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Processo nº 863/96 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO recorre, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (de 1 de Outubro de 1996), que, no recurso interposto por A. contra a deliberação da CÂMARA MUNICIPAL DE SINES (de 20 de Janeiro de
1993), que deu por finda a sua comissão de serviço como chefe de divisão, recusou aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade, à norma do artigo 29º, nº 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA),
'quando interpretado no sentido [...] de que o prazo de interposição do recurso se conta a partir da publicação quando esta seja obrigatória'.
2. O Procurador- Geral Adjunto em exercício neste Tribunal concluiu as suas alegações do modo seguinte:
1º. A norma constante do nº 1 do artigo 29º da Lei de processo dos Tribunais Administrativos, quando interpretada em termos de se considerar dispensada aos interessados a notificação de actos administrativos que devam ser legalmente publicados, padece de inconstitucionalidade, por violação do disposto na primeira parte do nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa;
2º. Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
O recorrido formulou as seguintes conclusões:
1º. A norma constante do nº 1 do artº 29º da LPTA, DL nº 267/85, de 16/7, interpretada literalmente ou em termos de considerar dispensada a notificação dos actos administrativos que devam ser legalmente publicados, enferma de inconstitucionalidade, por violação do disposto na primeira parte do nº 3 do artº 268º da CRP, que impõe à Administração o dever de dar conhecimento aos interessados de quaisquer actos administrativos - garantia que permite o exercício do direito de acesso à justiça administrativa.
2º. Termos em que deve confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante do douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ora recorrido.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir se é ou inconstitucional, por violação do artigo 268º, nº 3, da Constituição, a norma constante do nº 1 do artigo 29º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, quando interpretada no sentido de que, sendo obrigatória a publicação do acto administrativo, o prazo de interposição do recurso se conta a partir dessa publicação, e não da notificação de tal acto ao interessado.
II. Fundamentos:
4. O artigo 29º, nº 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos
(aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, e alterada, entretanto, pelo Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro) preceitua assim:
1. O prazo para a interposição de recurso de acto expresso conta-se da respectiva notificação ou publicação, quando esta seja imposta por lei.
O preceito acabado de transcrever regula a contagem do prazo para recorrer de acto expresso anulável - prazo que, para os particulares, é, em regra, de dois meses [cf. artigo 28º, nº 1, alínea a), da mesma Lei de Processo]. Tal prazo conta-se da publicação do acto, quando esta seja imposta por lei; e da notificação, quando o acto não tenha que ser publicado.
Escreveu-se no acórdão recorrido que 'uma interpretação literal do preceito sugere que o prazo para a interposição do recurso se conta a partir da publicação quando o acto deva ser obrigatoriamente publicado e da notificação quanto aos actos que não careçam de publicação'. Sublinhou-se, de seguida, que
'essa é, de resto, a interpretação que melhor se coaduna com a imposição resultante do nº 2 do artigo 268º da Lei Fundamental, na redacção dada pela Revisão de 1982, que estipulava o dever de notificação apenas em relação aos actos administrativos de eficácia externa que não tenham que ser oficialmente publicados'. E, depois de se precisar que, após a revisão constitucional de
1989, 'os actos devem ser sempre notificados aos interessados mesmo quando tenham de ser oficialmente publicados', concluiu-se, dizendo que a apontada interpretação do nº 1 do artigo 29º 'não pode manter-se, por colidir com o apontado dever de notificação dos actos administrativos'.
Na doutrina, SANTOS BOTELHO (Contencioso Administrativo, Coimbra, 1995, página
203) - depois de anotar que, 'da letra da lei parece decorrer que a notificação só será atendível quando não seja obrigatória a publicação', pois que, 'se esta for obrigatória, o prazo do recurso contencioso só com ela se inicia' - escreve: Contudo, tal doutrina não se nos afigura ser de perfilhar, desde logo pelo facto de não ser aquela que tutela por forma mais adequada os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Na verdade, [...] deverá relevar apenas a notificação, ainda que o acto já tenha sido objecto de publicação. Com efeito, a notificação é aquela formalidade que [...] melhor assegura um efectivo conhecimento do acto por parte do destinatário.
A notificação visa dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica.
Dispõe, por isso, o artigo 268º, nº 3, da Constituição (revisão de
1989) que 'os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei'.
Este preceito constitucional é interpretado por J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página 935) no sentido de que nele se impõe à Administração 'um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante comunicação oficial e formal', dos actos administrativos que lhes respeitem.
Os actos administrativos que devem ser notificados aos interessados - prescreve o artigo 66º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) - são os que
'decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas'; os que 'imponham deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos'; e os que 'criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afectem as condições do seu exercício'. Após a revisão constitucional de 1989 (cf. o citado artigo 268º, nº 3) - contrariamente ao que sucedia no texto de 1982, em que apenas se exigia a notificação quando os actos não devessem ser obrigatoriamente publicados -, os actos administrativos devem ser sempre notificados aos interessados, mesmo quando tenham que ser oficialmente publicados (cf. neste sentido, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. e loc. cit.). E isto, porque - como pondera o Magistrado do Ministério Público - a notificação é um 'elemento essencial para o exercício, em tempo útil, do recurso contencioso ou dos demais meios procedimentais admitidos no âmbito da jurisdição administrativa'.
Tais actos só devem, porém, ser publicados, quando a lei o exija (cf. artigo
130º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo). 'A falta de publicidade, quando legalmente exigida', implica a ineficácia do acto (cf. o nº 2 do mesmo artigo 130º). Sendo a notificação do acto administrativo essencial para o efectivo conhecimento pelos interessados dos actos da Administração susceptíveis de os atingir na sua esfera jurídica, seria irrazoável e claramente excessivo contar o prazo para o recurso contencioso da publicação de tais actos, quando esta seja obrigatória, em vez de tal contagem se fazer a partir da notificação. Tal significaria, na verdade, impôr aos interessados na eventual impugnação contenciosa dos actos administrativos lesivos dos seus direitos ou interesses um
ónus que poderia tornar particularmente oneroso o acesso à justiça administrativa (recte, o exercício do direito ao recurso contencioso).
De facto, esse modo de contagem do prazo obrigá-los-ia a manterem-se atentos à publicação desses actos, se não quisessem correr o risco de ver caducar o direito à impugnação contenciosa. E isso, sem que se descubra qualquer interesse público nesse modo de contagem, pois que - repete-se - a notificação é, hoje, constitucionalmente obrigatória.
5. Conclusão: o artigo 29º, nº 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, interpretado no sentido de, quando a publicação do acto administrativo seja obrigatória por lei, o prazo para dele recorrer se conta a partir dessa publicação, e não da sua notificação aos interessados, viola o nº 4 do artigo 268º da Constituição (que garante aos interessados o direito ao recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos), conjugado com o nº 3 do mesmo (que impõe à Administração o dever de lhes notificar os actos administrativos, mesmo quando estes tenham que ser obrigatoriamente publicados). III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
(a). julgar inconstitucional - por violação do artigo 268º, nº 4 (conjugado com o nº 3), da Constituição da República Portuguesa - a norma do artigo 29º, nº 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de mandar contar o prazo para o recurso contencioso de actos administrativos sujeitos a publicação obrigatória da data dessa publicação;
(b). em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido quanto ao julgamento de constitucionalidade nele feito.
Lisboa, 2 de Julho de 1997 Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Bravo Serra ( concordando com o juízo decisório e respectiva fundamentação, desta só me afasto no ponto em que dela se poderia inferir que, não fora o disposto nos nºs. 3 e 4 do artigo 268º da Constituição após a Revisão de 1989, a exigência de um gravoso ónus que decorreria da norma do nº 1 do artº 29º da L.P.T.A., tornaria tal norma contrária à Lei Fundamental) Luís Nunes de Almeida