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Processo nº 223/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos de recurso vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, pelo essencial dos fundamentos da exposição do relator oportunamente apresentada, que aqui se dão por reproduzidos, e que não foram abalados pela resposta do recorrente, tendo merecido inteira concordância do recorrido, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) unidades de conta.
Lisboa, 1 de Julho de 1997 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa Processo nº 223/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição a que se refere o nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- A., identificado nos autos, foi condenado, entre outros, por acórdão do 2º Juízo Criminal de Lisboa, de 20 de Julho de 1990, pela autoria material de crime de tráfico de estupefacientes (detenção ilícita) agravado, previsto e punido pelos artigos 23º, nº 1, e 27º, alínea g), do Decreto-Lei nº 430/83, de 13 de Dezembro de 1983, e de um crime previsto e punido pelo artigo 260º do Código Penal (arma proibida), em concurso real, na pena única, em cúmulo jurídico, de três anos de prisão e multa de 500.000$00, sem alternativa, e na multa de 40 dias, à razão diária de 300$00, perfazendo esta multa 12.000$00, com a alternativa de 26 dias de prisão.
A execução da pena foi suspensa por dois anos.
Tendo havido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, este, por acórdão de 30 de Abril de 1991, além do mais e no que ao ora recorrente respeita, revogou a medida de suspensão de execução da pena e convolou o crime de detenção de estupefacientes em que este fora condenado de agravado para simples, confirmando, no entanto, a medida da pena aplicada, por atenuação especial.
Seguiu-se recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 28 de Fevereiro de 1992, na parte que ora interessa, determinou a revogação da atenuação especial que havia sido concedida ao arguido pela Relação.
Este, e outros, recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alegando, no essencial, que o Supremo aplicara a norma do artigo 665º do Código de Processo penal de 1929, na interpretação do 'assento' de 29 de Junho de 1934, sendo que essa norma fora, anteriormente, declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão nº 401/91, publicado no Diário da República, I Série-A, de 8 de Janeiro de 1992.
O Tribunal Constitucional, pelo acórdão nº 48/95, de 2 de Janeiro, viria, em aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, contida naquele acórdão nº 401/91, a conceder provimento ao recurso do ora recorrente, entre outros, e assim, determinou a reformulação da decisão recorrida de harmonia com o julgamento de inconstitucionalidade proferido nesse acórdão.
Recebidos os autos no Supremo Tribunal de Justiça, este, por acórdão de 15 de Novembro de 1995 e tendo em consideração o aresto do Tribunal Constitucional, anulou o acórdão recorrido do Tribunal da Relação a fim de se proceder à sua reformulação de acordo com o decidido no citado acórdão nº
48/95.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 2 de Julho de 1996, viria a condenar A. como autor material de um crime previsto e punido pelo artigo 23º, nº 1, do Decreto-Lei nº 430/83 - que corresponde ao do artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, para o qual convolou, por ser mais favorável - na pena de quatro anos de prisão, revogando a atenuação especial e a suspensão da execução da pena.
Inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça alegando, além do mais, que o novo acórdão da Relação voltou a aplicar o artigo 665º do CPP de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo
'assento' de 29 de Junho de 1934, não, obstante o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional, pelo que propugna a sua anulação, de outro modo se violando o direito do arguido a um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, garantido pelo nº 1 do artigo 32º da Constituição da República (CR).
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 19 de Março de 1997, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida, declarando despenalizado o crime previsto e punido pelo artigo 260º do Código Penal (de 1982).
É deste acórdão que A. interpõe (novo) recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, 'para apreciação da violação do princípio e garantia constitucional da dupla jurisdição em matéria de facto, por aplicação do artigo
665º do Código de Processo Penal de 1929 na interpretação retributiva [terá querido escrever 'restritiva'] que lhe foi dada pelo Assento de 29 de Junho de
1934, declarado inconstitucional com força obrigatória geral no Acórdão nº
401/91 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, I Série-A, de 8 de Janeiro de 1992, e anteriormente suscitada nestes autos, nomeadamente nas alegações de recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça que deram entrada no Tribunal da Relação em 4 de Novembro de 1996'.
2.- Sucede que o acórdão da Relação de Lisboa, confirmado pelo acórdão recorrido, não aplicou a norma do artigo 665º do CPP, com ou sem a interpretação restritiva do 'assento', tendo para o efeito, após verificar estar-se perante uma lacuna normativa superveniente, explicitamente recorrido ao disposto no nº 3 do artigo 10º do Código Civil 'numa perspectiva imanente à lei, mediante uma adequação sistemática com respeito pelos princípios da chamada «constituição processual criminal» - artigo 32º da CRP, C.P. Penal de 1929 e 1987', elegendo para o efeito a norma constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1991 (in Boletim do Ministério da Justiça, nº 412, págs. 378 e segs.).
Ou seja, a Relação, chamada a pronunciar-se após o anterior acórdão do Tribunal Constitucional que aplicou a doutrina do acórdão nº 401/91 citado, reapreciou o caso sub judicio mediante a norma criada pelo notável aresto do Supremo de 18 de Dezembro de 1991 que criou, ele próprio a norma adequada, como se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, e que foi:
'1.- As Relações conhecerão de facto e de direito nas causas que julguem em 1ª instância, nos recursos interpostos das decisões proferidas pelos juízes de 1ª instância, das decisões finais dos tribunais colectivos e das proferidas nos processos em que intervenha o júri, baseando-se para isso, nos dois últimos casos, nos documentos, respostas ou quesitos e em quaisquer outros elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum.
2.- As Relações podem anular as decisões do tribunal colectivo, mesmo oficiosamente, quando reputem deficientes, obscuras ou contraditórias as respostas aos quesitos formulados ou quando considerem indispensável a formulação de outros quesitos, ou quando haja erro notório na apreciação da prova.
3.- As Relações podem determinar oficiosamente a renovação da prova para evitar a anulação da decisão do tribunal colectivo.
4.- A decisão que determinar a renovação da prova é definida e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em 1ª instância pode ser renovada.
5.- Havendo lugar a renovação da prova, intervêm na audiência os juízes do processo, sob a presidência do relator, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 423º e 430º do Código de Processo Penal de
1987.'
Observe-se, ainda, o que, a este propósito, mais se ponderou no acórdão de 18 de Dezembro de 1991:
'Pela redacção do nº 1 da norma transcrita, a competência das Relações em matéria de facto fica efectivamente alargada em relação à redacção constante do correspondente preceito do Código.
Quanto ao nº 2, chamou-se directamente ao artigo 665º os poderes de anulação já contemplados no nº 2 do artigo 712º do Código de Processo Civil, aplicáveis subsidiariamente, mas aditando-se o caso de erro notório na apreciação da prova, por inspiração do novo Código de Processo Penal (cfr. artigos 410º, nº 2, alínea c), e 428º, nº 2).
Relativamente ao nº 3, introduz-se na norma em causa a inovação da renovação da prova, que caracteriza os poderes das Relações na estrutura da nova lei de processo, e que possibilita ao tribunal de recurso fazer reproduzir perante si próprio determinada prova em vez de ordenar a anulação da decisão recorrida, nos termos previstos no nº 2.
O nº 5 limita-se a regular os trâmites da audiência de julgamento do recurso com renovação da prova em termos análogos aos do novo Código de Processo Penal.
Crê-se que, globalmente, a norma enunciada vai ao encontro das mais prementes garantias de defesa constitucionalmente garantidas. A elas acresce ainda a existência de um grau de recurso das decisões das Relações para o Supremo Tribunal de Justiça, que, embora circunscrito à matéria de direito, pode levar este Tribunal a ordenar a baixa do processo à Relação quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito
(artigo 729º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente), o que não deixa de constituir certamente uma garantia suplementar quanto ao apuramento da matéria de facto.'
Da transcrição feita, particularmente no que à norma criada e aplicada pelo Supremo respeita, resulta evidente não ter o acórdão recorrido, contrariamente ao que o ora recorrente pretende, aplicado a norma do artigo 665º do CPP de 1929, muito menos na interpretação integrativa do
'assento' de 29 de Junho de 1934.
3.- Significa o exposto não se verificarem, no caso sub judicio, os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, seja com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, seja com base na alínea g) do mesmo preceito.
Na verdade, no tocante àquela alínea b), a norma efectivamente aplicada na decisão ora recorrida, constitutiva da respectiva ratio decidendi, não foi objecto de suscitação de inconstitucionalidade durante o processo, sendo certo que houve oportunidade processual para o efeito
(tenha-se em consideração que a norma foi aplicada pelo Tribunal da Relação e, bem assim, o sentido atribuído àquela locução - durante o processo - pela jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional: cfr., v.g., inter alia os acórdãos 3/83, 206/86, 94/88 ou 80/92, publicados no Diário da República, II Série, de 26/1/84, 23/10/86, 22/8/88 e 18/8/92, respectivamente
(na Doutrina, J.M.Cardoso da Costa, A Jurisprudência Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, pág. 51; Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1994, págs. 329 e segs.; Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, Coimbra, 1997, pág. 51).
Por sua vez, no que à alínea g) se refere, igualmente não se verifica o pressuposto indispensável de a norma arguida de inconstitucionalidade ter sido aplicada pelo tribunal a quo e já julgada anteriormente inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Está em causa não deixar subsistir decisões de outros tribunais que julguem questões de constitucionalidade divergentemente dos julgamentos feitos sobre a matéria pelo Tribunal Constitucional, como se salienta no acórdão nº 214/90, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Setembro de 1990.
Ora, como se viu, não foi aplicada a norma que o recorrente invoca, expressa e explicitamente, para fundamentar o recurso com este fundamento. Independentemente de a norma efectivamente aplicada já ter sido aludida no acórdão nº 190/94 (citado Diário, II Série, de 12 de Dezembro de
1995) e sem prejuízo do que já decidido foi quanto a outra construção normativa (cfr. os acórdãos nºs. 189/94, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 434, págs. 214 e segs., e 680/95, no jornal oficial citado, II Série, de 22 de Maio de 1996) o certo é que, in casu, sempre falecerá o pressuposto de admissibilidade que implica a aplicação de norma anteriormente julgada inconstitucional por este Tribunal.
3.- Em face do que sucintamente se expõe, emite-se parecer no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes, nos termos do nº 1 do artigo
78º-A da lei nº 28/82, de 15 de Novembro.