Imprimir acórdão
Processo n.º 64/2006
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência,
nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, na qual se decidiu
não tomar conhecimento do recurso interposto para este Tribunal.
2 – A decisão sumária tem o seguinte teor:
«(…)
[1 –] A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional,
“nos termos dos artigos 69.º e seguintes da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro,
pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo
411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32.º, nºs 1 e
2, da Constituição da República Portuguesa”.
[2 –] Compulsados os autos, deles resulta que:
[2.1 –] O Recorrente foi julgado e condenado no 2.º Juízo do
Tribunal do Montijo como autor material de um crime de violação, p. e p. pelo
artigo 164.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão e, como autor
material de um crime de condução ilegal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 7 meses de prisão,
condenando-o o Tribunal, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 6 anos e 4
meses de prisão.
[2.2 –] Inconformado, o Arguido recorreu para o Tribunal da Relação
de Lisboa que, por Acórdão de 15 de Junho de 2005, rejeitou o recurso com
fundamento em “inadmissibilidade legal”, designadamente, por ter sido interposto
para além do respectivo prazo legal.
[2.3 –] Discordando deste entendimento, o Arguido recorreu para o
Supremo Tribunal de Justiça, argumentando, em síntese, que:
«1 - No acórdão de fls... proferido nos autos à margem referenciados, o tribunal
'a quo' considerou manifestamente improcedente o recurso apresentado pelo
recorrente e condenou o mesmo nas custas do recurso, com taxa de justiça em 4
UCs e na sanção processual correspondente a 5 UCs,
2 - O douto tribunal 'a quo' fundamentou a sua decisão no facto de considerar
que o acesso à transcrição não pode ser encarado como essencial à preparação do
recurso, uma vez que a mesma não é mais do que um traslado destinado a facilitar
o conhecimento do recurso pelo Tribunal Superior,
3 - Ora, salvo o devido respeito o tribunal 'a quo' não tem razão quando
considera improcedente o recurso com base no fundamento mencionado supra.
4 - A leitura do douto acórdão realizou-se no dia 31/01/2005, tendo o mesmo sido
depositado no dia 2/02/2005,
5 - No dia da leitura do acórdão, 31/01/2005, foi entregue pelo recorrente, no
Tribunal 'a quo', um requerimento a solicitar a entrega das cassetes referentes
à gravação da audiência de discussão e julgamento. E,
6- O Tribunal 'a quo' facultou as cassetes ao recorrente no dia 7/02/2005.
7 - Em 25/02/2005, o recorrente interpôs o recurso.
8 - Alega o Tribunal 'a quo' que, em virtude do acórdão ter sido depositado no
dia 2/02/2005 o último dia para interposição do recurso era 17/02/2005, sendo
22/02/2005 o 3º dia útil após o termo desse prazo (art. 145º, nºs.5 e 6 C.P.C.).
Pelo que,
9- A interposição do recurso no dia 25/02/2005 seria extemporânea. Todavia,
10 - Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal 'a quo', já que o
recurso foi interposto no prazo legal.
11 - Conforme entendimento da jurisprudência o prazo para interposição do
recurso da matéria de facto suspende-se entre o dia em que é solicitada a
entrega das cassetes e o dia em que efectivamente as mesmas são entregues pelo
Tribunal ' a quo'.
12 - Outro entendimento não seria plausível porque quando as provas tenham sido
gravadas, as especificações previstas nas al. b) e c) do nº.3 do art. 412º do
C.P.P. fazem-se, conforme dispõe o nº 4 do mesmo artigo por referência aos
suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
13 - Além de que, nos termos do art. 698º, nº.6 do C.P.C. por remissão do art.
4º do C.P.P. é concedido o prazo de 10 dias de dilação quando são requeridas as
cassetes e o recurso versa sobre matéria de facto. Assim,
14 - O prazo legal para interposição do recurso só se iniciou no dia 7/02/2005,
data em que as cassetes foram entregues ao recorrente pelo Tribunal 'a quo',
pois o requerimento para entrega das mesmas tinha sido entregue no dia
31/01/2005 e o depósito do acórdão só ocorreu no dia 2/02/2005.
15 - Donde se conclui que, o último dia para interposição do recurso foi
22/02/2005, podendo o acto ser praticado, nos termos do art. 145º, nº.5 e 6, até
ao 3º dia útil subsequente, ou seja, 25/02/2005, como efectivamente sucedeu.
(…)».
[2.4 –] Por Acórdão de 21 de Dezembro de 2005, o Supremo Tribunal de
Justiça considerou o recurso “manifestamente improcedente”, rejeitando-o com
base na seguinte argumentação:
«(…)
2.2. Como bem refere a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer de fls.
652 e segs., «depois de alguma hesitação, o Supremo Tribunal de Justiça passou
francamente a entender [cita diversos acórdãos nesse sentido] que, tendo sido
opção, e não devido a qualquer lapso, que em 1998 o legislador (conhecendo o
regime de recurso em matéria de facto consagrado no processo civil em resultado
da revisão ao mesmo operada pelo Dec.-Lei nº 329-A/95 de 12.02) não previu a
possibilidade de prorrogação do prazo fixado nº 1 do art. 411º do C.P.P. para
interposição do recurso que vise a impugnação da matéria de facto. Daí
considerar-se que na lei processual penal não existe, em matéria de prazo de
interposição de recurso visando a impugnação da matéria de facto, qualquer
lacuna que careça de ser integrada, nos termos do art. 4º e por aplicação
subsidiária de normas do processo civil, 'maxime ' do nº 6 do art. 698».
De facto, estando como estamos no âmbito de um processo penal, as normas
aplicáveis são naturalmente as do respectivo Código, só sendo lícito recorrer às
do Código de Processo Civil se depararmos com uma lacuna – art. 4º do primeiro.
Todavia, importa reter que o legislador de 87 conferiu ao sistema dos recursos
em processo penal «uma tendencial autonomia relativamente ao processo civil.
Salvo pormenores de regulamentação que devem procurar-se, por via analógica, no
Código de Processo Civil (...), os recursos penais passaram a obedecer a
princípios próprios, possuem uma estrutura normativa autónoma e desenvolvem-se
segundo critérios a que não é alheia uma opção muito clara sobre a necessidade
de valorizar a atitude prudencial do juiz. O Código rompe abertamente com a
tradição que, há quase um século, geminou os recursos penais e cíveis» (Cunha
Rodrigues, em 'Recursos', Jornadas de Direito Processual Penal, 384).
Por outro lado, para afastar qualquer ideia de justo impedimento pretensamente
decorrente de só na data acima assinalada terem sido entregues à Mandatária do
Recorrente cópias das cassetes de gravação da prova, basta recordar que, nos
termos do nº 2 do art. 7º do DL 39/95, de 15 de Fevereiro, que regulamenta o
registo da prova, os sujeitos processuais têm direito, desde que o requeiram, a
cópia desse registo no prazo máximo de 8 dias após a realização da diligência
respectiva e que, no caso sub judice, tendo a produção da prova encerrado, como
vimos, no dia 7 de Janeiro de 2005, o Recorrente só solicitou as cópias das
cassetes no dia 31 seguinte.
Assim, contendo o CPP um regime completo sobre o prazo da interposição dos
recursos, mesmo quando tenham por objecto a decisão da matéria de facto – o que
veda o acesso ao CPC, designadamente ao nº 6 do seu art. 698, como regime
subsidiário –, e não tendo ocorrido motivo de justo impedimento, é manifesto que
o Arguido interpôs o seu recurso para o Tribunal da Relação para além do prazo
peremptório fixado no art. 411º, nº 1 daquele diploma: o acórdão da 1ªinstância
foi depositado na secretaria no dia 02.02.05; o 15º dia posterior caiu no dia 17
seguinte; o 3º dia útil posterior (arts. 107º, nº 5, do CPP e 145º, nº 5, do
CPC), foi o dia 22 do referido mês de Fevereiro; o requerimento de interposição
do recurso foi apresentado em 25 seguinte).
Entretanto, foi publicado no DR Iª Série-A, de 6 do corrente mês, o acórdão
deste Tribunal, nº 09/05, de 11 de Outubro que fixou jurisprudência no mesmo
sentido, ou seja que, «quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto
e às provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15
dias, fixado no artigo 411º nº 1, do Código de Processo Penal, não sendo
subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 698º nº 6, do
Código de Processo Civil».
Por isso que o recurso agora interposto, com vista à impugnação da decisão do
Tribunal da Relação de Lisboa de rejeição do anterior recurso, seja, também ele,
de rejeitar, por se mostrar manifestamente improcedente – arts. 420º, nº 1, do
CPP.
3. Nesta conformidade, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
em rejeitar o recurso interposto pelo Arguido A., por ser manifestamente
improcedente, confirmando, consequentemente, o acórdão recorrido.
(…)».
[2.5 –] Novamente inconformado, o Arguido interpôs, nos termos supra
descritos, recurso para o Tribunal Constitucional.
[3 –] Enquadrando-se o recurso na previsão da norma do artigo
78.º-A, n.º 1, da LTC, passa a decidir-se.
[4 –] Importa começar por referir que o Recorrente não indica a
alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto,
sendo manifesto que o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento do
mesmo pelo facto de não estarem reunidos in casu os pressupostos processuais
estabelecidos quanto às decisões de que pode recorrer-se para o Tribunal
Constitucional.
Desde logo, não houve, na decisão recorrida, qualquer recusa de
aplicação de norma nos termos estabelecidos nas alíneas a), c), d), e) e i) do
artigo 70.º, n.º1, da LTC.
Do mesmo passo, o Recorrente não suscitou qualquer questão de
constitucionalidade/ilegalidade nos termos das alíneas b) e f) do artigo 70.º,
n.º 1, da LTC.
Por fim, não está também em causa a aplicação de uma norma já
julgada anteriormente inconstitucional por este Tribunal ou pela Comissão
Constitucional (alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC),
acrescentando-se, de resto, que a questão normativa colocada pelo Recorrente foi
já considerada por este Tribunal no seu Acórdão n.º 542/04 (publicado no Diário
da República II Série, de 22 de Novembro de 2004), tendo-se aí decidido não
julgar inconstitucional a norma constante do artigo 411.º, nºs 1 e 3, do Código
de Processo Penal, na interpretação segundo a qual ao prazo de 15 dias aí
previsto para a interposição e motivação do recurso não acresce o prazo de 10
dias a que se refere o artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, em caso
de recurso que tenha por objecto a reapreciação de prova gravada.
Refira-se ainda que, para efeitos da alínea b) do artigo 70.º, n.º
1, da LTC, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional não constitui momento idóneo para suscitar um problema de
constitucionalidade normativa.
Na verdade, como tem sido reiteradamente assumido pela jurisprudência deste
Tribunal, o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade deve ser
entendido “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade
pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido
funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento
em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o
poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita” – cf. Acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da
República II Série, de 6 de Setembro de 1994.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário
da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal
cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da
questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o
Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de
1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - sobre o
sentido de um tal requisito, cfr. José Manuel Cardoso da Costa, «A jurisdição
constitucional em Portugal», separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso
Queiró, 2ª edição, Coimbra, 1992, pp. 51).
É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou naquele Acórdão n.º
354/94, mas isso apenas acontece em situações excepcionais ou anómalas, nas
quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a
questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o
fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo
insólita e imprevisível.
Usando os termos do recente Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á, ainda, que “quem
pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de
uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a
questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido
o acórdão da conferência de que recorre...”.
E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa
oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa
decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s)
articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear
juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por
antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se
poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados
pelo juiz.
Ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas,
as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas
poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa
das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em
face da lei fundamental.
Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito
plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade
constitucional.
O dever de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo e pela forma
adequada enquadra-se dentro destes parâmetros acabados de definir, sendo que, in
casu, não restam quaisquer dúvidas de que o Recorrente dispôs de clara
oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade.
[5 –] Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do presente recurso.
(…)».
3 – Discordando deste entendimento, o Reclamante alega que:
«(…)
1 - A douta decisão sumária começa por referir no ponto 4 que o recorrente não
indica a alínea do nº 1 do art. 70º da LTC ao abrigo do qual o recurso é
interposto, no entanto,
2 - Como consta do requerimento de interposição de recurso, em sede de
apresentação da Motivação do recurso, o recorrente referiu que o recurso vinha
interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 70º LTC, pelo que,
3 - Salvo o devido respeito, ao contrário do vertido na douta decisão sumária, o
recorrente indica a alínea do mencionado artigo, ao abrigo da qual interpõe o
seu recurso,
4 - Estando assim no requerimento do recurso reunidos todos os pressupostos
processuais a que o art. 75º-A do referido diploma legal faz referência.
5 - No que concerne ao facto de constar da douta decisão sumária que o ora
reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade/ilegalidade
nos termos das al. b) e f) do art.70º nº 1 da LTC, cumpre referir-se que é
inquestionável que nos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade,
esse Tribunal só pode tomar conhecimento do seu objecto desde que a questão de
inconstitucionalidade seja suscitada durante o processo e antes da prolação da
decisão recorrida. Acresce que,
6 - O recurso da constitucionalidade tem sempre como objecto normas jurídicas
efectivamente aplicadas nessa mesma decisão. Porém,
7 - Como bem se sabe, o Tribunal Constitucional tem considerado que cabe no seu
âmbito de fiscalização decidir se o sentido interpretativo de uma norma aplicada
numa decisão judicial concreta é conforme com as garantias definidas pelo
legislador constitucional.
8 - Ora, in casu, salvo o devido respeito, entende-se que a questão da
constitucionalidade normativa invocada pelo recorrente preenche, minimamente, os
requisitos que lhe permitem merecer urna apreciação da constitucionalidade. De
facto,
9 - O reclamante interpôs recurso, versando sobre a matéria de facto, para o
Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu rejeitá-lo por, alegadamente, o
mesmo ser intempestivo, uma vez que, segundo entendimento dos Venerandos
Desembargadores o prazo de 15 dias, previsto no art. 411º nº 1 CPP, é um prazo
peremptório, não se suspendendo, ainda que o recorrente solicite a entrega das
cassetes contendo a gravação da prova. Pelo que.
10 - Não se conformando com o douto acórdão, o ora reclamante recorreu para o
Supremo Tribunal de Justiça, tendo, no requerimento de interposição de recurso,
identificado a interpretação que deveria ser colhida do preceito em causa, ou
seja, o nº 1 do art. 411º CPP e identificado a dimensão normativa contra a qual
se insurgia. Além de que.
11 - Quando notificado da questão prévia suscitada pelo Digníssimo Magistrado do
M.P., o reclamante respondeu, nos termos do art. 417º nº 2 CPP, tendo feito
referência ao douto acórdão do Tribunal de Lisboa proferido no âmbito do Proc.
nº 3165I04 – 3ª Secção no qual é referido que 'Se o legislador tivesse
considerado a situação em que o recorrente pretende impugnar a decisão de facto,
não leria fixado para o efeito um prazo extremamente reduzido quando, pela
complexidade da elaboração da motivação nesse caso se justificaria, senão o
alongamento do prazo, pelo menos o seu não encurtamento, sob pena de se negar o
próprio direito ao recurso, uma das garantias de defesa do arguido (art. 32º
CRP), E,
12 - Na mesma peça o reclamante volta a referir a interpretação que considera
conforme ao art. 32º CRP, apesar de, por lapso, não fazer referência ao indicado
preceito. Sucede ainda que,
13 - O acórdão de fixação de jurisprudência proferido no âmbito do Proc. nº
09/05 e publicado no DR 1ª Série-A em 06/12/2005, constituiu, no entender do
reclamante, uma decisão surpresa, uma vez que até à data eram abundantes as
decisões jurisprudenciais em sentido inverso, e,
14 - É de notar que o mencionado acórdão só foi proferido e publicado depois da
interposição do recurso pelo ora reclamante.
15 - Finalmente, deve ainda referir-se que tanto na reposta à questão prévia
suscitada pelo Digníssimo Magistrado do M.P. junto do Tribunal da Relação de
Lisboa, como no requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça e, mais tarde, na resposta à questão prévia suscitada pelo Ministério
Público junto deste último Tribunal, é indubitável que o recorrente pretende
saber se efectivamente a norma constante do art. 411º nº 1 CPP é constitucional
e, nomeadamente, se é constitucional a interpretação que é feita da mesma, ao
considerar peremptório o prazo de 15 dias que o preceito faz referência.
16 - Tanto assim é que na última peça processual referida o recorrente faz
inclusivamente referência ao acórdão proferido no âmbito do Proc. nº 3165/04 –
3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual refere que a interpretação do
art. 411º nº 1 que considera que o prazo de 15 dias é peremptório é uma
interpretação que colide com o vertido no art. 32º CRP e consequentemente nega o
direito ao recurso que ao arguido assiste.
17 - Pelo exposto, dúvidas não restam de que foi efectivamente suscitada a
inconstitucionalidade da norma legal do art. 411º nº 1 CPP, assim, como foi
referida a alínea do nº 1 do art. 70º LTC ao abrigo da qual o recurso era
interposto.
(…)»
4 – O Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, em
resposta, perante a “evidente inverificação dos pressupostos do recurso
interposto”, considera a reclamação manifestamente improcedente.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
5 – Previamente à consideração dos argumentos constantes da presente
reclamação, importa reiterar que, contrariamente ao sustentado pelo Reclamante,
o requerimento de interposição de recurso constante de fls. 693, não indica a
alínea do artigo 70.º, n.º 1, da LTC, ao abrigo da qual o recurso foi
interposto. Essa menção apenas consta da “Motivação do Recurso” e das
respectivas “Conclusões” que acompanham indevidamente, à luz do disposto nos
artigos 75.º-A, nºs 1 e 2 e 79.º da LTC, o requerimento de interposição.
Independentemente disso, o Tribunal aferiu da verificação dos
pressupostos processuais condicionadores do conhecimento do recurso, deixando
expressamente consignado, no que tange com a alínea b) do artigo 70.º, n.º 1, da
LTC, que o recorrente não havia suscitado adequadamente durante o processo a
questão de constitucionalidade que erigiu em objecto do recurso.
Na perspectiva do Reclamante, a questão de constitucionalidade foi
suscitada na resposta à questão prévia suscitada pelo Representante do
Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, quando sustentou,
transcrevendo um excerto de um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que “se
o legislador tivesse considerado a situação em que o recorrente pretende
impugnar a decisão de facto, não teria fixado para o efeito um prazo
extremamente reduzido quando, pela complexidade da elaboração da motivação nesse
caso se justificaria, senão o alongamento do prazo, pelo menos o seu não
encurtamento, sob pena de se negar o próprio direito ao recurso, uma das
garantias de defesa do arguido (art. 32.º CRP)”, admitindo, porém, não ter
feito, “por lapso”, qualquer referência à norma do artigo 411.º do Código de
Processo Penal.
Ora, como transparece da leitura dessa peça processual –
considerando principaliter o excerto supra transcrito –, o Reclamante não imputa
à norma do artigo 411.º do Código de Processo Penal a violação de qualquer
parâmetro constitucional, devendo sempre exigir-se, para efeitos de uma
suscitação adequada de um problema de constitucionalidade normativa, a
referência imediata à norma que se considera inconstitucional de forma a que o
tribunal recorrido se tenha por vinculado à sua fiscalização.
Ademais, sempre se dirá que, tendo o reclamante sempre pugnado pela
aplicação do artigo 411.º do Código de Processo Penal num determinado sentido,
não poderá considerar-se “desculpável”, na perspectiva do recurso de
constitucionalidade, o “lapso” de não ter individualizado e suscitado o problema
de constitucionalidade que trouxe a este Tribunal.
Por outro lado, apesar do Reclamante invocar também que “o acórdão
de fixação de jurisprudência (…), constituiu uma decisão surpresa, uma vez que à
data eram abundantes as decisões jurisprudenciais em sentido inverso”, a verdade
é que, como o próprio admite – e resulta claro em face das conclusões do seu
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, primeiro, e pelo teor da “questão
prévia” suscitada no Supremo Tribunal de Justiça pelo Ministério Público, depois
–, a questão de constitucionalidade poderia ter sido suscitada antes da prolação
da decisão recorrida, não sendo de considerar “surpreendente” a decisão de
rejeitar o recurso.
C – Decisão
6 – Destarte, atento e exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a presente reclamação.
Custas pelo Reclamante com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos