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Processo n.º 466/01
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional,
1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do n.º 2 do
artigo 78.º‑B da Lei do Tribunal Constitucional, contra o despacho do relator,
de 26 de Setembro de 2005, que indeferiu requerimento de revogação do acto de
notificação para pagamento da multa prevista no n.º 6 do artigo 145.º do Código
de Processo Civil (CPC).
1.1. O despacho reclamado é do seguinte teor:
“1. Nos presentes autos, o primitivo Relator, por despacho de 24 de Setembro
de 2001 (fls. 112), determinou a notificação do recorrente A. para, no prazo de
dez dias, constituir advogado, sob pena de o recurso não ter seguimento (artigos
83.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional e 33.º do Código de Processo
Civil (CPC), aplicável por força do artigo 69.º daquela Lei).
Notificado desse despacho por carta registada com aviso de recepção, expedida
em 1 de Outubro de 2001 (cf. cota de fls. 113), mostrando‑se o aviso de recepção
assinado em 2 de Outubro de 2001 (cf. fls. 114), o recorrente apresentou, em 15
de Outubro de 2001, o requerimento de fls. 115 e seguintes, solicitando que
fosse requisitada à Ordem dos Advogados «certidão da situação da inscrição do
advogado signatário» e, caso tal não fosse deferido, reclamando para a
conferência contra o despacho do Relator.
Por aquele requerimento ter dado entrada, via fax, neste Tribunal, no
primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo legal, sem que o recorrente
tivesse tomado a iniciativa de solicitar guias para pagamento da multa devida,
procedeu a secretaria à liquidação prevista no n.º 6 do artigo 145.º do CPC, da
qual foi notificado o recorrente (fls. 129).
Em 29 de Outubro de 2001, veio o recorrente requerer a revogação do acto de
notificação, por entender que o requerimento apresentado em 15 de Outubro de
2001 o foi em tempo, porquanto, não sendo exigível, no caso, o envio de aviso
de recepção, devia aplicar‑se a regra do n.º 2 do artigo 254.º do CPC,
presumindo‑se a notificação efectuada no terceiro dia útil posterior ao do
registo. Isto é: tendo o registo sido efectuado em 1 de Outubro de 2001, a
notificação considerar‑se‑ia efectuada no subsequente dia 4, e não no dia 2,
data em que foi assinado o aviso de recepção; logo, o requerimento apresentado
em 15 de Outubro de 2001 foi‑o em tempo (dia 14 de Outubro de 2001 foi
Domingo).
Não assiste razão ao recorrente.
Mesmo que tivesse ocorrido «excesso de formalidade» com o envio de aviso de
recepção, dela não deriva qualquer invalidade processual, até porque tornou mais
segura a cognoscibilidade, pelo destinatário, do acto notificando.
Havendo certeza quanto à data da efectivação da notificação, não faz qualquer
sentido recorrer a presunções, que só se justificam para acautelar situações de
incerteza.
Tendo a notificação do despacho do Relator efectivamente ocorrido em 2 de
Outubro de 2001, o prazo de 10 dias para reclamar desse despacho terminou em 12
de Outubro de 2001 (6.ª‑feira). O requerimento contendo essa reclamação,
entrado no subsequente dia 15, foi‑o no primeiro dia útil posterior ao termo do
prazo. Não tendo o recorrente procedido espontaneamente ao pagamento da multa
legalmente devida, actuou correctamente a secretaria ao proceder à liquidação
e notificação ora impugnadas.
Termos em que se indefere o requerimento de fls. 130 e 131.”
1.2. A reclamação apresentada desenvolve a seguinte argumentação:
“É bem evidente, contudo, que a decisão singular ora impugnada não pode
proceder.
Analisando cuidadamente a questão:
A) Antes de mais, avulta no caso uma recidiva ofensa à letra da lei! Não se pode
– e os Tribunais, muito principalmente, por força da sujeição estatuída no
artigo 203.º da Constituição, não podem nunca – decidir contra lei expressa,
certo sendo, ademais, que em virtude do preceituado no artigo 9.º, n.º 3, do
Código Civil, todo o intérprete presumirá que o legislador «soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados» (sic). Ora,
B) assim sendo, forçosamente se presumirá que o legislador quis e quer, por
certo, que o acto contemplado no artigo 236.º do Código de Processo Civil, a
citação, fosse efectuado por meio de «carta registada com aviso de recepção» e
o acto processual congénere previsto no artigo 254.º do mesmo Código, a
notificação, o fosse simplesmente por meio de «carta registada». Inverter os
comandos destas duas disposições consuma, obviamente, violação de lei.
C) É assaz duvidoso, por outro lado, que a notificação postal efectivada com
aviso de recepção torne mais segura a «cognoscibilidade» (sic), pelo
notificando, do acto a notificar: de modo absolutamente geral, o destinatário
de correspondência postal fica ciente de que tem a receber correio registado,
com ou sem aviso de recepção, por uma de duas mesmíssimas formas: ou por
contacto pessoal ou por aviso escrito do funcionário dos Correios, normalmente
o carteiro. Mas não é esta a questão que verdadeiramente importa dilucidar:
mesmo que a dita cognoscibilidade da correspondência oficial a receber fosse
real, a lei – nunca será de mais repeti‑lo – só ao notificado, não ao tribunal
ordenador, permite ilidir a presunção quanto à data da efectuação da
notificação (cfr. n.º 6 do artigo 254.º sindicado)! Aliás,
D) a admitir‑se que o Tribunal, todo e qualquer tribunal, necessariamente,
pudesse efectuar as notificações previstas no n.º 1 do artigo 254.º supracitado
mediante aviso de recepção e tomar em conta, no processo, a «certeza quanto à
data da efectivação da notificação» assim (contra a lei!) obtida,
instalar‑se‑ia o arbítrio nesse segmento da prática forense. Na realidade, por
que não estabelecer‑se o controlo pela Secretaria da data efectiva das
notificações pendentes, através do actual serviço «Siga» dos CTT Correios, que –
quer por telefone directo: «Linha Azul 808 200 220», quer via Internet:
www.ctt.pt/siga – informa da situação das correspondências registadas?! Nada o
impediria (a não ser ... a lei!), analogamente. E assim, o inocente utente dos
serviços públicos postais e judiciais que cresse ter sido notificado
oficialmente para um processo na estação dos Correios local, por exemplo, numa
segunda-feira ... iria aprender à sua custa (pagando por isso) que, afinal, fora
decisivamente notificado no sábado de manhã!
E) Como é já, se bem se julga, mais que evidente, aquela «ponderação»
supratranscrita pretendendo que «não faz qualquer sentido recorrer a
presunções, que só se justificam para acautelar situações de incerteza» faz
tábua rasa, em extremo, dos princípios jusconstitucionais fundamentais da
segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos – pois provoca, de
todo arbitrariamente, a incerteza em sede de aplicação da lei – e, por via
disso, consuma violação nítida do direito idenfundamental ao processo judicial
equitativo consagrado mormente, por integração, no artigo 6.º do Tratado da
União Europeia.
Termos por que, fazendo no caso, como cumpre, sã e inteira justiça, esse Alto
Tribunal:
i) revogará o Despacho reclamado,
ii) com todos os devidos e legais efeitos.”
2. Como se consignou no despacho ora reclamado, o uso de
formalismo mais solene na comunicação do acto, em que, além do registo postal
(comum à notificação por carta registada com aviso de recepção e à notificação
por carta registada sem aviso de recepção), foi emitido aviso de recepção – uso
esse contra o qual o recorrente não deduziu oportunamente qualquer oposição ou
impugnação –, em nada afectou os direitos processuais do reclamante, tornando
antes mais segura a cognoscibilidade do acto comunicado e mais certa a data da
sua recepção.
Sendo conhecida, por documentalmente provada através da datação e
assinatura do aviso de recepção por parte do destinatário, a data em que a
mesma ocorreu, nenhuma justificação existe para não considerar como data da
notificação a data da assinatura do aviso de recepção e, em vez disso, lançar
mão da presunção do n.º 3 artigo 254.º do CPC, que pressupõe um efectivo
desconhecimento da data exacta da entrega do registo.
3. Termos em que acordam em indeferir a reclamação de fls. 157 a
159.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 15
(quinze) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2005.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos