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Processo n.º 1007/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Por decisão proferida no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em 11 de
Julho de 2005, foi a ora reclamante, A., Lda., condenada a pagar a B., Lda, ora
reclamado, a quantia de € 1.954,37. Inconformada com esta decisão, a reclamante,
invocando o benefício de apoio judiciário, pretendeu dela recorrer para o
Tribunal Constitucional, através de requerimento do seguinte teor:
“[...], Ré nos autos à margem indicados. não se conformando com a douta decisão
que lhe foi notificada, vem dela interpor Recurso para o Tribunal
Constitucional, o que faz nos seguintes termos:
- o presente Recurso é interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 70.º
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com a alteração introduzida pela Lei n.º
143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro;
- pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada no
caso concreto, pelo Tribunal a quo , no sentido em que considera que a R., uma
sociedade sem actividade, seja responsabilizada pela actuação de um terceiro,
não gerente e alheio à actividade da empresa, com base no facto de que a
mercadoria em dívida tinha sido adquirida nas circunstâncias concretas por um
tal C. pessoa alheia à Ré, não fazendo a A. prova ,como se vê dos fundamentos da
sentença proferida, que representasse a sociedade Ré.
Ora um processo decisório consubstancia um erro de julgamento ou existe nulidade
da sentença por erro de interpretação da matéria de facto produzida, quando o
tribunal deixe de conhecer, sob pena de nulidade, por não haver decidido como é
de direito, ao não dar como provado que cabia à A. demonstrar que a dívida
material era verdadeiramente da R. [...] por estar devidamente representada por
esse terceiro alheio à empresa, conforme o exigia alegação contrária da R
suportada em documento idóneo (donde na circunstância o senhor juiz a quo não
poder considerar esta matéria como provada).
Assim o decisão julgou de modo errado a questão da ilegitimidade da Ré, sem
destrinça suficientemente dos factos provados e não provados, no segmento
referido . Não resulta claro o critério que leva o Tribunal a aceitar a prova de
que o referido terceiro representava a Ré. ( Artigos 343.º e 344.º C.C. e art.º
516.º do CPC).
E esta produziu factualidade concreta quanto à verdadeira administração e
representação da Ré, afastando a responsabilidade da dívida (Artigos 494.º, al.
e 493.º,2 do CPC). Do depoimento da testemunha da Autora não se colhe que o dito
terceiro representasse a Ré .O depoimento não é suficiente para a alicerçar.
Não foi pois ilidida a presunção legal de que a empresa era representada apenas
representantes e administradores constantes do documento apresentado em
julgamento pela Ré.
Logo a fundamentação desta matéria não está suficientemente objectivada para se
extrair a conclusão em que assentou a decisão, desfavorável à Ré, que se
pretende revogada .
- Donde a questão da inconstitucionalidade não ter sido invocada antes da
presente decisão de todo imprevisível, ora objecto do presente recurso,
interpretação que julga inconstitucional por violação do princípio da
legalidade, da proporcionalidade e da justiça - Artigo 266.º da CRP.[...]”
2. Por decisão de 28 de Setembro de 2005, um tal recurso não foi admitido. É o
seguinte o teor do despacho de não admissão:
“Não admito o recurso interposto por requerimento de fls. 84 e 85 para o
Tribunal Constitucional, uma vez que não satisfaz os requisitos previstos no
art. 75ºA da LOTC, nomeadamente por não se indicar a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que aquele Tribunal aprecie.
Com efeito, o objecto do recurso de constitucionalidade são normas e não actos,
designadamente a decisão judicial em si. E do teor daquele requerimento ressuma
uma situação em que se pretende ver apreciada a decisão judicial e não qualquer
norma cuja aplicação foi recusada ou ainda apreciação de norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (cfr. arts. 70º, nº
1, al. a) e b), 75º A e 76º da LOTC).”
3. Notificada, veio a ora reclamante, sempre invocando o benefício de apoio
judiciário, reclamar para este Tribunal, nos seguintes termos:
“[...] notificado o despacho de indeferimento (fls. 86 ) do requerimento da
interposição do recurso para esse Tribunal. da decisão - sentença de fls. 74 a
77 ., vem apresentar a presente reclamação, o que faz nos termos do n.º 4 do
artigo 76.º da Lei n.º 28/82. de 15 de Novembro, com os seguintes fundamentos:
A decisão da rejeição do recurso assenta na consideração de o recorrente não ter
suscitado norma cuja constitucionalidade ou ilegalidade se pretende ver
apreciada por aquele Tribunal, nem que a mesma haja sido suscitada durante o
processo.
Ora do ponto de vista da recorrente, e ora reclamante, não assiste razão na
decisão tomada.
Por um lado trata-se de decisão assente em interpretação inesperada o que
impediu a reclamante do a poder suscitar noutro momento do processo.
Quanto à segunda parte da motivação que sustentou o indeferimento do recurso, a
reclamante fundou o seu recurso em que a decisão de fls. ofendeu os princípios
da prova numa interpretação contrária aos princípios constitucionais subsídios
nas mesmas - Artigos 343.º e 344.º do C.C. e 516.º do CPC, princípios
constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da justiça - artigo 266.º
da CRP .
Nestes termos deve ser admitida a presente reclamação mandando-se admitir o
recurso interposto a fls.[...]”.
5. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou da seguinte forma:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente, desde logo, porque se não
mostra suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa susceptível
de integrar objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta: na verdade, a
entidade reclamante limita-se a questionar o concreto juízo decisório sobre o
litígio, formulado definitivamente no tribunal “a quo”, no que concerne
inclusivamente à valoração da prova e fixação da matéria de facto – temas
obviamente subtraídos aos poderes cognitivos deste Tribunal.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
6. A reclamante indicou as alíneas a) e b) do [n.º 1 do] artigo 70º, da Lei do
Tribunal Constitucional, como fundamento do recurso.
6.1. É patente que não faz qualquer sentido a invocação da alínea a) do n.º 1 do
artigo 70 da Lei do Tribunal Constitucional, dado que a decisão recorrida não
recusou “a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.”
Improcede, assim, neste ponto, a reclamação.
6.2. Mas é também por demais evidente que à reclamante não assiste qualquer
razão quanto ao recurso fundamentado na alínea b) do citado n.º 1 do artigo 70º
da Lei do Tribunal Constitucional.
Na verdade, o recurso previsto naquela alínea pressupõe, designadamente, que
seja colocada ao Tribunal Constitucional uma questão de constitucionalidade
normativa – isto é relativa a determinada norma jurídica - ou a uma sua dimensão
normativa. Basta, porém, ler o requerimento de interposição de recurso para este
Tribunal ou o próprio teor de reclamação apresentada, para concluir que a
reclamante não suscita qualquer questão de constitucionalidade normativa,
susceptível de constituir objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta.
Ao invés, limita-se a questionar, quando muito, a concreta decisão judicial
recorrida, com a qual não concorda, nomeadamente quanto à valoração da prova e à
fixação da matéria de facto - questões que a este Tribunal não compete
obviamente julgar.
Ora, constitui jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando
em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta
do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82 e
assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões.
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se a
decisão reclamada de não admissão do recurso para este Tribunal.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Janeiro de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício