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Processo n.º 944/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A fls. 73 e seguintes dos presentes autos, foi proferida decisão
sumária em que se decidiu negar provimento ao recurso interposto para este
Tribunal por A..
Este recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao abrigo do
artigo 70°, n° 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), tem como
objecto a apreciação da “inconstitucionalidade dos arts. 215-1 a) e 3 do CPP,
54-1 e 2 do Dec. Lei 15/93 de 22/1 e do Ac. do STJ de 11-1-2004 publicado no DR
I Série-A, 79 de 2-4-2004 na hermenêutica expendida no sentido de que pode ser
ampliado o prazo de prisão preventiva – sem verificação e declaração judicial de
especial complexidade, e com base em meras conjecturas processuais v.g. mera
«complexidade por elevado número de arguidos» ou ao «carácter altamente
organizado do crime» não colhem de per si”, por alegada violação dos artigos
32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 5º e 6º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do princípio do contraditório.
A decisão de não inconstitucionalidade e de não provimento do
recurso, constante da decisão sumária reclamada, fundamentou-se na
jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a questão suscitada no
presente recurso.
Na decisão sumária reclamada invocou-se – e transcreveu-se, na parte
considerada relevante – o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99, de 29
de Abril (publicado no Diário da República, II Série, n.º 161, de 13 de Julho,
p. 10152 ss, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt), em que este
Tribunal apreciou as mesmas normas que são impugnadas pelo recorrente no
presente processo e em que se concluiu no sentido da não inconstitucionalidade
de tais normas.
Perante a jurisprudência invocada, na decisão sumária reclamada
decidiu-se que a questão de constitucionalidade suscitada no recurso não podia
proceder.
2. Notificado desta decisão, A. veio, ao abrigo do disposto no artigo
78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, reclamar para a conferência,
nos seguintes termos (requerimento de fls. 85-87, 90-92):
“[...]
1- Em processo penal inexistem Decisões irrecorríveis cfr. o art. 399º CPP. Uma
DECISÃO SURPRESA que afecta os Direitos do arguido admite RECURSO....
2- A privação do Julgamento do recurso remetendo para Decisão anterior do
Tribunal Constitucional e a não fundamentação em concreto da questão da ausência
de complexidade no caso sub judice viola o art. 5º-4 da CONVENÇÂO E. DIREITOS
HOMEM, o art.14°-5 do PACTO INTERNACIONAL S. DIREITOS CIVIS e POLITICOS e os
arts. 32º-1 e 20º da LEI FUNDAMENTAL.
3- A não - declaração judicial e fundamentada da excepcional complexidade,
baseando-se ab initio no pressuposto da prorrogação automática da prisão – e da
investigação – sem avaliação caso a caso – atenta contra os normativos
Fundamentais supra invocados.
4- O artº 5°-3 da Convenção Europeia exige particular diligência no processo
relativo a pessoas presas – ACÓRDÃO WEMHOFF, A 7 – pág. 22-26, TOMASI, de
27-8-1992 A 241-A – pág. 35 e Relatório de 17-4-1991 CASO BIROU, A 232-B, pág
27, do TRIBUNAL EUROPEU DIREITOS do HOMEM.
No mesmo sentido o Voto de Vencido do Sr Juiz Conselheiro Mário Rua Dias e do
Sr. Procurador Geral Adjunto na Relação do Porto in Ac STJ 2/2004.
5- A inconstitucionalidade foi suscitada nos arts. 5º, 6º e 7º da petição de
Habeas Corpus intentada perante o STJ em 6 OUT 2005.
6- A Decisão-Sumária proferida é NULA pois não aprecia a substância do caso
concreto limitando-se a partir de pressuposto genérico exarado no Acórdão 246/99
de 29 de Abril....... e no Ac. 2/2004 do STJ de 11.2.2004.
7- Cada caso é um caso e deve ser julgado em concreto; no caso sub judice
inexiste complexidade:
- o arguido recorrente confessou os factos – assumiu a conduta praticada.
Onde está a complexidade in casu?
8- Face à Decisão Sumária cuja NULIDADE é patente, pois NÃO DECIDE O CASO
CONCRETO SUBMETIDO AO JULGAMENTO DESTE COLENDO TRIBUNAL...... é caso para
generalizar(?) em todos os crimes investigados ostracizando in totum a prova
recolhida:
9- De que vale a confissão integral e sem reservas num caso de tráfico com 4
arguidos? é um elevado número de arguidos? e é complexo de investigar? –
prorroga-se a prisão sem respeitar os Princípios da necessidade, adequação e
proporcionalidade? sem aferir do caso?
– para quê julgar os arguidos por tráfico? não seria ideal condená-los a todos
numa pena genérica? para quê a investigação? Da generalidade ao não-julgamento
do caso concreto... assim vai a Justiça: pelas ruas da amargura.....
Daí a RECLAMAÇÃO: a Decisão-Sumária é NULA e deve ser declarada a
inconstitucionalidade dos arts. 215º-1 a) e 3 do CPP, 54º-1 e 2 do Dec. Lei
15/93 de 22/1 e do Ac. do STJ de 11-2-2004 publicado no DR I Série-A, 79 de
2-4-2004 na hermenêutica expendida no sentido de que pode ser ampliado o prazo
de prisão preventiva sem verificação e declaração judicial de especial
complexidade, com base em meras conjecturas processuais e sem aferir do caso
concreto v.g. «complexidade por elevado número de arguidos» ou ao «carácter
altamente organizado do crime» – ostracizando in totum a conduta processual do
arguido, o que viola os arts. 32º-1 e 2 da Lei Fundamental, arts. 5º e 6º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Princípio do Contraditório.
Deve conhecer-se do objecto do Recurso!!!
[...].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu (fls. 89):
“[...]
1º. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2- Na verdade, as razões invocadas pelo reclamante em nada abalam o precedente
jurisprudencial invocado, sendo inquestionável a possibilidade de o relator
decidir sumariamente o objecto do recurso, com fundamento em tal precedente.
[…].”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. A decisão sumária reclamada, que negou provimento ao recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, em consequência do julgamento de não
inconstitucionalidade da interpretação normativa que constitui o objecto do
recurso, fundamentou-se na jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional
sobre a questão suscitada pelo recorrente, ora reclamante, no presente recurso.
Tal decisão sumária foi proferida ao abrigo do disposto no artigo
78º-A, n.º 1, da LTC, uma vez que se encontravam preenchidos, no caso, os
pressupostos que esta disposição exige para uma decisão individual do relator no
Tribunal Constitucional. Na verdade, nos termos do citado artigo 78º-A, n.º 1,
“se entender que [...] a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma
já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal [...], o relator profere
decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior
jurisprudência do Tribunal”.
5. Na reclamação deduzida, o reclamante vem arguir a nulidade da decisão
sumária reclamada, com fundamento em que nessa decisão o Tribunal Constitucional
não se pronunciou sobre a questão da “excepcional complexidade” do processo no
caso sub judice – o que, em seu entender, violaria o artigo 5º, n.º 4, da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 14º, n.º 5, do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o artigo 20º da Constituição da
República Portuguesa.
Quanto a esta alegação do reclamante, dir-se-á apenas que ao
Tribunal Constitucional não cabe determinar quais as normas aplicáveis aos casos
discutidos nos processos submetidos à sua apreciação nem sindicar a aplicação
que os outros tribunais fazem do direito infraconstitucional. Com efeito, no
âmbito do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – aquele
que foi interposto pelo ora reclamante –, a este Tribunal apenas compete
pronunciar-se sobre a conformidade constitucional das normas (ou interpretações
normativas) efectivamente aplicadas na decisão sob recurso.
6. O ora reclamante questiona também a possibilidade de a relatora, no
Tribunal Constitucional, decidir sumariamente o objecto do recurso com
fundamento em jurisprudência anterior do Tribunal.
Tal possibilidade, expressamente prevista na Lei do Tribunal
Constitucional, como se disse na decisão sumária reclamada e agora se reiterou
(supra, 4.), em nada limita os direitos dos recorrentes.
Aliás, este Tribunal teve já oportunidade de em diversas ocasiões se
pronunciar no sentido da conformidade constitucional do artigo 78º-A da Lei do
Tribunal Constitucional (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 19/99, publicado no
Diário da República, II Série, n.º 59, de 11 de Março de 1999, p. 3609 s, e os
acórdãos n.ºs 80/99, 550/99, 567/99, 223/01, 265/02, 266/02, 286/02, 456/02,
402/05, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
7. O ora reclamante conclui a sua reclamação pedindo ao Tribunal
Constitucional que julgue inconstitucionais não apenas as normas indicadas no
requerimento de interposição do recurso – e sobre as quais incidiu o julgamento
de não inconstitucionalidade proferido na decisão sumária reclamada – mas ainda
o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2004 [trata-se do
Acórdão n.º 2/2004, proferido pelo Pleno das Secções Criminais do Supremo
Tribunal de Justiça].
Tal pedido – ultrapassando o objecto do recurso de
constitucionalidade interposto – excede obviamente o objecto da reclamação
prevista no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não
pode esse Tribunal sobre ele pronunciar-se no âmbito da reclamação deduzida.
8. Decorre assim do teor da reclamação que o ora reclamante se limita
afinal a manifestar o seu desacordo relativamente à decisão sumária emitida nos
autos. Na verdade, o reclamante não aduz qualquer argumento novo, que não tenha
sido considerado no acórdão em que se fundamentou a decisão sumária reclamada, e
que seja susceptível de alterar o sentido da posição adoptada pelo Tribunal
Constitucional.
Reafirma-se portanto que não pode proceder a questão de
constitucionalidade submetida pelo ora reclamante ao Tribunal Constitucional.
Nada mais resta pois do que confirmar o decidido.
III
9. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão
reclamada, que negou provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2005
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos