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Procº nº 597/97 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. Por despacho de 24 de Outubro de 1997, a Mmª Juíza do Tribunal Judicial da Comarca da Lousã convidou, nos termos do artigo 20º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 26 de Setembro (redacção da Lei nº 14-B/85, de 10 de Julho), o mandatário da CDU - Coligação Democrática Unitária para as eleições autárquicas no município de Miranda do Corvo a suprir algumas irregularidades por si detectadas nas listas apresentadas à eleição das Assembleias de Freguesia de Lamas, Miranda do Corvo, Rio de Vide, Semide e Vila Nova, do município de Miranda do Corvo, e, bem assim, a 'juntar cópia do bilhete de identidade de todos os candidatos, a fim de se poder aferir da autenticidade das declarações por eles apresentadas', chamando-se 'à atenção para a necessidade de se certificar previamente se as assinaturas coincidem com as que constam daquele documento de identificação'.
2. Notificado daquele despacho no dia 25 de Outubro de 1997, veio o mandatário da CDU para as eleições autárquicas no município de Miranda do Corvo, através de requerimento com data de 28 de Outubro de 1997, suprir as irregularidades apontadas às listas de candidatura daquela coligação e juntar cópias dos bilhetes de identidade de alguns candidatos à eleição dos órgãos autárquicos do município de Miranda do Corvo.
3. Por despacho de 29 de Outubro de 1997, a Mmª Juíza decidiu, na parte que agora importa, o seguinte:
'Considero sanadas as irregularidades apontadas às listas de candidatura da CDU.
Todavia, a junção tardia das cópias dos bilhetes de identidade só agora permitiu constatar que não é possível considerar autênticas as declarações de aceitação de candidatura e de ausência de incapacidades dos candidatos A.
(Câmara Municipal e Assembleia de Freguesia de Semide), B. (Assembleia de Freguesia de Semide) e C. (Rio de Vide).
De acordo com o nº 2 do artigo 21º do DL 701-B/76, o mandatário deveria ser notificado para proceder à substituição do candidato, todavia tal prazo terminou em 28/10, uma vez que a lei pressupõe que o processo seja entregue completo ao juiz para verificação da autenticidade dos documentos.
Não sendo possível a substituição naqueles termos, repita-se, pelo decurso do prazo, o lugar daqueles será ocupado pelo primeiro suplente da lista que preencha os requisitos legais.
Notifique e proceda às rectificações (art. 21º/4)'.
4. Daquele despacho reclamou o mandatário da CDU para a Mmª Juíza do Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, nos termos do nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 701-B/76, na redacção da Lei nº 144-B/85.
Nessa reclamação, refere aquele mandatário:
'1- Do despacho não consta fundamento de impossibilidade de considerar autênticas as declarações de aceitação de candidatura e de ausência de incapacidade dos candidatos A. (Câmara Municipal e Assembleia de Freguesia de Semide), B. (Assembleia de Freguesia de Semide) e C. (Rio de Vide).
2- Admitindo, por mera suposição, que tal resulta do facto de as assinaturas não serem exactamente iguais às que constam no Bilhete de Identidade, o que é normal, não pode a CDU ser prejudicada por não ter sido atempadamente notificada para suprir qualquer eventual irregularidade.
3- Não podendo, agora, o Tribunal rejeitar aqueles candidatos.
4- É que a rejeição dos mesmos pressupõe que sejam inelegíveis, o que é bem diferente de o Meritíssimo Juiz considerar, se é que considera, que as assinaturas de aceitação de candidatura não são bem iguais às dos respectivos Bilhetes de Identidade.
5- Os candidatos são elegíveis e nem o mandatário nem os candidatos foram notificados para suprir qualquer irregularidade. Assim:
6- Se alguma dúvida existisse, quanto à autenticidade das assinaturas, deveria o Meritíssimo Juiz ordenar a notificação que tivesse por conveniente, com vista à prova da autenticidade das mesmas.
7- Mas não pode rejeitar os candidatos.
8- Por mera cautela, junto novas declarações de aceitação da candidatura dos candidatos em causa.
Termos em que requer a V. Exª. se digne ordenar a notificação do mandatário ou dos candidatos para fazerem prova de autenticidade das assinaturas'.
5. Sobre esta reclamação proferiu a Mmª Juíza o seguinte despacho, o qual tem a data de 4 de Novembro de 1997:
'Nos termos do artigo 19º do DL 701-B/76 de 29/9 findo o prazo para a apresentação das listas, o juiz verifica até ao 50º dia anterior ao da eleição a regularidade do processo, a autenticidade dos documentos que o integram e a ilegibilidade dos candidatos.
Detectada a irregularidade processual o mandatário é notificado para as suprir em três dias.
Ao contrário do que afirma o Sr. Mandatário da CDU ocorreu a notificação da irregularidade apontada.
Por considerar essencial à apreciação de autenticidade das declarações apresentadas pelos candidatos determinou-se a junção das respectivas cópias dos bilhetes de identidade chamando-se a atenção do senhor mandatário para a necessidade de se certificar da coincidência das assinaturas.
Esta chamada de atenção tinha em vista, justamente, obviar ao que agora se suscita.
Por isso, a irregularidade em causa não foi sanada em tempo próprio.
Sempre se dirá que independentemente da posição tomada em outros tribunais sempre considerei essencial a junção das cópias dos bilhetes de identidade, pois só assim podia cumprir o que a lei determina relativamente à autenticidade dos documentos.
Caso os candidatos tivessem feito reconhecer imediatamente as suas assinaturas no notário a questão não se chegaria a colocar.
Não o tendo feito, repita-se, não teria alternativa à junção das cópias do documento de identificação e a conformidade das assinaturas na medida em que o juiz não conhece (nem tem obrigação de conhecer) os candidatos e não pode partir do pressuposto da autenticidade se não tiver parâmetros de comparação.
Assim, a consequência negativa da não admissão do candidato não pode ser assacada ao tribunal mas ao mandatário que, apesar de alertado pelo despacho e verbalmente na data do sorteio, não cumpriu o que lhe era exigido.
Acresce que os prazos previstos no diploma em questão são peremptórios pelo que havia de recorrer a uma norma que permitisse a substituição dos candidatos, razão pela qual se procedeu à aplicação analógica do preceito relativo às inelegibilidades.
Em conclusão, o prazo para suprir irregularidades terminava em
28/10, pelo que, não sendo prorrogável, não se aceitam as declarações dos candidatos em causa, indeferindo-se o requerimento de fls. 173.
Notifique'.
6. Notificado desta decisão, por carta registada expedida em 4 de Novembro de 1997, dela recorreu o mandatário da CDU para o Tribunal Constitucional, por meio de requerimento entregue no Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, em 6 de Novembro de 1997, ao abrigo do disposto nos artigos
25º, 26º e 27º do Decreto-Lei nº 701-B/76, igualmente na redacção da Lei nº
14-B/85.
O requerimento de interposição do recurso é rematado com as seguintes conclusões:
'O artigo 18º, nº 1 do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro é claro ao determinar que não há necessidade de reconhecimento de assinaturas nas declarações de aceitação de candidatura, ou seja, as assinaturas dos Candidatos, podendo no entanto ser requerido o seu B.I. por parte do juiz que recebe a candidatura em caso de dúvida.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do T.C. nº 220/85, de 27/02/86, publicado no Diário da República, II Série, nº 48 'entre os requisitos formais de apresentação de candidatura não consta a apresentação no processo do próprio B.I. dos Candidatos, bastando a identificação destes' e Acórdão T.C. nº 222/85, de 12/03/86, publicado no Diário da República, II Série, nº 59 'de referir ainda que nada impõe a junção pelos requerentes de fotocópia dos documentos de identificação, competindo aos serviços receptores o controle dos elementos identificativos constantes das listas apresentadas'.
A Meritíssima Juíza entendeu ser necessário 'juntar cópia do B.I. de todos os candidatos a fim de se poder aferir da autenticidade das declarações por eles apresentadas' embora não considerando esta junção como suprimento de alguma irregularidade, conforme consta do auto. A necessidade de se certificar a autenticidade das assinaturas, não compete ao mandatário. Deste modo, a autenticidade é certificada pelo Juiz, uma vez entregues as cópias do B.I's. requeridas. Nessa altura verificada alguma irregularidade caberá ao Juiz, no prazo previsto na Lei Eleitoral, notificar a Candidatura com vista ao seu suprimento.
Deve, pelo exposto, ser revogada a decisão recorrida tornando elegíveis as Candidaturas dos cidadãos em causa'.
Por despacho de 10 de Novembro de 1997, foram os autos remetidos ao Tribunal Constitucional.
7. Tudo visto e ponderado, cumpre decidir.
II - Fundamentos.
8. De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 701-B/76, na versão da Lei nº 14-B/85, 'a apresentação das candidaturas consiste na entrega da lista contendo os nomes e demais elementos de identificação dos candidatos e da declaração por todos assinada, conjunta ou separadamente, de que aceitam a candidatura e ainda da declaração, sob compromisso de honra, ilidível a todo o tempo, de que não se encontram feridos de incapacidade, declaração sem necessidade de reconhecimento notarial'.
Por sua vez, o nº 8 do mesmo artigo estatui que, para efeitos daquele nº 1, entende-se 'por demais elementos de identificação os seguintes: idade, número, arquivo de identificação e data do bilhete de identidade, filiação, profissão, naturalidade e residência'.
Significa isto que o nosso ordenamento jurídico eleitoral das autarquias locais não impõe, como elemento necessário da identificação dos candidatos, a junção de fotocópia do bilhete de identidade, satisfazendo-se com a indicação do número, arquivo de identificação e data do mesmo.
Como decidiu este Tribunal no seu Acórdão nº 220/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Fevereiro de 1986), 'entre os requisitos formais de apresentação de candidaturas (art. 18º do Dec.-Lei 701-B/76) não consta nem a exigência de uma «petição inicial» ou de um requerimento formal, nem a apresentação, no processo, do próprio bilhete de identidade dos candidatos, ou respectiva fotocópia, bastando a indicação deste (sem prejuízo de poder ser exigida a sua exibição)'.
No mesmo sentido, escreveu-se no Acórdão nº 222/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Março de 1986) que '[...] na identificação dos candidatos consta, relativamente a todos eles, a indicação do número dos respectivos bilhetes de identidade, datas de emissão e arquivo emitente, o que só por si satisfaz, neste domínio, as exigências da lei. Com efeito, nada impõe a junção pelos requerentes de fotocópia dos documentos de identificação, competindo aos serviços receptores o controle dos elementos identificativos constantes das listas apresentadas'.
Resulta do exposto que o despacho da Mmª Juíza do Tribunal Judicial da Comarca da Lousã de 24 de Outubro de 1997, ao ordenar a junção de 'cópia do bilhete de identidade de todos os candidatos', é ilegal. E, sendo ele ilegal, também o é, consequencialmente, o despacho de 29 de Outubro de 1997, na medida em que extrai da 'junção tardia das cópias dos bilhetes de identidade' a consequência da rejeição das candidaturas de A., B. e C..
9. No despacho em que a Mmª Juíza rejeitou as candidaturas dos cidadãos acima referidos e ordenou a sua substituição pelos primeiros suplentes da lista que preencham os requisitos legais (despacho de 29 de Outubro), salienta-se que o prazo para suprir 'irregularidades' terminou no dia 28 de Outubro, nos termos do artigo 20º do Decreto-Lei nº 701-B/76, na redacção da Lei nº 14-B/85, 'uma vez que a lei pressupõe que o processo seja entregue completo ao juiz para verificação da autenticidade dos documentos'. Por seu lado, no despacho aqui sob recurso ( o despacho de 4 de Novembro, que decidiu a reclamação), realça-se que 'os prazos previstos no diploma em questão são peremptórios', pelo que 'o prazo para suprir irregularidades terminava em
28/10', não sendo, por isso, prorrogável.
Nos passos transcritos, parece a Mmª Juíza ter em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa à denominada 'cascata' do processo eleitoral, no sentido de que o processo eleitoral, delimitado por uma calendarização rigorosa, não pode ser subvertido mercê de decisões extemporâneas, que, em muitos casos, determinariam a impossibilidade de realização dos actos eleitorais. A principal consequência desta concepção do desenvolvimento 'em cascata' do processo eleitoral é a de que as irregularidades processuais só podem ser supridas, com base na notificação por parte do juiz ao mandatário da lista ou por iniciativa deste, até ao momento em que o juiz decide sobre a admissão ou rejeição das listas (cfr. os Acórdãos nºs.
262/85, 322/85, 527/89, 698/93 e 723/93, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Março de 1986, 16 de Abril de 1986,22 de Março de 1990, 20 de Janeiro de 1994 e 11 de Março de 1994, respectivamente).
Só que, in casu, nunca se poderia invocar a teoria da 'cascata' do processo eleitoral, uma vez que, como se salientou, a falta de junção de fotocópia do bilhete de identidade dos candidatos não constitui qualquer irregularidade processual que careça de ser suprida, com base em notificação do juiz ou por iniciativa do mandatário da lista.
Há, assim, que conceder provimento ao presente recurso.
III - Decisão.
10.Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido;
b) Consequentemente, declarar que os candidatos das listas da CDU - Coligação Democrática Unitária, A., B. e C. são elegíveis, o primeiro para a Câmara Municipal de Miranda do Corvo e Assembleia de Freguesia de Semide, o segundo para a Assembleia de Freguesia de Semide e o terceiro para a Assembleia de Freguesia de Rio de Vide, do município de Miranda do Corvo.
Lisboa, 12 de Novembro de 1997 Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Bravo Serra José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa