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Processo n.º 139/2005
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Por sentença proferida em 2 de Abril de 2003 pelo Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi negado provimento ao recurso contencioso interposto pela A. do despacho lavrado em 25 de Setembro de
1997 pelo Director-Geral do Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu, despacho esse que determinou que a impugnante devolvesse Esc.
3.965.446$00 de um total no montante de Esc. 24.395.678$00, por ela percebido em resultado de financiamento para a realização de determinada acção de formação - a designada PO 1001 (90 1008 P1) Pedido 864.
Não se conformando com o assim decidido interpôs a recorrente recurso para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo.
Na alegação adrede produzida, para o ora releva, surpreendem-se as seguintes asserções, nas quais é feita referência à Lei Fundamental:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................ Quer dizer, a entidade promotora/formadora - A Recorrente - que acreditou que o seu comportamento de fiel respeitadora dos compromissos que assumira perante a DREPF, expressa num acto de aprovação de execução dos programas, vê-se na situação de desembolsar dinheiro que já não pode recuperar d terceiros, a quem já pagou pelos serviços prestados; encontra-se ainda numa situação de devedora em relação a terceiros credores, isto é, sem culpa, cumprindo a lei e executando o acto administrativo de acordo com os parâmetros que foram aprovados , vê-se ex post, com eficácia retroactiva, censurada afinal por ter cumprido o que se comprometera e cuja correcção de execução fora verificada pela DREFP. Dir-se-á, é a lei! Simplesmente, não é a lei! Mas, mesmo que o procedimento legal conduzisse a tal resultado, a Constituição, ao impor que a Administração esteja subordinada na sua actuação aos princípios de justiça e de boa-fé - artigo 266º, nº 2 - imporia uma correcção radical!
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... V- VIOLAÇÃO DA LEI POR DESRESPEITO DE IMPARCIALIDADE E INOBSERVÂNCIA DA BOA-FÉ O DAFSE não respeitou o princípio de imparcialidade ao utilizar critérios de razoabilidade diferentes do que a DREFP e o próprio DAFSE aplicaram em casos análogos. Deu-se o exemplo de uma acção de formação realizada na Região Autónoma dos Açores, o dossier PO 1001 (901008 P1) - Pedido 366, que obedeceu aos mesmos critérios na fixação das diversas alíneas e verbas que a Recorrente usou e a DREFP aprovou no caso sub judice. Houve até, também, auditoria do DAFSE (Doc. n°
17 da p.i.). Daí a similitude ser perfeita, só divergindo a decisão do DAFSE. Mas, para além de um caso concreto em que a mesma entidade, o DAFSE, usa critérios diversos, há que referir a questão verdadeiramente essencial e decisiva da introdução pelo DAFSE de novos critérios de razoabilidade diferentes dos praticados pela DREFP - para além da intromissão ilegal nas competências pedagógicas exclusivas desta Direcção Regional - envolver necessariamente como consequência, ao estender a auditoria para lá dos aspectos vinculados de crédito contabilístico e financeiro, que os procedimentos auditados e os não auditados vão ter critérios de decisão diferentes. Em suma, o esquema adoptado pelo DAFSE conduz a que a situação análoga ou similar se dê tratamento diferenciado consoante tenha sido sujeita ou não a auditoria O próprio esquema procedimental adoptado pelo DAFSE com a adopção de critérios de razoabilidade novos usados pela primeira vezz pelas auditorias não respeita o princípio da imparcialidade, nem o da igualdade entre os administrados. Tudo isto resulta, insista-se, da auditoria ser usada não como instrumento de verificação da legalidade ou correcção do comportamento - como instrumento sanção - mas como ocasião para introduzir novos critérios desconhecidos nas fases anteriores do procedimento, pretendendo o DAFSE substituir-se à gestão e aos conhecimentos técnicos de entidades gestoras, in casu da DREFP .
É claro que a prática do DAFSE viola também a boa-fé dos destinatários dos actos da Administração nos procedimentos de formação a que nos vimos referindo, tal como aconteceu no caso concreto sub iudice. A Recorrente tinha a legítÍma e legal expectativa de que, tendo sido considerados os seus comportamentos correctos e cumpridas as suas obrigações, os seus direitos não fossem desrespeitados por actos revogatórios ilegítimos. A prestação do cumprimento das obrigações da Administração, pela forma como é praticada, viola claramente a boa-fé. Se o Estado se conduzisse sempre assim não seria uma pessoa de bem!
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... EM CONCLUSÃO:
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26. O DAFSE violou ainda o princípio da imparcialidade - violação de lei - ao tratar casos absolutamente análogos e em que também se registaram auditorias, por forma diferente - infringe assim o art. 266º, nº 2 da CRP e o art. 6º do CPA;
27. Mais grave ainda ao introduzir critérios novos nas auditorias, que não puderam ser tomados em conta nas fases anteriores do procedimento, provocou uma parcialidade estrutural - a diferença entre os procedimentos em que houve auditoria e aqueles em que não houve (estamos, insista-se, numa situação em que o acto da DREFP é legal);
28. O DAFSE, ao frustrar a legítima expectativa de que a Recorrente cumprisse as obrigações assumidas e do modo como o fez, violou também a boa-fé da Recorrente
- CRP, art. 266º, nº 2 e CPA, art. 6º-A;
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Tendo o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de
27 de Outubro de 2004, negado provimento ao recurso jurisdicional, intentou a impugnante recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº
1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
No requerimento de interposição de recurso foi dito, a dado passo:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................ Com efeito, o sentido da interpretação que o douto acórdão faz dos artigos 9º,
10º e 23º do Decreto-Lei nº 37/91, de 18 de Janeiro, viola os princípios da imparcialidade e da boa-fé, constantes do artigo 266º da CRP, e dos artigos 6º e
6º-A do Código do Procedimento Administrativo, os quais conformam a necessária disciplina que dimana daqueles preceitos, Tal violação foi expressamente suscitada pela recorrente nas suas alegações de recurso jurisdicional, a páginas
18 e seguintes e nos números 26 a 28 das respectivas conclusões.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Como, por despacho prolatado em 25 de Novembro de 2004 pela Conselheira Relatora do Supremo Tribunal Administrativo, não foi admitido o recurso, por isso que entendeu que o impugnando acórdão não aplicou qualquer norma legal cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada no processo, veio a A. apresentar reclamação para o Tribunal Constitucional, na mesma, em síntese, defendendo que, na alegação do recurso jurisdicional, expressamente suscitou a alegada violação dos princípios constitucionais da imparcialidade e da boa fé e que o aresto pretendido recorrer concluiu que se não mostravam violados os princípios da justiça, da boa fé e da imparcialidade, dizendo, no que a este
último respeita, que, dentro do enquadramento jurídico que no mesmo se deixou explicitado, improcedia esse vício, o que, na perspectiva da ora reclamante significou que “a premissa maior que serviu para estruturar o silogismo do acórdão incluiu, embora por ‘referência receptiva’, digamos assim, mas expressa, as disposições sobre a competência do DAFSE que referimos (artigos 9º, 10º e 23º do Decreto-Lei nº 37/91, de 18 de Janeiro), e interpretou-as com violação do princípio da boa-fé constitucionalmente considerado”, razão pela qual o “facto de os preceitos sobre a competência (artigos 9º, 10º e 23º do Decreto-Lei nº
37/91, de 18 de Janeiro), por razões estilísticas, não serem mencionados à frente, no momento da decisão, senão pela tal ‘referência receptiva’, não significa que não fossem utilizados para fundamentar a decisão, como premissa maior deste, insiste-se”.
Os autos foram remetidos ao Tribunal Constitucional em
16 de Fevereiro de 2005.
Tendo tido «vista» dos autos, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, já que, na sua óptica, a reclamante “não suscitou, durante o processo e em termos processualmente adequados qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso de fiscalização concreta interposto - sendo evidente e inquestionável que a argumentação apresentada na alegação apresentada perante o STA. a fls. 18/20, não traduz tal suscitação adequada da questão da inconstitucionalidade das normas a que vem reportado o recurso para o Tribunal Constitucional”.
Cumpre decidir.
2. Do relato supra efectuado resulta por demais claro que, antes de ser lavrado o acórdão tirado em 27 de Outubro de 2004 pela 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, a ora reclamante, de todo em todo, não suscitou qualquer questão de enfermidade constitucional por banda de norma ou normas ínsitas no ordenamento jurídico ordinário.
Na verdade, basta ler as partes extractadas da sua alegação produzida no recurso jurisdicional, que são aquelas a que a reclamante se reporta, quer no requerimento de interposição do recurso não admitido, quer no corporizador da reclamação ora em apreço, para se verificar que os vícios de imparcialidade e de não comportamento pautado pela boa fé não foram imputados a qualquer norma jurídica infra-constitucional, ainda que alcançada por via de um raciocínio interpretativo que porventura fosse levado a efeito pela decisão, então impugnada, proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, mas sim à actuação concreta da entidade recorrida.
E, por isso - independentemente dos normativos que, aplicados pelo acórdão querido impugnar, constituíram a ratio juris da decisão do mesmo constante -, bem se poderá dizer que ele não levou a efeito a aplicação de norma cuja inconstitucionalidade houvesse sido suscitada precedentemente à sua prolação, talqualmente se refere no despacho reclamado.
Desta sorte, não merece tal despacho censura, pelo que se indefere a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2005
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício