e não de um mero
tabelionato), pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção
telefónica. Com efeito, só acompanhando a recolha de prova, através desse
método em curso, poderá o juiz ir apercebendo os problemas que possam ir
surgindo, resolvendo‑os e, assim, transformando apenas em aquisição probatória
aquilo que efectivamente pode ser. Por outro lado, só esse acompanhamento coloca
a escuta a coberto dos perigos – que sabemos serem consideráveis – de uso
desviado.
Com isto, não se quer significar que toda a operação de escuta tenha
de ser materialmente realizada pelo juiz. Contrariamente a tal visão
maximalista, do que aqui se trata é, tão‑só, de assegurar um acompanhamento
contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato, na terminologia
legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de em função do
decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou.
14. Refere‑se ainda o Acórdão a dificuldades práticas que a situação
é susceptível de criar («Sabemos, isso sim, que a Polícia Judiciária como muitos
outros departamentos do Estado, nos quais se incluem os tribunais, seguramente
carece, cronicamente, de meios técnicos e humanos que lhe não permitem cumprir,
muitas vezes, as suas tarefas em tempo normal»), moldando, no que não deixa de
ter um certo sentido correctivo, o conceito de «imediatamente» («usado por um
legislador excessivamente preocupado com a aceleração processual, porém
esquecido das grandes lacunas e dos grandes estrangulamentos do sistema») ao
que qualifica de entendimento «em termos hábeis». A saber: aquele em que
«imediatamente» equivale a «no tempo mais rápido possível». Ora, o «mais rápido
possível» significou aqui longos períodos de tempo em que as escutas não foram
acompanhadas (igual a controladas) pelo juiz e, mais ainda, espaços muito
significativos de tempo em que as escutas já haviam terminado e o processo
continuava sem ter qualquer conhecimento do seu teor (vejam‑se as conclusões
2.ª e 4.ª de fls. 4 verso, tendo‑se presente que as datas aí indicados obtêm
confirmação nos autos).
É a teorização interpretativa que sufraga esta situação que de modo
algum se pode ter por conforme ao disposto no artigo 34.º, n.º 4, da
Constituição, lido à luz do princípio da proporcionalidade. Se é certo que se
não podem ignorar, pura e simplesmente, os aspectos práticos de uma situação,
designadamente as dificuldades técnicas que esta ou aquela opção interpretativa
possa ocasionar, não é menos verdade que o ónus dessas dificuldades técnicas,
num processo crime, sempre correrá por conta do Estado (a quem compete
ultrapassá‑las), jamais por conta do arguido.
Poder‑se‑ia aqui relembrar o dilema, já relatado, do Juiz Holmes,
sobre o «mal maior» e o «mal menor». Obviamente que no processo criminal de um
Estado de direito democrático, face a «dificuldades técnicas», o «mal menor»
sempre será a hipotética impunidade de eventuais criminosos.
15. Trata‑se, pois, de fixar a interpretação constitucionalmente
conforme do artigo 188.º, n.º 1, do CPP no segmento em que se insere a
expressão «imediatamente», sendo certo ser tal expediente possível ainda nos
limites da interpretação.
Assim sendo, «imediatamente» não poderá, desde logo, reportar‑se
apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria
aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à
escuta sempre que a transcrição se atrasasse). Em qualquer dos casos,
«imediatamente», no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um
efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado,
enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma
«imediatamente» poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse
acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que
essa actividade do juiz não resulte do processo.
Em qualquer caso, tendo em vista os interesses acautelados pela
exigência de conhecimento imediato pelo juiz, deve considerar‑se
inconstitucional, por violação do n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, uma
interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do CPP que não imponha que o auto de
intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de
imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir
atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos
recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir,
antes da junção ao processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas,
sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas.
É esta, exposta com a minúcia possível, a interpretação conforme à
Constituição. A ela importa vincular o intérprete – «juiz incluído» como este
Tribunal tem repetidamente referido em situações onde faz uso deste recurso
interpretativo.
Sublinhar‑se‑á apenas, como nota final, que as consequências a
retirar da interpretação da norma com o sentido apontado se encontram já fora do
âmbito da intervenção do Tribunal Constitucional, situando‑se claramente no
domínio de intervenção do Tribunal recorrido.”
Considerou, assim, o Tribunal Constitucional que a
especial danosidade da intromissão traduzida pela intercepção telefónica
impunha uma intervenção substancial do juiz no decurso da mesma, através de um
acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte,
acompanhamento esse que comportasse a possibilidade real de, em função do
decurso da escuta, ser mantida ou alterada a decisão que a determinou,
sublinhando, contudo, que o exigente critério assumido não significava “que
toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz”,
posição que corresponderia a uma “visão maximalista”, que o Tribunal não
subscreveu.
2.3. A nível legislativo, a primeira alteração a
assinalar foi a levada a cabo pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, que alterou a
redacção, entre outros, dos artigos 188.º e 190.º do CPP.
Estas alterações não constavam da Proposta de Lei n.º
157/VII, que esteve na génese daquela Lei, antes resultaram de propostas de
alteração apresentadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (cf. Código
de Processo Penal – Processo Legislativo, vol. II, tomo II, ed. Assembleia da
República, Lisboa, 1999, pp. 114‑115), que viriam a ser aprovadas por
unanimidade (obra citada, p. 107), tendo as relativas ao artigo 188.º sido
justificadas, na Declaração de Voto dos Deputados do Partido Socialista relativa
à votação final global dessa iniciativa legislativa, nos seguintes termos (obra
citada, p. 153):
“As alterações levam em conta o parecer da Procuradoria‑Geral da
República n.º 92/91 (complementar), as dificuldades práticas da «vida
judiciária», o n.º 4 do artigo 18.º da Lei de Segurança Interna e o acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 407/97 (Diário da República, II Série, de 18 de
Julho de 1997), que anulou as escutas porque a transcrição não foi imediata.
Tornava‑se necessário clarificar: quem selecciona os elementos a
transcrever; se o agente de investigação pode ter contacto com a conversa (uma
vez que a operação é feita por técnico de telecomunicações, mas não pode
excluir‑se a presença da polícia, sob pena de a diligência não ter sentido ou
eficácia); o que é que o juiz ouve (sabendo‑se que, não ouvindo, manda
transcrever a totalidade dos registos, o que é excessivamente moroso, oneroso e
inútil); e esclarecer o procedimento.
O n.º 1 do artigo refere que da intercepção é lavrado auto (mas não
distingue entre auto de intercepção e auto de transcrição, sendo certo que
importa clarificar que são duas coisas diferentes). Assim, fica claro que uma
coisa é o auto de intercepção (n.º 1) e outra o auto de transcrição (n.º 3).
O n.º 2 permite que a polícia ouça e possa intervir de imediato, por
exemplo, para fazer uma apreensão de droga combinada telefonicamente e «apanhar
o flagrante».
Os n.ºs 3 e 4 tornam claro que é o juiz quem selecciona, que é o
responsável pelo conteúdo da transcrição, mas que é auxiliado materialmente
pela polícia, o que é importante em termos de execução.”
As modificações operadas pela Lei n.º 59/98 no artigo
188.º do CPP consistiram:
– no aditamento de um novo n.º 2, do seguinte teor: “O
disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que
proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da
comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários
e urgentes para assegurar os meios de prova”;
– na passagem do primitivo n.º 2 a n.º 3, dispondo
agora, na sua primeira parte, que “Se o juiz considerar os elementos recolhidos,
ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e
fá-lo juntar ao processo;.”, enquanto anteriormente apenas dizia que o juiz
“... fá‑los juntar ao processo;”; mantendo‑se inalterada a segunda parte: “caso
contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações
ligados por dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado
conhecimento”;
– no aditamento de um novo n.º 4, do seguinte teor:
“Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando
entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se
necessário, intérprete. À transcrição aplica‑se, com as necessárias adaptações,
o disposto no artigo 101.º, n.ºs 2 e 3.”;
– na passagem do primitivo n.º 3 a n.º 5, com
especificação de que o auto cujo exame é facultado ao arguido, ao assistente e
às pessoas escutadas, “para se inteirarem da conformidade das gravações e
obterem, à sua custa, cópias dos elementos naquele referidos”, é “o auto de
transcrição a que se refere o n.º 3” (a redacção originária referia‑se a
“examinar o auto”, sem mais); e
– na eliminação do primitivo n.º 4 (que ressalvava “do
disposto no número anterior o caso em que as gravações tiverem sido ordenadas no
decurso do inquérito ou da instrução e o juiz que as ordenou tiver razões para
crer que o conhecimento do auto ou das gravações, pelo arguido ou pelo
assistente, poderia prejudicar as finalidades do inquérito ou da instrução”;
trata‑se de eliminação algo enigmática, pois nada no debate parlamentar foi
referido para a justificar ou sequer enunciar).
No artigo 190.º, a extensão originária da aplicabilidade
do disposto nos artigos 187.º, 188.º e 189.º “às conversações ou comunicações
transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone” foi complementada
com o seguinte aditamento: “designadamente correio electrónico ou outras formas
de transmissão de dados por via telemática, bem como à intercepção das
comunicações entre presentes”.
2.4. A segunda alteração legislativa com especial
relevância para as questões que constituem objecto do presente recurso resultou
do Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, que aditou ao n.º 1 do artigo
188.º do CPP (“Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é
lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é
imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as
operações”) a expressão: “com a indicação das passagens das gravações ou
elementos análogos considerados relevantes para a prova”.
Este inciso final corresponde à utilização da
autorização legislativa concedida pela Lei n.º 27‑A/2000, de 17 de Novembro, que
autorizou o Governo a rever o Código de Processo Penal, com o sentido e extensão
definidos nos artigos seguintes (artigo 1.º), entre os quais, segundo o artigo
4.º: “Permite‑se que o juiz possa limitar a audição das gravações às passagens
indicadas como relevantes para a prova, sem prejuízo de as gravações efectuadas
lhe serem integralmente remetidas”. Esta norma não constava da Proposta de Lei
n.º 41/VIII (Diário da Assembleia da República, VIII Legislatura, 1.ª Sessão
Legislativa, II Série‑A, n.º 59, de 15 de Julho de 2000, pp. 1891‑1898), tendo
surgido no texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e aí aprovada por unanimidade
(Diário da Assembleia da República, VIII Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa,
II Série‑A, n.º 10, de 23 de Outubro de 2000, pp. 218‑224), tal como no Plenário
(Diário citado, I Série, n.º 13, de 20 de Outubro de 2000, p. 498).
Para terminar a recensão do quadro legal aplicável,
resta referir que a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabeleceu um regime
especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a
favor do Estado relativa, entre outros, aos crimes de associação criminosa,
lenocínio e lenocínio e tráfico de menores, estes quando praticados de forma
organizada (artigo 1.º, n.ºs 1, alíneas f) e h), e 2), estatuiu no seu artigo
6.º (Registo de voz e de imagem):
“1 – É admissível, quando necessário para a investigação de crimes
referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem
consentimento do visado.
2 – A produção desses registos depende de prévia autorização ou
ordem do juiz, consoante os casos.
3 – São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias
adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo
Penal.”
2.5. No que concerne à jurisprudência do Tribunal
Constitucional, há a assinalar, para além do já citado Acórdão n.º 407/97, a
prolação dos Acórdãos n.ºs 347/2001, 528/2003, 379/2004 e 223/2005 e da Decisão
Sumária n.º 324/2004, todos incidindo sobre a questão da “imediatividade” da
apresentação ao juiz do auto de intercepção e gravação prevista no artigo
188.º, n.º 1, do CPP (o primeiro Acórdão reportado à redacção anterior à Lei n.º
59/98, o segundo à redacção dada por esta Lei, os dois últimos quer à redacção
anterior quer à posterior ao Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, e a Decisão Sumária a
esta última redacção), e ainda os Acórdãos n.ºs 411/2002 (que julgou
inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação
normativa que torna inaplicável ao prazo de arguição de nulidade respeitante a
escutas telefónicas ocorrida durante o inquérito o que vem consagrado no artigo
120.º, n.º 3, alínea c), do CPP [até ao encerramento do debate instrutório] e
aplicável o estabelecido no artigo 105.º do mesmo Código [dez dias a contar da
notificação da acusação, terminando antes do fim do prazo para requerer a
instrução]) e 198/2004 (que não julgou inconstitucional a norma do artigo
122.º, n.º 1, do CPP, entendida como autorizando, face à nulidade/invalidade de
intercepções telefónicas realizadas, a utilização de outras provas, distintas
das escutas e a elas subsequentes, quando tais provas se traduzam nas
declarações dos próprios arguidos, designadamente quando tais declarações sejam
confessórias).
Nos três primeiros Acórdãos citados (o quarto – Acórdão
n.º 223/2005 – incidiu sobre uma situação de incumprimento do Acórdão n.º
379/2004), o Tribunal Constitucional reiterou o critério decisório definido no
Acórdão n.º 407/97, que conduziu, nos casos em cada um desses arestos
apreciados, à emissão de similares juízos de inconstitucionalidade.
No Acórdão n.º 347/2001 – que julgou inconstitucional,
por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e
4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na
redacção anterior à que foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, quando
interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de
conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao
conhecimento do juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por determinado
período, seja concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome
conhecimento do resultado da anterior –, após se sumariarem as ideias‑chave do
Acórdão n.º 407/97, consignou‑se:
“Ora, no caso dos autos, a norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, com a
interpretação acolhida no acórdão impugnado, não se isenta do mesmo vício de
inconstitucionalidade.
Na verdade, fazer equivaler o inciso «imediatamente» ao «tempo mais
rápido possível», em termos de «cobrir» situações como a de o auto de
transcrição ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e
gravação das comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do
crime investigado e a necessidade daquele meio de obtenção da prova, restringe
desproporcionadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação
privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que se considera ser
constitucionalmente admissível.
Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor
das comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o
controlo judiciais do modo como a escuta se desenvolve, o que se entendeu no
citado Acórdão n.º 407/97 – como aqui se entende – colidir com os interesses
acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz. E impede, ainda,
a destruição, em tempo necessariamente breve, dos elementos recolhidos sem
interesse relevante para a prova, a que, só por si, não obsta a fixação pelo
juiz de um prazo para a intercepção, no termo da qual esta deve findar.
Por outro lado, autorizar novos períodos de escuta, a mero
requerimento do Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do
conhecimento judicial do resultado da intercepção anterior, continua a
significar a mesma ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz,
o que pode até traduzir‑se em longos períodos (um dos postos telefónicos foi
interceptado desde 3 de Novembro de 1995 a 15 de Novembro de 1996 e o outro
desde 3 de Abril de 1996 a 12 de Novembro de 1996 e de novo entre 31 de Março de
1997 a 5 de Setembro de 1997) de utilização deste meio de obtenção de prova na
disponibilidade total dos órgãos de investigação.
É certo que, tal como a decisão recorrida no Acórdão n.º 407/97, o
acórdão impugnado faz apelo às dificuldades práticas – a reconhecida carência de
meios técnicos e humanos – para justificar o entendimento dado ao referido
inciso «imediatamente», num quadro de exigências de repressão da criminalidade
grave, praticada por redes altamente organizadas.
A esse argumento se respondeu, ainda no Acórdão n.º 407/97, em
termos que também aqui se acolhem, que tais dificuldades constituem, num
processo crime, ónus do Estado de Direito democrático, ónus que não pode estar
a cargo do arguido, ainda que, no limite, isso signifique deixar impunes alguns
criminosos. Não é de todo admissível num Estado de Direito democrático,
caracterizado pela publicização do ius puniendi, fazer reverter contra o
arguido o ónus da escassez de meios e dificuldades na obtenção de prova para o
condenar.
Note‑se que na nova redacção dada ao artigo 188.º (em especial, no
n.º 3) pela Lei n.º 59/98 (actualmente pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de
Dezembro) se procurou obviar às alegadas dificuldades de transcrição imediata
dos elementos recolhidos, pois esta só será judicialmente ordenada depois de o
juiz considerar tais elementos relevantes para a prova.
Resta acrescentar que o Tribunal Constitucional tem apenas poderes
para verificar a constitucionalidade de normas, pelo que lhe está vedado
«declarar inválidos todos os actos que dependerem das intercepções telefónicas
realizadas, conforme os artigos 122.º e 189.º do CPP», como o recorrente
pretende.
Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete reformar a
sua decisão em conformidade com o presente juízo de constitucionalidade,
extraindo dele as consequências pertinentes ao nível do direito
infraconstitucional e do concreto processo crime em causa.”
A validade da jurisprudência assim definida foi
reafirmada no Acórdão n.º 528/2003 – que julgou inconstitucional, por violação
das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º,
n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na redacção
anterior à que foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro,
quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação
de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado
ao conhecimento do juiz –, o qual, após transcrição da fundamentação relevante
dos Acórdãos n.ºs 407/97 e 347/2001, acrescentou:
“Agora apenas se referirá que, mais recentemente, o Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem voltou a ter oportunidade para reiterar a sua jurisprudência
em matéria de escutas telefónicas. Tal aconteceu, nomeadamente, nos casos PG e
JH v. Reino Unido (acórdão de 25 de Setembro de 2001) e Prado Bugallo v. Espanha
(acórdão de 18 de Fevereiro de 2003). Neste último acórdão, aquele Tribunal
voltou a sublinhar a necessidade de preenchimento, pelas legislações nacionais,
das condições exigidas pela sua jurisprudência, designadamente nos acórdãos
Kruslin v. França e Huvig v. França, para evitar os abusos a que podem conduzir
as escutas telefónicas. Referiu‑se, então, nomeadamente, à necessidade de
definição das infracções que podem dar origem às escutas, à fixação de um
limite à duração de execução da medida, às condições de estabelecimento dos
autos das conversações interceptadas, bem como às precauções a tomar para
comunicar intactas e completas as gravações efectuadas, de modo a permitir um
possível controlo pelo juiz e pela defesa.
Assim sendo, verifica‑se que a jurisprudência do Tribunal
Constitucional atrás referida, que, como se salientou já, mantém inteira
validade e a que aqui integralmente se adere, conduz a que, também no caso dos
autos, tenha de considerar‑se inconstitucional a interpretação do n.º 1 do
artigo 188.º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que lhe foi
dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, que foi acolhida pela
decisão recorrida. Com efeito, entender que situações como as que ocorreram no
presente processo – em que os autos de intercepção e gravação de conversações
telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só foram levados ao
conhecimento do juiz que as ordenou 38 dias depois de elas terem tido início –
são ainda abrangidas pela expressão imediatamente colide frontalmente com os
interesses que se pretendem acautelar com aquela exigência, na medida em que
impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz.
Resta apenas acrescentar, de modo semelhante ao que se fez nos
acórdãos deste Tribunal citados supra, que o Tribunal Constitucional somente
tem poderes para verificar a constitucionalidade de normas, situando‑se já fora
do âmbito da sua intervenção retirar as consequências da interpretação da norma
com o sentido apontado. Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete
reformar a sua decisão em conformidade com o presente juízo de
constitucionalidade, extraindo dele as consequências pertinentes ao nível do
direito infraconstitucional e do concreto processo crime em causa.”
Por seu turno, o Acórdão n.º 379/2004 – que julgou
inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º
8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º,
n.º 1, do CPP, quer na redacção anterior quer na posterior à que foi dada pelo
Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, quer quando interpretada no
sentido de uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias,
poder continuar a processar‑se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que
de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do
conteúdo das conversações, quer na interpretação segundo a qual a primeira
audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer
mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações
telefónicas –, após sumariar as três decisões anteriormente referidas,
acrescentou:
“Ora, verifica‑se que esta jurisprudência do Tribunal
Constitucional, para cuja fundamentação se remete e se dá aqui por reproduzida,
mantém inteira validade para o caso em apreço, o que leva a que se considere
inconstitucional a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal, interpretada no sentido de a intercepção telefónica,
inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar‑se, sendo
prorrogada por dois novos períodos (de 30 dias cada um), sem que previamente o
juiz de instrução controle e tome conhecimento do conteúdo das conversações, por
violação dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da
Constituição, bem como a mesma norma, na interpretação segundo a qual a primeira
audição da gravação das escutas telefónicas pelo juiz de instrução pode ocorrer
durante o aludido segundo período de prorrogação.”
Foi a jurisprudência delineada nos Acórdãos n.ºs 407/97,
347/2001, 528/2003, e 379/2004 que a Decisão Sumária n.º 324/2004, sem
considerações complementares, invocou para julgar inconstitucional, por
violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e
18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro,
quando interpretada no sentido de que a primeira audição, pelo juiz de
instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer seis meses após o
início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas.
Da explanação da jurisprudência do Tribunal
Constitucional (o texto integral dos Acórdãos e Decisão Sumária anteriormente
citados está disponível em www.tribunalconstitucional.pt), cujos traços
essenciais foram logo desenhados pelo Acórdão n.º 407/97, resulta que se
entendeu constitucionalmente justificado que a admissibilidade da intromissão
nas comunicações telefónicas fosse não só alvo de prévia autorização judicial,
mas também objecto de acompanhamento judicial ao longo da sua execução. O que
se exige é, pois, um “acompanhamento próximo” e um “controlo do conteúdo” das
conversações, com uma dupla finalidade: (i) fazer cessar, tão depressa quanto
possível, escutas que se venham a revelar injustificadas ou desnecessárias; e
(ii) submeter a um “crivo” judicial prévio a aquisição processual das provas
obtidas por esse meio (cf. José Manuel Damião da Cunha, “A jurisprudência do
Tribunal Constitucional em matéria de escutas telefónicas”, Jurisprudência
Constitucional, n.º 1, Janeiro‑Março 2004, pp. 50‑56). Mas – repete‑se – o
exigente critério assumido não significa “que toda a operação de escuta tenha de
ser materialmente realizada pelo juiz”, posição que corresponderia a uma “visão
maximalista”, que o Tribunal não subscreveu.
2.6. Da exposição precedente já resultam claramente
evidenciadas as dúvidas e perplexidades que o regime legal das escutas
telefónicas tem suscitado. Mas se, ao nível da jurisprudência constitucional,
elas incidiram quase exclusivamente sobre o tempo de acompanhamento judicial da
execução da operação (sobre o modo desse acompanhamento apenas incidiu o citado
Acórdão n.º 426/2005, que não julgou inconstitucional a norma do artigo 188.º,
n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, “interpretado no sentido de que são válidas as provas
obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada
pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas
por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente
apresentados pela Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou
elementos análogos”), já a nível da doutrina e da prática judiciária elas têm
também incidido sobre os requisitos da autorização da operação, reportados ao
artigo 187.º do CPP, quer na perspectiva da adequação do “catálogo” de crimes
enunciado no seu n.º 2, quer no que concerne a uma clara definição das pessoas
cujas conversações podem ser colocadas sob escuta, quer quanto à ausência de uma
definição legal da duração das escutas. Designadamente no que respeita à
execução da operação, é indefinida a forma de articulação entre órgão de
polícia criminal, Ministério Público e juiz, registam‑se oscilações quanto à
definição do conteúdo do auto (ou dos autos) a elaborar e tem sido salientado o
inconveniente da imediata destruição das gravações que o juiz reputou
irrelevantes, por assim se eliminar irreversivelmente o aproveitamento de
passagens que eventualmente seriam consideradas importantes quer pela acusação,
quer pela defesa (cf. indicações bibliográficas constantes do n.º 2.9. do
Acórdão n.º 426/2005).
Em resultado dessas perplexidades e reflexões, as
iniciativas legislativas relativas à revisão do Código de Processo Penal
apresentadas na última Legislatura – Projecto de Lei n.º 424/IX, apresentado
pelo Bloco de Esquerda, Proposta de Lei n.º 149/IX e Projecto de Lei n.º 519/IX,
apresentado pelo Partido Socialista (Diário da Assembleia da República, II
Série‑A, IX Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, n.º 50, de 3 de Abril de 2004,
pp. 2214‑2219, e 3.ª Sessão Legislativa, n.º 17, de 20 de Novembro de 2004, pp.
21‑40, e n.º 20, de 3 de Dezembro de 2004, pp. 6‑118, respectivamente) –
propugnam, designadamente: (i) a elevação de 3 para 5 anos do máximo da pena de
prisão aplicável aos crimes que consentem a autorização de escutas; (ii) a
restrição da admissibilidade destas apenas quando não existir outro meio lícito
para atingir a descoberta da verdade ou se revelar de superior interesse, face
aos demais meios de prova, para esse objectivo; (iii) a definição das pessoas
cujas conversações podem ser interceptadas; (iv) a instauração de regimes
especiais atenta a qualidade dos escutados; (v) a exigência de especial
fundamentação do despacho autorizador das escutas; (vi) o estabelecimento de
limites temporais para a execução das escutas e respectivas prorrogações; (vii)
o alargamento dos casos de proibição de transcrições. Quanto aos limites
temporais, a Projecto de Lei n.º 519/IX (PS) propugnava que o despacho judicial
que autorizasse ou ordenasse a intercepção fixasse “o prazo máximo da sua
duração, que, com dilação de cinco dias após a data da prolação, não pode
ultrapassar trinta dias, prorrogáveis no limite até cinco vezes, reconhecida em
cada caso essa necessidade, e desde que cumpridas, em cada período autorizado,
as formalidades exigíveis para a operação”, não podendo o tempo da intercepção
ultrapassar, “em nenhum caso, o prazo máximo em concreto admitido para a
duração do inquérito ou da instrução” (artigo 187.º, n.º 3); enquanto a Proposta
de Lei n.º 150/IX previa que o referido despacho, além de fundamentado, fixasse
“o prazo de duração máxima das operações, por um período não superior a três
meses a contar da sua prolação, sendo renovável por períodos idênticos até ao
encerramento do inquérito, desde que se mantenham os respectivos pressupostos de
admissibilidade” (artigo 187.º, n.º 5).
No que especificamente respeita ao acompanhamento
judicial da operação, o Projecto de Lei n.º 424/IX (BE) propõe: (i) a fixação do
prazo máximo de 24 horas para ser levado ao conhecimento do juiz o auto de
intercepção e gravação, com as fitas gravadas e a indicação das passagens
consideradas relevantes para a prova; (ii) a supervisão de todo o processo,
especialmente a transcrição em auto, pelo Ministério Público; (iii) a
conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da decisão
final, podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou de
recurso para contextualizar as conversações transcritas. A Proposta de Lei n.º
150/IX estabelece, designadamente, que: (i) os autos de intercepção e gravação,
com as fitas, são levados ao conhecimento do juiz, de 15 em 15 dias, com
indicação por parte do Ministério Público das passagens consideradas relevantes
para a prova; (ii) o Ministério Público é ouvido pelo juiz antes de este
seleccionar os elementos a consignar em suporte autónomo e a transcrever em
auto; (iii) as fitas e elementos análogos são conservados até ao trânsito em
julgado da decisão final, tendo a eles acesso o arguido para efeitos de
selecção de mais excertos que entenda relevantes. Por último, o Projecto de Lei
n.º 519/IX (PS) prevê que seja o juiz o fixar o período findo o qual o auto com
as fitas é levado ao seu conhecimento, acompanhado ou da indicação das
passagens e dos dados considerados relevantes para a prova ou mesmo da
respectiva transcrição provisória, cabendo ao juiz determinar a transformação
desta transcrição provisória em definitiva ou, se não considerar os elementos
nela contidos como relevantes, determinar a sua eliminação.
2.7. Grande parte das questões referenciadas no
precedente número têm por suporte a apreciação da adequação do sistema legal
actualmente vigente entre nós com as exigências que nesta matéria têm sido
estabelecidas pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem,
face ao disposto no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que
proclama o direito de qualquer pessoa ao respeito da sua vida privada e
familiar, do seu domicílio e da sua correspondência (n.º 1) e proíbe ingerências
da autoridade pública no exercício desse direito, excepto se essa exigência
estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade
democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança
pública, para o bem‑estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção
das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos
direitos e das liberdades dos outros (n.º 2).
Na síntese apresentada por Ireneu Cabral Barreto (“A
Investigação criminal e os direitos humanos”, Polícia e Justiça – Revista do
Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, III Série, n.º
1, Janeiro‑Junho de 2003, pp. 43‑85, em especial pp. 57‑63; e “A jurisprudência
do novo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Sub Judice – Justiça e
Sociedade, n.º 28, Abril‑Setembro 2004, pp. 9‑32, em especial pp. 20‑21; cf.
ainda, do mesmo autor, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª
edição, Coimbra, 2005, anotações I-3.3 e II‑4. e 6.4. ao artigo 8.º, a pp. 184,
196 e 199; e João Ramos de Sousa, “Escutas telefónicas em Estrasburgo: O
activismo jurisprudencial do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Sub
Judice, citada, pp. 47‑55 ):
“A jurisprudência de Estrasburgo, tendo em conta a gravidade da ingerência na
vida das pessoas que representa a escuta telefónica, precisou que não basta uma
lei a prever essa possibilidade.
Para prevenir o risco de arbítrio que o uso desta medida poderia acarretar,
entende‑se que uma tal lei deve conter uma série de garantias mínimas:
– definir as categorias de pessoas susceptíveis de serem colocadas em escutas
telefónicas;
– a natureza das infracções que podem permitir essa escuta;
– a fixação de um limite de duração dessa medida;
– as condições do estabelecimento de processos verbais de síntese consignando
as conversas interceptadas;
– as precauções a tomar para comunicar, intactos e completos, os registos
realizados, para o controlo do juiz e da defesa;
– as circunstâncias nas quais pode e deve proceder‑se ao apagamento ou
destruição das fitas magnéticas, nomeadamente após uma absolvição ou o
arquivamento do processo.”
Como refere Gérard Cohen‑Jonathan (“La Cour européenne
des droits de l’homme et les écoutes téléphoniques”, Revue Universelle des
Droits de l’Homme, vol. 2, n.º 5, 31 de Maio de 1990, pp. 185–191), impõe‑se a
existência de uma lei que preveja a possibilidade de autorização de escutas,
lei que deve ser acessível e precisa, e que se estabeleçam garantias adequadas,
desde logo definindo com precisão quais as autoridades competentes para ordenar
ou autorizar as escutas, quais os crimes cuja gravidade justifica o uso deste
meio de produção de prova e o grau de suspeita exigível, não podendo a
ingerência ser meramente exploratória. Depois, o acompanhamento da operação
há‑de ocorrer em três estádios: no momento da ordem ou da autorização, no
decurso da operação e após o seu termo, possibilitando às pessoas colocadas sob
escuta o direito de acesso às gravações e respectivas transcrições, o direito à
eliminação das passagens irrelevantes ou interditas e o direito à destruição ou
restituição dos respectivos suportes.
Mas para além das “escutas judiciárias”, são ainda
admissíveis “escutas administrativas”, determinadas pelo poder executivo
visando objectivos de segurança interna e externa, as quais devem oferecer
igualmente garantias adequadas que afastem o risco de utilização abusiva,
garantias que serão naturalmente diferentes das previstas para as “escutas
judiciárias”, mas que sempre exigirão a possibilidade de recurso aos tribunais,
embora apenas a posteriori. Essas garantias passam, nalguns países, pela
intervenção de entidades independentes, por vezes de origem parlamentar, que
acompanham a actuação do executivo (cf. o Acórdão Klass, de 1978, em que o
Tribunal Europeu considerou suficientes os recursos judiciais a posteriori
previstos no direito alemão em caso de intercepção de conversações determinada
pelo Governo alemão, para defesa da ordem e segurança numa sociedade democrática
e para evitar infracções, sem controlo judicial prévio, e a decisão da Comissão
Europeia dos Direitos do Homem, de 10 de Maio de 1985, relativa ao Luxemburgo,
ambos citados no artigo de Gérard Cohen‑Jonathan).
De particular relevância para o presente recurso (em
que, como se verá, a recorrente reclama a imediata destruição das gravações
tidas por irrelevantes pelo juiz de instrução) reveste‑se a constante chamada
de atenção, por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para a
necessidade de as legislações nacionais tomarem precauções no sentido de
assegurar “a comunicação intacta e completa das gravações efectuadas, para
efeito de controlo pelo juiz e pela defesa” e estabelecerem as circunstâncias
em que se pode operar o apagamento ou a destruição das gravações,
designadamente após o arquivamento definitivo do processo ou o trânsito em
julgado da condenação final (cf. n.º 34 do Acórdão Huvig, de 24 de Abril de
1990; n.º 35 do Acórdão Kruslin, da mesma data; n.º 59 do Acórdão Valenzuela
Contreras, de 30 de Julho de 1998; e n.º 30 do Acórdão Prado Bugallo, de 18 de
Fevereiro de 2003).
2.8. A análise de ordenamentos jurídicos de países cujas
normas constitucionais relevantes na matéria são similares às portuguesas
revela que o legislador ordinário tem moldado de modo diversificado o regime das
escutas telefónicas, designadamente no que respeita à intervenção do juiz, quer
na fase de autorização, quer na fase de acompanhamento da operação (cf. Mario
Chiavario e outros, Procedure Penali d’Europa, 2.ª edição, Milão, 2001).
Na Bélgica, de acordo com as Leis de 10 de Junho de 1998
e de 10 de Janeiro de 1999, a regra é a da autorização pelo juiz de instrução,
mas, em casos de urgência, a escuta pode ser determinada pelo Ministério
Público, embora sujeita a validação judicial. Só se procede à transcrição das
passagens consideradas relevantes, mas mantêm‑se intactas as gravações, podendo
as partes consultá‑las e requerer a transcrição de passagens inicialmente tidas
por irrelevantes (ob. cit., pp. 75‑76).
Na França, segundo os artigos 100.º e seguintes do
Código de Processo Penal, alterados pela Lei de 10 de Julho de 1991, a ordem de
intercepção é dada pelo juiz de instrução, o qual, porém, pode delegar num
oficial de polícia judiciária o acompanhamento da operação. As gravações só são
destruídas no termo de prescrição do procedimento criminal (ob. cit., pp.
139‑140).
Na Alemanha também é de regra a autorização pelo juiz,
mas, em caso de urgência, a intercepção pode ser determinada pelo Ministério
Público, sujeita a validação judicial. A ordem de intercepção implica o poder
de registo. No julgamento, o juiz pode optar entre a audição das gravações ou a
leitura das transcrições (ob. cit., p. 204).
Diversamente, na Inglaterra, as escutas são determinadas
pelo Ministro do Interior ou pelas autoridades policiais, com mandado
ministerial, não tendo o juiz qualquer poder de controlo sobre as intercepções,
existindo possibilidade de recurso para uma comissão integrada por advogados
nomeados pelo Governo, que verifica o cumprimento das condições legais da
intercepção (ob. cit., pp. 258‑259).
Na Itália, a regra é a de que compete ao juiz de
instrução autorizar as intercepções, mas em caso de urgência elas podem ser
ordenadas pelo Ministério Público, com subsequente validação judicial (ob.
cit., pp. 321‑322). As comunicações interceptadas são registadas em acta, aí
sendo transcrito, ainda que sumariamente, o conteúdo da comunicação
interceptada (artigo 268.º do Código de Processo Penal italiano). O registo da
intercepção e a acta são transmitidos imediatamente ao Ministério Público, que
os deposita na secretaria, sendo de seguida dado conhecimento ao defensor, que
pode escutar os registos e examinar os actos, e só então, face às posições
assumidas pelas partes interessadas quanto à admissibilidade e relevância das
comunicações interceptadas, é que o juiz de instrução manda suprimir os registos
cuja utilização é legalmente vedada e admite os que não são manifestamente
irrelevantes (artigo 268.º, n.º 6, do mesmo Código) – cf. J. A. Mouraz Lopes,
A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, Coimbra,
2005, pp. 145‑146, nota 388.
Em Espanha, face à natureza genérica que, mesmo após a
modificação introduzida pela Lei Orgânica n.º 4/1998, de 25 de Maio de 1988,
aos artigos 553.º e 559.º da Ley de Enjuiciamiento Criminal – que se limitam a
permitir que o juiz autorize, por decisão fundamentada, pelo prazo máximo de
três meses, susceptível de prorrogação por períodos similares, a vigilância de
comunicações telefónicas de pessoas relativamente às quais existam indícios de
responsabilidade criminal –, tem sido sobretudo obra da jurisprudência a
definição das condições de admissibilidade das interferências nas comunicações.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol, para utilizar a síntese
feita no fundamento jurídico 5.º da Sentença n.º 171/99, tem consignado que
“uma medida restritiva do direito ao segredo das comunicações só pode
considerar‑se constitucionalmente legítima na perspectiva deste direito
fundamental se, em primeiro lugar, está legalmente prevista com suficiente
precisão – princípio da legalidade formal e material (...); se, em segundo
lugar, é autorizada por autoridade judicial no âmbito de um processo (...); e,
em terceiro lugar, se se realiza com estrita observância do princípio da
proporcionalidade; é dizer, se a medida é autorizada por ser necessária para
alcançar um fim constitucionalmente legítimo, como – entre outros –, para a
defesa da ordem e prevenção de delitos qualificáveis como infracções puníveis
graves, e é idónea e imprescindível para a investigação dos mesmos (...), e
existem indícios sobre o facto constitutivo do delito e sobre a conexão com o
mesmo por parte das pessoas investigadas. (...) A execução da intervenção
telefónica deve ater‑se aos estritos termos da autorização tanto quanto aos
limites materiais da mesma como às condições da sua autorização (...) e,
finalmente, deve levar‑se a cabo sob controlo judicial”.
2.9. Recortado o parâmetro constitucional atendível
(2.1.), historiada a evolução legislativa do regime das escutas e perplexidades
que suscitou e suscita (2.2., 2.3., 2.4. e 2.6.), recordada a pertinente
jurisprudência do Tribunal Constitucional (2.2. e 2.5.) e do Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem (2.7.) e feita sumária referência a sistemas jurídicos
próximos (2.8.), cumpre, finalmente, enfrentar as questões de
constitucionalidade que vêm suscitadas no presente recurso.
Continuando a trilhar o mesmo percurso já seguido no
Acórdão n.º 426/2005, importa salientar que não está em causa a correcção, ao
nível da interpretação e aplicação do direito ordinário, das interpretações
normativas acolhida pelo acórdão recorrido, mas tão‑só apurar se essas
interpretações, aceites como um dado da questão, são constitucionalmente
conformes.
Do relato da evolução legislativa resulta uma oscilação
quanto ao número e conteúdo do “auto de intercepção e gravação”. A circunstância
de a versão originária do artigo 188.º do CPP aludir a um único auto e de ser o
exame desse auto pelo arguido, pelo assistente e pelas pessoas escutadas que
lhes possibilitaria inteirarem‑se da conformidade das gravações e obterem cópia
dos elementos referidos no auto, levou a que se entendesse, designadamente no
parecer n.º 92/91 (complementar), de 17 de Setembro de 1992, do Conselho
Consultivo da Procuradoria‑Geral da República, que esse auto não devia conter
apenas o registo do acto de intercepção, mas inclusivamente o conteúdo das
conversações interceptadas, por transcrição das tidas por relevantes e menção
genérica das consideradas destituídas de interesse.
A intervenção legislativa consumada pela Lei n.º 59/98
visou afastar esse entendimento, tornando clara a existência de dois autos – um
relativo ao acto de intercepção e gravação e outro de transcrições –, sendo ao
auto de transcrição que é facultado o acesso por parte do arguido, do assistente
e das pessoas escutadas, para efeitos de controlo da fidelidade das mesmas.
Simultaneamente veio prever‑se, de forma expressa, a possibilidade de
conhecimento, a título excepcional, do conteúdo das comunicações por parte do
órgão de polícia criminal antes do seu conhecimento pelo juiz, e a
possibilidade de o juiz, na sua tarefa de selecção dos elementos que, por
considerados relevantes para a prova, deviam ser transcritos, ser coadjuvado por
órgão de polícia criminal.
Finalmente, a alteração operada pelo Decreto‑Lei n.º
320‑C/2000 veio de novo alterar o conteúdo do auto de intercepção e de gravação.
Ele deixou de ser mero auto de registo da efectivação da operação, para dever
sempre conter, não a transcrição das passagens que o órgão de polícia criminal
reputasse relevantes (como entendera o parecer n.º 92/91 da Procuradoria‑Geral
da República), mas a indicação dessas passagens, com o objectivo, que resulta do
artigo 4.º da Lei n.º 27‑A/2000, de limitar o dever de o juiz ouvir as gravações
às passagens indicadas. Desta alteração resultou, por outro lado, que, para
poder fornecer a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos
considerados relevantes para a prova, o órgão de polícia criminal tem de passar
a, por sistema, tomar conhecimento do conteúdo das comunicações interceptadas,
o que obviamente posterga o carácter excepcional de que, na redacção anterior,
esse conhecimento tinha (unicamente destinado a prevenir a prática de actos
cautelares necessários e urgentes para assegurar meios de prova). Por outro,
deixando de ser um mero acto de registo de ocorrência, para passar a implicar o
prévio desenvolvimento de actividades, necessariamente morosas, de audição de
gravações (por vezes em língua estrangeira), identificação dos intervenientes e
ponderação da sua relevância para a investigação, é óbvio que a exigência de
“imediatividade” da apresentação do auto tem de ser vista à luz de outros
critérios, diversos dos que estavam presentes quando foram proferidos os Acórdão
n.ºs 407/97, 347/2001 e 528/2003. Disso mesmo deu conta este Tribunal, logo no
Acórdão n.º 699/2004, quando, ao analisar a admissibilidade de recurso
interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, por a decisão
então recorrida ter pretensamente feito aplicação da norma do n.º 1 do artigo
188.º do CPP em contradição com os juízos de inconstitucionalidade contidos nos
Acórdãos n.ºs 407/97, 347/2001 e 528/2003 (os dois primeiros incidindo sobre a
redacção anterior à Lei n.º 59/98 e o terceiro sobre a redacção desta Lei, mas
anterior à do Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000), contestou a identidade entre a
dimensão normativa aplicada na decisão recorrida (enquanto posterior a este
decreto‑lei) e a anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional, afirmando: “ao acrescentar a este texto [o do n.º 1 do artigo
188.º do CPP] «com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos
considerados relevantes para a prova», o Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000 introduziu
uma alteração relevante para a interpretação da norma de que se trata no
presente recurso, e que não permite a respectiva apreciação ao abrigo de um
recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei n.º 28/82, se baseado em acórdãos relativos à anterior versão da lei”.
Também a Decisão Sumária n.º 252/2005 não conheceu de recurso interposto ao
abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objecto a norma do
n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na redacção do Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000,
aplicada na decisão recorrida alegadamente em desconformidade com os juízos de
inconstitucionalidade proferidos nos Acórdãos n.ºs 407/97, 347/2001 e 528/2003
(todos eles reportados a redacções anteriores), por falta de coincidência
normativa, dado que a alteração de redacção ocorrida em 2000 “assume (...) claro
relevo na apreciação da questão de constitucionalidade apreciada”, pois
“introduzindo‑se pela nova redacção um formalismo até então inexistente, o
mesmo é susceptível de condicionar o critério da imediatividade a que se refere
o artigo”.
A este propósito há, no entanto, que salientar que os
inconvenientes derivados da maior complexidade e consequente morosidade da
elaboração do auto em causa serão, no todo ou em grande parte, compensados com a
maior rapidez e precisão que o novo sistema permite no que respeita ao acto
judicial de controlo da relevância das gravações e de selecção das que devem ser
transcritas, pelo que não se trata de fazer recair única e exclusivamente sobre
o arguido o ónus da alteração legislativa assinalada enquanto determina uma
alteração do critério da imediatividade anteriormente seguido.
A segunda nota que importa salientar é a de que,
independentemente da interpretação do direito ordinário vigente que se
considere mais correcta, não é legítimo transformar o regime legal em regime
constitucional. Isto é: não é lícito considerar toda e qualquer violação ao
regime legal como uma violação da Constituição. Como inicialmente se salientou,
o n.º 4 do artigo 34.º da CRP permite, embora com carácter de excepcionalidade,
a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, impondo directamente
como limitação tratar‑se de matéria de processo criminal e submetendo‑a a
reserva de lei (mas não a sujeitando explicitamente a reserva de decisão
judicial, como fizera no precedente n.º 2 quanto à entrada no domicílio dos
cidadãos), requisitos estes que se mostram no caso preenchidos: as
intercepções foram determinadas no âmbito de um processo criminal visando a
investigação de ilícitos que constam da enumeração legal dos crimes
relativamente aos quais é lícito o uso deste meio de obtenção de prova (artigo
187.º, n.º 1, alínea a), do CPP), ao que acresce que todas elas foram
previamente objecto de autorização judicial e que, em todas elas (diversamente
do que ocorria no caso em que foi proferido o Acórdão n.º 426/2005), o juiz de
instrução procedeu à audição pessoal das gravações, antes de proceder à
selecção das que considerava relevantes e determinar a sua transcrição e
aquisição processual.
Neste contexto, a eventual inconstitucionalidade das
interpretações normativas impugnadas, todas elas reportadas aos termos em que se
terá processado o acompanhamento judicial da execução da operação, apenas pode
assentar em violação do princípio da proporcionalidade aplicável às restrições
dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP).
No citado Acórdão n.º 407/97 e posterior jurisprudência
deste Tribunal que reiterou a doutrina nele definida, sustentou‑se que a
especial danosidade social desta intromissão nas comunicações implicava, não
apenas um controlo judicial do desencadear da operação (não estando ora em causa
saber se esse controlo tem de ser sempre prévio ou pode ser de validação de
determinação do Ministério Público ou de órgãos de polícia criminal, como é
admitido noutros ordenamentos jurídicos), mas um acompanhamento judicial da
própria execução da operação. Acompanhamento este que deve ser contínuo e
próximo temporal e materialmente da fonte, mas que não implica necessariamente
“que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente executada pelo juiz”,
como uma “visão maximalista” exigiria.
Há que fazer uma interpretação desse requisito
jurisprudencial funcionalmente adequada à sua razão de ser. E os propósitos
visados consistem, como se assinalou, em propiciar que seja determinada a
interrupção da intercepção logo que a mesma se revele desnecessária,
desadequada ou inútil, e, por outro lado, fazer depender a aquisição processual
da prova assim obtida a um “crivo” judicial quanto ao seu carácter não proibido
e à sua relevância.
2.10. Definido o parâmetro constitucional tido por
relevante, que se centra, como se expôs, no princípio da proporcionalidade na
restrição de direitos, liberdades e garantias, há que registar que as alegadas
dez “interpretações normativas' dos artigos 126.°, n.º 3, 187.°, n.º 1, 188.º,
n.ºs 1 a 4, e 189.º do CPP que a recorrente imputa ao acórdão recorrido se
aproximam, em diversas hipóteses, por surgirem como indissociáveis das
irrepetíveis especificidades do caso concreto, de verdadeiras arguições de
“inconstitucionalidades de decisão judicial”, o que, como é sabido, não
constitui objecto idóneo de recurso de constitucionalidade, tal como este está
delineado no ordenamento jurídico português.
É, porém, possível agrupar as questões suscitadas em
torno de três núcleos, correspondentes a outros tantos momentos relevantes do
processo de obtenção deste meio de prova: (i) o início da intercepção; (ii) o
controlo judicial das gravações; e (iii) a destruição das gravações tidas sem
interesse.
2.10.1. Ao primeiro núcleo correspondem as primeira e
segunda interpretações normativas referidas pela recorrente, consistentes em
considerar‑se, por um lado, que o termo inicial do prazo concedido para as
escutas coincide com o momento em que o órgão de polícia criminal inicia, de
facto e segundo a sua avaliação da respectiva possibilidade e/ou oportunidade,
as intercepções, “no mais curto espaço de tempo possível», mas com «alguma
latitude para os órgãos de polícia criminal (…) pois as necessidades de
investigação poderão levar a que se dê preferência à realização prévia de
outras diligências»”, e, por outro lado, que não é obrigatório lavrar de
imediato o auto de início de gravação, podendo sê‑lo em momento posterior.
Encontrando‑nos em sede de fiscalização concreta da
constitucionalidade, e atento o carácter instrumental do recurso de
constitucionalidade, só se justifica a emissão de juízo de inconstitucionalidade
se o mesmo se mostrar susceptível de determinar a alteração do sentido da
decisão recorrida. Não basta, pois, que determinada interpretação normativa se
mostre susceptível de, noutras hipóteses diversas das efectivamente ocorridas no
caso em apreço, provocar efeitos constitucionalmente intoleráveis; mister é que
tais efeitos ocorram, efectiva ou, ao menos, plausivelmente, na situação
concreta em apreço.
Relativamente à primeira questão (data relevante para o
início do cômputo do prazo), dando conta do entendimento jurisprudencial quer do
Tribunal Constitucional, quer do Tribunal Supremo espanhóis, refere José Luis
Rodríguez Lainz (La intervención de las comunicaciones telefónicas – Su
evolución en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional y del Tribunal
Supremo, Barcelona, 2002, pp. 176‑179):
“Como é bem sabido, o artigo 579.º da Ley de Enjuiciamiento
Criminal, ao delimitar os limites temporais da intervenção nas comunicações
telefónicas, apenas estabeleceu o máximo de duração da ingerência (até três
meses), a par da previsão da possibilidade de prorrogações por espaços de tempo
igualmente não superiores a três meses, não fazendo a mínima referência ao
momento que deve ser considerado como definidor do dies a quo do cômputo do
prazo da autorização: se o da data da entrega à unidade policial encarregada da
escuta e gravação da decisão comunicando que se concedeu a autorização da
intervenção ou desde o momento em que se inicia efectivamente a conexão; o
primeiro dos momentos assinalados contém a vantagem da segurança que garante
quanto ao controlo do respeito do prazo pelo qual se concede a autorização,
enquanto o segundo se ajusta mais à realidade do sacrifício do direito ao
segredo das comunicações efectivamente realizado e responde ao não
propriamente infrequente fenómeno do atraso na conexão por parte das empresas
concessionárias dos serviços públicos de telefones fixos e móveis [Não é a
primeira vez que o autor deparou com importantes atrasos no início das escutas,
de entre vinte dias e um mês, motivados pela lentidão, imaginamos que não
intencional, das correspondentes companhias fornecedoras, na facilitação dos
meios técnicos para permitir a escuta]. Pessoalmente optamos pela segunda das
opções (...) por ser, das duas possibilidades, a mais funcional e efectivamente
definidora do equilíbrio de interesses que se desenha na decisão de autorização.
(...) O único problema que poderia colocar a fórmula do cômputo desde a data da
efectividade do labor de escuta e gravação seria o abuso da relativização de tal
termo inicial, o risco de que a unidade policial utilize a autorização não para
iniciar imediatamente o trabalho de investigação, mas para guardar a
autorização e usá‑la no momento que considere conveniente, como uma espécie de
cheque em branco, pois não é em vão que a determinação da procedência da
concessão da autorização judicial do acto de ingerência se faz num determinado
momento e em consonância com as circunstâncias fácticas e jurídicas existentes
no momento em que é solicitada. Mas tal eventualidade salva‑se com a simples
previsão no auto de que se comunique imediatamente à autoridade judicial a data
do início da intervenção, e de, no caso de demora de tal comunicação, se peçam
explicações, tanto à unidade policial como à empresa fornecedora do serviço
público de telecomunicações, sobre a demora, quer dizer, levando a cabo as
devidas exigências do controlo judicial sobre a execução do acto de ingerência
(...).
Sobre o início do cômputo do prazo, à parte a referência ao
reconhecimento explícito da plausibilidade, em termos de constitucionalidade,
da técnica do início do cômputo desde o momento da efectivação da intercepção
que pode deduzir‑se da Sentença do Tribunal Constitucional n.º 138/2001, de 18
de Junho, a jurisprudência do Tribunal Supremo mostrou‑se um tanto dubitativa
naqueles poucos casos em que tratou do problema, se bem que tenha partido da
base de que é lícito o cômputo do prazo da autorização desde a data do início da
efectivação do acto de ingerência, embora com a salvaguarda de que isso não pode
converter‑se numa espécie de carta em branco para a autoridade policial
solicitante reservar a autorização e fazer uso da mesma quando mais lhe
convenha. Assim, a Sentença do Tribunal Supremo (STS) n.º 1069/1999, de 23 de
Junho, com citação da STS 220/1998, de 14 de Fevereiro [o autor seguidamente
cita ainda a STS 698/2001, de 28 de Abril, e a STS 1527/1998, de 9 de Dezembro,
ambas computando o início do prazo a partir da data da efectivação da
intervenção], opta pela data do início da efectividade da intervenção como regra
sempre e quando o atraso esteja motivado por razões técnicas e não seja feito
pela força policial um abuso da autorização (...).”
Este critério mostra‑se transponível para o direito
português, não sendo desconforme com as exigências da CRP quanto ao controlo
judicial das interferências nas comunicações, sendo de salientar que, no
presente caso, por um lado, em parte algum o acórdão recorrido aceitou como
lícito que o início da intercepção fosse deixado a juízos de oportunidade por
parte do órgão de polícia criminal, e que, por outro lado, nenhum indício aponta
no sentido da “manipulação policial” desse prazo, mostrando‑se as dilações
verificadas justificadas por dificuldades técnicas e de comunicação entre as
diversas entidades envolvidas.
Na verdade, no presente caso, entre as datas dos
despachos de autorização de intercepções e as datas de início das intercepções
mediaram 20 dias quanto aos telefones 222222222 e 111111111 (de 31 de Janeiro de
2003 a 20 de Fevereiro de 2003), 9 dias quanto ao telefone 333333333 (de 11 a 20
de Fevereiro de 2003), 14 dias quanto ao telefone 444444444 (de 4 a 18 de Junho
de 2003), 8 dias quanto ao telefone 555555555 (de 14 a 22 de Agosto de 2003), 14
dias quanto ao telefone 666666666 (de 18 a 30 de Setembro de 2003), e 9 dias
quanto ao telefone 555555555 (de 27 de Outubro a 5 de Novembro de 2003).
Neste contexto, o entendimento de que o início de
contagem do prazo pelo qual a intercepção telefónica é autorizada (quando essa
data não é directamente fixada pelo juiz) deve atender à data efectiva do início
da intercepção, e não à data do despacho judicial autorizador, o que conduziu a
dilações entre 8 a 20 dias, não é de molde a considerar drasticamente afectada a
exigência de acompanhamento judicial da operação, tendo designadamente em conta
que a ofensa ao direito fundamental em causa só se actua com o início das
escutas e que, no caso, não existia identidade nem proximidade geográfica entre
o órgão de polícia criminal encarregue da investigação (a Delegação Regional de
Braga do SEF) e o órgão com capacidade para proceder à intercepção e gravação (o
Departamento de Telecomunicações da Polícia Judiciária, em Lisboa), nem se
vislumbra, por parte desses órgãos, qualquer manipulação da oportunidade da
utilização da autorização concedida em termos de questionar a lisura e
objectividade da sua actuação.
Registe‑se, aliás, que o referido Projecto de Lei n.º
519/IX prevê expressamente a existência de uma dilação entre a prolação do
despacho autorizador das escutas e o início da contagem do prazo máximo da sua
duração, embora se fixe essa dilação em cinco dias (artigo 187.º, n.º 3).
Por outro lado, quanto à segunda interpretação normativa
impugnada, já se referiu que, após a alteração de redacção do artigo
188.º do CPP efectuada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000 ficou claro que é
legalmente imposta a elaboração de dois autos: (i) o de intercepção e gravação,
que deve conter a indicação das passagens que o órgão de polícia criminal
considera relevantes para a prova e que deve ser imediatamente levado ao
conhecimento do juiz (n.º 1); e (ii) o auto de transcrição dos elementos
considerados pelo juiz relevantes para a prova (n.º 3), que deve ser sujeito a
exame do arguido, do assistente e das pessoas cujas conversações tenham sido
escutadas (n.º 5).
Não exige expressamente a lei a elaboração de um “auto
de início de gravação”, que se limite a registar a ocorrência, mas, no presente
caso, eles foram sempre elaborados, embora não necessariamente no próprio dia
do início da intercepção, mas as dilações ocorridas – 20 dias quanto aos
telefones 222222222, 111111111 e 333333333 (data do início da intercepção: 20 de
Fevereiro de 2003; data do auto: 12 de Março de 2003), 28 dias quanto ao
telefone 444444444 (18 de Junho de 2003 e 16 de Julho de 2003), 12 dias quanto
ao telefone 555555555 (22 de Agosto de 2003 e 3 de Setembro de 2003), 6 dias
quanto ao telefone 666666666 (30 de Setembro de 2003 e 6 de Outubro de 2003), e
2 dias quanto ao telefone 555555555 (5 e 7 de Novembro de 2003) – não são,
manifestamente, idóneas a fazer perigar a exigência de acompanhamento judicial
da operação, acompanhamento que, em rigor, assume decisiva relevância perante o
auto referido no n.º 1 do artigo 188.º do CPP, revestindo‑se o “auto de início
de gravação” de uma função meramente instrumental, para controlo futuro do
respeito dos prazos de duração máxima das intercepções.
Nestes termos, o entendimento de que não é
constitucionalmente imposta a elaboração imediata do auto de início de gravação,
por eventuais dilações (entre 2 e 28 dias) não afectarem inexoravelmente a
exigência de acompanhamento judicial da operação, não merece qualquer censura,
designadamente quando, como no presente caso ocorreu, tais dilações se mostram
justificadas por razões de ordem técnica e delas não resulta uma restrição
intolerável dos direitos de privacidade dos arguidos.
2.10.2. Em termos constitucionais, o segundo núcleo de
questões, respeitante ao controlo judicial das gravações, surge como o mais
relevante, e a ele se ligam as alegadas interpretações normativas indicadas em
terceiro (considerar‑se que a exigência legal de imediação fica satisfeita se
o auto de gravação das intercepções for lavrado de vinte em vinte dias ou apenas
no final do prazo das intercepções e se for apresentado ao Juiz, com os
respectivos suportes técnicos, «dentro do tal mais curto espaço de tempo
(atendendo à miríade de dificuldades técnicas e humanas)»), quarto
(considerar‑se que a exigência legal de imediação não é violada se o auto de
gravação for lavrado, num caso, 125 dias depois das intercepções que documenta,
e, noutro, 80 dias (pelo menos) depois de efectuadas as intercepções e levado ao
conhecimento do Juiz apenas 6 dias (pelo menos) depois, no primeiro dia útil
seguinte à remessa do processo ao Ministério Público), sexto (considerar‑se
que não implica nulidade a apresentação ao Juiz de um auto de gravação quatro
dias depois de esgotado o prazo que o próprio Juiz expressamente fixara para
esse efeito), sétimo (considerar‑se que não implica nulidade a prorrogação do
prazo das escutas «antes que o magistrado judicial tivesse tido acesso aos
suportes magnéticos e ao primeiro (anterior) auto de gravação»), oitavo
(considerar‑se que não está ferida de nulidade a transcrição de intercepções
125 dias depois do despacho que os considerou sem interesse e ordenou a
desmagnetização dos respectivos suportes de gravação), nono (considerar‑se que
não estão afectadas por nulidade escutas efectuadas após findar o prazo de
vigência duma autorização – de que não foi lavrado auto de fim de intercepção,
considerado não obrigatório pelo M.mo Juiz – e antes de ter sido concedida nova
autorização) e décimo (considerar‑se que não implica nulidade a desobediência
pelo órgão de polícia criminal à ordem de cancelamento das intercepções ou a
continuação de intercepções para além do prazo fixado pelo JIC) lugares pela
recorrente.
Um dos aspectos mais criticados do actual sistema legal
consiste no facto de a lei não prever expressamente um prazo máximo de duração
das escutas nem esclarecer se o auto de gravação só deve ser elaborado no termo
do período autorizado ou se há lugar à apresentação de autos “intercalares”. No
presente caso, os diversos despachos judiciais fixaram prazos de 60 dias e só
dois se referiram às datas de apresentação dos autos de gravação: o de 31 de
Janeiro de 2003 (reproduzido no de 11 de Fevereiro de 2003) determinou que,
antes de findar o referido período de 60 dias, deveria ser, de imediato, dado
conhecimento do auto lavrado, com indicação das passagens relevantes para a
prova, acompanhadas das respectivas fitas magnéticas gravadas ou elementos
análogos de consulta; e o de 18 de Setembro de 2003, determinou que esses autos
fossem lavrados de 20 em 20 dias.
Entende‑se que os apontados prazos de 60 dias de duração
máxima das escutas não se pode considerar como implicando um intolerável
descontrolo judicial da operação, mesmo que acoplados ao entendimento de que, se
nada for judicialmente determinado em sentido contrário, é no termo de cada
período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação interceptada, que
deve ser elaborado o auto de gravação com indicação, pelo órgão de polícia
criminal, das passagens consideradas relevantes para a prova.
A este propósito recorde‑se que o Projecto de Lei n.º
519/IX preconizava que o prazo máximo de duração das escutas fosse de 30 dias
(com dilação de 5 dias após a data da prolação da autorização), prorrogáveis até
5 vezes (artigo 187.º, n.º 3), competindo ao juiz fixar o período findo o qual o
auto com as fitas gravadas é levado ao seu conhecimento, acompanhado ou da
indicação das passagens e dos dados considerados relevantes para a prova ou
mesmo da respectiva transcrição provisória (artigo 188.º, n.º 1). E a Proposta
de Lei n.º 150/IX previa que a duração máxima fosse de 3 meses, renovável por
períodos idênticos até ao encerramento do inquérito (artigo 187.º, n.º 5),
devendo os autos de intercepção e gravação, com as fitas, ser levados ao
conhecimento do juiz, de 15 em 15 dias, com indicação, por parte do Ministério
Público, das passagens consideradas relevantes (artigo 188.º, n.º 1).
Relativamente ao espaço de tempo entre o fim da gravação
(ou de fases dela) e a apresentação do respectivo auto, já se salientou que,
após a alteração legislativa de 2000, a maior complexidade na elaboração do auto
impõe a adopção de critério mais dilatado quanto ao requisito da imediatividade
da sua elaboração e apresentação, não sendo exigível a fixação de um prazo
máximo rígido, que sempre se poderia mostrar completamente desadequado ao
condicionalismo do caso concreto.
De qualquer forma, os prazos registados nos presentes
autos, quer entre os períodos de intercepções e as datas de elaboração dos
correspondentes autos, quer entre estas datas e as datas de apresentação ao
juízes de instrução criminal, quer entre estas últimas e as audições pessoais a
que estes juízes procederam em caso algum se mostram de tal forma dilatadas que
se possa questionar o respeito pela exigência do referido acompanhamento
judicial.
Na verdade:
1) Quanto aos telefones 111111111, 222222222 e
333333333, as intercepções de 20 de Fevereiro a 20 de Abril de 2003 foram
objecto de auto elaborado em 24 de Abril de 2003, apresentado ao juiz em 29 de
Abril de 2003 e por ele ouvidas em 4 de Junho de 2003;
2) Quanto ao telefone 444444444: (i) as intercepções de
18 de Junho a 24 de Julho de 2003 foram objecto de auto elaborado em 31 de
Julho de 2003, apresentado ao juiz em 1 de Agosto de 2003 e por ele ouvidas
nesta mesma data; (ii) as intercepções de 24 de Julho a 1 de Agosto de 2003
foram objecto de auto elaborado em 4 de Agosto de 2003, e as intercepções de 9
a 11 de Julho de 2003 foram objecto de auto elaborado em 5 de Agosto de 2003,
ambos apresentados ao juiz em 7 de Agosto de 2003 e por ele ouvidas no dia
seguinte; (iii) as intercepções de 7 a 12 de Agosto de 2003 foram objecto de
auto elaborado e apresentado ao juiz em 14 de Agosto de 2003, que nessa mesma
data procedeu à sua audição; (iv) as intercepções de 12 a 18 de Agosto e de 18
de Agosto a 2 de Setembro de 2003 foram objecto de autos elaborados em 20 de
Agosto e em 3 de Setembro de 2003, respectivamente, e ouvidas pelo juiz em 6 de
Setembro de 2003; (v) as intercepções de 2 a 9 de Setembro de 2003 foram objecto
de auto elaborado em 10 de Setembro de 2003 e ouvidas pelo juiz no subsequente
dia 19; (vi) as intercepções de 9 a 29 de Setembro de 2003 foram objecto de auto
elaborado em 30 de Setembro de 2003, apresentado ao juiz em 3 de Outubro de
2003 e por ele ouvidas em 6 de Outubro de 2003; (vii) as intercepções de 29 de
Setembro a 3 de Outubro de 2003 foram objecto de auto elaborado em 16 de Outubro
de 2003, e por ele ouvidas em 13 de Novembro de 2003;
3) Quanto ao telefone 555555555: (i) as intercepções de
22 de Agosto a 9 de Setembro de 2003 foram objecto de auto elaborado em 10 de
Setembro de 2003 e ouvidas pelo juiz em 16 de Setembro de 2003; (ii) as
intercepções de 9 a 29 de Setembro de 2003 foram objecto de auto elaborado em
30 de Setembro de 2003, apresentado ao juiz em 6 de Outubro de 2003 e por ele
ouvidas nesse mesmo dia; (iii) as intercepções de 29 de Setembro a 16 de Outubro
de 2003 foram objecto de auto elaborado nesta última data, apresentado ao juiz
em 21 de Outubro de 2003 e por ele ouvidas no dia imediato; (iv) as
intercepções de 13 a 20 de Outubro de 2003 foram objecto de auto elaborado em 6
de Novembro de 2003, apresentado ao juiz em 13 de Novembro de 2003 e por ele
ouvidas no dia imediato; (vi) as intercepções de 5 a 24 de Novembro de 2003
foram objecto de auto elaborado em 27 de Novembro, apresentado ao juiz em 2 de
Dezembro de 2003 e por ele ouvidas em 19 de Dezembro de 2003; (vii) as
intercepções de 24 de Novembro a 8 de Dezembro de 2003 foram objecto de auto
elaborado em 29 de Dezembro de 2003, apresentado ao juiz no dia imediato e por
ele ouvidas nesse mesmo dia; (viii) as intercepções de 9 de Dezembro de 2003 a 3
de Janeiro de 2004 foram objecto de auto elaborado em 30 de Janeiro de 2004,
apresentado ao juiz em 6 de Fevereiro de 2004 e por ele ouvidas nesse mesmo dia;
4) Quanto ao telefone 666666666: (i) as intercepções de
1 a 15 de Outubro de 2003 foram objecto de auto elaborado em 16 de Outubro de
2003, apresentado ao juiz em 21 de Outubro de 2003 e por ele ouvidas no dia
imediato; (iii) as intercepções de 16 de Outubro a 6 de Novembro de 2003 foram
objecto de auto elaborado em 7 de Novembro de 2003, apresentado ao juiz em 13
de Novembro de 2003 e por ele ouvidas no dia imediato; (iv) as intercepções de
6 a 24 de Novembro de 2003 foram objecto de auto elaborado em 26 de Novembro de
2003, apresentado ao juiz em 2 de Dezembro de 2003 e por ele ouvidas em 19 de
Dezembro de 2003; (v) as intercepções de 24 de Novembro a 2 de Dezembro de 2003
foram objecto de auto apresentado ao juiz em 3 de Dezembro de 2003 e por ele
ouvidas nesse mesmo dia.
Nenhuma das dilações apuradas se evidencia ser de molde
a permitir concluir pela falta do constitucionalmente exigível acompanhamento
judicial da operação.
Mesmo a respeito da “sétima interpretação normativa”,
importa salientar que, na situação específica em causa, a circunstância de, logo
em 1 de Agosto de 2003, dois dias após a prolação do despacho de 30 de Julho de
2003, o juiz de instrução criminal ter procedido à audição das gravações até
então efectuadas, julgando relevantes para a prova diversas passagens das
mesmas, o que justifica o interesse na prorrogação das intercepções, não
permite dar por verificada, neste ponto, uma situação de desacompanhamento
judicial da operação, constitucionalmente inadmissível.
Neste contexto, importa esclarecer a situação referida a
propósito da “quarta interpretação normativa” impugnada. Na verdade, não se
tratou, no caso, de elaboração de auto de gravação (em 7 de Novembro de 2003)
125 dias ou 80 dias depois de efectuadas as intercepções que documenta, mas
antes de situação em que os autos foram lavrados logo após o termo de períodos
de intercepção (auto de 31 de Julho de 2003 relativo a gravações de 18 de Junho
a 24 de Julho, e auto de 20 de Agosto de 2003 relativo a gravações de 12 a 18 de
Agosto de 2003), mas relativamente à qual o órgão de polícia criminal se deu
conta de que, por lapso, sessões que haviam sido reputadas relevantes para a
prova em períodos anteriores (nos referidos períodos de 14 a 17 de Julho de 2003
e de 12 a 18 de Agosto de 2003) não haviam sido mencionadas nos correspondentes
autos oportunamente elaborados (em 31 de Julho de 2003 e em 20 de Agosto de
2003), propondo‑se a sua selecção, o que foi judicialmente acolhido. Tratando‑se
de uma situação manifestamente excepcional, visando a correcção de um lapso
anterior, ela em nada afecta o juízo, que tem de atender à globalidade do
acompanhamento judicial, de não desconformidade constitucional do critério
normativo adoptado pelo acórdão recorrido.
Quanto às irregularidades processuais indicadas a
coberto das acima identificadas como sexta, oitava (esta representando mera
repetição da “quarta questão”, acabada de referir), nona e décima
“interpretações normativas” impugnadas, para além de não se poderem considerar
verdadeiras questões de inconstitucionalidade normativa, há que salientar que,
deste ponto de vista, único em causa no presente recurso, não compete ao
Tribunal Constitucional apurar se a apresentação de um auto de gravação alguns
dias após o termo judicialmente fixado deveria, ou não, originar nulidade
processual, mas tão‑só constatar que da mesma não resultou, manifestamente,
qualquer quebra significativa no controlo judicial da operação, que foi
efectivamente exercitado em tempo útil. Por outro lado, quanto às situações em
causa nas duas últimas “interpretações” questionadas, resta constatar que, como
se assinalou no despacho da Juíza de Instrução Criminal, confirmado pelo
acórdão ora recorrido, as mesmas carecem de interesse processual, pois – para
além de o desfasamento temporal detectado ser, em parte, justificado pela já
referida diversidade de órgãos encarregues da investigação e das intercepções e
distanciamento geográfico – nenhuma das gravações efectuadas foi considerada
relevante para a prova, não tendo sido seleccionada nenhuma passagem.
2.10.3. Quanto ao terceiro núcleo de questões, integrado
pela quinta interpretação normativa impugnada, relativa à inexistência de
obrigação de proceder à imediata desmagnetização da gravação das intercepções
consideradas sem interesse:
Como já se assinalou quando se referenciou a
jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e como já se consignou
no Acórdão n.º 426/2005, o que se poderia considerar como constitucionalmente
inadmissível seria, pelo contrário, a privação da possibilidade – que a
imediata desmagnetização da gravação logo após a audição pelo juiz acarretaria
– de a defesa requerer a transcrição de passagens das gravações, não
seleccionadas pelo juiz, que repute relevantes para a descoberta da verdade.
Por isso, no citado Acórdão n.º 426/2005 se consignou que “deve ser facultado à
defesa (e também à acusação) a possibilidade de requerer a transcrição de mais
passagens do que as inicialmente seleccionadas pelo juiz, quer por entenderem
que as mesmas assumem relevância própria, quer por se revelarem úteis para
esclarecer ou contextualizar o sentido de passagens anteriormente
seleccionadas”.
Também em termos de direito comparado se assinalou (cf.,
supra, 2.8), que: na Bélgica, as gravações são mantidas intactas a fim de as
partes as poderem consultar e requerer a transcrição de passagens inicialmente
tidas por irrelevantes; em França, as gravações só são destruídas no termo do
prazo de prescrição do procedimento criminal; na Alemanha, elas são mantidas e
podem ser ouvidas na própria audiência de julgamento; em Itália, só após audição
das gravações (cuja guarda compete ao Ministério Público) pela defesa e
pronúncia dos diversos intervenientes é que o juiz manda suprimir os registos
cuja utilização é legalmente vedada e admite os que não são manifestamente
irrelevantes (artigo 268.º, n.º 6, do Código de Processo Penal), sendo os
registos conservados até ao trânsito em julgado da sentença final, a menos que,
a requerimento dos interessados, com fundamento em tutela da privacidade, o juiz
autorize a destruição antecipada (artigo 269.º, n.º 2, do mesmo Código); em
Espanha, atenta a exiguidade da regulamentação legal, a jurisprudência do
Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo têm insistido na necessidade de
serem os originais das fitas de gravação ou elementos análogos a serem
remetidos ao tribunal, ficando à guarda do secretário judicial, que facultará o
seu acesso às partes (e ao Ministério Público) e dirigirá a tarefa de
transcrição das partes tidas por relevantes (cf. José Luis Rodríguez Lainz, obra
citada, pp. 179‑186).
E como também já se assinalou, os projectos legislativos
apresentados na Assembleia da República, previam: a Proposta de Lei n.º 150/IX,
a conservação das fitas gravadas ou elementos análogos até ao trânsito em
julgado da decisão final, a menos que, aquando do encerramento do inquérito, o
juiz concluísse pela irrelevância da totalidade dos elementos recolhidos e o
arguido, notificado para o efeito, não se opusesse à sua imediata destruição
(artigo 188.º, n.ºs 6 e 7); o Projecto de Lei n.º 519/IX, a destruição das
fitas com gravações tidas judicialmente por irrelevantes apenas após o exame
concedido ao arguido e às pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas para
controlarem a conformidade dos autos de transcrição e de destruição que lhes
dissessem respeito (artigo 188.º, n.ºs 5 e 7); e o Projecto de Lei n.º 424/IX, a
conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da decisão
final, podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou de
recurso para contextualizar as conversações transcritas (artigo 188.º, n.º 7).
Nenhuma censura constitucional merece, pois, o critério
normativo ora em causa, tendo sobretudo em vista o acautelamento dos interesses
do arguido e das pessoas escutadas, sendo certo que, para concomitante defesa
do direito à privacidade destas, se deve enfatizar o dever de sigilo a que estão
obrigados todos os participantes na operação (artigo 188.º, n.º 3, do CPP),
dever de sigilo que, no que respeita às passagens das conversações que se
consideraram inadmissíveis ou irrelevantes e que, por isso, não chegaram a ser
adquiridas para o processo, perdura mesmo para além do termo da fase secreta do
processo.
2.11. No que respeita à questão de inconstitucionalidade
suscitada a propósito da interpretação que teria sido feita das disposições
conjugadas dos artigos 6.° da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e 187.º, 188.°,
189.º e 190.º do CPP no sentido de que não vigora para a recolha de imagens e de
voz a «exigência de fixação de prazo» (na qual se inclui a de o auto lavrado ser
imediatamente facultado ao JIC) e de que é válida, como meio de prova, a
recolha de imagens e vozes, incluindo através de gravação vídeo, cujos autos
apenas foram lavrados vários meses depois de recolhida essa prova e de cujo
conteúdo o JIC só então tomou conhecimento, importa salientar que a questão
suscitada pela recorrente no seu requerimento de arguição de nulidades
respeitava apenas à falta de fixação de prazo para recolha de imagem e voz, no
despacho que a autorizou (cf. n.º 13 desse requerimento, transcrito em 1.2). E
foi nesse contexto que a questão foi retomada na motivação do recurso interposto
para o Tribunal da Relação.
Não impõe a lei, de forma expressa, a fixação, no
despacho de autorização de recolha de imagem e som, do respectivo prazo, o que,
só por si, não implica quebra do acompanhamento judicial da operação que se tem
por constitucionalmente exigido. E – embora este aspecto não tivesse sido
inicialmente questionado pela recorrente – o acórdão recorrido demonstrou que,
no caso, da recolha de imagem e som foram lavrados, com periodicidade tida por
aceitável, os respectivos autos, apresentados ao juiz com os correspondentes
elementos de suporte, que foram objecto de subsequentes visionamentos por parte
do juiz de instrução criminal, em termos de assegurar um efectivo e atempado
controlo judicial da execução da operação, conclusão esta que merece
acolhimento.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao
recurso.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 3 de Janeiro de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos