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Processo nº 327/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que figuram como recorrente A., e como recorridos o Ministério Público e B., tendo em conta a EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 251 e seguintes, e considerando que o recorrente não suscitou durante o processo a inconstitucionalidade do artigo 40º do Código de Processo Penal, única que pretende ver apreciada; e ainda que o tivesse feito, a inconstitucionalidade, a existir, residiria não nesse artigo 40º, mas nos artigos 119º e 120º do mesmo Código, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em oito unidades de conta. Lisboa, 15 de Outubro de 1997 Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida
Processo nº 327/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17 de Abril de 1997, que 'julgando por não provido o recurso do arguido' (o ora recorrente), manteve, no que aqui importa, a sua condenação 'pelo crime do artº 143º, nº 1, do C. Penal de 1995, na pena de nove meses de prisão (...)', invocando no respectivo requerimento que 'o recurso é interposto ao abrigo do disposto no artº 70º nº 1 al. b) da Lei do Tribunal Constitucional e que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é o artº 40º do Código de Processo Penal aprovado pelo D.L. nº
78/87 de 17-2, na medida em que permite, o que aconteceu no caso concreto, que o Meretíssimo Juiz que, não presidindo ao debate instrutório, formula todavia a decisão instrutória de pronúncia do arguido venha presidir ao julgamento desse mesmo arguido no mesmo processo', por violação do 'princípio Acusatório ínsito no artº 32º, nº 5, 1ª parte da Constituição'.
2. A história do caso versado nestes autos pode assim relatar-se:
Após queixa-crime feita por B. contra A. (o ora recorrente), identificados nos autos, veio o Ministério Público, no fim do inquérito, a arquivar o processo, por entender não haver indícios suficientes para contra o A. deduzir acusação.
De idêntica opinião foi o juiz de instrução que, após finda esta, também se absteve de o pronunciar.
Interposto recurso desta decisão pelo queixoso e assistente B., para o Tribunal da Relação de Coimbra, veio esta a dar provimento ao mesmo, ordenando que se pronunciasse o A., por um crime de ofensas corporais, por considerar, atentando na prova recolhida, haver fortes indícios de o arguido ter praticado tal crime (acórdão de 31 de Maio de 1995).
Realizado o julgamento, foi o dito A. condenado pela infracção criminal por que se encontrava pronunciado ('como autor material do crime de ofensas à integridade física, p. e p. no artº 143º nº 1 do C.P. 1995
(regime mais favorável do artº 144º nº 2 do C. Penal de 1982), na pena de nove meses de prisão').
Inconformado com a sentença, dela interpôs o arguido recurso para aquela Relação, com a invocação de, entre outras razões, o juiz do julgamento ter sido quem elaborou também o despacho de pronúncia e, como tal, ter acumulado funções e actos constitucionalmente proibidos.
Com efeito, segundo o recorrente, a 'decisão instrutória ou despacho de pronúncia foi proferida (...) 'com base na prova indiciária recolhida nos autos', ou seja (...)' o meretíssimo Juiz 'debruçou-se sobre todas as provas recolhidas no inquérito e instrução e formulou sobre elas um juízo que explanou na decisão de pronúncia'.
Lê-se ainda nas respectivas alegações exibidas perante o tribunal de relação:
'Presidiu, nesse sentido, à instrução em geral, e ao debate instrutório em particular, visto o mesmo em sentido amplo de debate contraditório e decisão imediata, conforme resulta dos artºs 301º, 302º e 307º, todos do C. P. P ., visto o processo na sua tramitação normal.
Presidiu-o, verdadeiramente, no sentido material em que o encara o artº 40º do C.P.P., pelo conhecimento que teve de todas as provas recolhidas ao longo do processo e pela formulação do seu Juízo sobre as mesmas, vertido na douta decisão de pronúncia, que mais não é do que a acusação formal do arguido.
Como tal, encontrava-se o meretíssimo Juiz 'a quo' impedido de intervir no julgamento, quer porque presidiu ao debate instrutório no mesmo processo, nos termos expostos, quer porque, no fundo, é no julgamento chamado a pronunciar-se, de novo, sobre uma decisão por si já proferida e decidida em determinado sentido.'
Ora, segundo o recorrente, a estrutura acusatória do processo criminal impõe que a acusação e o julgamento provenham de órgãos distintos, em obediência ao princípio plasmado no artigo 32º da Constituição que, na sua expressão máxima, proíbe essa acumulação.
E conclui o recorrente, afirmando que o artigo 41º do C. P. Penal comina de nulidade os actos praticados por juiz impedido, nulidade que, ainda segundo o recorrente, seria insanável, requerendo, por isso 'se declare nula a audiência de julgamento e a douta sentença sob recurso'.
No acórdão recorrido, julgou-se não provido o recurso do arguido, nesta parte, com o fundamento de que, 'apesar do conteúdo restritivo do artº 40º do C.P. Penal, o Juiz que proferiu o despacho de pronúncia não podia efectuar o julgamento dos autos, pelo que este (...) seria nulo'.
Contudo, não deixa de fazer-se notar que tal nulidade
'não é das que estão taxativamente enumerados quer no artº 119º quer no artº
120º, do C.P. Penal'.
Por tal razão, devia tal nulidade não só ser arguida, como o devia ser no prazo previsto no artigo 120º, uma vez que se tratou de acto a que o interessado assistiu (o arguido esteve presente no julgamento antes que o acto estivesse terminado (artigo 120º, nº 3, al. a) do Código de Processo Penal)).
Não se tratando, assim, de nulidade considerada insanável e, por isso, que devesse ser declarada em qualquer fase do procedimento (cfr. artigo 119º do C.P.Penal), nos termos dos referidos preceitos legais devia a mesma, por não arguida em tempo, ser considerada sanada.
Diz o acórdão:
'Ora, o arguido não esteve presente ao primeiro adiamento, realizado já pelo juiz que veio a presidir ao julgamento (folhas 147) mas já estava presente no início do julgamento (folhas 153) e nele sempre esteve, durante as várias sessões, nunca tendo arguido tal nulidade. A sentença foi lida em 2-7-96 (folhas
188) e só, com o recurso dela em 16-9-96, é que veio levantar a questão. Tarde demais'.
3. O artigo 40º do C. P. Penal, que tem por epígrafe
'Impedimento por participação em processo', estabelece:
'Nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido'.
Por sua vez, o artigo 41º do mesmo Código, depois de estabelecer, no seu nº 1, que o juiz deve proceder à declaração do seu impedimento, caso se encontre nessa situação atento o disposto nos artigos anteriores, estipula no seu nº 3:
'Os actos praticados por juiz impedido são nulos, salvo se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta
prejuízo para a justiça da decisão do processo'.
Esta nulidade não está incluída na enumeração taxativa do artigo 120º, pelo que está dependente de arguição dos interessados, segundo o regime do artigo 121º.
O artigo 120º, nº 1, estabelece o regime a que estão submetidas as nulidades sanáveis, ou dependentes de arguição:
'Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte'.
O seu nº 2 enuncia quais as nulidades que se encontram dependentes de arguição, aludindo ainda às que forem cominadas noutras disposições legais. Nestas se inclui a prevista no artigo 41º, nº 3, do C.P.Penal (cfr. José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal Anotado, em anotação àquele nº 2)
As nulidades referidas nos números anteriores, segundo o nº 3 do mesmo artigo, devem ser arguidas:
'a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;
b) ....
c) ....
d) ....'
De todo o exposto resulta que, para que o tribunal possa conhecer deste tipo de nulidades (taxativamente enumeradas no nº 2 deste artigo ou em qualquer outra disposição especial da lei processual penal), terão elas de ser arguidas pelos interessados na anulação, nos termos deste artigo ou do artigo 121º (que para o caso não interessa), contrariamente ao que sucede com as nulidades designadas por absolutas e que são de conhecimento oficioso, podendo ser arguidas independentemente do requisito do interesse e, em princípio, pode isso acontecer em qualquer fase do procedimento.
Ora, se as nulidades designadas como relativas não forem arguidas por quem é interessado, nos termos expostos, devem considerar-se sanadas, ficando o acto válido.
A violação ou inobservância do disposto no artigo 40º do C.P.P., a existir, acarretaria uma invalidade respeitante ao próprio acto do julgamento.
Estando o arguido (interessado e ora recorrente) presente no acto, 'tem de deduzir a excepção antes que a realização de tal acto seja dada por finda. Se o não fizer nesse lapso de tempo, fica-lhe precludida a possibilidade de o fazer mais tarde. O acto processual em questão pode ser a audiência' (José Carlos Pimenta, ob. cit., anotação ao nº 3 do artigo 12º).
Ora, como se viu, o arguido esteve presente no acto de julgamento e era até ao final da sua realização que deveria ter suscitado o incidente do impedimento, com base no artigo 40º do C. P. Penal (idênticas situações ocorreram nos processos nº 674/92 e 360/94, do Tribunal Constitucional que deram origem, respectivamente, aos acórdãos nºs 935/96 e 114/ /95, publicados, também respectivamente, no Diário da República, II Série, nº 286, de
11 de Dezembro de 1996 e nº 95, de 22 de Abril de 1995).
Caso o tivesse feito na altura, e a sua pretensão fosse denegada, bem poderia então suscitar a inconstitucionalidade da norma com o fundamento por que o fez.
Como bem se refere no acórdão recorrido, fazendo-o só com o recurso da decisão, tornou-se tarde demais, pelo que a nulidade (a existir) deve considerar-se sanada.
Ora, qualquer que fosse o juízo de
(in)constitucionalidade a proferir nos presentes autos, ele não teria qualquer relevo sobre a situação concreta de que emerge o presente recurso.
Na verdade, na posição em que se colocou o acórdão recorrido e apesar de feita a análise da matéria da nulidade em causa, - mesmo
'à luz da lei constitucional' -, sempre se chegaria à conclusão de que o recorrente agiu tarde demais, estando sanada tal nulidade.
Para se chegar aí não se mostrava indispensável analisar qualquer questão de inconstitucionalidade, à roda do questionado artigo 40º, tal como, pelo menos, implicitamente, acabou por se fazer no acórdão recorrido. O tribunal de relação, postando-se perante o artigo 32º da Constituição, e o sentido que dele se extrai, e depois de se interrogar, face ao que 'se passa no caso dos autos', sobre se 'estarão verificadas as condições constitucionais da função de julgar por parte da pessoa que pronunciou' deu a seguinte resposta:
'julgamos que não' (e acrescentou-se ainda: 'A pronúncia, apesar das circunstâncias em que foi proferida, foi um acto de instrução, em que se teve de, pelo menos, seleccionar factos resultantes daquela. Tal apreciação sempre é susceptível de 'convencer' quem a proferiu e é susceptível de fazer crer que quem a proferiu já formou a sua convicção').
Ora, no âmbito do recurso de constitucionalidade, que tem uma função instrumental, só interessa o juízo positivo ou negativo em matéria de constitucionalidade que funciona como ratio decidendi da decisão (cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional nº 196/97, com indicação de outros arestos).
Se, como é o presente caso, a interpretação e aplicação daquela norma do artigo 40º só faz parte dessa ratio decidendi da decisão, por se ligar à matéria das nulidades, mas sempre lograria efeito o reconhecimento da sanação da nulidade em causa, é pura questão académica conhecer da questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente. Pois que sempre o tribunal tiraria a mesma conclusão de que tal nulidade 'tem de considerar-se sanada' e isto é um ponto que escapa ao controlo deste Tribunal Constitucional.
Daí que não haja interesse jurídico relevante na apreciação e decisão daquela questão, pois no final de contas, acaba por não ter projecção determinante no julgado.
Por tudo isto, aponta-se no sentido de que não se deve tomar conhecimento do presente recurso.
4. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85//89, de 7 de Setembro.