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TÍTULO - TÍTULO
SUMÁRIO - SUMÁRIO
Processo nº 863/2005
3ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 3 de Novembro de 2005 o relator lavrou decisão com o
seguinte teor: –
1. Inconformado com o acórdão proferido em 1 de Julho de 2002
pelo tribunal colectivo da 1ª Vara Mista de Coimbra que, no que ora releva, pela
prática de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime de tráfico de
estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21º e 24º do
Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o condenou na pena de dez anos de
prisão, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra o arguido A., tendo
aquele tribunal de 2ª instância, por acórdão de 6 de Novembro de 2002, anulado o
julgamento realizado e actos subsequentes, entre eles o acórdão impugnado.
Na sequência do assim decidido, o indicado tribunal colectivo,
por acórdão de 24 de Fevereiro de 2003, proferiu novo acórdão que, relativamente
àquele arguido, o condenou na pena de dez anos de prisão, o que o motivou a, uma
vez mais, recorrer para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 25
de Junho de 2003, rejeitou o recurso por extemporaneidade.
Tendo, desse aresto, recorrido para o Supremo Tribunal de
Justiça, este Alto Tribunal, por acórdão de 29 de Abril de 2004, determinou que
o Tribunal da Relação de Coimbra viesse a apreciar conjuntamente o recurso
interposto pelo dito arguido e por um outro.
O mencionado tribunal de 2ª instância, por acórdão de 29 de
Setembro de 2004, veio a julgar não provido o recurso do arguido.
De tal acórdão solicitou o arguido esclarecimentos, pretensão que
foi indeferida por acórdão de 9 de Dezembro de 2004.
Do acórdão de 29 de Setembro de 2004 recorreu o arguido para o
Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na motivação adrede produzida, as
seguintes «conclusões»:–
‘1 – A decisão recorrida analisou a matéria de
facto impugnada em termos de mera sindicância da convicção probatória e não em
termos de impugnação de determinada matéria de facto por razões concretas. Isto
é, por falta de prova adequada.
2 – Afinal, há ou não prova e qual sobre a matéria
de facto que o recorrente impugnou?
3 – Temos, pois, um caso de omissão de pronúncia, o
que determina a nulidade do acórdão da Relação, nos termos do artigo 379º, nº 1,
al. c) do CPP, como se decidiu no acórdão supra referido em V, A), 1, o que
desde já prejudica, inclusive, as restantes questões do recurso.
4 – Assim, deve na declaração de tal nulidade, ser
ordenado aos Srs. Juízes Desembargadores que supram tal nulidade.
5 – Por mera cautela e, desde já, se vem arguir a
inconstitucionalidade da interpretação que a decisão recorrida faz da conjugação
do disposto nos artigos 428º, nº 1 e 431º, nº 1, als. a) e b) do CPP, isto é,
considerando que há limites em a Relação conhecer a matéria de facto, quando a
prova está documentada e tal matéria foi impugnada, por tal interpretação violar
o direito ao recurso, consagrado no artigo 32º, nº 1 da CRP.
MAS, SEM PRESCINDIR
6 – A decisão recorrida errou ao ter ratificado a
nulidade do acórdão de 1ª instância por omissão do exame crítico da prova
utilizado no acórdão de 1ª Instância.
7 – Com tal erro de ratificação, violou a decisão
recorrida o artigo 374º, nº 2 do CPP.
8 – A interpretação que a decisão recorrida fez do
artigo 374º, nº 2 do CPP, ao ter entendido que se cumpriu a obrigação de
fundamentação, sem que dos elementos indicados na mesma se possa perceber e
acompanhar o processo de formação da convicção do tribunal, é inconstitucional
por violar o artigo 205º, nº 1 da CRP, inconstitucionalidade que, expressamente,
se vem invocar.
9 – Segundo as conclusões do recorrente, face aos
critérios do artigo 71º do CP e à moldura pena abstracta do crime, se a matéria
de facto se pudesse considerar definitivamente aceite, adequava-se ao recorrente
a pena de 5 anos.
10 – Segundo a decisão recorrida, face ao desvalor
do seu comportamento, merece censura especial o mesmo concretizado numa resposta
punitiva que se mostra adequada com a pena aplicada na 1ª instância.
11 – Como se sabe, a moldura penal abstracta do
crime foi alterada, já após a prola[ ]ção do acórdão de 1ª Instância.
12 – Ainda assim, a decisão recorrida nada disse
sobre tal matéria, e fixou a pena, rigorosamente, na mesma medida da da 1ª
Instância.
13 – Atente-se os critérios do aludido artigo 71º
do CP, se a matéria de facto fosse definitiva, adequava-se ao seu caso a pena de
5 anos.
14 – Violou, por isso, nessa parte, o citado
artigo.
15 – Segundo a decisão recorrida, face à
factualidade provada estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 36º do
DL 15/93 na sua dupla vertente: proveniência e destino.
16 – Ora, ao contrário do que diz a decisão
recorrida, está perfeitamente demonstrado nos autos, através dos documentos de
fls. 848, 849, 896, 897, 1054, 1057 a 1059, 1065 a 1068, a primitiva aquisição
da casa e mesmo toda a evolução da sua propriedade a partir de 3 de Março de
1997, data muito anterior à discussão dos factos nos presentes autos, que
ocorreram a partir do ano de 2000.
17 – Não foi dado como apurado que tais quantias
monetárias tivessem destino proibido.
18 – A ser assim, como é, jamais tais quantias
podem ser declaradas perdidas a favor do Estado.
19 – A decisão recorrida ao ter entendido de outra
forma, violou o artigo 35º do DL 15/93.
20 – Revogando-se a decisão recorrida nos termos
sobreditos, far-se-á justiça.’
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Abril de
2005, rejeitou o recurso por manifesta improcedência.
Nesse aresto foi dito, em dados passos, para o que agora
interessa: –
‘(…)
A primeira censura que o arguido dirige ao acórdão
recorrido, do Tribunal da Relação, respeita ao facto de ali se analisar a
matéria de facto impugnada não em termos da impugnação de determinada matéria de
facto mas em termos de sindicância da convicção probatória, afirmando que a
matéria de facto sob o n.º 6-A se não provou.
Ao Tribunal da Relação só era consentido o reexame
da matéria de facto se a tivesse impugnado nos moldes descritos no art.º 412º
n.ºs 3 e 4, do CPP e, então, modificá-la, nos termos do art.º 431.º b), do CPP,
observando-se, contudo, que o arguido apenas dá observância àqueles normativos
relativamente à declaração de perda das elevadas importâncias pecuniárias
apreendidas no domicílio da arguida Maria da Conceição, companheira do arguido e
à que lhe foi encontrada na sua cela (cfr. fls. 3243, 4.ª a 6.ª linhas e «in
fine’), invocando o depoimento de um inspector da PJ e o segmento da gravação da
prova onde figura, escrevendo-se, no entanto, com eficácia contrária ao
pretendido, no acórdão da Relação, que ‘da análise da transcrição da prova
produzida em julgamento nada resulta a formulação de um juízo valorativo
diferente do assumido pelo tribunal ‘a quo’, designadamente no que tange aos
pontos considerados incorrectamente julgados pelo recorrente.’ – fls. 1468.
De acordo com uma uniforme orientação resulta que o
recorrente não pode limitar-se a uma impugnação genérica e sem precisão dos
factos provados, antes deve especificar os que se mostram incorrectamente
julgados, porque o tribunal não tem poderes adivinhatórios, só o recorrente
sabendo os que, em seu entender, se mostram incorrectamente fixados, exigência
que se destina a assegurar um efectivo recurso em sede de matéria de facto (cfr.
Ac. do STJ, de 26.1.2000, Ano VIII, I, 19, P.º n.º 950/99), concorrendo
decisivamente para assegurar a celeridade processual, numa óptica de leal
cooperação dos sujeitos processuais com os tribunais superiores.
Deve o arguido se intenta validamente arredar a
matéria de facto indicar pontualmente os factos provados, não o devendo, os
meios concretos de prova autorizando solução diversa e o segmento do registo de
prova onde figuram, havendo lugar a transcrição, isto à luz do art.º 412.º n.ºs
3 e 4, do CPP.
O arguido limita-se quanto aos factos – excepção
feita quanto à declaração de perda das importâncias a favor do Estado – a
afirmar a sua falta de prova (Não foi feita nenhuma prova directa sobre tais
factos, diz), não contrapondo outra que imponha decisão diversa, mais não
fazendo do que, ao longo das suas alegações, [ ] discordar do elenco dos factos
provados, sobrepondo a sua convicção à do Colectivo, expressão da discordância
eterna entre a convicção dos julgadores e a dos destinatários das decisões
judiciais, o que não vale por impugnação.
(…)
A Relação, face ao exame de todas as pertinentes
provas, teve o cuidado de frisar a origem e o fim das quantias apreendidas,
estando fora do âmbito deste STJ sindicar esse acervo factual, que tem de
aceitar, sem modificação, como tribunal de revista que é.
A 1.ª instância justificou ampla e suficientemente
– v.g. fls. 43 do acórdão recorrido – a origem ilegal do dinheiro apreendido e
enunciando um processo lógico- racional e credível.
A Relação, a fls. 1469 e verso, reafirmou esse nexo
causal entre a existência do dinheiro na posse da companheira do arguido e a sua
origem ilícita, produto do tráfico, rebatendo a origem das quantias apreendidas
na casa da companheira do arguido numa venda de uma casa cuja aquisição
primitiva não justificou.
Evidenciou a comparticipação daquela no tráfico,
servindo de ‘correio’ no transporte de elevadas somas para o exterior do EP, que
o arguido lhe confiava para desenvolvimento do tráfico, sobrevalorizando o teor
dos documentos aludidos pelo arguido, pessoa envolvida no tráfico desde 1996,
aderindo àquela ligação quanto à fonte daquelas somas pecuniárias.
Não enferma, pois, o acórdão recorrido da nulidade
e inconstitucionalidade invocadas.
*********************************
Quanto à omissão do exame crítico da prova em que
terá incorrido o acórdão de 1.ª instância, ratificado pelo acórdão da 2.ª
instância, enfermando, também da nulidade prevista no art.º 374º. n.º 2, do CPP:
(…)
Dando a palavra à semântica temos que exame
significa análise: a crítica a apreciação do valor ou desvalor das provas na
formação da convicção probatória e que tornam compreensível a decisão e o
processo lógico-mental seguido pelo julgador, em que aquela se alicerça.
O juízo sobre a valoração das provas faz-se a
vários níveis. Num primeiro momento trata-se de avaliar a credibilidade que ao
tribunal merecem os diversos meios de prova e depende substancialmente da
imediação e aqui intervêm elementos nem sempre racionalmente explicáveis. Num
segundo momento referente à avaliação das provas intervêm deduções e induções
que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências
não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção
das regras da experiência e conhecimentos científicos, repudiando o legislador
situações de valoração de prova de forma caprichosa e arbitrária.
O preceito do art.º 374.º n.º 2, do CPP, no aspecto
em que exige aquele exame crítico tem por fonte o art.º 546.º e), do CPP
italiano, ainda em Projecto na data de publicação do CPP de 87, [ ] impõe que o
juiz indique todas as provas a favor ou contra, que constitui a base da decisão
e as razões por que não atendeu às provas contrárias à decisão tomada; ao fim e
ao cabo do que se trata, como remédio contra o arbítrio, é a indicação dos
motivos por que algumas das provas são elegíveis e outras não; a razão por que
algumas das provas merecem fidedignidade e outras não (cfr. Documentação e
Direito Comparado, BMJ n.º 75/76, Ano 1998, 113).
A decisão proferida na 1.ª instância procede a uma
enumeração exaustiva das provas, certamente as que ofereceram maior
fidedignidade ao Colectivo – doutro modo o Colectivo não [a]s acolheria – e que
serviram para fundamentar a decisão recorrida, fundamentação que não exige uma
extensão ‘épica’ de todos os motivos em que o juiz se baseou para exarar uma
dada decisão, sem embargo de dever permitir ao destinatário e ao público em
geral apreender o raciocínio que conduziu o juiz a julgar em dado sentido.
A decisão de 1.ª instância indicou os vários meios
de prova em que se fundou para fundar a sua convicção, de fls. 3188 verso a 3191
verso, dispersos pelas als. a) a j); afirmou a credibilidade que lhe mereceram,
a partir das razões de ciência de que eram portadores, e assim optou por
sentenciar-se em termos de explicitar o processo lógico-racional seguido,
convincente de que se não cedeu ao arbítrio.
A exigência do exame crítico das provas reforça,
assim, a exigência do anterior, no sentido de o julgador, de modo conciso, mas
preciso, enumerar os meios probatórios em que alicerça a sua convicção
probatória, de modo a convencer da justeza do decidido.
(…)’
Do acórdão de que parte se encontra extractada solicitou o
arguido esclarecimento, tendo, no requerimento consubstanciador desse pedido,
rematado do seguinte modo: –
‘1 – Tendo o STJ entendido que o recorrente aquando
do recurso para a 2ª Instância não cumpriu, quanto ao recurso da matéria de
facto, a obrigação que lhe impunha o artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, questão que a
Relação não perspectivou, tendo optado por fazer, exclusivamente a sindicância
da convicção probatória, era ou não dever do STJ determinar à 2ª Instância que
impusesse ao recorrente que corrigisse/completasse as conclusões da motivação do
recurso, conhecendo, depois, do mesmo, sob pena de tal omissão violar o artigo
32º, nº 1 da CRP.
2 – Tinham ou não V. Exas o dever de conhecer da
inconstitucionalidade arguida quanto à interpretação que a Relação fez do artigo
374º, nº 2 do CPP, por violação do artigo 205º nº 1 da CRP, no que concerne à
ratificada omissão do exame crítico da prova.
3 – Tendo havido alteração da moldura abstracta do
crime de estupefacientes, entre a decisão da 1ª e da 2ª instância, e tendo V.
Exas ratificado a medida concreta inicial, tinham ou não de justificar a medida
considerando a moldura abstracta menor.’
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22 de Junho de
2005, indeferiu o pedido de esclarecimento, para tanto dizendo: –
‘(…)
Na pouca clara conclusão do recurso (fls. 1531), sob
o n.º 1, afirma que ‘A decisão recorrida analisou a matéria de facto impugnada
em termos de mera sindicância probatória e não em termos de impugnação de
determinada matéria de facto por razões concretas. Isto é, por falta de prova
adequada.’; na 2.ª conclusão indaga sobre se ‘há ou não prova e qual sobre a
matéria de facto que o recorrente impugnou?’, da 3.ª resulta a invocação
consequente da nulidade de omissão de pronúncia, não resultando, de forma
alguma, que o arguido, pelo seu advogado, tenha suscitado a questão do convite
ao aperfeiçoamento, por omissão sua, das conclusões no aspecto que inobserva o
ónus imposto, de forma clara, nos n.ºs 3 e 4, do art.º 412.º n.º 3, do CPP.
A questão que agora suscita é inteiramente nova,
intempestiva e deslocada, pois não surge inscrita nas conclusões do recurso
interposto da decisão da 2.ª instância, aparecendo, agora e inscrita em sede de
pedido de esclarecimento do acórdão deste STJ. E, por isso, dela se não conheceu
nem conhece.
O acórdão da 1.ª instância procedeu a um exame
crítico das provas, em termos de satisfazer o preceito constitucional invocado,
a Relação teve-o como respeitado e, igualmente, este STJ, pelo que ao sancionar
o decidido pelas instâncias, implicitamente, reconheceu a conformidade
constitucional de fundamentar as decisões judiciais,
A alteração da moldura – punitiva abstracta,
inconsiderada pela Relação, não funciona como causa de automática redução, ‘ope
judicis’, da pena concreta.
Este STJ, alongadamente, explanou a razão da
manutenção da pena, face à extrema gravidade dos factos, pena, ainda assim,
inteiramente suportada pela culpa e prevenção.
(…)’
Notificado deste último aresto, o arguido veio arguir: –
‘1 – A nulidade do acórdão de V. Exas por, no que à
questão do erro de julgamento da matéria de facto diz respeito, pecar por
omissão de pronúncia, já que não ponderou a posição do Tribunal da Relação sobre
o não tomar conhecimento da matéria de facto por lhe faltar a imediação e a
oralidade, deixando, pois, de reponderar a matéria de facto nos termos dos
artigos 412º, nº 3, 428º, nº 1 e 431º, todos do CPP e ter tomado posição sobre
tal matéria invocando um eventual incumprimento do recorrente das obrigações que
lhe impunha o artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, aquando do recurso para a 2ª
Instância, sem que alguma vez o recorrente tenha sido confrontado com tal
virtual lapso.
2 – A inconstitucionalidade do artigo 412º, nº 3 e 4
do CPP, quando interpretado, nos termos em que o foi na decisão de V. Exas, isto
é, no sentido de que, questionando o recorrente o julgamento de determinada
matéria de facto e ponderando a Relação o conhecimento da mesma, exclusivamente
em sede de sindicância da convicção e não em termos de reponderação com o
alcance do determinado nos artigos 412º, nº 3, 428º, nº 1 e 431º, todos do CPP,
pode o STJ alterar a focalização do problema, intrometendo um eventual
incumprimento do artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, sem que, previamente, o
recorrente tenha sido convidado a reparar tal invocado vício, por afrontamento
do artigo 32º, nº 1 da CRP.
3 – A nulidade da decisão de V. Exas por se terem
pronunciado, de modo implícito, sobre a invocada inconstitucionalidade da
interpretação do artigo 374º, nº 2 do CPP, por violação do artigo 205º, nº 1 da
CRP.
4 – A nulidade da decisão de V. Exas por omissão de
pronúncia sobre as hipóteses da medida concreta da pena, quando a medida
abstracta foi diminuída nos extremos, após a decisão de 1ª Instância.
5 – Desde já, por mera cautela, a
inconstitucionalidade do artigo 71º do CP na interpretação assumida na decisão
recorrida, isto é, no sentido de que, tendo sido diminuídos os parâmetros da
medida abstracta, não tem obrigatoriamente de ponderar-se a hipótese[ ] da
medida concreta, para aplicação da mais benévola, por violação do artigo 32º, nº
1 da CRP.’
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 21 de Setembro de
2005, indeferiu o peticionado, tendo, em síntese: –
- entendido, no que tange à circunstância da concreta medida da
pena – ponderando que a alteração legislativa apenas reduziu a moldura abstracta
da pena de prisão para o ilícito em causa em um ano no limite máximo e em quatro
meses no limite mínimo, e tendo em conta a acentuada gravidade do crime e da
culpa do arguido –, que era adequada a pena que lhe foi imposta;
– perfilhado a óptica – no que respeita à pretendida directiva do
Supremo no sentido de o Tribunal da Relação de Coimbra efectuar convite ao
recorrente para cumprir o disposto nos números 3 e 4 do artº 412º do Código de
Processo Penal – segundo a qual, tendo em atenção o facto de aquele impugnante,
no recurso para a Relação, ter, quanto a determinada matéria de facto (a
atinente à perda de dinheiro a favor do Estado), especificado concretamente
determinados pontos que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da tomada
e, quanto à demais matéria, se ter limitado a afirmar genericamente que nenhuma
prova directa sobre os factos se fez, pelo que, quanto a esta última matéria,
prosseguiu outra ‘filosofia recursiva’, não se colocava uma situação de um erro
procedimental passível de ser suprido por intermédio da feitura de convite para
apresentação de conclusões especificadas no tocante à dita matéria, sendo certo
que da decisão recorrida não resultava que a mesma se houvesse alicerçado na
convicção probatória e não já no elenco dos factos assentes;
- considerado que o acórdão arguido houvesse conhecido de questão
de que não devia conhecer no particular em que concluiu pela existência de uma
explicitação lógica e perceptível pelos destinatários da decisão e da
colectividade em geral em relação ao processo decisório, que se encontrava
fundamentado.
Do acórdão de 13 de Abril de 2005, ‘com os seus complementos de
22 de Junho e 21 de Setembro’, recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional
ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
pretendendo, por seu intermédio, ver ‘apreciada tripla inconstitucionalidade, a
saber:
a) do artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, quando interpretado, nos termos que o foi na
decisão recorrida, isto é, no sentido de que, questionando o recorrente o
julgamento de determinada matéria de facto e ponderando a Relação o conhecimento
da mesma, exclusivamente em sede de sindicância da convicção e não em termos de
reponderação com o alcance do determinado nos artigos 412º, nº 3, 428º, nº 1 e
431º, todos do CPP, pode o STJ alterar a focalização do problema, intrometendo
um eventual incumprimento do artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, sem que, previamente,
o recorrente tenha sido convidado a reparar tal invocado vício, por afrontamento
do artigo 32º, nº 1 da CRP.
b) do artigo 374º, nº 2 do CPP, interpretado no sentido de que se cumpriu a
obrigação de fundamentação, sem que dos elementos indicados na mesma se possa
perceber e acompanhar o processo de formação da convicção do tribunal, por
violar o artigo 205º, nº 1 da CRP;
c) da norma ínsita no[ ] artigo 71º do CP, na interpretação assumida na decisão
recorrida, isto é, no sentido de que tendo sido diminuídos os parâmetros da
medida abstracta, não tem obrigatoriamente de ponderar-se hipótese distinta da
medida concreta, para aplicação da mais benévola, por violação do artigo 32º, nº
1 da CRP.’
O recurso interposto por via do requerimento de que parte se
encontra transcrita veio a ser admitido por despacho lavrado em 20 de Outubro de
2005 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do
artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido
admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente
decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto do recurso.
Volvendo a atenção, em primeiro lugar, para a norma contida no
artº 71º do Código Penal, é por demais evidente que, tendo o recorrente, aquando
do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão prolatado
pelo Tribunal da Relação de Coimbra, brandido com o argumento de que – tendo
havido, por alteração legislativa ocorrida após o proferimento da sentença da 1ª
instância, modificação da moldura abstracta correspondente ao crime pelo qual
veio a ser condenado – se impunha que a circunstância decorrente dessa alteração
fosse apreciada pelo tribunal a quo em termos de reflexo da medida concreta da
pena, deveria, então, ter equacionado a questão da enfermidade constitucional
daquele normativo, quando entendido no sentido de uma tal apreciação não vir a
ter lugar.
Não o fez, porém, vindo a colocar um tal equacionamento tão só no
requerimento de arguição de nulidade do acórdão apresentado já após terem sido
proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos de 13 de Abril de 22 de
Junho de 2005.
Ora, como tem sido, sem equívocos, defendido pela jurisprudência
deste Tribunal, a suscitação da questão de inconstitucionalidade levada a efeito
em pedidos de aclaração, esclarecimento ou arguição de nulidades das decisões
judiciais, podendo-o ter sido antes da prolação delas, já não pode ser
considerada como uma suscitação efectuada de modo processual e atempadamente
adequada para os efeitos da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 (cfr.
a título meramente exemplificativo, o Acórdão deste órgão de administração de
justiça nº 311/90, publicado na II Série do Diário da República de 19 de Março
de 1991).
Neste circunstancialismo, por não ter sido atempadamente
suscitada, não poderá, in casu, tomar-se conhecimento da questão respeitante ao
indicado artº 71º
2.2. Pretende igualmente o arguido a apreciação da
compatibilidade constitucional das normas constantes dos números 3 e 4 do artº
412º do diploma adjectivo criminal, na dimensão normativa que, acima se
transcreveu.
Quanto a este ponto, ainda que se admitisse que o arguido foi
confrontado com a questão da dimensão interpretativa atinente àqueles preceitos
tão só porque a mesma teria sido a perfilhada no acórdão de 13 de Abril de 2005
e, consequentemente, só com o conhecimento do seu teor podia ter impostado o
problema de inconstitucionalidade, o que é indubitável é que, como se retira de
tal aresto e, bem assim, nos que foram subsequentemente tirados, os falados
preceitos não comportaram tal interpretação.
O que o Supremo Tribunal de Justiça entendeu foi que, por um
lado, o acórdão da Relação, então perante si impugnado, se alicerçou no elenco
de todos os factos que se deram por demonstrados e não somente numa mera
convicção probatória e, por outro, que, de todo o modo, o recorrente optou por,
quanto a determinada matéria fáctica, impugná-la especificadamente, indicando os
meios de prova que, no seu modo de ver, impunham decisão diferente da tomada e,
quanto à demais matéria, se limitou a afirmar, de forma genérica, que ela se não
tinha provado, razão pela qual, perante uma tal opção, nunca se justificaria a
formulação de convite para formular conclusões especificadas (e indicação dos
meios de prova de onde porventura se devesse extrair outro juízo decisório) no
que concerne a essa demais matéria.
Ora, esta postura é acentuadamente diversa daquela que imputa ao
Supremo Tribunal de Justiça a aplicação de um sentido normativo dos números 3 e
4 do artº 412º do Código de Processo Penal de harmonia com o qual ‘questionando
o recorrente o julgamento de determinada matéria de facto e ponderando a Relação
o conhecimento da mesma, exclusivamente em sede de sindicância da convicção e
não em termos de reponderação com o alcance do determinado nos artigos 412º, nº
3, 428º, nº 1 e 431º, todos do CPP, pode o STJ alterar a focalização do
problema, intrometendo um eventual incumprimento do artigo 412º, nº 3 e 4 do
CPP, sem que, previamente, o recorrente tenha sido convidado a reparar tal
invocado vício’.
Neste contexto, à míngua de aplicação, na decisão intentada
impugnar, da norma (alcançada por interpretação) cuja desconformidade
constitucional se pretende ver apreciada por este Tribunal, falece um dos
pressupostos do recurso ancorada na alínea b) do nº 1 do já citado artº 70º da
Lei nº 28/82.
2.3. Deseja, por fim, o arguido que seja analisada a validade
constitucional da norma inserta no nº 2 do artº 374º do Código de Processo
Penal, quando interpretada ‘no sentido de que se cumpriu a obrigação de
fundamentação, sem que dos elementos indicados na mesma se possa perceber e
acompanhar o processo de formação da convicção do tribunal’.
Neste particular, é a todo os títulos evidente que o Supremo
Tribunal de Justiça nunca perfilhou essa interpretação. Pelo contrário, sempre
referiu que a decisão da 1ª instância (e, por dela não ter dissentido, isso era
aplicável à decisão da 2ª instância), não só indicou os vários meios de prova em
que se fundou para atingir a sua convicção, como indicou as razões da
credibilidade desses meios de prova e as razões de ciência de que eram
portadores e, bem assim, explicitou o processo lógico e racional que a conduziu
à decisão quanto à matéria de facto, processo esse perceptível não só pelos
destinatários dessa decisão, como pela colectividade em geral.
Também aqui não houve, por banda da decisão querida impugnar,
aplicação do sentido normativo cuja enfermidade constitucional é assacada pelo
recorrente.
Em face do que se deixa dito, não se toma conhecimento do objecto
do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa
de justiça em seis unidades de conta”.
Da transcrita decisão vem o arguido reclamar “exclusivamente na
parte em que a mesma versou sobre a primeira inconstitucionalidade, isto é
a do artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, quando interpretado, nos termos em que o
foi na decisão recorrida, isto é, no sentido de que, questionando o recorrente o
julgamento de determinada matéria de facto, ponderando a Relação o conhecimento
da mesma, exclusivamente em sede de sindicância da convicção e não em termos de
reponderação com o alcance do determinado nos artigos 412º, nº3, 428º n°1 e
431º, todos do CPP, pode o STJ alterar a focalização do problema, intrometendo
um eventual incumprimento do artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, sem que previamente,
o recorrente tenha sido convidado a reparar tal invocado vicio, por afrontamento
do artigo 32°, n°1 da CRP;” tendo, para tanto, dito: –
1 -Inequivocamente, o Tribunal da Relação restringiu o seu
conhecimento da matéria de facto, invocando faltar-lhe a imediação e a
oralidade, deixando, pois, de reponderar a questionada nos termos dos artigos
412°, nº 3, 428°, nº1 e 431º, todos do CPP, tendo, pois, feito a ponderação da
matéria de facto em sede de mera convicção probatória e não em sede de
reponderação fáctica.
2 - Inequivocamente, o STJ orientou a sua posição no sentido de a
questão da matéria de facto ser dirimida, não pela questão colocada pelo
recorrente, mas com o argumento de o mesmo ter incumprido as obrigações do
artigo 412°, n°3 e 4 do CPP, sem que, no entanto, jamais tenha sido convidado a
reparar tal invocado vicio.
3 - Essa é a situação objectiva da tramitação processual.
4 - Sendo essa a situação objectiva da tramitação processual,
V.Exas devem conhecer do recurso, porquanto, de facto, o STJ interpretou a norma
no sentido pelo recorrente.”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério
Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a mesma ser
manifestamente improcedente, dizendo: –
“(…)
2 - Na verdade, e como bem refere a decisão reclamada, a dimensão normativa do
artigo 412º, nºs 3 e 4, aplicada ao caso concreto, não coincide com a
especificada pelo recorrente.
3 – Estando, aliás, perfeitamente precludida a oportunidade de um convite ao
aperfeiçoamento das conclusões da motivação do recurso interposto para a
Relação, e versando sobre a matéria de facto – num momento em que o Supremo
Tribunal de Justiça proferiu decisão final no processo, julgando definitivamente
a matéria de direito.
4 – E sem que o objecto do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça
versasse minimamente sobre a questão da formulação de tal ‘convite’.”
Cumpre decidir.
2. Entende o Tribunal que não tem razão de ser a reclamação ora
sub iudicio.
Efectivamente, como se disse na decisão em crise, o Supremo
Tribunal de Justiça, no acórdão de 13 de Abril de 2005, perfilhou o entendimento
de acordo com o qual:
– de uma banda, o então recorrido acórdão do Tribunal da Relação
de Coimbra esteou-se na totalidade dos factos que se deram por provados e não
unicamente numa mera convicção probatória;
– de outra, tendo em conta que o recorrente optou por, em relação
a determinada matéria, impugná-la especificadamente e indicando os meios de
prova que, na sua óptica, levariam a decisão diferente da tomada e,
referentemente à restante, limitou-se a afirmar genericamente que ela se não
tinha provado, assim não seguindo caminho idêntico ao trilhado quanto àquela
primeira matéria, isso representava uma diversa postura do então impugnante
quanto ao modo como enfrentou uma e outra daquelas matérias, pelo que, num tal
contexto, não havia justificação para, no tocante à matéria de facto quanto à
qual se limitou a, globalmente, dizer que ela se não provou, se formular
qualquer convite no sentido se efectuar a especificação dela e a indicar os
meios de prova que, na sua perspectiva, conduziriam a diferente juízo.
E nessa mesma decisão acentuou-se que, passando-se assim as
coisas, se haveria de concluir que aquele entendimento sufragado pelo Supremo
Tribunal de Justiça era acentuadamente diverso do que se consubstanciaria numa
aplicação de um sentido normativo dos números 3 e 4 do artº 412º do Código de
Processo Penal de acordo com o qual “questionando o recorrente o julgamento de
determinada matéria de facto e ponderando a Relação o conhecimento da mesma,
exclusivamente em sede de sindicância da convicção e não em termos de
reponderação com o alcance do determinado nos artigos 412º, nº 3, 428º, nº 1 e
431º, todos do CPP, pode o STJ alterar a focalização do problema, intrometendo
um eventual incumprimento do artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, sem que, previamente,
o recorrente tenha sido convidado a reparar tal invocado vício”, o que
significava que aqueles preceitos não tinham cobrado aplicação, com tal dimensão
interpretativa, no aresto desejado impugnar perante este Tribunal.
Nenhuma censura merece, desta sorte, a decisão em causa que,
assim, se confirma.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 25 de Novembro de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício