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Processo n.º 18/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclamou, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º
28/82,de 15 de Novembro (LTC), em peça por si subscrita, do despacho do
Presidente do Tribunal da Relação do Porto que, com fundamento em que o
recorrente não suscitara qualquer questão de inconstitucionalidade da norma do
n.º 1 do artigo 678.ºdo Código de Processo Civil, não admitiu o recurso que
interpôs para o Tribunal Constitucional, da decisão de 3 de Outubro de 2004,
mediante a qual foi indeferida a reclamação de despacho do Tribunal Judicial da
Comarca de Lamego (2.ºJuízo) que não admitira um recurso.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“A reclamação deduzida mostra-se apenas assinada pela parte interessada – sendo
evidente que, vigorando em processo constitucional a regra do patrocínio
obrigatório, teria de o ser pelo advogado oficioso do reclamante, indicado a
fls. 78: não tendo este ratificado tal acto processual da parte, afigura-se que
não é sequer possível conhecer da reclamação deduzida, de teor, aliás,
dificilmente inteligível.”
2. Cumpre começar pela questão suscitada pelo Exmo. Magistrado do
Ministério Público.
É exacto que a reclamação para o Tribunal Constitucional teria de
ser subscrita por advogado e que o não foi. E isto independentemente de o
processo de que emerge estar ou não sujeito a constituição obrigatória de
advogado. Com efeito, a obrigatoriedade de patrocínio judiciário nas reclamações
previstas no n.º 4 do artigo 76.º cabe, sem esforço, na prescrição do n.º 1 do
artigo 83.º da LTC. Quer sua pela inserção sistemática no subcapítulo relativo
aos processos de fiscalização concreta, quer pela seu caracter instrumental
relativamente a eles, as reclamações dos despachos que indefiram o requerimento
de interposição de recurso ou retenham a sua subida compreendem-se, em
interpretação declarativa lata, na expressão “[n]os recursos para o Tribunal
Constitucional”. O que tem justificação material indesmentível no facto de
também aí se suscitarem questões de direito. Aliás, se não existisse a previsão
do artigo 83.ºda LTC (ou se ela não comportasse esta interpretação) sempre se
chegaria ao mesmo resultado, por força das disposições conjugadas dos artigos
69.ºda LTC e da alínea c) do n.º 1do artigo 32.ºdo Código de Processo Civil. Por
isso se ordenou a notificação do reclamante para constituir advogado, nos termos
do artigo 33.ºdo CPC.
É também exacto que a intervenção processual do reclamante não foi objecto de
declaração expressa de ratificação por parte da advogada que, após vicissitudes
várias, veio a ser nomeada para patrocinar o reclamante.
Entende-se, todavia, que a falta de “ratificação” do processado por
parte do patrono nomeado (ou do mandatário constituído, quando for o caso), não
obsta a que se considere regularizado o patrocínio e sanada a falta do
pressuposto processual, com o consequente conhecimento de mérito da reclamação.
O artigo 33.º do CPC impõe que a parte que esteja a pleitear por si quando o não
possa fazer seja notificada para constituir advogado, sob pena de o réu ser
absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso (é esta a hipótese que
para o caso releva) ou de ficar sem efeito a defesa. Tendo a parte, na sequência
dessa notificação, constituído mandatário ou obtido a nomeação de patrono ao
abrigo do regime de apoio judiciário, fica satisfeita a exigência legal,
prosseguindo o processo os seus termos, sem exigência de expressa manifestação
de concordância do advogado constituído ou nomeado para que possam ser
aproveitados os actos que foram pessoalmente praticados pela parte.
Efectivamente, não é transponível para esta situação a exigência de ratificação
do processado em caso de falta, insuficiência ou irregularidade do mandato
forense, prevista no artigo 40.º do CPC. Aí a situação é a inversa da que agora
apreciamos e está em consonância com a regra geral do artigo 286.º do Código
Civil que considera ineficazes (em relação ao suposto representado) os actos que
uma pessoa sem poderes de representação pratique em nome de outrém, se este os
não ratificar. Na situação agora apreciada o acto foi praticado pelo
interessado, já lhe sendo, por isso, imputável.
E não colheria argumentar que a “ratificação” – no sentido
impróprio, de assumpção expressa pelo advogado da intervenção processual da
parte, conferindo-lhe o seu aval técnico-jurídico – sempre será exigível para
que se cumpram os fins que presidem à imposição do patrocínio obrigatório neste
tipo de processos ou nesta fase processual, em que além da protecção da parte
está também presente o objectivo de melhor funcionamento dos tribunais pela
intervenção, na condução dos litígios, de profissional habilitado ao exercício
do patrocínio judiciário. Para além de tal imposição ter contra si os elementos
literal e sistemático de interpretação da lei que já se puseram em evidência, a
declaração expressa nada de substancial modificaria na situação processual
irregular criada, situação essa que a lei acaba por tolerar na medida em que
configura a falta do pressuposto processual como sanável. Obviamente que, se
estiver em tempo, o advogado constituído ou nomeado poderá suprir, a seu juízo,
as deficiências da actuação da parte. O que não se vê razão é para a imposição
de uma declaração formal de ratificação do processado.
3. Cumpre, portanto, passar à apreciação do mérito da reclamação,
para o que interessam as ocorrências processuais seguintes:
a) O ora reclamante deduziu a reclamação de fls. 2-5 do processo n.º
4773/04-2 do Tribunal da Relação do Porto, que se considera reproduzida, para o
Presidente da Relação do Porto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 678.º do CPC, de
despacho que, com base em que o valor da causa era inferior à alçada do tribunal
de comarca, não admitiu um recurso interposto numa providência cautelar;
b) Essa reclamação foi indeferida com a seguinte fundamentação:
“No despacho reclamado conclui-se pela não admissão do recurso pelo facto de não
se verificar o 1º requisito para admissão do recurso, nos termos do art.º
678.º-n.º 1, do CPC: o valor do pedido vertido na petição da providência
cautelar de “retirar a vedação de rede” é de 3.000,00 €, portanto, inferior à
alçada do tribunal da comarca, que é de 3,740,98 €, nos termos do art. 24.º-n.º
1, da Lei n.º 105/03, de 10-12.
Na verdade, o art.º 678.º-n.º 1, do CPC dispõe: “Só é admissível recurso
ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre”;
desnecessário é invocar um 2º requisito: “desde que as decisões impugnadas sejam
desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada
desse tribunal…”.
Na medida em que o despacho recorrido se limita a reconhecer a caducidade da
providência cautelar requerida e que, entretanto, havia sido julgada procedente,
revogando agora essa mesma providência e ordenado, em consequência, a reposição
do que antes se ordenara, o valor, para efeitos de recurso, tem de ser apenas
aquele e só aquele.
Mas o que não pode relevar é que, em sede agora de recurso e deste mesmo
despacho, se pretenda alterar o valor da acção, designadamente todo um mundo de
circunstâncias, designadamente, pela via de um “articulado superveniente”, para
mais, invocado ao abrigo do disposto no art.º 506.º, do CPC, que, como dele
mesmo se infere, pressupõe que nos encontramos em sede de “julgamento” na 1ª
Instância. Como, pois, vir dele servir-se em sede de “Reclamação”, que se
processa tão só nos limites do art.º 668.º - n.º 1.
Acórdãos? Há para todos os gostos. Assim o Ac. do STJ, de 7-6-74, no BMJ 238º -
231: “Para efeitos processuais, fixado o valor da causa, mantém-se este
inalterável, «quaisquer» que sejam os eventos posteriores”. Ainda que se fale em
“oposição” à providência.
Não se invoquem direitos constitucionais. Desde logo, porque o recurso não é um
direito absoluto, exigindo-se requisitos prévias para a sua admissão, cuja
constitucionalidade foi posta em causa.”
c) O reclamante interpôs recurso deste despacho para o Tribunal
Constitucional.
d) O Presidente da Relação do Porto não proferiu despacho de não admissão
do recurso, do seguinte teor:
“Pese embora, no requerimento de interposição de recurso da decisão proferida na
1ª Instância, bem como na “Reclamação” e agora no recurso para o TC, o
Recorrente invoque direitos constitucionais, o certo é que essa mesma
inconstitucionalidade refere-se tão somente à matéria que para si é controversa
– a existência de uma vedação em caminho que alega público. Porém, o que deve
relevar, em termos de admissibilidade de recurso para o TC é o desrespeito da
CRP mas pela própria decisão recorrida. Ora, no requerimento de interposição de
recurso para o TC, como acima se enuncia, continua a invocar-se a eventual
inconstitucionalidade mas da matéria de facto de fundo. O que é absolutamente
estranho, sendo certo que o que interessa é observar os requisitos formais para
se conhecer essa questão originária. Que o despacho reclamado não admite, com
base no valor da acção. E essa norma – art.º 678.º - n.º 1, do CPC – não é
minimamente colocada em crise pelo presente recurso.
É, portanto, certo que não se demonstra cumprido o requisito para a interposição
recurso enquadrado no disposto no art.º 70.º-n.º 1-b), da Lei n.º 28/82, de
15-11, ou seja, “Cabe recurso…Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido
suscitada durante o processo…”. O que é confirmado pela exigência inserta no
art.º 75.º-A-n.º 2.
O que não aconteceu. E “não aconteceu” na medida em que, quando é interposto
recurso da decisão recorrida não se estava já a respeitar o critério mínimo
económico. Ora, não só não fundamentou – repete-se – como também não abordou a
inconstitucionalidade desse requisito.
E o mesmo comportamento manteve aquando da dedução da Reclamação.
Invocar o art.º 52.º-n.º 3-b) e outros, da CRP, também não é suficiente, pois
pressupõem o respeito de todas as regras do processo.
Daí que, pelos fundamentos ora invocados – al. f) – não se admite recurso para o
TC.”
4. A reclamação, aliás de difícil inteligibilidade como salienta o
Exmo. Procurador-Geral Adjunto, é manifestamente improcedente.
Com efeito, independentemente de outras razões que poderiam ser
acrescentadas, a decisão reclamada merece confirmação pelo fundamento nela
invocado para não admitir o recurso: não ter sido previamente suscitada a
questão de constitucionalidade da norma que constitui a “ratio decidendi” do
despacho recorrido.
Basta atentar em que o tribunal de 1ª instância não admitira o recurso para a
Relação por aplicação do n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, uma
vez que o valor da causa se compreendia na alçada do tribunal de comarca. Foi
com esse mesmo fundamento que o despacho de que agora se pretende recorrer para
o Tribunal indeferiu a reclamação. Ora, na reclamação perante o Presidente da
Relação, o reclamante não suscitara a inconstitucionalidade dessa norma,
limitando-se a sustentar que deveria ser fixado outro valor à causa para efeitos
de recurso e a imputar a violação da Constituição quer ao despacho então
reclamado, quer à decisão de que pretendia recorrer.
Consequentemente, o recurso para o Tribunal Constitucional não poderia ser
admitido por não se verificar o pressuposto a que se refere a alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 72.º, ambos da LTC, como bem
se decidiu.
Tanto basta, na ausência de qualquer argumento do reclamante dirigido a esta
fundamentação do despacho reclamado, para indeferir a reclamação.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o
reclamante nas custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 5 de Novembro de 2005
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício