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Processo n.º 610/02
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
1.1. A. interpôs, no Supremo Tribunal Administrativo (STA),
recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Superior dos
Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), de 11 de Janeiro de 1999, que não o
admitiu ao concurso curricular de acesso a lugares de juiz da Secção de
Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo (TCA), a que, nos
termos do artigo 92.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais (Decreto‑Lei n.º 129/84, de 27 de Abril – ETAF) se podiam candidatar os
“juízes dos tribunais administrativos e fiscais com mais de 5 anos de serviço
neles e classificação superior a Bom”, por entender que um “juiz auxiliar nos
tribunais administrativos e fiscais”, condição que o recorrente detinha, não
podia ser considerado “juiz dos tribunais administrativos e fiscais” para esse
efeito. O recorrente imputou ao acto recorrido vício de violação de lei, por
erro nos pressupostos ou por erro de interpretação legal do referido artigo
92.º, n.º 2, e, subsidiariamente, arguiu logo a inconstitucionalidade da
interpretação normativa nele adoptada, por ofensa ao princípio da igualdade
consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
1.2. Por acórdão de 11 de Outubro de 2000 da 3.ª Subsecção do STA
foi concedido provimento ao recurso e anulado o acto impugnado, por se entender
que este padecia de vício de violação de lei, por violação do artigo 92.º, n.º
2, do ETAF.
Nesse acórdão começou‑se por dar por apurada a seguinte matéria
de facto:
A) O recorrente é Juiz de Direito, contando em 27 de Outubro de
1998, 13 anos e vinte e um dias de serviço, tempo este contado desde 10 de
Outubro de 1985, data da sua nomeação como Auditor de Justiça;
B) Por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, de 17 de Fevereiro de 1992, foi nomeado, em comissão
de serviço, juiz auxiliar do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Aveiro,
tendo tomado posse do referido lugar em 24 de Março de 1992;
C) A comissão de serviço do recorrente, como juiz auxiliar dos
tribunais administrativos e fiscais, foi‑lhe sucessivamente renovada por
deliberações do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, de 3
de Maio de 1993, 21 de Fevereiro de 1994, 3 de Abril de 1995, 4 de Março de 1996
e 17 de Março de 1997;
D) No exercício das funções de juiz auxiliar do Tribunal
Tributário de 1.ª Instância de Aveiro, o recorrente foi inspeccionado duas
vezes, a primeira inspecção reportada ao período compreendido entre 24 de Março
de 1992 e 31 de Dezembro de 1992 e a segunda ao período entre 1 de Janeiro de
1993 e 30 de Setembro de 1996;
E) Em ambas as inspecções, foi classificado de Bom com Distinção,
por deliberações do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais,
de 6 de Fevereiro de 1995 e de 17 de Março de 1997, respectivamente;
F) Por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, de 28 de Setembro de 1998, publicitada por Aviso
publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Outubro de 1998, foi aberto
concurso curricular de acesso a lugares de juiz da Secção de Contencioso
Tributário do Tribunal Central Administrativo, ao abrigo do artigo 92.º, n.º 2,
do ETAF;
G) O recorrente candidatou-se ao concurso referido em F), tendo o
Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por deliberação de 11
de Janeiro de 1999, decidido não o admitir, por não ser “juiz dos tribunais
administrativos e fiscais mas apenas juiz auxiliar nos tribunais administrativos
e fiscais. E não sendo juiz em comissão permanente de serviço da 1.ª instância
não se compreenderia que pudesse candidatar-se à 2.ª instância”.
De seguida, o referido acórdão desenvolveu a seguinte
fundamentação jurídica:
“Sustenta o recorrente que a deliberação impugnada, do Conselho Superior
dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pela qual foi excluído do concurso
para Juiz do Tribunal Central Administrativo (Secção de Contencioso Tributário),
viola o artigo 92.°, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
(ETAF), por erro nos pressupostos em que se baseia, ou, assim não se entendendo,
por erro de interpretação legal do mesmo preceito.
Subsidiariamente argui a inconstitucionalidade do dispositivo legal em
questão, na interpretação que lhe foi dada pelo acto recorrido, por ofensa ao
princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da CRP.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como resulta da matéria de facto julgada assente, a deliberação recorrida
excluiu o recorrente do concurso curricular para preenchimento de lugares de
Juiz do Tribunal Central Administrativo (2.ª Secção) por considerar que «não era
juiz dos tribunais administrativos e fiscais, mas apenas juiz auxiliar nos
tribunais administrativos e fiscais. E não sendo juiz em comissão permanente de
serviço da 1.ª instância, não se compreenderia que pudesse candidatar‑se à 2.ª
instância».
Defende o recorrente que, ao invés do considerado nesta deliberação, é juiz
dos tribunais administrativos e fiscais.
Na verdade, sustenta, a sua qualidade de juiz dessa jurisdição, advém‑lhe da
nomeação pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais para
exercer funções de Juiz no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Aveiro, não
podendo depender da modalidade da nomeação, «definitiva ou temporária, consoante
se reporta a lugar existente no quadro ou para além dele».
Por outro lado, mesmo que hipoteticamente fosse entendido que, sendo juiz
auxiliar, não é juiz dos tribunais fiscais, uma interpretação legal correcta do
artigo 92.º, n.º 2, do ETAF sempre determinaria a admissão do recorrente, pois
respeita os índices de adequação à função a que se reporta o normativo em
apreço.
Entende‑se que a razão está do lado do recorrente.
Assim:
Dispõe o artigo 92.° do ETAF:
“1 – Podem ser nomeados juízes de uma secção do Tribunal Central
Administrativo os juízes de outra secção e os juízes dos tribunais de relação
que tenham exercido funções em tribunais administrativos ou fiscais durante
mais de três anos e possuam classificação superior a Bom, relativa a essas
funções, atribuída pelo Conselho Superior do Tribunais Administrativos e
Fiscais.
2 – Não havendo requerentes nas condições do número anterior são nomeados,
por concurso curricular, juízes dos tribunais administrativos e fiscais com
mais de 5 anos de serviço neles e classificação superior a Bom.”
A deliberação impugnada interpretou o n.º 2 do dispositivo legal transcrito
como excluindo do respectivo âmbito de aplicação os «juízes auxiliares» dos
tribunais administrativos e fiscais, nomeados em comissão de serviço,
independentemente do tempo em que permaneceram em exercício de funções nesses
tribunais e das classificações de serviço neles obtidas.
Seria assim, como bem faz notar o recorrente e o evidencia a argumentação
da entidade recorrida nas respectivas peças processuais, a circunstância de
existir ou não no quadro o lugar preenchido pelo candidato nos tribunais de 1.ª
instância da jurisdição administrativa e fiscal que determinaria a
possibilidade de o mesmo poder concorrer à 2.ª instância da referida
jurisdição.
Erradamente, porém.
Ao contrário do que a fundamentação do acto recorrido parece pressupor, a
expressão «juízes dos tribunais administrativos e fiscais», a que alude o
preceito em causa, não tem um sentido unívoco, de modo a poder abranger apenas
os juízes do quadro daqueles tribunais, neles providos a título definitivo ou em
comissão permanente de serviço.
Que assim é demonstra‑o o facto de, em variadíssimas situações, a lei,
nomeadamente o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, se referir aos
«juízes dos tribunais administrativos e fiscais» englobando, sem margem para
dúvida, os juízes auxiliares.
Esta é, de resto, a situação normal.
Vejam-se, designadamente, os artigos 77.° (Regime estatutário), 78.°
(Categoria e direitos dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais), 81.°
(Requisitos gerais de provimento dos juízes dos tribunais administrativos e
fiscais), 98.°, n.º 2 (Competência do Conselho Superior dos Tribunais
Administrativos e Fiscais em relação aos juízes dos tribunais administrativos e
fiscais), e 100.° (Inspecções) do ETAF.
O enunciado linguístico usado nestes preceitos, no aspecto a considerar, é
exactamente o mesmo do n.º 2 do artigo 92.° em apreço, e ninguém parece
duvidar, legitimamente, que os juízes auxiliares também estão compreendidos no
âmbito de aplicação das citadas normas.
O sentido puramente literal, que se afigura ter presidido à interpretação da
entidade recorrida, não bastava como critério interpretativo – como, de resto,
sucede na maior parte dos casos – pois o texto da lei permite outras
significações.
De harmonia com o ensinamento da melhor doutrina, nacional e estrangeira,
sobre interpretação das leis (vide, entre outros, Baptista Machado, Introdução
ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 181 e seguintes; e Karl Larenz,
Metodologia da Ciência do Direito, pág. 368 e seguintes), e com os cânones
hermenêuticos consagrados no artigo 9.° do Código Civil, entre os vários
significados possíveis segundo o sentido literal, a interpretação deve dar
preferência àquele que melhor realize o fim visado pelo legislador ao elaborar a
norma interpretanda. E, na reconstituição do pensamento legislativo, o
intérprete não pode deixar de levar em conta a unidade do sistema jurídico,
pois, como ensina Baptista Machado (obra citada, pág. 191), «dos três factores
interpretativos a que se refere o n.º 1 do artigo 9.°, este é, sem dúvida, o
mais importante. A sua consideração como factor decisivo ser‑nos‑ia sempre
imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem
jurídica».
Ora, a interpretação subjacente à deliberação impugnada não é, seguramente,
a que melhor realiza o fim visado pelo legislador ao fixar os requisitos de
provimento dos juízes do Tribunal Central Administrativo, tendo sobretudo em
conta a coerência valorativa da ordem jurídica.
De facto, estando em causa concurso de acesso a tribunal superior da
jurisdição administrativa e fiscal, o legislador terá, compreensivelmente, como
sucede em qualquer concurso de acesso, visado seleccionar os concorrentes mais
aptos; isto é, aqueles que, pelo número de anos de exercício de funções nos
tribunais de 1.ª instância da referida jurisdição e pelas classificações de
serviço obtidas, mediante inspecção realizada ao trabalho neles desenvolvido,
revelassem maior adequação às funções a desempenhar.
Ora, é bom de ver que a modalidade de provimento dos concorrentes nos
tribunais de 1.ª instância em nada interfere com essa adequação.
Outra interpretação ainda seria, porventura, admissível se os requisitos de
provimento dos juízes auxiliares, em comissão de serviço, nos tribunais
administrativos e fiscais, fossem diferentes e menos exigentes –
designadamente, no que respeita à antiguidade e classificação de serviço – das
requeridas aos juízes providos a título definitivo ou em comissão permanente de
serviço.
Só que não é assim.
Os requisitos de nomeação exigidos aos juízes auxiliares, em comissão de
serviço, são os mesmos exigidos para o concurso de provimento como juiz dos
referidos tribunais: 5 anos de serviço na magistratura e classificação de
serviço não inferior a Bom (artigos 90.°, n.º 6, e 108.°, alínea a), do ETAF).
Numa outra perspectiva, ainda seria, eventualmente, de aceitar a opção do
legislador pela reserva de acesso à 2.ª instância da jurisdição administrativa e
fiscal aos juízes providos nos tribunais de 1.ª instância em comissão
permanente de serviço (além dos providos a título definitivo), se este tipo de
provimento acarretasse desvantagens na progressão na carreira da magistratura
judicial dos tribunais comuns, não sofridas pelos juízes auxiliares, em
comissão temporária de serviço.
Mas também esta situação se não verifica.
Quer os juízes auxiliares, em comissão temporária de serviço, quer os juízes
providos em comissão permanente de serviço, nos tribunais administrativos e
fiscais, continuam a pertencer aos quadros da magistratura judicial dos
tribunais comuns, em cuja carreira continuam a progredir, com acesso às
instâncias superiores, e a estes podem regressar, requerendo a cessação da
comissão de serviço (artigo 96.°, n.º 4, do ETAF).
Face ao exposto, forçoso é concluir que nenhum fundamento razoável justifica
a distinção entre juízes auxiliares, em comissão de serviço, e juízes em
comissão permanente de serviço, com mais de cinco anos de exercício de funções
nos tribunais administrativos e fiscais e classificação superior a Bom, para o
efeito de poderem ser nomeados juízes do Tribunal Central Administrativo.
Resta dizer que o acórdão do Pleno da 1.ª Secção proferido no recurso n.º 27
824, invocado pela entidade recorrida em abono da interpretação sufragada na
deliberação contenciosamente impugnada, não colide com a solução encontrada no
caso ora em recurso. Está em causa, no aresto citado, a interpretação de
preceitos legais diferentes – a alínea e) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 99.° do
ETAF –, sendo totalmente diverso o escopo legislativo. De facto, trata‑se aí de
apurar se um juiz auxiliar tem capacidade de ser eleito pelos seus pares como
vogal do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. A resposta
foi negativa, tendo‑se entendido que «para efeito do disposto na alínea e) do
n.º 1 e n.º 3 do artigo 99.° do ETAF, só os juízes de nomeação efectiva (a
título definitivo ou em comissão permanente de serviço) são juízes dos
tribunais administrativos de círculo». A decisão do aresto é perfeitamente
razoável, no caso analisado, dado que o mandato para vogal do Conselho, nos
termos do artigo 99.°, n.º 4, do ETAF é de 4 anos e o artigo 57.° do EMJ, na
redacção vigente à data, impunha o limite de 3 anos para a comissão de serviço.
A interpretação do conceito de juiz auxiliar, em comissão temporária de
serviço, foi, como se viu, efectuada para um efeito completamente distinto do
analisado no presente recurso, em nada conflituando os resultados a que nos
mesmos se chegou.
2.2.2. De tudo quanto vem referido resulta que a deliberação do Conselho
Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que excluiu o recorrente do
concurso para juiz do Tribunal Central Administrativo (2.ª Secção) – dando como
assente que o mesmo contava à data 6 anos, 7 meses e 23 dias de antiguidade na
jurisdição fiscal e tinha sido classificado duas vezes de Bom com Distinção –,
por o mesmo «não ser juiz dos tribunais administrativos e fiscais mas apenas
juiz auxiliar nos tribunais administrativos e fiscais», viola, por erro de
interpretação legal, o artigo 92.°, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais (ETAF), merecendo ser anulada.”
1.3. A entidade recorrida (CSTAF) interpôs recurso para o Pleno
da 1.ª Secção do STA, concluindo as respectivas alegações com a formulação das
seguintes conclusões:
“I – No n.º 1 do artigo 96.º é equiparado o provimento definitivo e a
comissão permanente de serviço, o que significa que só poderão ser nomeados em
comissão permanente de serviço os juízes que puderem ser providos a título
definitivo, com a ressalva ali (no caso da comissão permanente de serviço, que é
uma figura de carácter especialíssimo e específico da jurisdição administrativa
e fiscal) da manutenção de ligação ao quadro de origem;
II – «Mas como é apodíctico, só há possibilidade de provimento a título
definitivo no caso de existência de vagas no quadro do respectivo tribunal
administrativo ou fiscal; portanto, face à igualação atrás referida, a nomeação
em “comissão permanente de serviço”, nos termos do artigo 96.º, n.º 1, do ETAF,
só é possível quando haja vaga no tribunal considerado» (Acórdão do Pleno da 1.ª
Secção do STA, de 9 de Janeiro de 1990, in rec. n.º 27 824).
III – Os quadros dos tribunais tributários de 1.ª instância (importa para o
caso a jurisdição tributária e por isso a ela nos reportamos) são fixados no
artigo 26.º do Decreto‑Lei n.º 374/84, de 29 de Novembro, e só aquelas vagas é
que podem ser providas a título definitivo ou em comissão permanente de
serviço, de harmonia com o disposto no n.º 1 do mencionado artigo 96.º do ETAF.
IV – Portanto, apenas os juízes colocados em lugares do quadro, neste caso,
dos tribunais tributários de 1.ª instância, nomeados a título definitivo ou em
comissão permanente de serviço, constituem o conjunto de titulares do quadro
desses tribunais e, como tal e indubitavelmente, são juízes efectivos dos
tribunais considerados; ou, dito de outro modo, «... só os juízes nomeados nos
termos desta disposição legal [artigo 96.º do ETAF] é que são os “juízes dos
tribunais administrativos”, considerados justamente porque constituem o
conjunto de titulares do quadro desse tribunais» (cf. Acórdão supra citado; no
mesmo sentido, Acórdão do Pleno da 1.ª Secção do STA, de 9 de Janeiro de 1990,
rec. n.º 27 822).
V – Em suma, são os juízes providos a título definitivo ou nomeados em
comissão permanente de serviço em lugares dos quadros dos tribunais
administrativos e fiscais que, após a posse como juízes titulares, formam o
conjunto de juízes da jurisdição administrativa e fiscal, ou seja, «os juízes
dos tribunais administrativos e fiscais [que] formam um corpo único e regem‑se
pelo disposto na Constituição da República Portuguesa sobre a independência, a
inamovibilidade, a irresponsabilidade e as incompatibilidades dos juízes, por
este Estatuto [ETAF] e, com as necessárias adaptações, pelo Estatuto dos
Magistrados Judicias» – cf. artigo 77.º do ETAF.
E deste corpo de juízes não fazia parte o recorrente, enquanto juiz auxiliar
num tribunal tributário, como erradamente se concluiu no douto Acórdão ora
recorrido.
VI – Quanto aos juízes auxiliares, a lei prevê a sua existência, como forma
de prevenir ou responder a situações de atraso no serviço e acumulações de
processos que, por motivos estruturais ou conjunturais, tenham ocorrido num
determinado tribunal e às quais não é possível dar resposta satisfatória por
parte dos juízes do respectivo quadro.
VII – A «comissão de serviço», prevista como forma de provimento dos juízes
auxiliares, em nada se compara com a «comissão permanente de serviço» que a lei
consagra relativamente aos juízes efectivos, isto é, aqueles que ocupam vaga do
quadro de tribunal administrativo ou fiscal.
VIII – A mera comissão de serviço, pela sua origem e natureza, pressupõe
exactamente a não existência de vaga no quadro de juízes, ou a impossibilidade
do seu preenchimento por uma qualquer razão, e destina‑se a responder a
situações de serviço que são pontuais e transitórias e nunca a preencher
lugares do quadro.
IX – Por isso, as meras comissões de serviço, que formalmente suportam a
nomeação de juízes auxiliares, estão sujeitas a prazo (artigos 55.º, 56.º,
alínea d), e 57.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (EMJ)), prazo esse que, salvo
disposição especial, é de três anos, o que retira a estas nomeações em comissão
de serviço qualquer carácter de permanência.
X – Conclui‑se, assim, que os juízes auxiliares, não se integrando nos
quadros dos tribunais administrativos e fiscais, não são juízes do tribunal,
apenas exercem o seu múnus de juiz no tribunal em cujo auxílio foram nomeados
(cf. Acórdão supra citado e ainda o Acórdão do Pleno da 1.ª Secção do STA, de 9
de Janeiro de 1990, rec. n.º 27 822).
XI – Importa não confundir estatuto pessoal e estatuto funcional dos juízes.
Quanto ao estatuto funcional, ou seja, no e para o exercício de funções
jurisdicionais, os juízes auxiliares têm os mesmos complexos típicos de
poderes, direitos, deveres e incompatibilidades que competem aos juízes
efectivos do mesmo tribunal.
XII – Mas não assim quanto ao estatuto pessoal. Na verdade, e a titulo
exemplificativo, é de atentar nas seguintes situações:
– os juízes auxiliares não têm capacidade eleitoral passiva, como já foi
reconhecido em acórdãos do Pleno da 1.ª Secção do STA (vide os supra citados
acórdãos);
– os juízes auxiliares não podem ser eleitos presidentes de tribunal;
– os juízes auxiliares não podem ser eleitos membros do Conselho Superior
dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
– os juízes auxiliares não podem ser transferidos nos termos do artigo 83.º
do ETAF;
– os juízes auxiliares voltam automaticamente ao lugar de origem, caso não
seja renovada a comissão de serviço em que se encontram;
– podem ser nomeados juízes auxiliares sem a exigência legal de sujeição a
qualquer concurso, sendo certo que para o preenchimento de lugares do quadro dos
tribunais o concurso é sempre exigido (salvo impossibilidade no preenchimento
por transferência ou por concurso – n.º 2 do artigo 82.º do ETAF);
XIII – Todas estas situações se explicam, na medida em que os juízes
auxiliares estão numa situação precária, pontual, de auxílio, não integrados no
quadro do tribunal, situação essa que, sem afectar o estatuto funcional dos
juízes, não permitiu ao legislador consagrar solução idêntica para juízes
efectivos e auxiliares ao nível do estatuto pessoal, como acima se demonstrou.
XIV – Portanto, juízes da jurisdição administrativa e fiscal são todos os
juízes providos a título definitivo ou nomeados em comissão permanente de
serviço, em lugares dos quadros dos tribunais administrativos e fiscais, após a
posse como juízes titulares, e só esses é que integram o conceito de «juízes dos
tribunais administrativos e fiscais» ínsito no n.º 2 do artigo 92.º do ETAF;
XV – Tudo a justificar, de facto e de direito, a doutrina subjacente à
deliberação do CSTAF que não admitiu o Dr. A. ao concurso curricular de acesso
a lugares de juiz da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central
Administrativo.
XVI – Consequentemente, tudo igualmente a justificar a revogação do douto
acórdão recorrido que julgou em violação da lei, por erro de interpretação,
para ficar a valer na ordem jurídica a deliberação contenciosamente impugnada.”
O então recorrido, ora recorrente, contra‑alegou, reiterando a
posição defendida na petição do recurso contencioso, incluindo a suscitação da
questão de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da CRP, da
interpretação do artigo 92.º, n.º 2, do ETAF feita pela deliberação impugnada.
1.4. Por acórdão de 6 de Junho de 2002, o Pleno da 1.ª Secção do
STA concedeu provimento ao recurso jurisdicional do CSTAF, revogou o acórdão
recorrido e negou provimento do recurso contencioso. Para tanto, desenvolveu a
seguinte argumentação:
“Passando‑se, desde já, à análise dos fundamentos deste recurso, diremos
que, tanto quanto a correcção da interpretação da norma do artigo 92.°, n.º 2,
do ETAF, neste recurso, a discussão acaba por ser conduzida a uma discussão
metodológica do Direito, motivo porque, com a síntese e a clareza possível,
passaremos a traçar o esboço dos pressupostos metodológicos de tal discussão.
Como ensina o Prof. Castanheira Neves [In Metodologia Jurídica – Problemas
Fundamentais, Coimbra, 1993, pág. 83 e seguintes], o problema actual da
interpretação jurídica é dizer se a interpretação é um problema estrita e
rigorosamente hermenêutico (significado textual da lei) – como se pretende nas
teorias de interpretação dogmática, próximas do positivismo jurídico –, ou um
problema normativo (de que modo prático‑normativamente se deve assimilar o seu
sentido jurídico‑normativo para que ela possa ser o critério adequado de uma
decisão do problema jurídico concreto) – posição mais próxima dos adeptos da
chamada interpretação teleológica ou sistemática [Para uma mais completa
descrição de cada um dos sistemas em confronto, designadamente para a respectiva
fundamentação doutrinal, afigura‑se útil a leitura de dois acórdãos do STJ,
ambos datados de 23 de Abril de 1998 e ambos publicados no Boletim do Ministério
da Justiça, n.º 476, respectivamente a págs. 317 e seguintes (relatado pelo
Cons. Garcia Marques) e 389 e seguintes (este relatado pelo Cons. Torres
Paulo)].
Segundo a concepção tradicional de interpretação, esta tem como objecto o
texto normativo‑prescritivo e, fundamentalmente, é uma interpretação semântica:
Como dizia Savigny, citado por Castanheira Neves [Loc. cit., pág. 96],
«interpretação é a reconstrução do pensamento que se exprime na lei, contanto
que ele seja cognoscível na própria lei» ... através dos conhecidos quatro
elementos (gramatical, histórico, sistemático e teleológico).
Para esta concepção, com claro apoio, aliás, no artigo 9.º do Código Civil,
o texto da lei não é só o ponto de partida e um dos factores hermenêuticos da
interpretação jurídica, mas também o critério dos limites da interpretação.
Menezes Cordeiro [In “Ciência do Direito e Metodologia Jurídica”, publicado
na Revista da Ordem dos Advogados, ano 48.º (1988), pág. 759] refere que o
sistema clássico da realização do Direito assentava em dois pilares: a
compartimentação do processo interpretativo‑aplicativo e o método de subsunção,
este resultante da particular técnica na elaboração da premissa menor do
silogismo judiciário, assente na recondução automática de certos factos a
determinados conceitos jurídicos.
Em possível contraponto estão aqueles para quem «uma boa interpretação não é
aquela que, numa perspectiva hermenêutico‑exegética, determina correctamente o
sentido textual da norma; é antes aquela que, numa perspectiva
prático‑normativa, utiliza bem a norma, como critério de justa decisão do
problema concreto» [Castanheira Neves, loc. cit., pág. 84, bem como a doutrina
aí citada], ou, como refere Menezes Cordeiro [Loc. cit., pág. 761], aqueles para
quem o esquema de realização do Direito deve assentar em dois pontos
fundamentais: a unidade da realização do Direito e a natureza constituinte da
decisão.
Ou seja, a unidade entre a interpretação e a aplicação da norma ao caso
concreto e a consequente natureza constitutiva da decisão, onde a construção dos
factos e a interpretação das normas estão entre si numa relação de mútua
correlatividade, pois só na solução concreta há Direito, este entendido como
manifestação da vontade humana do juiz que apreende a realidade e decide
criativamente em termos finais, implicando a decisão, sempre, algo de novo, de
acordo com o grau de discricionariedade deixada ao intérprete‑aplicador.
Regressando, agora, a Castanheira Neves [In “Dworkin e a interpretação
jurídica”, publicado em Estudos em Homenagem ao Prof. Rogério Soares, pág. 277],
diremos que a interpretação é o problema normativo nuclear da
prático‑judicativa realização do Direito, nele convergindo a pluralidade das
dimensões que participam no todo prático‑normativo da manifestação concreta do
Direito – o caso, as normas positivas, os princípios fundamentantes
constitutivos da normativa validade jurídica..., obtendo as concretas decisões
jurídicas o seu último e decisivo sentido‑fundamento de validade pela sua
integração coerente no sentido da prática jurídica como um todo e como partes
que seriam chamadas, nos seus sentidos particulares, à manifestação e ao
constitutivo desenvolvimento concreto desse todo.
Assim, «a linha de orientação exacta só pode ser, pois, aquela em que as
exigências do sistema e de pressupostos fundamentos dogmáticos não se fechem
numa auto‑suficiência, a implicar também a auto‑subsistência de uma hermenêutica
unicamente explicitante e antes se abram a uma intencionalidade normativa que,
na sua concreta e judicativo‑decisória realização, se oriente decerto por
aquelas mediações dogmáticas, mas ao mesmo tempo as problematize e as
reconstitua pela sua experimentação concretizadora. Nem é outro o sentido da
interpretação enquanto problema normativo e em que também estarão presentes as
duas grandes coordenadas da racionalidade jurídica, o sistema e o problema» [In
Metodologia …, pág. 123].
O direito não está, nem na norma, nem no caso [É evidente a síntese
superadora do chamado «pensamento problemático ou tópico», de Viehweg, para
quem a Ciência do Direito é o processo de discussão de problemas, pela retórica
e lógica jurídicas, para quem a bondade ou a conveniência das soluções são
indiferentes, tudo assentando na pureza da derivação ou da justificação
apresentada …, e o pensamento sistemático defendido, nomeadamente, por Canaris
– cf. Menezes Cordeiro, loc. cit., pág. 726]; está na sua relação, estando os
factos e a interpretação de normas numa relação de mútua correlatividade.
O caso jurídico não é apenas o objecto decisório‑judicativo, mas
verdadeiramente a perspectiva problemático‑intencional que tudo condiciona e
em função do qual tudo deverá ser interrogado e resolvido... Tal, porém, não nos
conduz à mera casuística, pois o problema concreto não deixa de convocar o
sistema de normatividade que pressupõe e que vai, desde logo, intencionado pela
mediação da norma, como critério vinculante, como «núcleo duro» do sistema
[Castanheira Neves, loc. cit., pág. 142].
Em breve parênteses, seguindo a lição de Canaris [In Pensamento Sistemático
e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, 2.ª edição, Gulbenkian, 1996, pág.
279], diremos que as características do conceito geral de sistema são a ordem e
a unidade, como consequências do princípio da igualdade e da tendência
generalizadora da justiça, portanto, da própria ideia do Direito.
O sistema contribui para a plena composição do conteúdo teleológico de uma
norma ou de um instituto jurídico, o que conduz a interpretá‑los como parte do
conjunto da ordem jurídica e sobre o pano de fundo das conexões relevantes,
servindo para garantia e realização da adequação valorativa de unidade interior
do Direito.
A tudo haverá de fazer acrescer, e retomando a lição de Castanheira Neves
[Loc. cit., pág. 155], que no modelo de realização do direito quo agitur, o
sistema é a «unidade de totalização normativa que se analisa em quatro
elementos – os elementos constitutivos da sua normatividade, organizados em
quatro estratos distintos e entre si relacionados num todo integrante».
O primeiro estrato do sistema é constituído pelos princípios (positivos,
transpositivos e suprapositivos em que se incluirão as cláusulas gerais mais
relevantes).
No segundo estrato estão as normas prescritivas.
No terceiro estrato está a jurisprudência, definida como a objectivação e
estabilização de uma já experimentada realização do direito, com o valor
normativo que resulta de uma presunção de justeza dessa realização.
Finalmente, o quarto estrato é ocupado pela dogmática, ou doutrina
jurídica.
Na pragmática justeza decisória do problema jurídico, haverá o julgador de
buscar a harmonia do universo jurídico traçado, nas condições descritas, sendo a
interpretação da norma aplicável, em consonância, em conformidade com o
«sistema», rejeitando‑se, eventualmente, em interpretação normativa abrogante ou
revogatória, quando for caso disso, as soluções espúrias, desconformes, em
desarmonia com a unidade sistemática referida.
Ora, no caso em análise, a resolução do caso jurídico, ou a interpretação
«clássica» da norma do artigo 92.°, n.º 2, do ETAF conduz‑nos à mesma solução,
aliás diversa, adiantamos, da adoptada na decisão recorrida.
Na interpretação literal da norma, ou seja, na sua apreciação meramente
exegética, hermenêutica, o sentido defendido pela entidade ora recorrente é
fortemente sugerido, designadamente pelo uso da preposição de: «juízes dos
tribunais administrativos».
Porém, tal não arreda, de forma alguma, a possibilidade da conclusão da
decisão recorrida.
Na verdade, tal expressão não tem um sentido unívoco e inequívoco, sendo
usada em outros preceitos do ETAF para clara aplicação, também, aos juízes
auxiliares, como é o caso das normas dos artigos 98.°, n.º 2, e 100.°, entre
outras.
Haverá, assim, que recorrer aos restantes elementos/factores da
interpretação, em ordem à reconstituição do pensamento legislativo, ou para a
produção do judicium, ou intencional jus dicere em ordem à solução do problema
normativo colocado, do caso decidendo, em coerência com o universo jurídico onde
a norma se integra.
Também nos merece acordo que no caminho seguido na tarefa interpretativa da
norma, ou de solução do caso, se tenha em conta a unidade do sistema, pelo
recurso ao elemento sistemático, ou seja, pela consideração de outras
disposições que formam o complexo jurídico em que a norma interpretanda se
integra (contexto da lei), bem como os lugares paralelos, ou a procura da
solução em coerência com a unidade intrínseca do universo jurídico, de acordo
com o fim da norma.
Ora, é precisamente neste momento que surge a divergência com o decidido.
A finalidade da norma do n.º 2 do artigo 92.º do ETAF não é, de forma alguma,
a de, no acesso aos tribunais superiores da jurisdição administrativa, garantir
a escolha do candidato mais apto ao exercício funcional, pois tal objectivo é
mais próximo da norma do artigo 84.° do ETAF.
Tal norma não tem um carácter de critério de graduação, de selecção, mas e
tão‑só visa estabelecer um critério de recrutamento ou de acesso, de fixação do
universo dos opositores, dos requisitos de admissão ao concurso de acesso à
segunda instância.
Dito de outro modo, a norma em análise define quem pode concorrer e ser
eventualmente promovido, e não, quem (o mais apto) deve ser promovido.
O regime normativo invocado, como no contexto da norma interpretanda, também
não tem a exactidão e carácter elucidativo que lhe foi dada no acórdão
recorrido.
Em relação às normas inequivocamente aplicadas a todos os juízes, sejam
efectivos, sejam auxiliares, tais como as relativas à sua sujeição ao CSTAF, no
que tange à nomeação, movimentação, disciplina e inspecção, tais normas, como se
salienta pertinentemente nas alegações, reportam‑se ao estatuto de juiz, normas
com sentido diferente, no caso em análise, das relativas ao estatuto pessoal,
aqui diferenciadas em função do tipo e natureza de provimento.
No domínio dos princípios gerais e normas reguladoras dos movimentos de
acesso e/ou progressão nas carreiras da função pública, de que se citarão, por
mero exemplo, os artigos 15.° do Decreto‑Lei n.º 248/85, de 15 de Julho, 35.° do
Decreto‑Lei n.º 404‑A/98, de 18 de Dezembro, 27.° e 29.° do Decreto‑Lei n.º
184/89, de 2 de Junho, e 19.° do Decreto‑Lei n.º 353‑A/89, de 16 de Outubro,
concluímos que, em regra, a progressão na carreira e até nos escalões
remuneratórios é reservada aos funcionários efectivos, profissionalizados,
integrados nos respectivos quadros, se bem que, e nos termos do artigo 7.° do
Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, o tempo de serviço prestado em
comissão eventual de serviço venha a relevar no lugar de origem do nomeado se e
quando a nomeação se venha a converter em definitiva.
À luz deste princípio, teremos que resolver o problema normativo suscitado,
declarando, em coerência com o universo jurídico, em sintonia com o princípio da
igualdade, que só assim não será violado, que ao concurso de promoção e acesso
dos juízes ao Tribunal Central Administrativo só podem ser admitidos, nos termos
do n.º 2 do artigo 92.° do ETAF, os juízes dos tribunais administrativos e
fiscais que, satisfazendo os mais requisitos, estejam providos a título
definitivo, ou na situação especialíssima de comissão permanente de serviço,
ocupando a respectiva vaga, nos termos das disposições conjugadas dos artigos
96.°, n.º 1, e 106.° do ETAF, sendo certo que a [situação] da comissão
permanente de serviço é equiparada, na primeira norma citada, à situação de
provimento definitivo.
Também não se nos afigura correcta a equiparação das condições de nomeação
dos juízes de 1.ª instância, pois, para além dos indicados requisitos comuns,
para o provimento definitivo, ou em comissão permanente, carece o candidato,
ainda, de se sujeitar a concurso e a sua nomeação depende da existência de vaga
(artigo 96.°, n.º 1, do ETAF).
Neste contexto, a conclusão que se nos impõe será a de que o artigo 92.°, n.º
2, do ETAF tem de ser interpretado [no sentido] de não ser aplicável aos juízes
auxiliares, em comissão ordinária de serviço, mesmo que preencham os mais
requisitos enunciados em tal norma, pelo que tais juízes não podem ser
opositores ao concurso de acesso ao TCA.
Em sentido convergente é a escassa jurisprudência do STA sobre esta temática,
designadamente os acórdãos do Pleno, de 9 de Janeiro de 1990, respectivamente,
nos recursos n.ºs 27 824 (relatado pelo Cons. Payan Martins) e n.º 27 822
(relatado pelo Cons. Cruz Rodrigues), como vem salientado no processo.
Pelas razões expostas, acorda‑se em conceder provimento ao recurso
jurisdicional, revogando‑se a decisão recorrida e, em consequência, nega‑se
provimento ao recurso contencioso.”
1.5. É contra este acórdão que, pelo recorrente contencioso, vem
interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade do artigo 92.º, n.º 2,
do ETAF, na interpretação que lhe foi dada pelo CSTAF e aceite no acórdão
recorrido, ou seja, a de que os juízes auxiliares dos tribunais administrativos
e fiscais não são considerados “juízes dos tribunais administrativos e fiscais”
para efeito de se poderem candidatarem ao concurso curricular para juiz do
Tribunal Central Administrativo.
Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações, no termo das
quais formulou as seguintes conclusões:
“I – Qualquer juiz que, tal como o recorrente à data da deliberação do CSTAF
que impugnou, esteja no exercício de funções como juiz auxiliar num tribunal
tributário de 1.ª instância é juiz dos tribunais administrativos e fiscais,
advindo‑lhe essa qualidade da sua nomeação pelo CSTAF para exercer essas
funções, sendo que o facto de ser juiz auxiliar não lhe retira tal qualidade,
que não depende da modalidade da nomeação (definitiva ou temporária, consoante
se reporte a um lugar existente no quadro ou para além dele), mas tão‑só da
nomeação para exercer funções num tribunal da jurisdição administrativa ou
fiscal.
II – À data da deliberação impugnada, o recorrente era juiz dos tribunais
administrativos e fiscais, pois foi nomeado juiz auxiliar no Tribunal
Tributário de 1.ª Instância de Aveiro e mantinha‑se ininterruptamente há mais
de seis anos em exercício de funções nesse cargo por deliberações do CSTAF,
estando sujeito, como o estão todos os juízes daqueles tribunais, aos actos de
gestão e ao poder disciplinar daquele Conselho, concretizados no caso, para além
do mais:
a) nas deliberações que lhe renovaram por sete vezes consecutivas a sua
comissão de serviço;
b) nas duas inspecções a que o seu serviço prestado no Tribunal Tributário
de 1.ª Instância de Aveiro foi sujeito por determinação daquele Conselho,
inspecções efectuadas por juízes do STA por ele nomeados ao abrigo do disposto
no artigo 100.º do ETAF, e nas respectivas notas, atribuídas por deliberações
do mesmo, sendo que, nos termos do artigo 98.º, n.º 2, alínea a), do ETAF, a
competência para nomear e apreciar o mérito profissional de juízes está
conferida exclusivamente em relação aos juízes dos tribunais administrativos e
fiscais;
c) no facto de o CSTAF, através dos mapas de turnos para as férias
judiciais que aprovou ao longo dos mais de sete anos em que o ora recorrido
prestou funções no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Aveiro, lhe ter
reconhecido jurisdição, nos períodos correspondentes aos turnos que lhe foram
destinados, para além do âmbito da competência territorial daquele Tribunal,
aceitando o CSTAF que o ora recorrido proferisse, como proferiu, diversas
decisões noutros tribunais pertencentes à jurisdição fiscal, o que nunca se
compreenderia se o recorrente fosse apenas juiz no Tribunal Tributário de 1.ª
Instância de Aveiro;
d) no facto de o CSTAF sempre ter reconhecido ao recorrido capacidade
eleitoral activa na eleição do membro do CSTAF a que alude a alínea f) do artigo
99.º, n.º 1, do ETAF, o que não se compreenderia, nos termos da referida
disposição legal, se o não reconhecesse como juiz dos tribunais tributários de
1.ª instância.
III – Não é sustentável, sob pena de violação do princípio da igualdade
constitucionalmente consagrado, a afirmação de que só os juízes de direito
nomeados em comissão permanente de serviço para lugares existentes no quadro,
e já não os nomeados em comissão de serviço (sujeita a prazo) para lugares para
além do quadro, pertencem ao «corpo de juízes dos tribunais administrativos e
fiscais», pois não pode fazer‑se depender a qualidade de juiz dos tribunais
administrativos e fiscais do facto de a nomeação ser para um lugar existente no
quadro, tanto mais que todos ficam sujeitos, no essencial, ao mesmo regime; a
saber:
a) em qualquer dessas modalidades de nomeação os juízes continuam a pertencer
aos quadros da magistratura judicial dos tribunais comuns (e por aí continuam a
poder progredir na carreira, ascendendo às instâncias superiores) e a estes
podem regressar, pondo termo à comissão de serviço em qualquer ocasião que o
pretendam (cf. artigo 96.º, n.º 4, do ETAF), sendo que, no caso de cessar a
comissão de serviço, quer os juízes titulares quer os auxiliares ficarão na
situação de disponibilidade a aguardar vaga correspondente à sua categoria (cf.
artigo 80.º, n.º 1, alínea a), do EMJ);
b) todos eles apenas podem ser nomeados pelo CSTAF, cuja competência no que
respeita à nomeação de juízes é, exclusivamente, para nomear juízes dos
tribunais administrativos e fiscais (cf. artigo 98.º, n.º 2, alínea a), do
ETAF), sejam eles titulares de um lugar previsto no quadro ou auxiliares;
c) a nomeação de qualquer um deles, como titular ou como auxiliar, nos termos
do artigo 53.º do EMJ e 96.º, n.º 2, do ETAF, depende de autorização do CSM;
d) todos eles, titulares ou auxiliares, ficam sujeitos ao poder disciplinar e
de gestão do CSTAF;
e) em relação a todos eles, titulares ou auxiliares, as deliberações do CSTAF
sobre mérito e disciplina produzem efeitos iguais aos que teriam se proferidas
pelo CSM (cf. artigo 98.º, n.ºs 1 e 5, do ETAF).
IV – Ainda que os juízes auxiliares, para certos efeitos legais e
exclusivamente por força da existência de limite temporal ao seu vínculo,
possam ser arredados do exercício de certos direitos concedidos aos seus
colegas titulares (v. g., a capacidade de ser eleito pelos seus pares como vogal
para o CSTAF, uma vez que o mandado para tal cargo, nos termos do disposto no
artigo 99.º, n.º 4, do ETAF, é de 4 anos e o artigo 57.º do EMJ, na redacção
vigente à data, impunha o limite de 3 anos para a comissão de serviço; a
possibilidade de ser transferido nos termos do artigo 83.º do ETAF, uma vez que
a existência do referido limite de três anos colide com a regra de inexistência
de limite de tempo de permanência no lugar do artigo 79.º do mesmo diploma), em
relação ao n.º 2 do artigo 92.º do ETAF, como também em relação a muitas outras
normas do mesmo diploma (v. g., as dos artigos 77.º, 78.º, 81.º, 91.º, 97.º,
98.º e 100.º), o referido limite temporal não assume qualquer relevância.
V – Ainda que assim não se considere, isto é, ainda que se considere que o
recorrido não era juiz dos tribunais administrativos e fiscais (o que não se
concede), haverá que ter em conta que a melhor interpretação do artigo 92.º, n.º
2, do ETAF, e a única conforme à Constituição, sempre determinaria a admissão
do recorrente ao referido concurso.
VI – Aquela norma estabelece os índices pelos quais se revela a adequação
funcional dos juízes a admitir a concurso para a Secção do Contencioso
Tributário do TCA e que são, exclusivamente, a antiguidade e o mérito na
jurisdição administrativa e fiscal. É indefensável pretender que o legislador
instituiu como índice da referida adequação o exercício das funções na situação
de juiz titular, uma vez que inexiste qualquer diferença de natureza ou de
qualidade entre as funções jurisdicionais confiadas aos juízes titulares e aos
juízes auxiliares.
VII – Da redacção do n.º 2 do artigo 92.º do ETAF não pode extrair‑se
qualquer argumento a favor da interpretação vertida na deliberação do CSTAF e
adoptado no acórdão recorrido, invocando que se fosse intenção do legislador
permitir o acesso à 2.ª instância dos juízes auxiliares teria utilizado uma
fórmula verbal que melhor traduzisse o seu pensamento (cf. artigo 9.º, n.º 3,
do Código Civil), designadamente referindo os juízes com mais de 5 anos de
serviço nos tribunais administrativos e fiscais, ao invés de ter dito juízes
dos tribunais administrativos e fiscais com mais de cinco anos de serviço
neles. É que o legislador por certo não terá configurado a possibilidade de juiz
algum se poder manter em exercício de funções em tribunais administrativos e
fiscais por mais de cinco anos na situação de juiz auxiliar, situação que é
contrária à natureza da comissão de serviço e até à lei (cf. artigo 57.º do
EMJ, na redacção vigente à data).
VIII – Por outro lado, a admissão do recorrente a concurso para um lugar de
juiz da Secção de Contencioso Tributário do TCA e, eventualmente, a sua nomeação
para esse lugar, em nada prejudicaria os juízes que exercem funções nos
tribunais administrativos e fiscais como efectivos:
– Desde logo, porque os requisitos para a nomeação de juízes de direito nos
tribunais tributários de 1.ª instância, quer como titulares, quer como
auxiliares, nos termos do disposto nos artigos 90.º, n.º 6, e 108.º, alínea a),
do ETAF, são os mesmos: ter mais de cinco anos de serviço na magistratura e
classificação não inferior a Bom (e esses respeitava‑os o recorrido na data da
sua nomeação);
– Depois, porque na graduação dos juízes para a 2.ª instância, sempre se terá
em conta a antiguidade e o mérito de cada um dos concorrentes na jurisdição
administrativa e fiscal (cf. artigo 84.º, alíneas a) e f), do ETAF);
– Finalmente, porque o argumento de que só os juízes titulares se
sujeitaram a concurso para a 1.ª instância, salvo o devido respeito, não
assume relevância. Aquele concurso apenas tem efeitos para obtenção de vínculo
tendencialmente definitivo na 1.ª instância, ou seja, para efeitos de colocação
num lugar existente no quadro da 1.ª instância, aí se esgotando o seu âmbito,
que não pode repercutir‑se sucessivamente no acesso às instâncias superiores.
Dele não resulta qualquer ganho adicional de adequação ao lugar de juiz do TCA,
que é o que está em causa no concurso de acesso à 2.ª instância e, por isso, não
pode relevar para efeitos de admissão a concurso para esse lugar. Em todo o
caso, como reconheceu o CSTAF, teria sido o recorrido o nomeado caso se tivesse
apresentado a concurso a qualquer um dos muitos lugares de juiz da 1.ª instância
dos tribunais fiscais que foram postos a concurso nos três anos que precederam a
deliberação impugnada. Nem se diga que se é assim no caso concreto, poderia não
o ser em relação a outros juízes auxiliares que houvessem perfeito cinco anos de
serviço nos tribunais administrativos e fiscais e aí tivessem obtido
classificação superior a Bom. É que o único caso em que tais circunstâncias
alguma vez se verificaram, como o CSTAF não pode ignorar, é o do recorrente e,
atento o disposto no já referido artigo 57.º do EMJ, não é provável que alguma
vez mais torne a ocorrer um caso idêntico; ou seja, o caso do ora recorrido é
único e irrepetível, não fazendo sentido argumentar com uma pretensa
generalidade da situação.
IX – O legislador não reservou o acesso à 2.ª instância dos tribunais
administrativos e fiscais aos juízes em exercício de funções na 1.ª instância
desses tribunais (cf. n.º 1 do artigo 92.º do ETAF); por maioria de razão, não o
reservaria apenas aos juízes que aí exercem funções como titulares.
X – A interpretação do artigo 92.º, n.º 2, do ETAF, efectuada pelo CSTAF e
sufragada pelo acórdão recorrido, sempre salvo o devido respeito, revela‑se
também inadequada através dos efeitos da sua aplicação concreta à situação sub
judice, pois dela resulta uma flagrante injustiça: por um lado, o recorrente,
apesar de ser o candidato a concurso com maior antiguidade na jurisdição
administrativa e fiscal e de ter a mesma nota de mérito que os demais candidatos
que foram graduados (ou seja, ser o candidato que, objectivamente e face aos
índices estipulados na lei, revela maior adequação funcional ao lugar a prover),
nem sequer foi admitido a concurso; por outro lado, o CSTAF, que permitiu que o
recorrente durante sete anos exercesse como juiz auxiliar exactamente as mesmas
funções jurisdicionais que estão confiadas a qualquer outro juiz que preste
serviço como juiz titular num tribunal tributário e ao longo desse tempo lhe deu
tratamento idêntico ao dos seus colegas titulares, recusa‑lhe agora, para
efeitos de concurso à 2.ª instância, esse tratamento, sem que alguma vez o
tivesse alertado de que subscrevia interpretação de tão gravosas consequências
para o recorrente.
XI – Assim, a norma do artigo 92.º, n.º 2, do ETAF, na interpretação que lhe
foi dada pelo CSTAF e no acórdão recorrido, deverá ser tida por
inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo
13.º da CRP.
XII – É que, como decorre do que ficou já dito, inexiste qualquer fundamento
material, razoável e pertinente para a lei distinguir entre juízes titulares e
juízes auxiliares para efeitos de acesso à 2.ª instância. Na verdade, a uns e
outros estão confiadas funções jurisdicionais da mesma natureza e qualidade,
sendo apenas que os primeiros as exercem em lugares existentes no quadro e os
segundos em lugares não previstos no quadro; a nomeação de uns e outros na 1.ª
instância obedece aos mesmos requisitos gerais e especiais; todos estão
sujeitos ao mesmo regime legal. O facto de os primeiros ocuparem um lugar
existente no quadro enquanto os segundos exercem funções em lugares para além do
quadro não é fundamento material, razoável e pertinente para que àqueles se
permita o acesso à 2.ª instância e a estes se recuse essa faculdade.
XIII – O argumento do CSTAF e do acórdão recorrido, de que os juízes
auxiliares, contrariamente ao que sucede com os seus colegas titulares, não se
sujeitaram a concurso para provimento na 1.ª instância, o que, na sua
perspectiva, constituiria o elemento de facto distintivo a justificar, face ao
artigo 92.º, n.º 2, do ETAF, a diversidade de tratamento dada ao recorrente em
relação aos demais candidatos graduados, carece de validade pelos motivos que
ficaram já referidos na conclusão VIII e que aqui se repetem:
– aquele concurso apenas tem efeitos para obtenção de vínculo
tendencialmente definitivo na 1.ª instância, ou seja, para efeitos de colocação
num lugar existente no quadro da 1.ª instância, aí se esgotando o seu âmbito,
que não pode repercutir‑se sucessivamente no acesso às instâncias superiores;
dele não resulta qualquer ganho adicional de adequação ao lugar de juiz do TCA,
que é o que está em causa no concurso de acesso à 2.ª instância e, por isso, não
pode ser desprezado pela norma que fixa as condições de acesso ao concurso;
– em todo o caso, é manifesto que, como reconheceu o CSTAF na resposta que
apresentou no recurso contencioso, o recorrente, juiz de direito que se manteve
em exercício de funções como juiz auxiliar no Tribunal Tributário de 1.ª
Instância de Aveiro cerca de oito anos e que aí obteve duas classificações de
Bom com Distinção (e uma de Muito Bom, já depois da deliberação impugnada),
caso tivesse concorrido (e sobre as razões por que não concorreu, já tudo ficou
dito) a qualquer um dos numerosos concursos para lugares de juiz da 1.ª
instância dos tribunais fiscais aberto nos últimos três anos (à data da
deliberação recorrida), teria sido o nomeado;
– pese embora o que vem de se dizer seja aplicável em relação a qualquer
juiz auxiliar que estivesse nas mesmas condições, não se pode ignorar, sob pena
de fazer da aplicação da Justiça um mero exercício académico, alheado da vida,
que a situação do recorrente é única e, certamente, irrepetível, porque a
manutenção durante mais de sete anos de uma comissão de serviço é
manifestamente contra a natureza desta comissão (que, como disse o CSTAF na
resposta que apresentou no recurso contencioso, é «um instrumento de mobilidade
para acorrer a necessidades temporárias dos serviços») e até contra a lei,
circunstância pela qual o recorrente não pode ser penalizado.”
O CSTAF contra‑alegou, sustentando o improvidente do recurso.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Cumpre, antes de mais, salientar que ao Tribunal
Constitucional, enquanto órgão fiscalizador da constitucionalidade normativa,
não compete apreciar a correcção da interpretação e aplicação do direito
ordinário feito pelas instâncias judiciais intervenientes no litígio de que
emergiu o recurso de constitucionalidade. Aceitando essa interpretação como um
dado, o que ao Tribunal Constitucional cabe é apurar se a mesma se mostra
conforme com os princípios e normas constitucionais invocados.
No presente caso, o recorrente imputa à interpretação normativa
acolhida na decisão recorrida a violação do princípio da igualdade, consagrado
no artigo 13.º da CRP.
No Acórdão n.º 232/2003, o Tribunal Constitucional procedeu a uma
desenvolvida exposição da sua extensa jurisprudência sobre essa temática, em
termos que aqui se dão por reproduzidos e que se podem sintetizar nas seguintes
proposições:
– O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido
pelo artigo 13.º da CRP, que, no seu n.º 1, dispõe, genericamente, terem todos
os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando
o n.º 2, por sua vez, que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado,
prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de
ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou
orientação sexual”;
– Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do
sistema constitucional global, o princípio da igualdade vincula directamente os
poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou
jurisdicional, o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito
fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da atribuição aos preceitos
constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força
jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de
qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as
entidades públicas (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição);
– O princípio postula que se dê tratamento igual a situações de
facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto
desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e
o tratamento igual das situações desiguais);
– O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de
conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de
tratamento, razoável, racional e objectivamente fundadas, sob pena de, assim não
sucedendo, estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do
acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores
constitucionalmente relevantes;
– Perfila‑se, deste modo, o princípio da igualdade como
“princípio negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa
do legislador, sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para,
em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar
diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das
concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado
referencial (tertium comparationis): a diferença pode, na verdade, justificar o
tratamento desigual, eliminado o arbítrio;
– O princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal
e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação
igual de direito igual, o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da
“diferença” de modo a que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em
situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras
da diferenciação;
– O n.º 2 do artigo 13.º da CRP enumera uma série de factores que
actuam como que presuntivamente – presunção de diferenciação normativa
envolvendo violação do princípio da igualdade –, mas que são enunciados a
título meramente exemplificativo; a intenção discriminatória não opera, porém,
automaticamente, tornando‑se necessário integrar a aferição
jurídico-constitucional da diferença nos parâmetros finalístico, de
razoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade.
2.2. Recordados estes critérios, cumpre apurar se a interpretação
normativa acolhida no acórdão recorrido (independentemente de ser a mais
correcta) assenta em algum fundamento razoável ou se, pelo contrário, surge como
arbitrária, desadequada ou desnecessária e, como tal, constitucionalmente
insolvente.
O artigo 85.º, n.º 1, alínea a), do ETAF de 1984 previa que os
juízes dos tribunais administrativos de círculo, dos tribunais tributários de
1.ª instância e dos tribunais fiscais aduaneiros fossem recrutados de entre
juízes de direito com, pelo menos, 5 anos de serviço na magistratura (esta
exigência foi eliminada na redacção dada ao preceito pela Lei n.º 4/86, de 21 de
Março) e classificação não inferior a Bom, seleccionados e graduados mediante
apreciação curricular e discussão de, pelo menos, um trabalho do candidato
sobre a matéria de direito administrativo ou tributário com relevância para o
respectivo contencioso [A alínea b) desse preceito previa como outra fonte de
recrutamento os licenciados em Direito que tivessem frequentado, com
aproveitamento, cursos e estágios de formação para juízes dos tribunais
administrativos e fiscais no âmbito do Centro de Estudos Judiciários, mas estes
cursos ou estágios nunca foram organizados].
Por seu turno, o artigo 96.º, n.º 1, previa, como regime de
provimento dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais oriundos da
magistratura judicial o provimento a título definitivo e o exercício do cargo em
comissão permanente de serviço. Esta última modalidade, específica da
jurisdição administrativa, caracterizava‑se pela sua duração indeterminada (em
contraste com as comissões ordinárias e eventuais de serviço, que, nos termos do
artigo 57.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho – Estatuto dos Magistrados
Judiciais (EMJ) – tinham a duração máxima de três anos e de 180 dias [alargado
para um ano pela redacção dada pela Lei n.º 143/99, de 31 de Agosto],
respectivamente); na verdade, a comissão permanente de serviço só findava a
requerimento do interessado, ou por razão disciplinar, ou por promoção, na
carreira da magistratura judicial, a categoria superior à detida no tribunal
administrativo ou fiscal onde exerciam funções (n.º 4 do artigo 96.º).
A par destas formas normais de provimento, o artigo 108.º do
ETAF, inserido no título das Disposições finais e transitórias, permitia a
nomeação como juízes auxiliares, em comissão ordinária de serviço, dos que
reunissem os requisitos gerais e especiais exigidos para o concurso. Tratava‑se
de uma nomeação por escolha, da competência do CSTAF, sem precedência de
concurso curricular nem exigência de apresentação de trabalho da autoria do
candidato sobre tema de direito administrativo ou tributário com relevância para
o respectivo contencioso, e que era feita segundo o regime da comissão
ordinária de serviço, isto é, com a duração máxima de três anos (artigo 57.º,
n.º 1, do EMJ).
Neste contexto, a questão que se coloca no presente recurso é a
de saber se a interpretação da norma do artigo 92.º, n.º 2, do ETAF – que
reserva o concurso curricular para provimento como juiz do Tribunal Central
Administrativo aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais com mais de 5
anos de serviço neles e classificação superior a Bom – no sentido de abranger
apenas os juízes desses tribunais com provimento definitivo ou em comissão
permanente de serviço, excluindo os juízes auxiliares, envolve a adopção de um
critério arbitrário, destituído de fundamento razoável, ou se, pelo contrário,
se pode considerar como constitucionalmente admissível dentro do âmbito de
liberdade de conformação do legislador.
É este segundo termo da alternativa – adiante‑se desde já – o que
se considera mais correcto.
Desde logo, não são estatutariamente idênticas as situações dos
juízes de provimento definitivo (a que se equiparam os providos em comissão
permanente de serviço) e dos juízes auxiliares. Como a entidade recorrida
demonstra e o recorrente não contesta, só aqueles, e não estes, tinham
capacidade eleitoral passiva para o CSTAF (artigo 99.º, n.º 1, alíneas e) e f)),
podiam ser nomeados presidentes dos respectivos tribunais (artigo 91.º) e
podiam ser transferidos nos termos do artigo 83.º, todos do ETAF.
E mesmo que se admita que esses aspectos estatutários são menos
relevantes para o caso ora em apreço, já que o que interessaria para efeitos de
aquilatar da capacidade profissional para exercer funções na 2.ª instância seria
tão‑só a duração e a classificação do exercício da função jurisdicional nos
tribunais administrativos e fiscais de 1.ª instância, independentemente do
regime do respectivo provimento, o certo é que restam ainda dois tipos de
considerações que impedem que se tenha por desrazoável e arbitrária a solução
adoptada. Por um lado, os juízes providos definitivamente ou em comissão
permanente de serviço sujeitaram‑se a um concurso curricular, com aceitação das
eventuais consequências daí decorrentes, prova a que os juízes auxiliares se não
submeteram, assentando o reconhecimento do seu mérito profissional apenas em
classificações de serviço, baseadas em inspecções que, ao tempo, não eram
efectuadas por um corpo de inspectores (como na magistratura judicial), mas por
inspectores ad hoc (artigo 100.º do ETAF), com o inerente risco de oscilação de
critérios classificativos. E, depois, é razoável que se haja entendido que o
legislador, justamente preocupado com a instabilidade dos quadros de juízes da
jurisdição administrativa e fiscal, recrutados predominantemente entre os
magistrados judiciais, tenha privilegiado, no acesso a juiz do Tribunal Central
Administrativo, aqueles que, para provimento nos tribunais de 1.ª instância,
tenham optado por formas mais estáveis de ligação a essa jurisdição – o
provimento definitivo ou em comissão permanente de serviço –, em detrimento dos
que preferiram formas mais precárias (comissão ordinária de serviço).
O próprio recorrente reconhece que a sua situação é anómala,
tendo permanecido durante sete anos em situação que não deveria ter excedido
três anos, e que foi ele que optou por nunca se apresentar aos diversos
concursos curriculares que foram abertos para provimento de lugares de juiz dos
tribunais tributários de 1.ª instância e que, se o tivesse feito, estaria em
condições de ser admitido ao concurso para juiz do Tribunal Central
Administrativo.
A “injustiça” da situação, por terem sido admitidos a esse
concurso juízes com idêntica classificação e menos tempo de serviço na
jurisdição administrativa e fiscal, deriva, assim, em último termo, de uma opção
do próprio recorrente, não podendo ser assacada a um critério legislativo, que,
pelas razões expostas, não se pode considerar arbitrário, desrazoável ou
irracional.
Improcede, assim, a alegada violação do princípio da igualdade.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 92.º, n.º 2, do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto‑Lei n.º 129/84, de 27
de Abril), interpretado no sentido de que só os juízes dos tribunais
administrativos e fiscais com provimento definitivo ou em comissão permanente de
serviço, e já não os juízes auxiliares, providos em comissão ordinária de
serviço, se podem candidatar ao concurso curricular para nomeação como juízes do
Tribunal Central Administrativo; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido,
na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 15
(quinze) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2005
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos