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Processo n.º 1033/2005.
3.ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 21 de Dezembro de 2005 o relator proferiu a seguinte
decisão –
“1. Tendo, por acórdão proferido em 12 de Agosto de 2005 pelo
tribunal colectivo do Tribunal de comarca de Loulé, sido o arguido A. condenado
– pela prática de factos que foram subsumidos à autoria de um crime de detenção
ilegal de arma de defesa, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos
artigos 1º, alínea b), e 6º, ambos da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, e à
co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e
punível pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alíneas b) e c), ambos do Decreto-Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro, de um crime de receptação, previsto e punível pelo artº
231º, nº 1, do Código Penal e de um crime de tráfico em lugares públicos,
previsto e punível pelo artº 30º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 – na pena única
de catorze anos de prisão, pelo seu mandatário foi, para a acta da sessão de
audiência em que foi lido aquele acórdão, ditado requerimento em que manifestava
a intenção de recorrer daquele aresto, de facto e de direito, requerendo, nesse
acto, a entrega dos suportes magnéticos do registo da prova.
O recurso foi, desde logo, admitido, sendo também deferida a
entrega solicitada.
Após ser o indicado acórdão depositado em 17 daquele mês de
Agosto, o arguido fez apresentar a motivação de recurso, cujo carimbo de entrada
na secretaria do Tribunal de comarca de Loulé data de 16 de Setembro de 2005.
Por despacho de 21 de Setembro de 2005, o Juiz do Tribunal de
comarca de Loulé, considerando que, tendo o recurso sido interposto em acta e
que a motivação deveria ter sido apresentada nos quinze dias seguintes (aos
quais haveria que aditar dez dias em face do disposto no artº 698º, nº 6, do
Código de Processo Civil, já que em causa estava um recurso relativo à matéria
de facto, sendo que, como os suportes magnéticos foram entregues tão só em 23 de
Agosto anterior, ou seja, três dias depois dos oito conferidos pelo nº 2 do artº
7º do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, haveria, ainda, que considerar
que deveria acrescer ao prazo para recorrer o número de dias que ultrapassaram
aqueles oito), razão pela qual o prazo, em concreto, para uma tal apresentação
expirara em 9 de Setembro de 2005, decidiu que o recurso não era admissível por
falta de motivação, face ao disposto no nº 2 do artº 412º e do nº 2 do artº
414º, um e outro do Código de Processo Penal.
Desse despacho reclamou o arguido para o Presidente do Tribunal
da Relação de Évora, tendo, inter alia e no que agora releva, dito no
requerimento consubstanciador da reclamação, após explanar que o prazo para a
interposição do recurso ou para a apresentação da motivação seria de, pelo
menos, vinte e cinco dias contados desde o depósito do acórdão: –
‘(…)
b) O caso dos autos, não se trata, pois, de caso de decisão oral reproduzida em
acta (artº 411º nº 1 CPP, in fine), a qual não parece sujeita a depósito (artºs
372º nº 5 e 373º nºs 1 e 2 CPP) e em relação à qual não parece suscitar-se
dúvida em que seja a partir da data da interposição em acta do respectivo
recurso que se deve contar o prazo para a motivação a que houver lugar.
Trata-se, antes, de acórdão, de resto, complexo lavrado e, seguidamente, lido em
audiência e cuja compreensão só seja susceptível de conseguir pela respectiva
leitura, em tese, só possível e de exigir a partir da data da sua
disponibilização, para o efeito, pela secretaria, ocorrida após o respectivo
depósito, Mas, que assim se não entendesse, seria de ver que a tese do despacho
recorrido de que, em relação ao ora reclamante, que não já em relação aos demais
arg[u]idos e eventuais recorrentes do processo, em que o prazo do recurso só se
contaria a partir de depósito do acórdão na secretaria, ocorrido no dito dia
17/09/005, o prazo do recurso haveria que ser contado a partir da data da
leitura do acórdão em causa ocorrida no dia 12/09/05, criaria ambig[u]idades,
assimetrias e mesmo desigualdades que, por ofensivas até do princípio da
igualdade previsto pela Constituição da República, seriam intoleráveis; – numa
altura em que os restantes arg[u]idos ainda estariam em tempo de apresentar o
seu requerimento de recurso, ao ora reclamante, colocado justamente na mesma
situação, já não seria permitido apresentar recurso.
c) [É] certo que, contra a tese da tempestividade da motivação do recurso
exposta, o despacho reclamado terá oposto a tese de que, em relação ao arg[u]ido
ora reclamante, a situação já não seria de recurso, mas tão somente de
apresentação da motivação do recurso interposto em acta, configurada como
distinta da primeira. Contudo, é de ver que, além de quebrar a harmonia e a
unidade do prazo do recurso do acórdão em causa e de ser ofensiva do princípio
da igualdade dos arg[u]idos do processo, quanto à oportunidade de interposição
do recurso, a tese referenciada parece desconsiderar, de todo, o aspecto da
complexidade do acto de interposição do recurso, salientado, de resto, por SIMAS
SANTOS e LEAL HENRIQUES (ibidem, pgs 59 e 60), além de contrariar o disposto no
artº 113º nº 12 CPP, segundo o qual ‘(…) havendo vários arg[u]idos (…), quando o
prazo para a prática de actos subseq[u]entes à notificação termine em dias
diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao
término do prazo que começou a correr em último lugar’.
4 – Daí que, sendo, nos termos expostos, o recurso do ora reclamante do 15/09/05
apresentado fora do respectivo prazo normal, mas ainda no limite do 3º dia útil
posterior a que se refere o artº 145º nº 5 CPC, e, por isso, de admitir, ainda
que com multa, devia o mesmo ser admitido para, normalmente, seguir a sua
tramitação. Pelo que ao não entender assim, antes considerando que ‘(…) nos
termos do artº 414º nº 2 do C.P.P. não admito o recurso interposto por A. (…)’,
o despacho reclamado terá feito errada interpretação da lei. Devendo, por isso,
ser revogado e substituído por outro que, em atenção aos factos e à lei, o
admita e mande seguir os seus termos, como é da justiça e do direito e se
espera’.
Tendo o Presidente do Tribunal da Relação de Évora, por despacho
de 28 de Novembro de 2005, indeferido a reclamação, veio o arguido fazer juntar
aos autos requerimento com o seguinte teor: –
‘A., reclamante nos autos, notificado do despacho de
28.11.2005, no sentido do indeferimento da reclamação em causa, vem,
respeitosamente e ao abrigo do disposto no artº 70º, nºs 1, al. b) e 2 e 3 da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dele recorrer para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL,
em vista à apreciação:
a) Da eventual desconformidade da interpretação de, contra a tese sustentada
pela reclamação – nessa parte aqui dada por reproduzida – afastar a
aplicabilidade do artº 698º nº 6 CPC, aos casos de recurso penal visando a
reapreciação da prova gravada, com o disposto no artº 32º (maxime nºs 1 e 7) da
Constituição da República, conferindo ao arg[u]ido todas as garantias de defesa.
b) Da eventual desconformidade da interpretação de, contra a tese sustentada
pela reclamação – nessa parte aqui dada por reproduzida – e contra o princípio
da igualdade dos arg[u]idos quanto à oportunidade de interposição de recurso,
previsto pela Constituição da República (artº 13º), entender precludido o
direito do arg[u]ido, ora recorrente, de apresentar as suas motivações de
recurso, numa altura em que ainda era permitido a qualquer dos restantes
arg[u]idos dos autos a apresentação do seu requerimento de recurso’.
O Presidente do Tribunal da Relação de Évora, por despacho de 14
de Dezembro de 2005, admitiu o recurso interposto através do supra transcrito
requerimento.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do
artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso
não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma
Lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento do objecto da
presente impugnação.
Em primeiro lugar, não se deixa de assinalar que o requerimento
de interposição de recurso não obedece à totalidade dos requisitos ínsitos nos
números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82. Todavia, porque, como à frente se
verá, mesmo que, na sequência de convite formulado ao abrigo do nº 6 do mesmo
artigo, viesse, cabalmente, a ser indicada aquela totalidade, nem por isso se
deveria conhecer do objecto do recurso, a formulação de tal convite postar-se-ia
como um acto perfeitamente inútil.
Isto posto, passemos a indicar os motivos pelos quais se não
tomará conhecimento do objecto do recurso intentado interpor, sendo certo que se
não incluem nos poderes cognitivos deste Tribunal aferir se porventura a decisão
querida recorrer foi, do ponto de vista da legislação ordinária, a mais
correcta, atento, nomeadamente, o que se prescreve no nº 2 do artº 104º do
diploma adjectivo criminal.
Como sabido é e resulta, quer da Lei Fundamental (nº 1 do seu
artigo 280º), quer da Lei nº 28/82 (nº 1 do seu artº 70º), o objecto dos
recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade é
constituído por normas do ordenamento jurídico infra-constitucional e não
quaisquer outros actos do poder público tais como, verbi gratia, os actos
administrativos ou as decisões judiciais qua tale consideradas.
Justamente por isso, e tratando-se de recurso esteado na alínea
b) do nº 1 do citado artº 70º, mister é, por entre outros pressupostos, que a
«parte» que de tal recurso se queira socorrer, cumpra o ónus de suscitação,
precedentemente à decisão judicial desejada colocar sob veredicto do Tribunal
Constitucional, da desarmonia constitucional da ou das normas (ainda que
alcançada ou alcançadas por via de um processo interpretativo incidente sobre
preceitos da legislação ordinária) cuja validade do ponto de vista da sua
compatibilidade com o Diploma Básico pretende ver apreciada por este órgão de
administração de justiça.
Assim, se, anteriormente ao proferimento da decisão judicial, a
«parte» esgrime no sentido de ser essa mesma decisão conflituante com a
Constituição, é de evidência que não é impostada uma questão de
inconstitucionalidade normativa, mas sim uma questão de inconstitucionalidade da
própria decisão.
Ora, como resulta do relato supra efectuado, na reclamação
dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação de Évora, não se lobriga qualquer
asserção de onde, directa ou indirectamente, expressa ou implicitamente, se
extraia o questionamento de qualquer normativo (ainda que resultante de um dado
sentido interpretativo).
Antes, o que foi atacado como representando violação da Lei
Fundamental foi o próprio despacho lavrado em 21 de Setembro de 2005 pelo Juiz
do Tribunal de comarca de Loulé, despacho esse que, na óptica do ora impugnante,
tinha levado a efeito errada interpretação e aplicação da lei.
Adite-se, por último que, de qualquer forma, mesmo que o despacho
ora querido impugnar tivesse de tomar em conta a aplicabilidade do nº 6 do artº
698º do Código de Processo Civil às situações de recurso criminal [ ] em que se
pretenda a reapreciação da matéria de facto, a decisão da extemporaneidade da
apresentação da motivação de recurso, no caso então sub iudicio, haveria de ser
idêntica, pelas razões que constavam do despacho proferido pelo Juiz de 1ª
instância; pelo que, nessa hipotética situação, não se tornaria repercutível em
termos decisórios um eventual juízo de desconformidade constitucional por banda
de uma interpretação normativa que conduzisse ao entendimento de que aquele
preceito não era passível de aplicação em processo criminal, e isto, como claro
é, a entender-se que somente com a prolação do despacho exarado pelo Presidente
do Tribunal da Relação de Évora teria o impugnante sido confrontado com essa
questão, não tendo, anteriormente a essa prolação, desfrutado de oportunidade
processual para suscitar, referentemente a ela, qualquer questão de
inconstitucionalidade.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se em seis unidades
de conta a taxa de justiça.”
Da transcrita decisão veio reclamar o arguido, o que fez nos
seguintes termos: –
“1 - Sendo certo que, pela reclamação apresentada ao Tribunal da Relação de
Évora, suscitou, nos termos nela referidos, a questão da violação do princípio
constitucional da igualdade, como até do princípio constitucional da defesa
aconteceu que a questão constitucional suscitada foi admitida e apreciada pelo
despacho do Exmº Senhor Presidente da Relação de Évora, no ponto II-5 do seu
referenciado despacho entretanto, no sentido do seu desatendimento. Pelo que, na
medida em que, pelo recurso, se pretende a apreciação da eventual
desconformidade com a constituição da interpretação dada às normas com
ressonância constitucional invocadas não parece que o recurso em causa, nos
termos interpostos, tenha deixada de cumprir os requisitos a que, pelos artºs
71° e 75°-A da dita Lei nº 28/82, devia obedecer: - como é de ver, a decisão
envolvida só é posta em causa na medida em que, nos termos indicados, tivesse
seguido interpretação de normas jurídicas aplicadas contrária ao disposto pelos
princípios constitucionais da igualdade e da defesa invocados.
2 - Contudo, mesmo a não se entender assim, ou seja, mesmo no caso de se
entender haver algum dos ditos requisitos de recurso constitucional deixado de
cumprir, está em crer com a ressalva do respeito devido, que o caso não seja de
mal insusceptível de correcção através do aperfeiçoamento do respectivo
requerimento, como é previsto pelo nº 5 do dito art° 75°-A. Pelo que, no limite,
importaria que o recurso em causa fosse mandado aperfeiçoar, nos moldes
referidos. De modo que, ao decidir em contrário, no caso dos autos, em que está
em causa pena de prisão, de resto, elevada, a decisão reclamada parece ter feito
errada interpretação dessa disposição legal, importando, por isso, que, em
conferência fosse reapreciada, em vista à sua correcção e substituição por outro
que deixe seguir o recurso ou, pelo menos, o mande aperfeiçoar, como é permitido
pelo art° 75º-A nº 5 citado.”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério
Público pronunciou-se no sentido de a mesma ser manifestamente infundada, já que
nada abalou os fundamentos da decisão reclamada.
Cumpre decidir.
2. A decisão ora em crise começou por afirmar que, não obstante o
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal não obedecer à
totalidade dos requisitos constantes dos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, nem por isso se justificaria, no caso, lançar mão do
prescrito no nº 6 do mesmo artigo, já que do objecto do recurso nunca se poderia
conhecer.
E, continuou, não se poderia conhecer justamente pelo facto de,
precedentemente à prolação do despacho querido impugnar, não se ter impostado
uma questão de desconformidade com a Lei Fundamental por parte de qualquer
normativo vertido no ordenamento jurídico ordinário, sendo certo que a
Constituição [artigo 280º, nº 1, alínea b)] e a Lei [artº 70º, nº 1, alínea b)]
elegem como objecto deste tipo de recurso as normas infra-constitucionais,
acerca das quais há-de ser, previamente, à decisão judicial intentada impugnar,
suscitada a respectiva desarmonia constitucional, e não outro actos do poder
público, tais como as decisões judiciais em si consideradas.
É, pois, um pressuposto deste recurso a suscitação da
inconstitucionalidade normativa e, obviamente, não ocorrendo ele, possível não
será a via da respectiva abertura.
Isto, como é claro, representa algo totalmente diverso do não
cumprimento dos requisitos do requerimento de interposição de recurso, não
tendo, por isso, o posterior cumprimento desses requisitos a virtualidade de
«sanar» a falta de qualquer dos pressupostos condicionadores da impugnação.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício