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Processo n.º 1028/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama, ao abrigo do n.º 3 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida pelo relator no sentido do não conhecimento do recurso.
2 – Tal decisão tem o seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 29 de Abril de 2004, completado pelo acórdão de 8 de Julho de 2004 que indeferiu a sua aclaração, pretendendo a apreciação de inconstitucionalidade:
- dos art.ºs 56º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA) e do
838º do Código Administrativo (CA), quando interpretados no sentido de legitimarem a rejeição de um recurso contencioso por o administrado não ter procedido à junção de um documento que nunca lhe foi notificado pela Administração, por violação dos direitos fundamentais de acesso à justiça e à tutela judicial efectiva, consagrados nos art.ºs 20º e 268º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
- dos art.ºs 56º do RSTA e 838º do CA, quando interpretados no sentido de legitimarem que o recurso possa ser rejeitado sem que tenha havido um expresso convite para a correcção da petição inicial ao abrigo de uma norma que sancione o incumprimento com a rejeição liminar, por violação dos direitos fundamentais de acesso à justiça e à tutela judicial efectiva consagrados nos preceitos constitucionais já referidos.
2 – O acórdão recorrido, de 29/04/2004, negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo mesmo recorrente do despacho do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, de 1 de Abril de 2004, despacho este que rejeitou o recurso contencioso interposto do despacho de 11/10/2002, do Sub-Director da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Centro, pelo facto de o recorrente, apesar de notificado para tal, não ter junto ao processo documento comprovativo da prática e do conteúdo do acto administrativo contenciosamente impugnado.
3 – Tal acórdão tem o seguinte teor:
«Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.
A., identificado nos autos, recorre da sentença do despacho de 1-04-03, do M.mº Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, que rejeitou o recurso contencioso interposto do despacho de 11-10-2002. do Sub-Director da Região Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Centro, pelo facto do recorrente, apesar de notificado para tal, não ter junto ao processo documento comprovativo da prática e do conteúdo acto administrativo contenciosamente impugnado.
O recorrente, na sua alegação, formula as seguintes conclusões:
1 - O aresto em recurso rejeitou o recurso contencioso por entender que o recorrente não juntara documento comprovativo da prática do acto de que interpusera recurso, o que representaria a omissão de uma formalidade essencial. Porém,
2 - Para que o recurso contencioso pudesse ser legalmente rejeitado era necessário que a petição inicial não respeitasse as exigências vertidas no art.ºs 36º da LPTA e 56º do RSTA e que o Tribunal a quo tivesse convidado, ao abrigo do art.º 508° do CPC (para que remete o art.º 40º da LPTA), o recorrente a corrigir a petição inicial e este não o tivesse feito. Contudo,
3 - Até hoje nunca o recorrente foi notificado do despacho impugnado pelo que, naturalmente, nunca poderia juntar aos autos um documento de que nunca fora notificado.
4 - Bem pelo contrário, o recorrente apenas foi notificado do ofício junto sob o doc. n.º 3 com a petição, no qual se fazia menção de que o resultado final do concurso '...foi homologada pelo Sr. Sub-DRAOTC em 10/10/02 ' (v. doc. n.º 3 junto com a p.i.). Ora,
5 - O art.º 56° do RSTA não exige que a petição seja instruída com a cópia do acto recorrido mas apenas com qualquer documento que comprove a prática desse mesmo acto, pelo que é inquestionável que com a junção do doc. n.º 3 junto com a p. r (e posteriormente junto novamente em resposta à notificação recebida em
7/3/2003) se cumpria a exigência vertida naquele preceito do RSTA, não havendo, consequentemente, qualquer correcção a fazer à petição. Acresce que,
5 - A notificação recebida pelo recorrente em 7 de Março de 2003 não pode ser entendida como um convite à correcção da petição para efeitos do art.º 508º/2 do CPC, não só por nunca o juiz a quo ter formalmente convidado o recorrente a corrigir a p.i., mas igualmente por este nunca ter ficado consciente que se não cumprisse esse convite o recurso seria rejeitado. Assim sendo,
6 - Ao rejeitar o recurso contencioso com fundamento na não correcção da petição de recurso, o aresto em recurso enferma de erro de julgamento, violando frontalmente o disposto nos art.ºs 36º da LPTA e 56º do RSTA - uma vez que a petição estava instruída com documento comprovativo da prática do acto recorrido, não havendo, por isso, lugar a qualquer correcção - e nos art.ºs 40º da LPTA e 508° do CPC - na medida em que nunca foi efectuado qualquer convite para a correcção da petição, não podendo, como tal, ser rejeitado o recurso sem esse prévio convite.
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA emitiu parecer no sentido do provimento do recurso por considerar que o recorrente, ao juntar à petição de recurso contencioso o documento n.º 3, deu cumprimento ao disposto no artigo
56º, do RSTA, pelo que, em seu entender a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 36º, al. c), da LPTA, e 56º, do RSTA, bem como o princípio do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20º e 268º, da CRP.
II. Com interesse para a decisão consideram-se assentes os seguintes factos:
1- Através da petição apresentada em 23-12-2002 é interposto recurso contencioso de anulação do despacho de 10-10-2002, do Sub- Director Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Centro (DRAOTC), que homologou a classificação final do concurso para instalação de um apoio de praia no areal da Praia de -------- - fls. 2 e segs.
2- Por despacho de 4-03-2003, foi ordenada a notificação do recorrente para, em oito dias, juntar aos autos 'documento comprovativo do acto recorrido'
- fls. 31.
3- Notificado de tal despacho, o recorrente, em 12-03-2003, juntou 5 documentos, entre os quais cópia do ofício n.º 18677, de 22-10-2002, que já havia junto com a petição de recurso como doc. n.º 3, no qual o Presidente do Júri do concurso referido em 1, depois de referir que por deliberação unânime o vencedor do concurso foi '...o Sr. B., o que foi homologado pelo Sr. Sub-DRAOTC em 10/10/02.', informa o recorrente que 'o alvará não vai ser prorrogado ficando no âmbito do presente processo caduco sem possibilidade de renovação pelo que, de acordo com a condição 15.ª do Alvará n.º 45/97 DRARNC, deverá V. Exa. proceder à remoção integral do referido equipamento bem como de todo o entulho, incluindo bases de betão ou outros materiais, de forma a ser reposto o terreno na situação anterior à sua ocupação, no prazo de 20 dias a contar da data da presente notificação. Decorrido o prazo acima referido e caso V. Exa. não tenha actuado em conformidade, vai esta Direcção Regional proceder aos trabalhos e acções necessárias à reposição da situação inicial, correndo as despesas por conta de V. Exa., conforme estabelece o n.º 3 de artigo 89º do D.L. 46/94 de 22 de Fevereiro. '- fls. 34.
4- Considerando que o recorrente não deu cumprimento ao ordenado em 2, por despacho de 1-04-2003, que aqui se dá como reproduzido, foi rejeitado o recurso contencioso por ele interposto - fls. 41/vº.
III. É objecto do presente recurso o despacho de fls. 41 verso cujo teor é o seguinte:
'O recorrente foi notificado/convidado a juntar aos autos documento comprovativo do acto recorrido, porque da análise dos documentos que juntou com a P.I não consta tal documento. A notificação supra referida teve lugar em 7-3-03. O recorrente em vez de ter juntado documento do acto recorrido, e o acto recorrido é o Despacho do Sub-Director Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território-Centro, juntou o doc. de fls. 34 a 36 da autoria do Presidente do Júri e que já tinha juntado com a P.I. como doc. n.º 3 e ainda outros docs. que não vêem a propósito de nada. O recorrente no seguimento de se lhe ter dito que o doc. relativo ao acto recorrido não se encontrava nos autos voltou a insistir que o doc. já se encontrava nos autos. Assim sendo, não tem o tribunal que repetir a mesma advertência no sentido do requerente dar cumprimento a uma disposição legal – art. 36º, n.º, al. f), da LPTA em conjugação com o art. 56º, § único, do RSTA. Nestes termos e por falta de cumprimento de uma formalidade essencial, rejeita-se o recurso. Custas pelo recorrente que se fixam em 40 € e 20 de Procuradoria.'
O recorrente sustenta, em síntese, que a petição de recurso identifica o acto recorrido mostrando-se satisfeitas as exigências contidas nos artigos 36º, da LPTA, e 56º do RSTA, uma vez que o documento n.º 3 com ela junto referindo que o acto final do concurso '... foi homologado pelo Sub-DRAOTC em 10-10-02' comprova a prática do mesmo; de qualquer modo nunca o recorrente foi formalmente convidado para corrigir a petição, nos termos do artigos 40º, da LPTA e 508º, do C. P. Civil, pelo que a decisão recorrida incorre em erro de julgamento por violação das supracitadas disposições legais.
Vejamos. Dispõe o artigo 56º do RESTA que a petição de recurso 'será sempre instruída com
... quaisquer documentos que comprovem a prática do acto e demonstrem o seu conteúdo...'
Da matéria de facto apurada resulta que, constatando-se que o acto administrativo contenciosamente impugnado não constava dos documentos junto com a petição de recurso, foi ordenada a notificação do recorrente para, em oito dias, juntar aos autos documento comprovativo do acto recorrido; o recorrente, porém, limitou-se a juntar novamente o doc. n.º 3 que acompanhou a petição. O conteúdo de tal documento havia sido considerado pelo Tribunal como não satisfatório da exigência legal contida no artigo 56º, do RSTA, de que a petição de recurso deve ser acompanhada de 'documentos que comprovem a prática do acto e demonstrem o seu conteúdo', razão por que, pelo despacho de fls. 31, foi ordenada a notificação do recorrente 'para juntar documento comprovativo do acto recorrido'. Tal despacho, porque não foi impugnado, transitou em julgado pelo que, por força do caso julgado formal, se tornou obrigatório dentro do processo (artigo 672º, do C. P. Civil). Não há, assim, que discutir aqui se o documento apresentado com a petição satisfazia ou não o exigido pelo artigo 56º, do RSTA e, consequentemente, se haveria ou não lugar à notificação para a apresentação do documento comprovativo da prática do acto recorrido.
O recorrente, como se viu, não apresentando documento comprovativo da prática do acto administrativo contenciosamente impugnado, não deu cumprimento ao despacho judicial de fls. 31, não suprindo, assim, a falta de instrução da petição de recurso contencioso com aquele documento, com é exigido pelo artigo 56º, do RSTA. Dispõe o artigo 838º, § 1º, do Código Administrativo:
'As deficiências de forma ou de instrução da petição e bem assim a irregularidade de representação do recorrente não são motivos de indeferimento imediato, mas se, notificado o recorrente para as suprir ou regularizar no prazo que lhe for marcado, não apresentar nova petição, será então indeferido in limine o recurso.'. Por força de tal dispositivo legal, aplicável a todos os recursos contenciosos1, o não suprimento das deficiências de instrução da petição de recurso contencioso, após notificação nesse sentido, implicam, tal como se decidiu, a rejeição liminar do recurso. A tal não obsta nem o facto de não ter sido dele notificado do acto recorrido, pois tal não o impedia de, nos termos do artigo 82º e segs, LPTA requerer certidão do acto administrativo que pretendia impugnar, informando o Tribunal e requerendo prazo para a junção (artigo 56º ,§ 4°, do RSTA). Igualmente, não obsta à rejeição liminar o facto da cominação não constar da notificação pois, para além da mesma ter sido efectuada ao advogado do recorrente, tal resulta directamente da lei pelo que não se torna necessária a sua expressa advertência à parte - cfr. acórdão de 7-12-94, Proc. n.º 32.355, in AP DR de 18-04-97, 8907.
Finalmente, o magistrado do M.º P.º, no seu parecer de fls. 70 e 71, sustenta que a decisão recorrida violou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20º e 268º, n.º 4, da CRP, pelo que dever ser revogada. Não lhe assiste, porém, razão. De facto o princípio da tutela jurisdicional efectiva, postulando o direito a um processo equitativo, pode projectar-se sobre o âmbito dos pressupostos processuais, por forma a que estes sejam adequados à sua própria finalidade e que não sejam desnecessários. Ora o regime dos artigos 56º, do RSTA, e 838º, § 1º, do C. Administrativo, adequa-se à sua razão de ser: a instrução da petição com documento comprovativo da prática e do conteúdo do acto impugnado existe não só para individualizar o seu autor como para delimitar o âmbito e os termos da estatuição autoritária nele contida, a fim de que se possam reportar os vícios invocados e, assim, articular a causa de pedir e o pedido.
A exigência legal da petição de recurso contencioso ser instruída com os documentos referido no citado artigo 56º, do RSTA, é, pois, perfeitamente justificada e adequada, pelo que a rejeição do recurso nos termos do § 1º, do artigo 838º, do C. Administrativo, não ofende tal princípio constitucional.
Assim, o despacho recorrido, decidindo rejeitar o recurso contencioso pelo facto da petição não ter sido instruída com documento comprovativo da prática e do conteúdo do acto administrativo contenciosamente impugnado, apesar do recorrente ter sido notificado para juntar o juntar aos autos, fez correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 56º do RSTA e 838º, § 1º, do C. Administrativo.
Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação do recorrente, não ocorrendo, ao contrário do sustentado pela ilustre do Magistrada do M.º P.º no seu parecer de fls. 70 e 71, qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20º e 268º, n.º 4, da CRP.
IV. Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.».
4 – Por seu lado, o acórdão que indeferiu o pedido de aclaração é do seguinte teor:
«Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. A. recorrente nos autos à margem identificados, vem, nos termos do artigo 669º, do C. P. Civil, requerer aclaração do acórdão de fIs. 73 e segs., que negou provimento ao recurso do despacho de 1-04-03, do M.mº Juiz do TAC de Coimbra, que rejeitara liminarmente o recurso contencioso por ele interposto pelo facto de, apesar de notificado para tal, não ter junto aos autos documento comprovativo da prática e do conteúdo do acto administrativo contenciosamente impugnado.
2. Fundamenta o pedido no facto de o acórdão recorrido ter entendido, contrariamente ao sustentado pelo recorrente nas alegações de recurso, que o facto de na notificação para suprir a deficiência da petição não constar a cominação de que, em caso de incumprimento, o recurso seria liminarmente rejeitado, não obstava à que o tribunal 'a quo' decidisse, como decidiu, a rejeição do recurso. Concluindo, solicita o esclarecimento do seguinte:
' - qual a norma que permite rejeitar um recurso sem que o convite para a regularização mencione o preceito ao abrigo do qual tal convite é efectuado?
- como é possível a rejeição do recurso resultar directamente da lei, não sendo necessária a expressa advertência, se o convite para a junção de um documento não mencionar essa mesma lei?
- como é possível ao destinatário do convite aperceber-se das consequências do não cumprimento do convite se este não referência a norma ao abrigo do qual é efectuado?
- como se compatibiliza com o direito à tutela judicial efectiva, consagrado no art.º 268°/4 da Constituição, a interpretação que permite que um cidadão possa ver rejeitado um recurso contencioso sem que previamente lhe seja dado a conhecer que o convite para a entrega de um documento é efectuado ao abrigo de um determinado preceito, de forma a que fique consciente, pela leitura desse preceito, que o incumprimento do convite implica a rejeição do processo ?
3. Como é sabido, o pedido de aclaração de sentenças ou acórdãos, previsto no artigo 669º, n.º 1, do C. P. Civil, destina-se unicamente a esclarecer dúvidas existentes sobre algum trecho cujo sentido seja ininteligível
(obscuridade) ou quando comporta dois ou mais sentidos distintos (ambiguidade), cabendo ao requerente indicar qual o trecho ou trechos da decisão que suscitam tais dúvidas.
No caso em apreço não é apontada qualquer passagem do acórdão cujo texto, por falta de clareza, seja menos intelegível ou que permita qualquer outra interpretação que não a resultante do mesmo texto. Na verdade, como resulta do requerimento de fIs.84 e seg.s, o recorrente, isolando uma passagem do acórdão de fIs. 73 e segs., manifesta apenas a sua discordância com o facto de, contrariamente ao por si defendido nas alegações de recurso, aí se ter entendido 'que o facto da cominação não constar do despacho não obstava à rejeição liminar, uma vez que tal resultava directamente da lei, pelo que não seria expressamente necessária a sua advertência.'- cfr. ponto 2, do pedido de aclaração. Sobre a questão escreve-se, a fls. 6, do acórdão: 'Igualmente, não obsta à rejeição liminar o facto da cominação não constar da notificação pois, para além da mesma ter sido efectuada ao advogado do recorrente, tal resulta directamente da lei pelo que não se torna necessária a sua expressa advertência à parte - cfr. acórdão de 7-12-94, Proc. n.º 32.355, in AP DR de 18-04-97, 8907.' Como se vê, o texto do acórdão é claro não sendo susceptível de permitir, quanto
à questão colocada pelo recorrente, qualquer outra interpretação do seu sentido, como não permitiu ao reclamante que apreendeu integralmente o pensamento do julgador.
Por outro lado, os esclarecimentos que solicita, enumerados no ponto 4. do seu requerimento acima transcrito, não dizem respeito a qualquer ambiguidade ou obscuridade do acórdão proferido nos autos, mas antes a dúvidas do próprio requerente que aqui não cabe resolver uma vez que os tribunais não têm funções consultivas, competindo-lhe, especificamente, proferir decisões sobre questões deduzidas em juízo (artigo 212º, n.º 2, da CRP). Acresce que, como se escreve no acórdão de 6-11-90, Proc. n.º 27814; 'o pedido de aclaração não se destina a desfazer dúvidas de entendimento do requerente que só a ele sejam imputáveis ou a responder a novas questões, porventura inspiradas no acórdão, que o requerente pretenda resolver.'
Nada há, pois, a esclarecer.
Nos termos expostos, acordam em indeferir o pedido de aclaração formulado a fls.
84 e segs.».
5 – Porque se desenha uma situação abrangida pela hipótese do n.º 1 do art.º
78º-A, da LTC, passa a decidir-se imediatamente no sentido do não conhecimento do recurso. A tal não obsta a circunstância de o recurso haver sido admitido pelo tribunal a quo, pois a decisão que admita o recurso não vincula o Tribunal Constitucional, como decorre do prescrito no n.º 3 do art.º 76º da LTC.
6 - Estabelecem os artigos 280º, n.º 1, al. b), da CRP, e 70º, n.º 1, al. b), da LTC, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Não obstante o recurso de constitucionalidade respeitar a uma decisão judicial e a decisão nele proferida no sentido da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade da(s) norma(s) jurídica(s) nele sindicadas poder afectar a manutenção da decisão, na medida em que um juízo nele tirado sobre a questão de constitucionalidade em sentido desconforme com o efectuado na decisão proferida pelo tribunal recorrido obrigará à reforma desta, o objecto do recurso é tão só a norma jurídica que constitua a ratio decidendi da decisão. Por outro lado, acresce que a questão de inconstitucionalidade dessa norma há-de ser suscitada em tempo e de modo funcionalmente adequado para que o tribunal recorrido pudesse conhecer dela.
Como nota Cardoso da Costa (A jurisdição constitucional em Portugal, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss.), «quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a aplicação das que considerarem inconstitucionais
(…). Este allgemeinen richterlichen Prüfungs - und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém, se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum (depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero expediente processual dilatório)».
Torna-se, assim, necessário que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo. A suscitação durante o processo tem sido entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em momento funcionalmente adequado, ou seja, em que o tribunal recorrido pudesse dela conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso. É por isso que se entende, igualmente, que não constituem já momentos processualmente idóneos aqueles que dizem respeito aos incidentes de arguição de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter pronunciado (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pp. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, pp. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, pp. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45º vol., pp.559; n.º 155/00, publicado no Diário da República II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º vol., pp. 821, e n.º 364/00, inédito).
7 – Ora, no caso em apreço, constata-se que o recorrente não suscitou atempadamente as questões de inconstitucionalidade que agora pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. Na verdade, o recorrente apenas questionou a validade constitucional das referidas normas do RSTA e do CA, imputando-lhes a violação do disposto no art.º 268º, n.º 4, da Constituição, no referido requerimento de pedido de aclaração do acórdão que negou provimento ao recurso jurisdicional. Nas alegações do recurso para o STA, transcritas no acórdão do mesmo Tribunal acima reproduzido, o recorrente não problematizou qualquer questão de inconstitucionalidade de tais normas, não obstante o problema a decidir por tal instância jurisdicional, tal qual o recorrente o havia delineado nas respectivas alegações de recurso, contendesse com a sua interpretação/aplicação que havia sido levada a cabo pelo despacho jurisdicionalmente recorrido e cuja correcção o recorrente refutava. Sendo assim, não pode relevar-se como feita em momento processualmente adequado a suscitação de inconstitucionalidade efectuada apenas no referido requerimento de aclaração do anterior acórdão decisório.
É certo que o Tribunal Constitucional tem entendido, repetidamente, que o ónus de suscitação da questão de (in)constitucionalidade sofre excepções, não sendo de o aplicar naqueles casos ditos de “anómalos” ou “excepcionais” em que o recorrente é confrontado com uma situação de interpretação/aplicação de todo imprevista e inesperada, ou porque não dispôs de oportunidade processual para tanto, ou, existindo ela em abstracto, seria todavia, desrazoável e inadequado exigir-lhe um prévio juízo de prognose sobre tal aplicação, em termos de poder antecipar igualmente a suscitação da questão de (in)constitucionalidade
(interpretação/aplicação “insólita” e “imprevisível” – cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 489/94, publicado no Diário da República II Série, de 16 de Dezembro de 1994, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º, pp. 415; n.º
310/00, publicado no Diário da República II Série, 17 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp.853 e n.º 120/02, publicado no Diário da República II Série, de 15 de Maio de 2002, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 52º, pp. 575).
Só que como decorre do relatado, o caso sub judice não se enquadra em tal hipótese. A interpretação/aplicação das referidas normas feita pelo acórdão recorrido poderia ser perfeitamente antecipada pelo recorrente, dado os preceitos já haverem sido aplicados pela decisão de primeira instância com o sentido por si questionado. O recorrente controverteu, aliás, nas alegações para o STA, a correcção da interpretação dada ao art.º 56º do RSTA, não discutindo, então, embora o pudesse ter feito, que o sentido que lhe havia sido conferido pela 1ª instância fosse inconstitucional. Por outro lado, a norma do art.º 838º do CA repete o sentido prescritivo espelhado pelo art.º 56º do RSTA, não podendo, por tal razão, ter-se a sua utilização, pela decisão recorrida, para decidir a causa, conjugadamente com o outro preceito, como “insólita” ou
“imprevista”.
Conclui-se, assim, que não pode tomar-se conhecimento do recurso.
8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 UC.».
3 – Fundamentando a sua reclamação, o reclamante aduz, na parte útil ao seu conhecimento, o seguinte:
«[...]
2. O Venerando Senhor Conselheiro Relator decidiu, ao abrigo do n.º 1 do art.º
78º-A, que a questão da inconstitucionalidade deveria e poderia ter sido suscitada durante o processo, pelo que não ocorrendo uma situação imprevista não poderia ter sido interposto o recurso para este douto Tribunal.
3. Não obstante o respeito - que é muito - que nos merece o ilustre Senhor Conselheiro Relator, julga-se que estavam preenchidos os pressupostos para este Venerando Tribunal tomar conhecimento do recurso e da questão da inconstitucionalidade dos referidos preceitos.
4. Na verdade, no recurso para o Supremo Tribunal Administrativo nenhuma razão justificaria que o recorrente invocasse a questão da inconstitucionalidade de qualquer dos ditos preceitos, uma vez que o art.º 56 do RSTA apenas exigia que o recurso contencioso fosse instruído com documento comprovativo da prática do acto e já não com a cópia do acto recorrido.
5. Só quando o Supremo Tribunal Administrativo decide que o facto de o documento não ter sido notificado não desobriga o recorrente de apresentar esse mesmo documento, uma vez que o recorrente poderia e deveria ter recorrido à intimação para passagem de documentos, é que se coloca a questão da constitucionalidade da interpretação ali efectuada dos preceitos em causa, uma vez que tal interpretação iliba a Administração que deixou de cumprir um dever e força o administrado a recorrer, queira ou não, à via administrativa para obter um documento que lhe deveria ter sido facultado pela Administração.
6. Semelhante interpretação não havia sido efectuada pela 1ª instância, pelo que nenhuma razão tinha o recorrente para, em sede de recurso jurisdicional, suscitar a inconstitucionalidade de uma interpretação não efectuada pelo Tribunal a quo.
7. Por isso mesmo, só em sede de aclaração de acórdão é que se poderia ter suscitado a questão da inconstitucionalidade dos preceitos em causa, quando interpretados no sentido de forçarem o administrado a recorrer à via administrativa para obter os documentos que lhe deviam ter sido facultado e que eram fundamentais para a interposição e andamento do recurso contencioso. Consequentemente, julga-se que deveria este douto Tribunal tomar conhecimento do presente recurso, sob pena de o administrado/recorrente ter que antecipar a interpretação que o Tribunal de 2ª instância possa vir a efectuar.».
4 – A autoridade recorrida não respondeu.
B – Fundamentação
5 – A reclamação em nada abala os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada.
Como nela desenvolvidamente se analisa, o reclamante não suscitou nas alegações de recurso interposto para o STA da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, quando o poderia e deveria ter feito, as questões de inconstitucionalidade relativas às normas pretendidas sindicar, tendo-o feito apenas no pedido de aclaração.
Fundamentando-se a discordância do recorrente com a decisão proferida na 1ª instância precisamente no sentido com que tais preceitos foram aí aplicados e que veio a ser reafirmado no acórdão do STA torna-se claro que o recorrente poderia ter questionado nas alegações de recurso para este Tribunal a sua validade constitucional.
A asserção feita no acórdão do STA de que “a [A] tal não obsta nem o facto de não ter sido dele notificado do acto recorrido, pois tal não o impedia de, nos termos do artigo 82º e segs, LPTA requerer certidão do acto administrativo que pretendia impugnar, informando o Tribunal e requerendo prazo para a junção (artigo 56º ,§ 4°, do RSTA)” – a que o reclamante agora apela nos n.ºs 5 e 6 do seu articulado da reclamação com o intuito de procurar demonstrar que se estaria perante uma interpretação “imprevista” ou “insólita” – não introduz qualquer sentido normativo novo aos referidos preceitos pretendidos sindicar constitucionalmente com que o recorrente não devesse contar relativamente àquele que foi sufragado e aplicado pela decisão então recorrida, pois tem a natureza de um simples argumento que está aduzido precisamente em prol da bondade da interpretação aplicada. Aliás, o recorrente nem sequer impugnou perante o STA a inconstitucionalidade do entendimento segundo o qual não se poderia ter por dispensado de juntar documento de que não dispunha por não lhe ter sido entregue com a notificação do acto, sendo que a antecipação dessa questão de inconstitucionalidade lhe seria exigível face à decisão então recorrida.
Assim sendo, há-de concluir-se que a suscitação feita no pedido de aclaração foi efectuada a destempo, não permitindo que o tribunal recorrido a pudesse apreciar antes de esgotado o seu poder jurisdicional de decisão da causa.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 1 de Março de 2005
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos
1 Sobre a vigência do artigo 113º do RSTA, e da aplicabilidade da previsão do §
1° do artigo 838º, do C. Administrativo, escreve-se no acórdão deste STA de
18-06-2003, Proc. n.º 1418/02: 'Nem a L.O.S.T.A. nem o R.S.T.A. prevêem as consequências dessa falta de regularização posterior ao convite, pelo que tem de se recorrer à legislação subsidiária indicada por estes diplomas que, em matéria de tramitação processual, é o Código Administrativo e as leis gerais de processo civil (art. 103º do R.S.T.A.). Este art. 103º do R.S.T.A. é a norma que indica a legislação complementar deste diploma. Por isso, tem de se entender que, em matéria de recursos contenciosos abrangidos pela alínea b) do art. 24º da L.P.T:A. ele não foi revogado por esta Lei, pois é ela própria que exige a sua utilização para determinação da legislação complementar a que se reporta.' No sentido da aplicação do § 1°, do artigo 838º do C. Administrativo, à generalidade das deficiências da petição, para além dos casos previstos no art.
40º da L.P.T.A, podem ver-se os acórdãos deste STA de 28-7-77, recurso n.º
10569, in AP DR de 28-8-80, pág. 1708; de 20-4-78, recurso n.º 10515, in AP DR de 8-121982, pág. 638; de 15-7-82, recurso n.º 17011, in AP DR de 4-2-86, pág.
2908; de 27-10-83, recurso n.º 14553, in AP DR de 5-11-86, pág. 4064; de
21-5-96, recurso n.º 38744, in AP DR de 23-10-98, pág. 3831; de 10-04-97, recurso n.º 41424; e de 5-06-2003, recurso n.º 836/03.