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Processo nº 226/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- Nos autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante A., e são expropriados B. e mulher, C., recorreram estes para o Tribunal Judicial da comarca de Oeiras da decisão arbitral sobre o valor da indemnização da parcela expropriada, fixado em 6.428.500$00.
O recurso foi julgado parcialmente procedente, por sentença de 9 de Fevereiro de 1993 (fls. 260 e segs.), passando o valor indemnizatório a ser de 74.053.440$00.
Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, de apelação, expropriados (fls. 266) e expropriante (fls.
267), sendo lavrado acórdão, de 16 de Junho de 1994 (fls. 344 e segs.), que encontrou novo valor - 92.566.800$00 - no mais confirmando o anteriormente decidido.
Novamente reagiram expropriante (fls. 353) e expropriados (fls. 355), agora interpondo recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, merecendo do Desembargador relator despacho de não recebimento (fls. 356) que, para o efeito, invocou o disposto no artigo 52º do Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, e no artigo 83º, nº 4, do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, confirmado em conferência, por acórdão de 27 de Outubro de 1994 (fls. 368), nos termos do nº 3 do artigo 688º do Código de Processo Civil, após reclamação dos interessados.
Os recursos viriam, no entanto, a ser recebidos
(subordinadamente o dos expropriados) na sequência da procedência da reclamação deduzida e de acordo com o despacho de 9 de Dezembro de 1994 do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 384).
Posteriormente, o Conselheiro relator, no exame preliminar previsto no artigo 701º do Código de Processo Civil, pronunciou-se no sentido de não se conhecer do objecto do recurso (despacho de 4 de Julho de
1995, a fls. 392 e segs.), o que foi confirmado por acórdão de 17 de Outubro seguinte (fls. 530).
2.- É deste acórdão que a expropriante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que foi admitido, após se ter esclarecido, de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 75º A deste diploma legal, que se pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas dos artigos 37º, 51º, nº 1, e 64º, nº 2, do Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro
(recte, do Código das Expropriações aprovado pelo artigo 1º deste texto de lei), por violação do disposto nos artigos 20º, 62º, 205º, nº 4, e 211º da Constituição da República (CR), questão suscitada pela primeira vez no requerimento de reclamação para a conferência do despacho de 4 de Julho de 1995
(fls. 392).
Notificados para alegações, só a expropriante as apresentou, concluindo assim:
'1.- A decisão recorrida atribui natureza jurisdicional à fase da arbitragem que decorre perante a entidade expropriante no processo de expropriação.
2.- Nessa fase não é minimamente observado o princípio do contraditório, cuja observância constitui um requisito essencial do processo de jurisdição contenciosa, enquanto corolário do direito fundamental de acesso à justiça consagrado no artº 20º da Constituição da República, integrado pelo artº 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
3.- O procedimento da arbitragem perante a entidade expropriante não caracteriza, pois, um procedimento jurisdicional.
4.- Os meios de arbitragem necessária constituem, aliás, por definição, meios de composição não jurisdicional de conflitos, admitidos pelo artº 205-4 da Constituição, e só por não serem jurisdicionais não colidem com o princípio da reserva da função jurisdicional aos Tribunais.
5.- Negada a natureza jurisdicional da fase da arbitragem e consequentemente constituindo o 'recurso' da decisão dos árbitros para o tribunal da Comarca uma 1ª instância jurisdicional, o raciocínio essencial da decisão recorrida (a inadmissibilidade duma 4ª instância jurisdicional), que o levou a interpretar os artºs. 37º, 51-1 e 64-2º do D.L. nº 438/91, de 9 de Novembro, no sentido de impedirem o recurso de revista que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida, cai por base.
6.- Ao invés, se estivesse certa a interpretação que o acórdão fez dos referidos preceitos, estes seriam inconstitucionais, por se fundarem numa visão inconstitucional da natureza da fase da arbitragem, por entenderem esta 'arbitragem' como cabendo na previsão do artº 211-2 da Constituição, por entenderem inadmissível no nosso sistema jurídico-constitucional o 4º grau de jurisdição (em oposição ao decidido pelo T.C. em 03.03.93) e por coartarem o direito ao recurso para a instância jurisdicional máxima em processos de valor normalmente avultado e em que está em causa o direito fundamental de propriedade, tudo com ofensa dos artigos 20º,
62º, 205-4º e 211-2º da Constituição.
7.- O procedimento da arbitragem não é, nem pode constituir uma forma de Tribunal arbitral, no sentido do artº 211.2 da Constituição.
8.- Da arbitragem com processos expropriativos recorre-se para os Tribunais de 1ª instância e não de 2ª instância, como acontece nos Tribunais arbitrais.
9.- Como se conclui no douto parecer atrás referido do Sr. Prof. Gomes Canotilho, que corrobora a pretensão da recorrente, os dados literais do novo Código das Expropriações, ao afastarem a norma que proibia expressamente o recurso para o S.T.J. apontam claramente para a reintrodução de possibilidade de recurso para o S.T.J.
10.- O princípio da interpretação das leis conforme a Constituição significa que, em caso de dúvidas interpretativas se opte pela alternativa que maximize a realização das finalidades constitucionais.
11.- Em fase das ideias anteriores, parece concluir-se que a interpretação do teor literal dos preceitos do Código das Expropriações em termos que admitem recurso para o S.T.J. é perfeitamente consistente com o princípio da protecção jurisdicional efectiva, densificador do princípio do Estado de Direito.
12.- Há, pois, que concluir pela inconstitucionalidade da interpretação das normas dos artigos 37º, 51-1º e 64-2º do D.L. nº 438/91 feita pela decisão recorrida.'
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
1.1.- Convirá, de imediato, transcrever as normas cuja constitucionalidade se põe em causa, todas elas inseridas, sistematicamente, no Título IV do Código aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, sob a epígrafe 'Processo de expropriação'.
O artigo 37º - 'Arbitragem' - abre a Secção I -
'Disposições introdutórias' - do Capítulo II - 'Expropriação litigiosa' - e diz assim:
'Na falta de acordo sobre o valor global da indemnização, será este fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais, de harmonia com a regra geral das alçadas'.
O artigo 51º é parte integrante da Subsecção I -
'Arbitragem' - da Secção II - 'Da tramitação do processo' - do mesmo capítulo e tem epígrafe 'Recurso', dispondo o seu nº 1:
'1.- Da decisão arbitral cabe recurso para o tribunal da comarca da situação dos bens a expropriar ou da sua maior extensão, a interpor no prazo de 14 dias, nos termos dos artigos 56º e seguintes'.
O artigo 64º faz parte da Subsecção IV - 'Recurso da arbitragem' - da mesma Secção - e Capítulo - e está intitulada 'Decisão', constando do seu nº 2:
'A sentença será notificada às partes, podendo dela ser interposto recurso com efeito meramente devolutivo para o tribunal da relação.'
1.2.- A tese professada no acórdão recorrido, na medida em que recolhe a doutrina do despacho que o originou, passa por uma interpretação deste conjunto normativo que a recorrente pretende ser inconstitucional: aí se entende a decisão arbitral como verdadeira sentença, para os efeitos em causa, e se acolhe a admissibilidade de recurso em termos que remetem para a orientação adoptada pelo acórdão de uniformização de jurisprudência, de 30 de Maio de
1995, então ainda em formulação de assento, que, no entanto, só viria a ser publicado no Diário da República, I Série-A, de 15 de Maio de 1997, nos termos do qual, 'o Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, consagra a não admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida' (à data, este aresto encontrava-se pendente de recurso de constitucionalidade, vindo a ser confirmado, nesta parte, pelo Tribunal Constitucional, pelo acórdão nº 259/97, de 18 de Março último, publicado no Diário da República, II Série, de de de 1997).
2.1.- Ora, as normas em sindicância e a sua interpretação, face ao indicado enquadramento constitucional, foram já objecto de jurisprudência deste Tribunal, nomeadamente no citado acórdão nº 259/97 que se debruçou sobre idêntica problemática, razão pela qual nos limitaremos a remeter para a argumentação então deduzida, reproduzindo-a parcialmente:
'1.- O acórdão recorrido pressupõe a natureza jurisdicional da arbitragem na fixação do montante indemnizatório, no processo expropriativo por utilidade pública.
Com efeito, nele se pondera representar o acórdão dos árbitros, nestes processos, 'o resultado de um julgamento, constituindo verdadeira decisão e não um simples arbitramento, susceptível de recurso em sentido próprio', como resulta do nº 1 do artigo 51º do Código actual das Expropriações.
E, após se abonar na jurisprudência (cfr., os acórdãos citados, de 9 de Outubro de 1970, e de 9 de Maio de 1990, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, nºs. 200, págs. 168 e ss. e 397, págs. 423 e ss., respectivamente), adianta estar prevista na própria Constituição (nº 2 do artigo 211º) a existência de tribunais arbitrais, acrescentando estabelecer o nº 2 do artigo 26º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, tal como anteriormente o artigo 1522º do Código de Processo Civil, que a decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1ª instância.
O Tribunal Constitucional tem, a este respeito, elaborado uma jurisprudência impressiva.
Como se salientou no acórdão nº 757/95 - publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Março de 1996 - já por diversas vezes se afirmou (cfr., acórdãos nos. 419/87 e 98/88, publicados naquele jornal oficial, II Série, de 5 de Janeiro de 1988 e 22 de Agosto seguinte, respectivamente) que 'embora a administração da justiça caiba em exclusivo aos tribunais, tal não significa que esse exclusivo respeita apenas aos tribunais estaduais; abrange também os tribunais arbitrais que, não podendo considerar-se órgãos de soberania, são verdadeiros tribunais' (cfr., entre outros, os acórdãos nºs. 230/86 e 33/88, respectivamente publicados no Diário da República, I Série, de 12 de Setembro de 1986 e 22 de Fevereiro de 1988).
Não dando o texto constitucional uma definição de 'tribunal', há-de esta radicar-se na natureza das funções que exerce, no seu carácter jurisdicional (cfr., acórdão nº 289/86, publicado no Diário citado, II Série, de 7 de Janeiro de 1987), e no estatuto de independência e imparcialidade de quem desempenha tais funções.
Concretamente - e para seguir o aludido acórdão nº 757/95, pois não se vê razão para dele nos afastarmos - 'o que importa é analisar se a actividade da arbitragem a que se refere o dito Código das Expropriações [...] se insere nas funções que, nos termos do artigo 205º da Constituição, definem e determinam a integração da sua competência na função jurisdicional, e no estatuto de independência e imparcialidade de quem desempenha tais funções (se, por outras palavras, os árbitros gozam, no desempenho das suas funções, da independência e da imparcialidade que se requerem a quem exerce a função de julgar)'.
Os árbitros - mais se observa - dispõem de independência funcional, pois que designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários (cfr., artigos 43º, nº 2, do Código das Expropriações, 2º e 3º do Decreto-Lei nº 44/94, de 29 de Fevereiro, e
1º do Decreto Regulamentar nº 21/93, de 15 de Julho), e intervêm para dirimir um conflito de interesses entre partes no processo de expropriação litigiosa.
'Eles compõem um conflito entre entidades privadas e públicas ao decidirem sobre o valor do montante indemnizatório da expropriação, sendo que tal decisão visa tornar certos um direito ou uma obrigação, não constituindo um simples arbitramento'.
Traduzida na fixação do valor global da indemnização, a intervenção cabe no âmbito da acção de um tribunal arbitral admitido pelo nº 2 do artigo 211º da CR e, 'não atenta contra a atribuição da reserva da função jurisdicional aos tribunais nem com a garantia de acesso aos mesmos, princípios integradores do princípio do Estado de direito democrático, defluindo dos artigos 2º, 20º, nº 1, e 205º da Lei Fundamental'.
De resto, Gomes Canotilho, no parecer junto aos autos, não deixa de reconhecer que o Código das Expropriações aponta para
árbitros de 'designação neutra'. Com efeito - escreve - a lei atribui à entidade expropriante a competência, em primeira linha, para promover a constituição e o funcionamento de uma arbitragem assente em três árbitros escolhidos pelo Presidente do Tribunal da Relação a partir de uma lista oficial de peritos'. E não deixa de observar: 'Verifica-se que houve a preocupação de respeitar o princípio da separação de poderes. A intenção do legislador parece apontar no sentido de que aquele órgão de composição de conflitos funcione com um grau de imparcialidade em tudo semelhante ao que caracteriza os órgãos judiciais. Tudo indica, pois, que o conteúdo das decisões arbitrais se aproxima das sentenças judiciais, na medida em que pretende dar expressão à aplicação objectiva e isenta de normas jurídicas'
(cfr. ponto 3.2.).
É certo que, sem prejuízo de se reconhecer que se teve o cuidado de rodear a arbitragem necessária em processo expropriativo de mecanismos estruturais quase jurisdicionais, em termos que possibilitassem a sua recondução à categoria dos tribunais arbitrais previstos no nº 2 do artigo 211º da CR, tende o autor a afirmar a natureza quase jurisdicional deste tipo de arbitragem, situada algures numa zona indefinida entre a fase administrativa e a fase jurisdicional do processo expropriativo, 'embora, provavelmente, muito mais próxima da segunda do que da primeira'. E salienta a vinculação da arbitragem aos princípios da imparcialidade, do contraditório e da fundamentação, não sem acrescentar ser questionável que se possa deduzir o funcionamento da arbitragem em alternativa às vias jurisdicionais ordinárias, tanto mais que se trata de matéria de direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias, acrescendo que a decisão sobre o valor da indemnização em processo expropriativo tem sido considerada com uma matéria integrante da reserva do juiz (cfr. ponto 3.3.).
Não tem ido tão longe, como vimos, a exigência do Tribunal Constitucional que tem visto as decisões dos árbitros, nesta área, como verdadeiras e próprias decisões jurisdicionais, dotadas de autoridade e da força vinculativa de que gozam as sentenças judiciais, o que compensa a ausência de potestas por parte do árbitro (o 'juiz-árbitro' desenvolve uma função jurídica pela qual declara o Direito jurisdictio, se bem que não possa executá-lo, ao invés do que se passa com o 'juiz-funcionário', ponderou-se no acórdão nº 52/92, tirado em Plenário, publicado no Diário da República, I Série-A, de 14 de Março de 1992).
Além do mais não parece - ao contrário do que a recorrente defende e vem desenvolvido no parecer junto, de Lebre de Freitas - estar, no entendimento que se professa, postergado o princípio do contraditório, concebido como princípio da participação efectiva no desenvolvimento do litígio, constituindo desse modo uma derivação do direito de acesso à justiça, a implicar que todo o procedimento de carácter decisório pode ser adoptado sem a prévia participação das pessoas que serão afectadas pelos respectivos efeitos (cfr., o nº 5 do parecer): expressão desse princípio encontra-se no Código das Expropriações actual na vistoria ad perpetuam rei memoriam, permitindo a comparência dos interessados e a faculdade de formularem por escrito os quesitos que tiverem por pertinentes, a que os peritos devem responder no seu relatório (nº 7 do artigo 19º) e, em plena fase de arbitragem, na faculdade das partes formularem quesitos que entendam pertinentes para a fixação do valor dos bens objecto da expropriação (cfr. o artigo 46º).
Não se crê, deste modo, poder afirmar-se não ter o princípio do contraditório qualquer expressão, sendo de notar que, a este respeito, Gomes Canotilho surpreende 'um mínimo contraditório entre a entidade expropriante e o sujeito expropriado' (citado 2.3.), sem prejuízo de ter por duvidoso que se possa falar de observância desse princípio (ponto 3.3., infra, nota 18).
2.- Alega a recorrente, ao invocar ofensa ao nº 2 do artigo 62º da CR, que, estando em causa o direito fundamental de propriedade, mal se coadunaria com esta norma a imposição do Tribunal da Relação, como último grau de jurisdição, na apreciação de questões de direito relativas ao apuramento da indemnização.
Coloca, por conseguinte, a questão do quarto grau de jurisdição que, assim o vimos, o Supremo afastou na decisão recorrida, ao interpretar o nº 2 do artigo 64º do Código de 1991.
O Tribunal Constitucional vem entendendo que afirmações de inadequação constitucional normativa, se genericamente enunciadas, poderão inviabilizar o conhecimento do recurso por não se considerar preenchido, dada a insuficiência de concretização, o pressuposto de arguição da questão de constitucionalidade suscitada durante o processo.
Por outro lado, não compete a este Tribunal, recorda-se, intervir nas 'contendas jurisprudenciais' - e os votos de vencido lavrados no acórdão atestam a existência de opiniões divergentes - a não ser que resulte, da solução encontrada, uma dimensão normativa constitucionalmente parametrizável e, como tal, sujeita à sua apreciação.
Independentemente de se ajuizar quanto ao grau de concretização da questão de constitucionalidade, sempre se dirá, equacionada que está uma dimensão garantística maximalista, entender-se não haver norma ou princípio constitucional impeditivos de um quarto grau de jurisdição no domínio da discussão litigiosa do montante da indemnização por expropriação, como já se sublinhou jurisprudencialmente em acórdãos deste Tribunal como os nºs. 187/93 e
370/93, publicados no Diário da República, II Série, de 17 de Maio de 1994 e 2 de Outubro de 1993, respectivamente.
No caso sub judice, no entanto, o enfoque é oposto: a ofensa ao texto constitucional resultaria de uma leitura lesante do direito à propriedade privada que torna dependente a expropriação por utilidade pública não só de lei mas também do 'pagamento da justa indemnização' (nº 2 do artigo 64º).
Não obstante, nesta perspectiva vem-se considerando que a garantia da via judiciária, mormente quando traduzida no
'direito de recurso a um tribunal e de obter dele uma decisão jurídica sobre toda e qualquer questão juridicamente relevante' (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 164), integra no seu âmbito o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais, exercível mediante o recurso para (outros) tribunais - cfr., inter alia, o acórdão nº 287/90, publicado no Diário citado, II Série, de 20 de Fevereiro de 1991 - sem, no entanto, se estar perante um ilimitado direito ao recurso em todas as matérias, como se irrestringível fosse.
Na verdade, se o texto constitucional é omisso quanto ao limite máximo dos graus de jurisdição, também o é quanto ao mínimo - ressalvando-se a área das garantias de defesa em processo criminal, nos termos do nº 1 do artigo 32º - entendendo-se que a protecção do direito ao recurso passa pela sua não afectação substancial 'enquanto via de defesa contra actos jurisdicionais e de controlo da objectividade da realização do direito' (cfr. o acórdão nº 715/96, ainda inédito, entre outros), sem prejuízo de, respeitado esse limite, o legislador ordinário poder ampliar ou restringir os recursos (por exemplo, aponta Armindo Ribeiro Mendes, 'quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização dos valores das alçadas' - cfr. Recursos em Processo Civil, Lisboa, 2ª ed., 1993, pág.
101).
De resto, no caso vertente, a fixação do valor global da indemnização iniciou-se no juízo arbitral - o que, assim o vimos, não se afigura inconstitucional - o que criaria - em contraste com processos de diferente natureza e, porventura, de maior complexidade - mais um grau de apreciação jurisdicional, a constituir uma justificação objectiva para impedir essa exigência suplementar (cfr. o acórdão nº 330/91, na II Série do jornal oficial, de 15 de Novembro de 1991), sem esquecer não ser imposta constitucionalmente, nem desejável, a banalização do acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça (v., a este propósito, o acórdão nº 377/96, publicado no Diário da República, II Série de 12 de Julho de 1996).'
2.2.- Pode, assim, concluir-se, na sequência das considerações transcritas - pelo mesmo relator redigidas - que se secundam e reafirmam, não se surpreenderem os vícios de inconstitucionalidade equacionados pela recorrente.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, no que à matéria de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 1 de Julho de 1997 Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa