Imprimir acórdão
Processo n.º 157/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. Por decisão da COMISSÃO DE APLICAÇÃO DE COIMAS EM MATÉRIA ECONÓMICA E
PUBLICIDADE, de 22 de Abril de 2004, foi aplicada a sociedade denominada
Funerária B., Lda, a coima de € 6500 pela prática da contraordenação prevista na
alínea a) do n.º 2 do artigo 16º do Decreto-Lei n.º 206/2001 de 27 de Julho
resultante da infracção à regra constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do
mesmo diploma, segundo a qual uma agência funerária tem de “manter ao serviço
pelo menos quatro trabalhadores, nos quais se podem incluir os seus
administradores ou gerentes”.
Inconformada, a arguida recorreu para o Tribunal de Comarca de Santo Tirso.
Para o que agora releva, sustentou, na motivação de recurso, a
inconstitucionalidade, orgânica e material, da norma da alínea e) do n.º 1 do
artigo 6º do Decreto-Lei n.º 206/2001, nos seguintes termos:
'[...]
2ª Sucede, porém, que o supra-referido normativo legal é orgânica e
materialmente inconstitucional.
3ª As normas em apreço visam limitar e condicionar o acesso e exercício da
profissão de agente funerário (o preâmbulo do diploma refere-se à definição de
um conjunto de regras gerais para o exercício da actividade funerária) e todas
elas estabelecem requisitos sem cujo cumprimento não é possível o exercício da
referida actividade.
4ª Está, assim, em causa a liberdade de exercício de profissão, prevista no
art. 47º n.º 1 da Constituição, integrando-se no título II da parte I da lei
fundamental.
5ª Deste modo, é aplicável às restrições a esta liberdade, ex vi art. 17°, o
regime orgânico previsto no artigo 165° n° 1, alínea b) da Constituição, isto é,
está reservada exclusivamente à Assembleia da República a competência para
legislar sobre tal matéria, salvo autorização ao Governo.
6ª O Decreto-Lei n° 206/2001 de 27 de Julho foi aprovado pelo Governo ao abrigo
da sua competência legislativa prevista no artigo 198° n° 1, alínea a), da
Constituição (a chamada competência concorrencial).
7ª Desconhece-se a existência de lei de autorização legislativa válida ao tempo
da aprovação do decreto-lei em causa, sendo certo que a não invocação expressa
de autorização legislativa pelo diploma em apreço sempre produziria uma
desconformidade com a Constituição, por violação do art. 198.º n.º 3.
8ª Tendo o Governo legislado em matéria da competência exclusiva da Assembleia
da República, sem a respectiva autorização legislativa, as normas deste
decreto-lei que incidam sobre essa matéria têm de ser consideradas como
organicamente inconstitucionais.
9ª Em consequência da declaração de inconstitucionalidade das normas em apreço
hão-de ter-se por inconstitucionais todas as normas que apenas devem a sua
subsistência àquelas, como sejam as que prevêem contra-ordenações para a
violação das normas impugnadas e as que regulam procedimentos para o exercício
da profissão em causa, designadamente as constantes do artigo 16° do referido
diploma legal.
10ª A liberdade de escolha de profissão está consagrada no art. 47° da
Constituição, o qual dispõe que 'Todos têm o direito de escolher livremente a
profissão ou o género de trabalho...', não se vislumbrando que o interesse
colectivo imponha a necessidade de as agências funerárias se constituírem em
qualquer das formas societárias legalmente permitidas e, muito menos, de
manterem ao serviço um número de quatro trabalhadores menos (porquê quatro e não
três, ou cinco?).
11ª A maioria das agências funerárias em actividade fora das grandes cidades é
de cariz familiar, empregando, em média, duas a três pessoas, sendo que o facto
de ter quatro trabalhadores não defende melhor os interesses dos consumidores,
quando esse número (e apenas para fazer número) pode figurar qualquer pessoa,
mesmo inabilitada para o exercício da profissão.
12ª O artigo 58° da C.R.P. consigna que todos têm direito ao trabalho e que
incumbe ao Estado promover a igualdade de oportunidades na escolha da profissão
e o D.L. n.º 206/2001 cerceia, destarte, o direito ao trabalho e a liberdade de
escolha de profissão.
[...]
21ª Pelo exposto, devem ser consideradas inconstitucionais as normas contidas
nos artigo 6° n° 1 e 16° n° 2 do Decreto-Lei n.° 206/2001 de 27 de Julho,
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral ou, se assim não
for considerado, aplicada à recorrente uma pena de admoestação, com o que se
fará JUSTIÇA!'
Por sentença de 21 de Dezembro de 2004, de fls. 115, a arguida foi absolvida da
prática da contraordenação referida, tendo a sentença recusado a “aplicação, no
caso concreto, da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do DL n.º
206/2001 de 27/07, por violação do disposto na parte final do n.º 2 do artigo
18º da C.R.P.”.
Após afastar a acusação de inconstitucionalidade orgânica feita pela recorrente,
a sentença entendeu que a norma em causa impõe uma restrição ao direito de
liberdade de escolha de profissão desproporcionada, porque não adequada à
finalidade com que a lei disciplina o exercício da correspondente actividade,
assim violando o “sub-princípio da adequação”, uma das exigências da regra da
proporcionalidade.
Fundamentando este juízo de inconstitucionalidade, a sentença afirmou o
seguinte:
'[...]
b) Da questão da inconstitucionalidade material do n.º1 do art. 6º do DL n.º
206/2001 de 27/07.
Dispõe o n.º1 do art. 47.º da C.R.P. que 'Todos têm o direito de escolher
livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais
impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade'.
Pretende a arguida/recorrente fazer valer a tese de que o n.º1 do art. 6º do DL
n° 206/2001, de 27/07, e, mais precisamente, a sua alínea e) na parte em que
exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício da actividade
das agências funerárias, é inconstitucional, na medida em que consubstancia uma
restrição não admissível da liberdade de escolha de profissão, consagrada no
normativo supra reproduzido.
Ora, da simples leitura do n.º1 do art. 47°. da C.R.P. resulta que ele próprio
admite a possibilidade de serem colocadas restrições à liberdade de escolha de
profissão.
Para tal, ele remete, expressamente, para a lei ordinária a faculdade de
restringir tal direito fundamental, completando tal remissão com a indicação do
interesse e do critério que poderão legitimar a intervenção restritiva do
legislador .
Sucede que, a par do conceito de restrição outros existem, afins deste, que como
ele traduzem uma ideia de afectação ou intervenção, por via legislativa
ordinária, no âmbito dos direitos fundamentais em sentido desvantajoso para os
mesmos.
Tais conceitos são múltiplos, sendo que os mais frequentemente utilizados, tanto
pela doutrina como pela jurisprudência, são os de delimitação, condicionamento,
regulamentação, concretização e limite ao exercício.
De igual modo, são variados os entendimentos, doutrinais e jurisprudenciais,
relativos à questão de saber se os requisitos que a Constituição da República
Portuguesa impõe, nos nºs 2 e 3 do seu art. 18.º, para as restrições aos
direitos, liberdades e garantias, também são aplicáveis, todos ou apenas alguns,
em relação a todos ou, somente, a alguns daqueles conceitos.
Por outro lado, se, em teoria, a distinção entre tais conceitos e o de restrição
se apresenta, aparentemente, pacífica, na prática o mesmo não sucede.
Ante o exposto, entendemos, acompanhando o entendimento perfilhado, acerca desta
matéria, por Jorge Reis Novais (obra supra citada), que muito mais importante do
que qualificar uma determinada norma ordinária como verdadeira restrição ou como
qualquer outra figura afim desta é apurar se àquela se justifica, ou não, a
aplicação dos requisitos impostos pela C.R.P. para as restrições.
Como bem refere tal autor, a aplicabilidade dos requisitos previstos nos nºs 2 e
3 do art. 18.º da C.R.P. 'não deve depender de uma integração abstracta de uma
dada regulação de direitos fundamentais num tipo conceptual livremente adoptado,
mas ser essencialmente condicionada pela presença de elementos ou efeitos
restritivos na normação em causa, ou seja, pela produção de consequências
desvantajosas no acesso dos particulares a bens de liberdade jusfundamentalmente
protegidos' (obra supra citada, pág. 189).
Ou seja, desde que, de algum modo, se possa suscitar a presença, numa
determinada norma ordinária, de elementos restritivos da categoria de direitos
fundamentais 'direitos, liberdades e garantias', então também, independentemente
da qualificação daquela como restrição ou outra figura afim desta, se deve
suscitar a questão da aplicação daqueles requisitos.
Sendo que, sempre que tal aconteça 'a determinação concreta do tipo e densidade
dos requisitos exigíveis deverá ser estritamente condicionada ... pela extensão
e intensidade dos efeitos restritivos' produzidos pela norma em causa 'no
contexto dos interesses materiais em presença, avaliados e valorados à luz e em
função dos fins especiais de protecção próprios de cada um daqueles requisitos'
(obra supra citada, pág. 189).
Ora, no que concerne, desde logo, aos requisitos de natureza material previstos,
para as restrições, nos nºs 2 e 3 do art. 18.º da C.R.P. (princípio da
proporcionalidade em sentido amplo, garantia do conteúdo essencial dos direitos
fundamentais, princípio da igualdade), uma vez que 'decorrem de exigências do
princípio do Estado de Direito', devem os mesmos ser aplicados em relação a
todas as normas que se traduzam numa afectação desvantajosa do conteúdo de um
direito fundamental da categoria dos 'direitos, liberdades e garantias'.
Aqui chegados, importa salientar que, em face de todo o exposto, dúvidas não
podem restar de que a alínea e) do n.º1 do art. 6.º do DL n° 206/2001, de 27/7 ,
na parte em que exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício
da actividade das agências funerárias, é restritiva da liberdade de escolha de
profissão.
Na verdade, a consagração de um tal requisito para o exercício daquela
actividade tem efeitos claramente desvantajosos em matéria de acesso dos
particulares à liberdade de escolha de profissão – daquela profissão.
Assim, independentemente da questão de saber se a alínea e) do n.º1 do art. 6.º
do DL n° 206/2001, de 27/7, na parte que supra se assinalou, consubstancia uma
efectiva restrição, ou antes uma qualquer outra figura afim desta, da liberdade
de escolha de profissão, o certo é que devem ser-lhe aplicáveis, desde logo, os
requisitos de natureza material contidos nos nºs 2 e 3 do art. 18.º da C.R.P.
Ora, no que se refere ao requisito 'princípio da proporcionalidade em sentido
amplo', consagrado na parte final do n.º2 do art. 18.º da C.R.P., o mesmo
implica que qualquer intervenção legislativa ordinária em matéria de direitos
liberdades e garantias deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e
proporcional (com justa medida).
Isto é, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo comporta três
sub-princípios, a saber, o da adequação, o da necessidade e o da
proporcionalidade em sentido estrito.
Ao primeiro 'é atribuído o sentido de exigir que as medidas restritivas em causa
sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam para o
alcançar' (obra supra citada, pág. 731).
Ao segundo é dado 'o sentido de que, de todos os meios idóneos disponíveis e
igualmente aptos a prosseguir o fim visado com a restrição, se deve escolher o
meio que produza efeitos menos restritivos' (obra supra citada, pág. 731).
O terceiro, por seu lado, respeita 'à justa medida ou relação de adequação entre
os bens e interesses em colisão ou, mais especificamente, entre o sacrifício
imposto pela restrição e o beneficio por ela prosseguido' (obra supra citada,
pág. 731).
Descendo ao caso sub judice, dispõe o preâmbulo do DL n° 206/2001, de 27/07, que
'Urge, pois, dotar este sector de medidas disciplinadoras que, sem prejuízo do
livre acesso ao mercado, possam assegurar a transparência da actuação dos seus
profissionais e garantir a qualidade dos serviços, tendo em vista,
designadamente, a defesa dos interesses dos consumidores'.
Assim, a exigência de um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício
da actividade das agências funerárias afigura-se-nos estar pré-ordenada não
apenas à obtenção daquelas transparência e qualidade, mas, em última instância,
à defesa dos direitos dos consumidores.
Ora, desde logo, é possível afirmar não se mostrar tal exigência adequada nem a
realizar aqueles fins nem a contribuir para os alcançar.
Efectivamente, por referência às regras da experiência e aos conhecimentos
empíricos e científicos disponíveis quanto a esta matéria, não se vislumbra como
é que a exigência de um número mínimo de quatro trabalhadores e não, por
exemplo, de três ou cinco, como requisito para o exercício da actividade das
agências funerárias seja apta para, de algum modo, realizar tais fins ou, tão
só, contribuir para o seu alcance.
Na verdade, parece-nos que, no que aos trabalhadores concerne, adequada à
prossecução dos supra mencionados fins seria, desde logo, a adopção de um
critério qualitativo de escolha dos mesmos e nunca a de um, tão somente,
quantitativo.
Ora, uma vez afastado o preenchimento, pela parte da alínea e) do n.º l do art.
6.º do DL n° 206/2001, de 27/07, que vem sendo considerada, do princípio da
adequação, prejudicada fica, desde logo, a abordagem do princípio da
necessidade.
Atento todo o exposto, por violação do princípio da proporcionalidade em sentido
amplo, atento o não preenchimento do sub-princípio da adequação, entendemos ser
materialmente inconstitucional a alínea e) do n. l do art. 6.º do DL n°
206/2001, de 27/07, na parte em que exige um número mínimo de quatro
trabalhadores para o exercício da actividade das agências funerárias.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 204.º da C.R.P. e por violação do disposto
no seu art. 18º n.º 2, parte final, recusa-se a aplicação, no caso concreto, da
norma contida na alínea e) do n.º 1 do art. 6.º do DL n° 206/2001, de 27/07, que
exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o exercício da actividade
das agências funerárias.
III. Decisão
Atento todo o exposto, decide-se, por recusa da aplicação, no caso concreto, da
norma contida na alínea e) do n.º l do art. 6.º do DL n° 206/2001, de 27/07, por
violação do disposto na parte final do n.º 2 do art. 18.º da C.R.P., absolver a
arguida 'Funerária B., Lda', da prática da contra-ordenação prevista e punida
pelos art. 6.º, n.º1, alínea e), e 16.º, n.º 2, alínea a), ambos do DL n°
206/2001, de 27/07.'
2. Veio então o Ministério Público recorrer para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro (LTC), com fundamento na recusa de aplicação por ser
materialmente inconstitucional a “norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo
6.º do DL n.º 206/2001 de 27/07 por violação do disposto na parte final do n.º 2
do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa”.
O Ministério Público concluiu a sua alegação da seguinte forma:
1 - Não é inconstitucional a norma constante da alínea e) do n° 1 do artigo 6°
do Decreto-Lei n° 206/01 de 27 de Julho enquanto exige um número mínimo de 4
trabalhadores para o exercício da actividade das agências funerárias impondo uma
dimensão mínima do estabelecimento comercial com vista à tutela dos interesses
dos consumidores.
2 - Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso.
3. Cumpre conhecer do objecto do recurso.
O artigo 6º n.º 1 alínea e) do Decreto-lei n.º 206/2001 de 27 de Julho (na
redacção anterior ao Decreto-Lei 41/2005 de 18 de Fevereiro) é do seguinte teor:
Artigo 6º
(Requisitos para o exercício da actividade)
1 – Para o exercício da actividade referida no n.º 1 do artigo 4º,
deve cada agência funerária:
(...)
e) Manter ao seu serviço um número mínimo de quatro trabalhadores,
nos quais se podem incluir os seus administradores ou gerentes, devendo aquele
número ser acrescido de dois trabalhadores por cada sucursal ou agência.
(...)
Está em causa, neste recurso, a norma resultante da primeira parte da alínea e)
transcrita que a sentença julgou inconstitucional 'por violação do disposto na
parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição'.
O preceito constitucional citado prende-se com a proibição de restrições, por
disposição de lei ordinária, aos direitos, liberdades e garantias
constitucionalmente protegidos e com a regra de que tais restrições, quando
constitucionalmente permitidas, se devem limitar 'ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.'
A decisão recorrida começou efectivamente por considerar a norma em questão como
restritiva de um direito constitucionalmente protegido – a liberdade de escolha
de profissão – e, depois, concluiu ser excessiva, por inadequação, a exigência
de um número mínimo de quatro trabalhadores, regra que supôs violar o referido
princípio da proporcionalidade na definição de uma restrição à liberdade de
escolha de profissão, garantida no n.º 1 do artigo 47º da Constituição.
São os seguintes os dois passos essenciais da decisão recorrida:
[...] Aqui chegados, importa salientar que, em face de todo o exposto, dúvidas
não podem restar de que a alínea e) do n.º1 do art. 6.º do DL n° 206/2001, de
27/7 , na parte em que exige um número mínimo de quatro trabalhadores para o
exercício da actividade das agências funerárias, é restritiva da liberdade de
escolha de profissão.
Na verdade, a consagração de um tal requisito para o exercício daquela
actividade tem efeitos claramente desvantajosos em matéria de acesso dos
particulares à liberdade de escolha de profissão – daquela profissão. [...]
E, mais, à frente:
[...] Ora, desde logo, é possível afirmar não se mostrar tal exigência adequada
nem a realizar aqueles fins nem a contribuir para os alcançar.
Efectivamente, por referência às regras da experiência e aos conhecimentos
empíricos e científicos disponíveis quanto a esta matéria, não se vislumbra como
é que a exigência de um número mínimo de quatro trabalhadores e não, por
exemplo, de três ou cinco, como requisito para o exercício da actividade das
agências funerárias seja apta para, de algum modo, realizar tais fins ou, tão
só, contribuir para o seu alcance.
Na verdade, parece-nos que, no que aos trabalhadores concerne, adequada à
prossecução dos supra mencionados fins seria, desde logo, a adopção de um
critério qualitativo de escolha dos mesmos e nunca a de um, tão somente,
quantitativo.[...]
Mas tal como sublinha o Ministério Público nas suas alegações, a exigência de
que o estabelecimento tenha uma dimensão considerada mínima pelo legislador, em
nada contende com a liberdade de escolha de profissão dos titulares do referido
estabelecimento. Esta é a razão pela qual deve ser afastada – como, aliás, bem
se reconhece na sentença – a inconstitucionalidade orgânica apontada, desde logo
por esta matéria não poder ser considerada como integrando o núcleo essencial de
direitos, liberdades e garantias.
É, assim, totalmente inadequada a referência à liberdade de escolha de profissão
para atacar a conformidade constitucional da norma impugnada.
De resto, sobre este tema, ou seja, a propósito da tutela constitucional da
liberdade de escolha de profissão, o Tribunal Constitucional já se pronunciou
por diversas vezes (cfr., a título de exemplo, os acórdãos n.ºs 255/2002,
563/2003, DR, I Série-A, respectivamente, de 8 de Julho de 2002 e de 25 de Maio
de 2004), e sempre considerou que no seu âmbito de protecção estavam incluídas
“a fixação de condições específicas para o exercício de determinada profissão ou
actividade profissional” (acórdão n.º 255/2002), ou de “requisitos
condicionantes do acesso, do exercício e da privação do exercício da profissão”
(acórdão n.º 563/2003); condições e requisitos que não são minimamente afectados
pela norma em causa.
Não estamos, portanto, perante norma que vise criar restrições a direitos,
liberdades ou garantias constitucionalmente protegidos, razão pela qual se pode
já concluir não ser aplicável ao caso o artigo 18º da Constituição, do qual
resulta a regra de que tais restrições, quando constitucionalmente permitidas,
se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos.
Cabe, todavia, ainda sublinhar que a exigência resultante do artigo 6º n.º 1
alínea e) do Decreto-lei n.º 206/2001 de 27 de Julho não afecta o princípio da
proporcionalidade, à luz do qual a questão foi apreciada na sentença recorrida.
Na verdade, conforme o Tribunal várias vezes observou, as exigências do
princípio da proporcionalidade não decorrem apenas do n.º 2 deste artigo 18º,
mas também do princípio geral do Estado de direito, consignado no artigo 2º
(cfr., neste sentido, o Acórdão n.º 491/02, publicado no DR, II Série, de 22 de
Janeiro de 2003).
Esta afirmação não significa, todavia, que se possa fazer um juízo de adequação
nos termos constantes da sentença recorrida. Com efeito, sob pena de invadir a
liberdade de conformação do legislador, só é possível avaliar a eventual
existência de uma desadequação manifesta entre o objectivo pretendido (no caso,
“garantir a qualidade dos serviços, tendo em vista, designadamente, a defesa dos
interesses dos consumidores”, como se explica no preâmbulo do diploma) e o meio
utilizado (a exigência de um mínimo de quatro trabalhadores). Ora, tal não
ocorre no presente caso.
Estas considerações evidenciam a sem razão do julgamento de
inconstitucionalidade assumido na decisão em análise.
4. Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo ser
reformada a sentença recorrida de acordo com o julgamento de não
inconstitucionalidade a que agora se procede.
Lisboa, 16 de Novembro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Artur Maurício