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Processo nº 596/97 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1.- A., mandatária das listas da CDU - Coligação Democrática Unitária, à eleição dos órgãos autárquicos do município de Lajes das Flores, reclamou da decisão de aceitação de B., como candidato à respectiva Câmara Municipal pelo Partido Social Democrata - PPD/PSD.
Alegou, para o efeito, ser o mesmo inelegível por se encontrar abrangido na alínea f) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº
701-B/76, de 29 de Setembro, uma vez que é titular, na qualidade de rendeiro, de contratos de arrendamento rural, sendo senhoria a dita Câmara.
Notificado para se pronunciar, respondeu o mandatário do Partido Social Democrata no sentido do não provimento da reclamação, devendo o cidadão em referência ser considerado elegível e, como tal, admitida definitivamente a lista desse partido político.
A Senhora Juíza da comarca de Santa Cruz das Flores julgou improcedente a reclamação, considerou elegível B. e admitiu definitivamente a lista do Partido Social Democrata à Câmara Municipal de Lajes das Flores.
2.- Do assim decidido, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional a mandatária da CDU - Coligação Democrática Unitária, nos termos do artigo 25º do citado diploma legal, reiterando enquadrar-se o candidato em causa na previsão daquela alínea f).
Em síntese, alega-se que o cidadão em causa, primeiro candidato das listas do PSD, é empresário agrícola e, nessa qualidade, celebrou, como arrendatário, com a Câmara Municipal de Lajes das Flores vários contratos de arrendamento rural - junta vinte e três fotocópias relativas a outros tantos contratos, todos com início em 31 de Dezembro de 1987 - de prédios rústicos pertencentes ao município, com uma área aproximada de 20 hectares, o que, na região, tem grande significado económico.
Para a recorrente, a actividade económica agrícola do cidadão em causa, assente numa via contratual sem termo final fixado estabelecida com o município, integra não uma relação contratual de natureza civil mas antes um contrato de natureza empresarial e comercial, inserido na sua própria actividade profissional e configurável como acto de comércio.
Não é essa a perspectiva do mandatário do Partido Social Democrata, segundo o qual não retira o candidato qualquer benefício quanto ao pagamento das rendas - cujo montante anual não ultrapassa os
40.000$00 - nem dessa situação recolhe lucros ou vantagens.
A decisão recorrida considerou não se estar perante uma situação subsumível à indicada alínea f), uma vez que, não obstante existir
'um contrato de prestação duradoura ou continuada em relação ao município e de prestação periódica ou repetida no que concerne ao reclamado, este intervém em parte no referido contrato de arrendamento a título particular e não como membro de corpo social, gerente ou proprietário de qualquer empresa, ficando, assim, desde logo afastada a inelegibilidade do reclamado, face a uma interpretação declarativa que se julga conveniente deste preceito legal', o que, de resto, é constitucionalmente suportado, face ao disposto nos artigos 50º, nºs. 1 e 3, e
18º, nº 2, da Lei Fundamental.
E como ainda ponderou, 'julgamos que a interpretação de qualquer norma concretizadora deste tipo de restrições, deverá ser efectuada com as maiores cautelas, evitando abranger situações que ultrapassem a ratio legis da própria norma constitucional que prevê a restrição em causa, sob pena de se «subverter ou desfigurar o valor e a garantia constitucionais ínsitos em cada um dos diversos preceito relativos aos direitos fundamentais» (José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra 1976, pág. 237 e 238)'.
Cumpre decidir.
II
1.- Entende-se que a decisão recorrida está correcta e foi judiciosamente lavrada.
Com efeito, a regra é a elegibilidade dos cidadãos, justificando-se a inelegibilidade por via de excepção, como restrição ao direito
à candidatura, na medida em que necessária para garantir a liberdade de voto e o exercício isento e imparcial dos cargos autárquicos e nessa estrita dimensão
(como flui do texto constitucional, nomeadamente do nº 3 do artigo 50º com o nº
2 do artigo 18º).
É a esta luz que deve ser entendida a alínea f) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76: projecção do objectivo do legislador ao assegurar o exercício isento, desinteressado e imparcial dos cargos autárquicos.
Nesta linha tem-se orientado a jurisprudência do Tribunal Constitucional em numerosos arestos, citando-se, entre os mais recentes, os nºs. 716/93, 717/93, 718/93, 720/93, 721/93, 728/93 e 734/93
(publicados no Diário da República, II Série, de 15 de Fevereiro, 1 de Março, 14 de Março e 15 de Março de 1994), na mesma orientação, aliás, se pronunciando os acórdãos citados pela recorrente, nºs. 253/85 e 259/85 (publicados no mesmo jornal oficial, II Série, de 18 e 19 de Março de 1985, respectivamente).
Como se sublinhou, por sua vez, no acórdão nº
735/93 (publicado no mesmo jornal, II Série, de 15 de Março de 1994), versando situação próxima (tratava-se, então, de um arrendamento de fracção autónoma, para instalação de serviços administrativos camarários, outorgado por um candidato como locador):
'Estamos na presença de um direito fundamental de natureza política, relativamente ao qual o legislador só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.
Não tendo o legislador criado uma inelegibilidade decorrente da permanência de uma relação contratual de natureza civil como a discutida no presente recurso, não é lícito ao intérprete proceder a interpretações extensivas ou aplicações analógicas que se configurariam como restrições de um direito político. A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria eleitoral tem acentuado que as normas que estabelecem casos de inelegibilidade contêm enumerações taxativas e não meramente exemplificativas.'
A mesma orientação deve ser observada no caso em apreço, em que o interessado se apresenta como arrendatário para fins de exploração agro-pecuária em contexto de mera natureza contratual civilista, sujeito à disciplina jurídica respectiva (sem prejuízo de se poder vir a verificar uma situação posterior de perda de mandato, nos termos do artigo 9º, nº 1, alíneas a) e b), da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro).
2.- Nestes termos decide o Tribunal Constitucional:
a) negar provimento ao recurso, assim confirmando a decisão recorrida;
b) consequentemente, declarar B. elegível para a Câmara Municipal de Lajes das Flores, a que se candidata pelas listas do Partido Social Democrata-PPD/PSD.
Lisboa, 12 de Novembro de 1997 Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Fernando Alves Correia Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa