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Procº nº 362/96.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. A., apresentou-se em 10 de Fevereiro de 1993 no Tribunal Cível da comarca de Lisboa requerendo a adopção de uma das medidas previstas no Processo especial de recuperação da empresa e da protecção dos credores criado pelo Decreto-Lei nº 177/86 de 2 de Julho, alterado e complementado pelo Decreto-Lei nº 10/90, de 5 de Janeiro.
Depois de ordenadas as citações nos termos do nº 1 do artº 6º daquele D.L. nº 177/86, de se ter mandado cumprir os números 3 e 4 do mesmo artº 6º e de alguns credores terem vindo aos autos reclamar e justificar sumariamente os seus créditos sobre a recuperanda ou deduzir oposição (de entre esses credores se contando os ora recorrentes B., C. e D., que vieram justificar determinados créditos emergentes de suprimentos que efectuaram à mesma recuperanda nos montantes de, respectivamente, Esc. 12.764$52, Esc. 3.907$72 e Esc. 8.352$98), a requerente, antes de ter sido proferido o despacho a que alude o artº 8º, nº 1 do citado D.L. nº 177/86, veio, no processo, firmar termo de desistência da instância.
Por despacho de 19 de Maio de 1993, proferido pelo Juiz do 2º Juízo do mencionado Tribunal Cível, considerando-se válida a desistência, foi homologada a mesma, determinando-se a cessação do processo.
Tendo os credores acima identificados sido notificados daquele despacho, vieram do mesmo interpôr recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Contudo, porque não apresentaram alegação, veio o recurso, por despacho de 22 de Setembro de 1993, a ser considerado deserto, condenando-se os recorrentes nas custas.
2. Na sequência, foi elaborada a conta de custas que, dando ao processo o valor de Esc. 1.724.856.661$38, fixou as custas a cargo dos recorrentes em Esc. 4.321.500$00.
Notificados da conta, dela vieram estes reclamar, o que conduziu o Juiz a proferir o seguinte despacho:-
'..................................................
Importa desde já referir que o despacho recorrido não teve a ver com a reclamação de créditos dos reclamantes.
Para efeitos de contagem (valor da causa para efeitos de custas) nos processos de recuperação de empresas temos de nos socorrer do critério legal previsto no artº 8 nº 1 al. n) do C.C.J.
Acresce também que o artº 8 nº 3 do C.C.J. manda atender aos valores constantes dos números anteriores, se no requerimento de interposição de recurso o recorrente não indicar o valor respectivo.
Ora no caso em apreço os recorrentes no requerimento de interposição de recurso não indicaram qualquer valor, pelo que à luz do citado nº 3 do artº 8 temos de atender ao critério estabelecido no artº 8 nº 1 al. n) do C.C.J.
Aliás como bem observa o Sr. Escrivão a acolhermos a tese dos reclamantes o recurso nem sequer era admissível atento o valor dos créditos reclamados (ESC: 59149$74).
Portanto a contagem ao observar em termos de valor para efeitos de custas o disposto no artº 8 nº 1 do C.C.J. não merece censura.
Nesta conformidade e considerando o exposto indefere-se a reclamação apresentada.
Custas do incidente a cargo dos reclamantes.
..................................................'
Do assim decidido recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa os falados B., C. e D., Tribunal que, por acórdão de 27 de Outubro de
1994, negou provimento ao recurso.
3. De novo inconformados agravaram para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na alegação que produziram, os recorrentes, a dado passo, e no que toca àquilo que designaram como 'V - DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS APLICADAS E DA SUA INTERPRETAÇÃO', disseram:
'..................................................
Se se entender, o que só por hipótese académica se admite, que as normas aplicáveis para a conta de que se reclama, são as que o Acordão recorrido aplicou, e maxime, que por aplicação estrita dos preceitos contidos no Código das Custas Judiciais, o valor de custas a pagar pelos ora Recorrentes, excede, no máximo, o valor dos créditos que reclamam, então estamos em presença, ou de normas inconstitucionais ou de interpretações de normas legais que contradizem os princípios constitucionais consagrados especialmente nos artºs 13º e 20º da Constituição da República.
Os grandes princípios constitucionais que regem os direitos dos cidadãos no acesso aos tribunais são, essencialmente:
A) - O princípio da Igualdade;
B) - O princípio da Justiça;
C) - O princípio da Proporcionalidade;
D) - O princípio da Confiança;
E) - O princípio da Moderação.
Ora, salvo melhor opinião, todos estes princípios foram violados, ao considerar-se que os Agravantes têm de pagar 4.321 contos de custas pelo seu processado nos autos no valor de 21 contos.
..................................................'
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 30 de Maio de 1995, negou provimento ao recurso. Nesse aresto discreteou-se, por entre o mais:-
'..................................................
Os ora agravantes, ao interporem recurso da sentença homologatória da desistência da instância, recorreram dessa sentença em toda a sua extensão, no que respeita a todos os credores. E se o recurso tivesse êxito, toda a sentença recorrida teria sido alterada e não só na parte respeitante ao crédito dos ora agravantes.
O que estava em causa no recurso era o prosseguimento de todo o processo e não só o crédito dos recorrentes.
Portanto, o valor do processo para efeitos tributários neste caso é determinado nos termos da alínea n) do nº 1 do artº 8º do Cód. Custas Judiciais:'........................................
..................................................'
3 - Como se vê de fls 32 e 33, o valor do activo indicado pela sociedade requerente da sua recuperação é o de 1.724.856.661$38.
Portanto, é em face desse valor processual que se determina a taxa de justiça.
Mas, nos termos do artº 20º, nº 1, do Cód. Custas Judiciais, como o processo terminou antes de concluída a assembleia de credores, a taxa de justiça
é de um quarto. E, de harmonia com o disposto no nº 1 do artº 35º do mesmo Código, a taxa de justiça no recurso é igual a metade da tabela anexa.
No caso presente, não se aplica o disposto no nº 2 do artº 52º do Cód. Custas Judiciais, porque, como já vimos, o que está em causa no recurso não
é apenas o crédito dos recorrentes, mas todo o processado. E, por isso, também não há que falar dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, justiça, moderação e confiança para, no caso, reduzir o valor tributário ao do crédito dos recorrentes: o recurso atacava todo o processado e, em caso de
êxito, afectava todos os credores.
..................................................'
Ainda os recorrentes solicitaram as aclaração e rectificação do acórdão de que parte acima se encontra transcrita, vindo, posteriormente, a arguir a respectiva nulidade, arguição que foi indeferida por acórdão de 27 de Fevereiro de 1996.
4. Do aresto de 30 de Maio de 1995 interpuseram os aludidos B., C. e D., recurso para o Tribunal Constitucional, o que fizeram por intermédio de requerimento no qual referiram que pretendiam a apreciação e decisão da 'inconstitucionalidade das normas contidas no C.C.J. - art. 8, nº 1, al. n) - dado que se encontravam violadas os Princípios da Igualdade, da Justiça, da Proporcionalidade, da Confiança e da Moderação'.
Como tal requerimento não obedecia aos requisitos previstos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, tendo em conta o discurso argumentativo levado a efeito na recorrenda decisão
(que acima se transcreveu), e não tendo, no Supremo Tribunal a quo, sido utilizado o que se dispõe no nº 5 daquele mesmo artigo, o ora relator dirigiu aos recorrentes convite no sentido de indicarem a ou as normas infra-
-constitucionais cuja apreciação pretendiam que fosse efectuada e qual a respectiva dimensão normativa que, na sua perspectiva, foi objecto de aplicação na decisão sob censura e cuja desconformidade com a Lei Fundamental foi, pelos mesmos, questionada.
Na sequência desse convite, os recorrentes vieram aos autos dizer que pretendiam que este Tribunal apreciasse a norma 'constante do artº 8º nº 1, al. n) do Código das Custas Judiciais, e que foi aplicada pelo Alto Tribunal na decisão objecto do recurso,...,atento o facto de não dever ser de aplicar tal normativo, na fixação da valor processual para efeitos de tributação de custas a credores reclamantes recorrentes em processos de recuperação de empresas, pelo valor do activo constante do processo'.
5. Na alegação que produziram, concluíram os recorrentes do seguinte modo:-
'1. O acordão do STJ recorrido, ao aplicar a ali. n) do nº 1 do artº
8º do CCJ. tributando a deserção de um recurso interposto por credores reclamantes, da sentença homologatória da desistência do pedido, por parte da empresa Requerente, num processo de Recuperação de Empresas e Protecção de Credores, cujo valor reclamado, era globalmente de 25.023$00, com base no valor do activo constante do Balanço, impondo aos Recorrentes o pagamento de uma taxa de justiça de um 1.080.375$00 (um milhão oitenta mil trezentos e setenta e cinco escudos), violou os Princípios Constitucionais da Confiança, Igualdade, Justiça, Proporcionalidade e Moderação, decorrentes do Principio do Estado de Direito, consignados nos artºs 2, 13º e 20 da C.R.P..
2. O reconhecimento da violação de tais princípios impõe ao Tribunal Constitucional que os Recorrentes, pelo facto de terem vindo reclamar um crédito de 25.023$00 no Tribunal de 1ª Instância de Lisboa, não podem ser condenados a pagar custas de deserção de recurso interposto, em quantia superior ao valor do crédito reclamado. NESTES TERMOS
E nos demais de direito constitucional, que V. Exas. Exmºs Senhores Conselheiros, com a V/ experiência e sabedoria, não deixareis de suprir;
Deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que respeite os princípios constitucionais e por via dos quais os recorrentes não poderão ser condenados a suportar custas de valor superior ao montante do seu crédito reclamado nos autos de 1ª Instância'
Cumpre decidir.
II
1. Em primeira linha, não pode deixar de realçar-se que os recorrentes, na alegação aqui efectuada - e isso quer se atenda ao seu teor, quer às respectivas «conclusões», que acima se encontram transcritas -, não vêm, de um ponto de vista estritamente formal, imputar a qualquer norma um vício de desconformidade com a Lei Fundamental.
Todavia, ao dizerem que '[O] acordão do STJ recorrido, ao aplicar a ali. n) do nº 1 do artº 8º do CCJ. tributando a deserção de um recurso interposto por credores reclamantes,..., violou os Princípios...consignados nos artºs 2, 13º e 20 da CRP.', e tendo em conta que, antes daquele aresto, defenderam que, a ser aplicável ao caso aquela norma, então ela padeceria de inconstitucionalidade, pode, conquanto com uma certa
«dose de paternalismo», sustentar-se que os mesmos pretenderam, ainda que de modo formalmente menos correcto, questionar o dito normativo.
De todo o modo, não será o teor constante do preceito da mencionada alínea n) do nº 1 do artº 8º do Código das Custas Judiciais que está, por si, em causa, mas sim, e somente, quando aquele normativo seja interpretado no sentido de mandar atender ao valor do activo da sociedade recuperanda para aferir do valor da causa em caso de sucumbência em recursos interpostos por credores reclamantes em processos de recuperação de empresas, recursos esses que não foram restringidos ao montante dos créditos por aqueles reclamados.
É, pois, tão só nesta dimensão que se irá analisar a norma em apreço, tanto mais quanto é certo que essa mesma dimensão interpretativa foi aquela que, no rigor das coisas, serviu de suporte jurídico à decisão ora impugnada.
2. Em segunda linha, não se irá sem dizer que, no entendimento deste Tribunal, a norma em questão, e na dimensão assinalada, não contende com a grande maioria dos princípios que são invocados pelos recorrentes.
Há, antes, que perspectivar o problema sobre uma outra
óptica, o que, justamente, a seguir se fará.
3. Não tendo sido aplicável nos presentes autos o regime constante do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência instituído pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril (que, no seu artº
246º, consigna que, para efeitos de custas, o valor da causa no processo de recuperação da empresa é o equivalente ao da alçada da Relação e mais 1$), na elaboração da conta de custas devidas pelos ora recorrentes pela deserção do recurso que interpuseram da sentença homologatória da desistência da instância foi tido em conta o que se estatui no artº 8º, nº 1, alínea n), do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto- -Lei nº 44.329, de 8 de Maio de 1962.
Tal norma reza do seguinte modo.-
ARTIGO 8.º
(Valor da causa para efeitos de custas)
1. Os valores atendíveis para efeitos de custas são, com ressalva do disposto no art. 11.º, os que resultam da aplicação das leis de processo para o processado a contar se não forem diferentes dos referidos nas alíneas seguintes:
...................................................
...................................................
n) Nas concordatas, acordos de credores e processos de recuperação das empresas - o do activo constante do balanço, quando o haja, ou o da valoriza- ção feita do activo, no caso contrário;
...................................................
...................................................
Como se disse, a questão que se impõe ser agora apreciada por este Tribunal está ligada com o facto de saber se é ou não colidente com a Constituição uma interpretação da transcrita norma de harmonia com a qual, havendo sucumbência em dada pretensão recursória formulada por credores que, em processo especial de recuperação de empresas, justificaram créditos de valor inferior ao do activo constante do balanço da empresa recuperanda, o valor da causa há-de ser o correspondente a esse activo.
3.1. Como se sabe, o artigo 20º da Constituição prescreve o direito geral à protecção jurídica, abarcando, por entre outros, o direito de acesso aos tribunais ou, se se quiser, o direito de acesso à tutela jurisdicional.
Um tal direito, como tem sido entendido por este Tribunal (cfr., por entre outros, os sus Acórdãos números 86/88, 444/91 e
529/94, publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 22 de Agosto de 1988, 2 de Abril de 1992 e 20 de Dezembro de 1994), 'implica a garantia de uma eficaz e efectiva protecção jurisdicional' que, além do mais, se desdobra '[n]o direito, para defesa de um direito ou interesse legítimo, de acesso a órgãos independentes e imparciais titulados por quem goza estatutariamente de prerrogativas de inamovibilidade e irresponsabilidade quanto às sua decisões', e que, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 162), constitui um
'elemento integrante do princípio material da igualdade... e do próprio princípio democrático'.
Impondo-se a inclusão (e por entre o mais) daquelas ideias num conceito genérico do direito fundamental de que tratamos, para que este se possa efectivar de molde a que a sua essencialidade não fique posta em causa torna-se necessário que o legislador ordinário não actue por forma a que, ao efectuar determinadas exigências condicionantes do acesso aos tribunais, tal acesso se torne, na prática, acentuada, extrema ou intoleravelmente difícil, ao menos para determinados cidadãos que não desfrutem de abundantes recursos económicos. E, por outro lado, mesmo relativamente a quem não desfrute desses recursos, torna-se claro que, se o condicionamento de acesso aos tribunais, verbi gratia por exigência de pagamento de custas, se postar numa fasquia tal que - ponderando a contraposição, necessariamente aleatória, de uma situação de alcance de certo benefício económico resultante do deferimento da pretensão solicitada e de outra consistente em se não obter ganho de causa - ultrapasse em muito, na última situação, aquele benefício, isso conduzirá a um acentuado arredar dos cidadãos dos órgãos de administração de justiça.
Claro que, como por muitas vezes já foi dito por este Tribunal, em nenhum passo da Constituição se aponta no sentido da gratuitidade da justiça.
Mas, como se disse no Acórdão nº 307/90 (Diário da República, 2ª Série, de 4 de Março), 'se isto é certo, menos não é que, se for exigido, sem mais, a quem recorra aos tribunais para a defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, exorbitantes quantitativos monetários, obviamente que, por essa via de certo modo indirecta, se restringe tal recurso...'.
É certo que, no ordenamento jurídico português, e como não poderia deixar de ser, iluminado que está o mesmo pelo direito fundamental prescrito no artigo 20º do Diploma Básico, estão previstos mecanismos que possibilitam o acesso aos tribunais por banda de quem não reuna condições económicas que, face ao sistema de custas instituído, permita suportar o seu pagamento (vide o instituto do acesso ao direito e aos tribunais hodiernamente consagrado pelo Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro).
Simplesmente, não se podem, sem mais, olvidar, sem censura, a existência de casos em que, mesmo que, objectivamente, o acedente ao tribunal não sofra de uma carência de meios, a sua pretensão, traduzida num dado benefício de natureza material monetariamente quantificável, seja de tal monta que, no caso de insucesso, se mostre, em termos comparativos, acentuadamente inferior às custas que, em tal situação, lhe venham a ser exigidas.
Perante esses mesmos casos, e como resulta do que se disse já, haveria, naturalmente, uma inibição de recurso aos tribunais, atenta a impossibilidade de, à partida, se saber qual o desfecho da demanda, sendo que sempre se haveria de hipotisar uma situação segundo a qual, havendo sucumbência, se viria a pagar a título de custas um quantitativo largamente superior àquele que se visava obter com a pretensão eventualmente a apresentar perante o tribunal.
Ora, em tais casos, o «natural» afastamento dos cidadãos em recorrerem a órgãos independentes e imparciais para a dilucidação de conflitos, afastamento esse ditado pelas regras vigentes no ordenamento jurídico infra-constitucional, seguramente iria contender com a garantia consagrada no artigo 20º da Cosntituição, não colhendo aqui os argumentos estribados em considerações de acordo com as quais o instituto do «apoio judiciário» se mostrava adequado à resolução desses casos.
3.2. O excurso que se vem de fazer não é, na óptica do Tribunal, abalado pela circunstância de na situação sub iudicio nos situarmos num caso de interposição, por parte dos ora impugnantes, de um recurso, não restrito à matéria tocante aos seus créditos, que foram objecto de justificação no processo especial em causa, recurso esse que os mesmos não prosseguiram dado não terem apresentado alegações.
E não é, desde logo porque, verdadeiramente, não está aqui em crise a questão de saber se a norma em apreciação, na interpretação que já se deixou desenhada e que é aquela que interessa analisar sub specie constitucionis, vai impedir o «direito ao recurso», suposta a sua existência no domínio não processual penal condenatório e a defluir do artigo 20º da Lei Fundamental, nos termos em que tem sido equacionada pelas doutrina e jurisprudência (ver, quanto a este particular, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 1988, t. IV, nº 53, ponto V, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 163 e 164, Armindo Riberiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 1994,
99 e segs., e, exemplificativamente, Acórdãos deste Tribunal números 163/90 e
344/93, publicados na 2ª Série do Diário da República de 18 de Outubro de 1990 e
11 de Agosto de 1993).
A isso acresce que, ainda que o recurso prosseguisse seus termos e que, na sequência, o mesmo não viesse a lograr provimento, tendo em conta a interpretação acolhida pelo Alto Tribunal a quo quanto à norma em apreço, decisão idêntica à ali prolatada, quanto à tributação dos recorrentes, haveria de ser tomada.
4. Do excurso vindo de fazer há que concluir que uma norma (ainda que resultante da forma como o preceito em que ela se inclui foi interpretado) segundo a qual, não sendo atendida determinada pretensão formulada por credores que, em processo especial de recuperação de empresas, justificaram créditos de valor muitíssimo inferior ao do activo constante do balanço da empresa, haverão esses credores de ser condenados em custas referentes a um valor da causa igual a esse activo, para além de afrontar princípios de justiça e proporcionalidade, é acentuadamente diminuidora e inibitória do asseguramento do direito de acesso aos tribunais, não se divisando quaisquer outros interesses ou princípios constitucionalmente relevantes que eventualmente viessem a apontar para a necessidade ou conveniência de uma tal prescrição.
E isto independentemente da questão de saber, por isso se colocar fora do âmbito dos poderes cognitivos deste Tribunal, se, não se aplicando a interpretação normativa seguida no aresto sob censura, seria, ou não, possível aos recorrentes, tendo em vista o valor dos seus créditos, impugnar a sentença que homologou a desistência da instância, ainda que no requerimento de interposição do recurso não tivessem mencionado que o mesmo se restringia a esses créditos.
III
Em face do exposto, o Tribunal:-
a) Julga inconstitucional, por violação do que se consigna no nº 1 do artigo 20º da Constituição, a norma constante da alínea n) do nº 1 do artº 8º do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei nº
44.329, de 8 de Maio de 1962, quando interpretada no sentido de, tendo os credores que, em processo especial de recuperação de empresas, justificaram créditos de valor inferior ao do activo constante do balanço da empresa recuperanda, deixado deserto por falta de alegações o recurso que interpuseram da sentença homologatória da desistência da instância levada a efeito pela requerente, no caso de esse mesmo recurso não ter sido circunscrito aos seus créditos, o valor da causa pelo qual hão-de ser tributados ser o correspondente a esse activo;
b) Em consequência, concede provimento ao recurso quanto
à questão de inconstitucionalidade normativa, determinando-se a reforma do acórdão impugnado em consonância com o julgamento ora efectuado.
Lisboa, 2 de Julho de 1997 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida