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Processo n.º 106/05
3.ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho de 13 de Janeiro de 2005, do Relator do processo n.º 385/04-7 do Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 14 de Outubro de 2004, por não ter sido suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade.
Nesse acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento a agravo interposto de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmara a sentença mediante a qual o Tribunal Judicial de Almada, em acção intentada pela ora reclamante, absolvera a ré B. da instância, por procedência da excepção do caso julgado.
2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu nos seguintes termos:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento, já que se não mostra delineado, em termos inteligíveis, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso interposto: na verdade, nem sequer no requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta logrou a reclamante identificar e especificar qual a interpretação normativa dos preceitos legais referenciados que considerava ter sido aplicada efectivamente pelo acórdão recorrido.”
3. Para decisão da reclamação interessa considerar as ocorrências processuais seguintes:
a) A reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, julgando verificada a excepção do caso julgado, absolvera a ré B. da instância;
b) Por acórdão de 14 de Outubro de 2004 (fls. 813-819), que se considera reproduzido, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso;
c) A reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional com requerimento do seguinte teor:
“Tendo sido notificada, por carta registada de 15,10.04, do ACÓRDÃO proferido em
14.10.04, a fls. , que negou provimento ao recurso, confirmando na íntegra a deliberação recorrida/ o Acórdão do TR Lx de 8.5.03, de fls. , Mas não se conformando com o referido Aresto, que não pode contrariar e revogar o douto Acórdão do STJ de 25.11.98, de fls. 450-466, transitado em julgado, pelo que o Aresto ora recorrido constitui um Acórdão surpresa, com interpretações ilegais e mirabolantes, uma vez que a recorrente teoricamente tem razão, mas em termos práticos já não tem, - e andamos nisto há mais de 13 anos!!! Vem do mesmo recorrer para o Venerando Tribunal Constitucional de Lisboa, porque o mais Alto Tribunal do País não pode hoje desdizer de forma tão surpreendente e radical o que ontem disse em sentido contrário!!! A verdade confrangedora é que, passados maios de 13 anos, o Tribunal ainda não conseguiu indemnizar, nem por um processo, nem por outro !!!
É uma realidade muito triste e dura para esta família pobre!!! Esta situação calamitosa da Justiça está boa para quem recebe vencimentos do ESTADO e, assim, vive deste sistema paralisado e completamente caduco!!! Para alguns cidadãos, quanto pior for o regime judicial, tanto melhor correm os seus interesses pessoais!!! Os outros vão sofrendo!!! Requer a admissão do referido recurso.”
d) Convidada a fazer as indicações exigidas pelo n.º 5 do artigo
75.º-A da LTC, a reclamante respondeu nos termos do requerimento de fls.
828-834, do qual se destaca:
“(...) A ora recorrente já explicitou qual a interpretação atribuída na decisão recorrida às normas dos arts. 288º/1, 493º/2, 494º/i/ e 495º do CPC que considerava inconstitucional e que pretendia que o Tribunal Constitucional apreciasse, porque violavam expressamente as normas dos artºs. 497.º/1/2/ e
675.º do CPC, contrariando e revogando o douto Acórdão do STJ Lx de 25.11.98, de fls. 450-466, transitado em julgado. Assim, a recorrente já identificou o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
(...) II. Disposição legal em que se funda para interpor o presnete recurso de constitucionalidade.
2. O recurso é interposto com base nas alíneas b e f do n.º 1 do art.º 70.º da LTC, bem como no facto de se tratar de uma decisão surpresa meramente adjectiva e formal, tão ao gosto dos nossos Tribunais. III. As normas/determinados sentidos das normas, cuja inconstitucionalidade/ilegalidade se pretende que o TC aprecie.
3. Nas alegações/conclusões de recurso apresentadas em 6.10.03, de fls. , a recorrente já questionou a conformidade constitucional/legal de normas contidas no CPC, quando interpretadas no sentido referido, em termos que identificam claramente o objecto do recurso, de forma que neste aspecto nada há a completar, passando a repetir-se que o Aresto de 14.10.04 não pode contrariar e revogar o Acórdão do STJ de 25.11.98., de fls. 450-466, transitado em julgado. Estão explicitadas: a. quais as normas que a recorrente já submeteu à apreciação do Tribunal Constitucional; e b. qual o sentido que, na decisão recorrida do STJ de Lx foi atribuída a tais normas, que considera ilegal/inconstitucional; e c. A violação das normas dos n.ºs 4 e 5 do art.º 20.º da Constituição são flagrantes: passados mais de 13 anos deparamos com o Acórdão surpresa do STJ Lx de 14.10.04, de fls .!!!”
(...) IV. As peças processuais em que a questão constitucional foi suscitada
5. As inconstitucionalidades/ilegalidades foram suscitadas e ajuizadas nas seguintes peças: a. Nas alegações da recorrente apresentadas em Juízo em 6.10.03, a fls. , designadamente nos pontos 5 e 6 / Conclusões: primeira, segunda, quarta, quinta e sétima. b. No acórdão do STJ Lx de 14.10.04, de fls. .”
e) Seguidamente foi proferido o despacho reclamado, do seguinte teor:
“Porque a questão de constitucionalidade não foi suscitada no decurso do processo, por forma a que este STJ estivesse obrigado a dele conhecer no acórdão de fls. 812 a 819, não se admite o recurso – que não é admissível, por força do que dispõe o n.º 2 do art.º 72 da LT Constitucional. Notifique.”
4. A recorrente esclareceu pretender recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo do preceituado nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC. O recurso não foi admitido com fundamento no n.º 2 do artigo 72.º da mesma Lei que estabelece que os recursos previstos nos referidos preceitos
“só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Para contrariar o fundamento de não admissão do recurso destacado pelo despacho em apreciação, a reclamante limita-se a dizer que suscitou “as inconstitucionalidades/ilegalidades” nas “alegações/conclusões de recurso apresentadas em 6.10.03”, ou seja no recurso que interpôs do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça. Ora, esta afirmação não é verdadeira, porque o que nessa peça se alega respeita apenas à interpretação e aplicação do direito ordinário face às circunstâncias do processo, como as seguintes conclusões imediatamente revelam (fls. 797 ss.) :
“Primeira As referidas acções ordinárias têm causas de pedir e pedidos distintos e autónomos, como está definido, com trânsito em julgado, no Acórdão do Venerando STJ Lx de 25.11.98, de fls. 450.-466 (Artº 675.º do CPC). Segunda Não há identidade de questões e de pedidos.
Terceira Por isso, é evidente que a pretensão da acção indemnizatória pode proceder e deve proceder. Quarta Deste modo, a 1ª Instância ainda não apreciou a questão do pedido de indemnização, conforme determinado pelo Acórdão do STJ de 25.11.98 de fls.
450-466 e o Tribunal da Relação de Lisboa descuidou-se com a exegese das normas dos artºs. 497.º/1/2 e 675.º do CPC, interpretando esses dispositivos legais em termos que lhe estão expressamente proibidos, face ao trânsito em julgado do referido Acórdão do STJ. Quinta E as questões das duas acções são completamente autónomas. Sexta A questão prévia não obteve pronúncia, mas devia ter sido apreciada, o que constitui causa de nulidade do Acórdão (art.º 668.º/1/d/ do CPC). Sétima O Acórdão recorrido aplicou erradamente a este caso, o disposto nos artº.s
288.º/1/e)/, 493.º/2), 494.º/i) e 495.º do Código de Processo Civil, violando expressamente as normas dos artºs. 497.º/1/2 e 675.º do CPC, o que constitui a nulidade prevista no art.º 668.º/1/c/ do CPC, que, descuidadamente, pretendeu contrariar e revogar o douto Acórdão do STJ Lx. de 25.11.98, de fls. 450-466, transitado em julgado, não podendo impor à recorrente que argumente mais e melhor quanto à “não repetição de uma causa”.”
É manifesto, por um lado, que a recorrente não censurou o acórdão da Relação por ter feito aplicação de qualquer norma com um sentido que viole normas ou princípios constitucionais. O que sustentou perante o Supremo Tribunal de Justiça foi, apenas, que as instâncias aplicaram erradamente ao caso os artigos 288.º, n.º 1, alínea e), 493.º, n.º 2, 494.º, alínea i) e 495.º do Código Civil e violaram expressamente as normas dos artigos 497.º, n.ºs 1 e 2 e
675.º do mesmo Código. Não há nisto a colocação de qualquer questão de constitucionalidade normativa, pelo que o recurso não pode ser admitido ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
E, por outro, também é óbvio que a “aplicação errada” de certas normas do Código de Processo Civil ou a “violação expressa” de outras normas do mesmo Código não preenche qualquer das hipóteses das alíneas c), d) e e) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC, pelo que também não podia ser admitido recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alínea f) do mesmo preceito que para elas remete.
Assim, são inteiramente exactos os pressupostos do despacho reclamado, bem se tendo decidido ao não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional.
Acrescentar-se-á, somente porque a reclamante ” – embora sem retirar daí qualquer argumento em sede de reclamação –, qualifica o acórdão de que pretende recorrer como um “Acórdão surpresa”, que também não se verifica um daqueles casos excepcionais em que a jurisprudência deste Tribunal tem considerado não ser exigível a prévia colocação da questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a não aceitar que tivesse havido violação das normas em que a recorrente fundava o agravo, confirmando, por isso, a decisão das instâncias. Se a recorrente entendia que o entendimento que tinha prevalecido no acórdão da Relação – não constituir a decisão intercalar de improcedência da excepção de litispendência obstáculo a que na decisão final se julgue procedente a excepção de caso julgado com fundamento na decisão entretanto proferida no processo relativamente ao qual anteriormente se considerou inexistir litispendência –, e que veio a ser confirmado, violava normas ou princípios constitucionais (ou lei de valor reforçado) deveria ter colocado perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão de desaplicação das normas em que tal entendimento se fundara e que agora quer submeter a apreciação em recurso para o Tribunal Constitucional.
Tanto basta para que se confirme o despacho que não admitiu o recurso.
5. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenar a reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, sem prejuízo do regime de apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2005
Vítor Gomes Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Artur Maurício