Imprimir acórdão
Proc. nº 500/96
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A A. foi autuada, por infracção às disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 26/81, de 21 de Agosto, na alínea d) do nº 1 do artigo 23º e no artigo 26º, ambos do Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro, e nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 21º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 21 de Novembro de 1969, em virtude de não ter pago as faltas que a trabalhadora estudante B. (educadora de infância ao seu serviço) deu para realizar testes semestrais do curso de ............................ da Universidade
...............
A arguida contestou a acusação, sustentando, no que respeita à questão de constitucionalidade, o seguinte:
'27 - Por outro lado, consideramos que todo o entendimento da lei que vá no sentido de impor às entidades patronais que remunerem as ausências dos seus trabalhadores para preparação de provas até 4 dias por disciplina, qualquer que seja a duração das disciplinas e a respectiva necessidade de preparação, entrar na franja da inconstitucionalidade, por atentar contra os princípios da igualdade entre os trabalhadores e da igualdade entre os trabalhadores estudantes (art. 13º), da proporcionalidade dos ónus e da justiça (art. 18º e
266º, nº 2), da plena utilização das forças produtivas e do equilíbrio da concorrência entre as empresas (artigo 81º, alíneas c) e f)).
28 - Aliás, a obrigação de remunerar as ausências do trabalho é, pelo menos, um encargo semelhante a um imposto e, quanto aos impostos, o legislador constituinte pretendeu exigir que o legislador ordinário fosse criterioso e comedido, não deixando ao livre arbítrio do Governo a determinação da incidência, da taxa e das garantias dos contribuintes (art. 106º, nº 2, da Constituição).
Por isso que a pretensa concessão de um crédito de 4 dias remunerados por disciplina - qualquer que fosse a duração das disciplinas - deixando às normas menores de regulamentação dos cursos o arbítrio de fixar aquele âmbito (do crédito de dias remunerados sem trabalho) através da maior ou menor fragmentação das disciplinas, além de atentar contra o princípio constitucional da proporcionalidade, significaria inconstitucionalidade por omissão
29 - Finalmente, igual comedimento há-de resultar de o ensino ser um dever do Estado e não das entidades patronais, pelo que toda a transferência desse encargo para estas tem de ser excepcional e, logo, restrita, sob pena de violação do disposto nos arts. 73º e 74º da Constituição.'
O Tribunal do Trabalho de Braga, por sentença de 18 de Abril de
1996, julgou improcedente a acusação, mas condenou a arguida no pagamento da quantia de 13.638$00 (treze mil seiscentos e trinta e oito escudos) à trabalhadora B..
2. A A. interpôs recurso de constitucionalidade da sentença do Tribunal do Trabalho de Braga de 18 de Abril de 1996, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea c), da Lei nº 26/81, de 21 de Agosto.
A recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
'IV CONCLUSÕES:
1ª - O princípio consagrado no art. 59º, nº 1, al. a, da Constituição, da retribuição do trabalho segundo a quantidade e do direito a salário igual para trabalho igual, Interliga-se, na perspectiva das empresas com o da garantia da livre concorrência do art. 81º, f) e, ao nível dos indivíduos e dos trabalhadores, decorre do princípio da igualdade do art. 13º, e todos (esses princípios) ficam a coberto do Princípio do Estado de Direito Democrático (art.
2º).
2ª - O dever das empresas e demais entidades empregadoras de cooperarem na garantia do acesso ao ensino, que é dever do Estado ( art. 73º, nº 3, d, da Constituição), só é conforme com a disciplina dessa Lei Fundamental enquanto tal encargo for proporcionado e compensado - o que decorre do princípio da igualdade, na compreensão da conclusão antecedente (igualdade, em concreto como pressuposto da livre concorrência) e, nessa leitura 'igualitária' também se manifesta no art. 18º, nº 2 (comedimento e proporcionalidade dos ónus).
3ª - O cumprimento do princípio da igualdade assim concebido obriga a que os encargos se apliquem apenas na medida do indispensável, no tratamento do desigual apenas na medida da desigualdade (proporcionalidade), e, por outro lado, e que aqueles encargos tenham uma contrapartida de reequilíbrio (justa compensação). POR ISSO
4ª - A norma do art. 61º da Lei nº 26/81, de 21.8, enquanto interpretada no sentido de que o trabalhador estudante tem direito de dar até 4 faltas justificadas por disciplina, para preparação de provas, devendo ser-lhe concedido esse 'crédito' quer se trate de disciplina de duração anual, semestral, trimestral ou, até, bimestral, com a remuneração e todas as demais alcavalas a encargo exclusivo da entidade patronal e sem qualquer contrapartida, viola todos os citados princípios e normas constitucionais, permite a aplicação de encargos desmedidos e desproporcionados e gera, em concreto, desigualdade de tratamento entre os trabalhadores, entre os estudantes trabalhadores e também entre as empresas, falseando ainda, nesta perspectiva, a livre concorrência.'
O recorrido contra-alegou, tendo tirado as seguintes conclusões:
'1º
Não constitui solução legislativa arbitrária ou discricionária a que se traduz em facultar idênticas regalias aos trabalhadores-estudantes, no que se refere ao crédito de faltas justificadas que lhe é concedido para efeitos de realização de provas de avaliação de conhecimentos, independentemente da duração temporal dos cursos frequentados e da complexidade das matérias neles versadas, estando assegurada a eficácia económica da empresa no caso de excesso de candidatos à frequência de cursos.
2º
A solução consagrada no artigo 6º, nº 1, alínea c), da Lei nº 26/81, de 21 de Agosto, não ofende o princípio da igualdade nem qualquer outro preceito ou princípio constitucional.'
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentos
4. A norma questionada tem a seguinte redacção:
'Artigo 6º
(Prestação de exames ou provas de avaliação)
1. O trabalhador-estudante tem direito a ausentar-se, sem perda de vencimento ou de qualquer outra regalia, para prestação de exame ou provas de avaliação, nos seguintes termos:
(...)
c) Nos casos em que os exames finais tenham sido substituídos por testes ou provas de avaliação de conhecimentos, as ausências referidas poderão verificar-se desde que, traduzindo-se estas num crédito de quatro dias por disciplina, não seja ultrapassado este limite, nem o limite máximo de dois dias por cada prova, observando-se em tudo o mais o disposto nas alíneas anteriores.
(..)'
Entende a recorrente que tal norma, quando interpretada no sentido de o trabalhador estudante ter direito a dois dias de faltas justificadas e remuneradas para preparação de cada prova, com o limite de quatro por disciplina, quer se trate de disciplina de duração anual, semestral, trimestral ou bimestral, é inconstitucional, por violação do dever do Estado de garantir o acesso ao ensino [artigo 74º, nº 3, alínea d), da Constituição] e dos princípios da igualdade (artigo 13º da Constituição), de salário igual para trabalho igual [artigo 59º, nº 1, alínea a), da Constituição), da confiança e da proporcionalidade (artigo 2º da Constituição). A recorrente sustenta ainda que tal norma viola o princípio da livre concorrência entre empresas [art. 81º, nº
1, alínea f), da Constituição].
Importará, assim, e em primeiro lugar, verificar se a norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea c), da Lei nº 26/81, de 21 de Agosto, na medida em que estabelece o mesmo número de faltas para a realização de exames de cadeiras anuais, semestrais, trimestrais ou bimestrais, viola o princípio da igualdade, pelo facto de a natureza da disciplina fundamentar uma diferenciação.
5. O princípio da igualdade proíbe diferenciações desti-tuídas de fundamentação racional, à luz dos critérios axiológicos constitucionais [cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp.
383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
3ª ed., 1993, p. 125 e ss.].
Porém, não resulta do princípio da igualdade qualquer imposição genérica de que situações diversas deverão ter tratamento diferente. Apenas decorre de tal princípio que será exigível um tratamento diferenciado de duas categorias de situações quando existir justificação para tal num plano de justiça material. Só nesse caso é que a omissão de tal diferenciação consubstanciará uma violação do princípio da igualdade.
A consideração da falta para a realização de exames como justificada não se fundamenta no conteúdo da disciplina em questão ou na sua duração. Com efeito, a dimensão temporal de uma disciplina apenas indiciará a extensão do programa adoptado, não permitindo tirar qualquer conclusão quanto à dificuldade e à densidade das matérias leccionadas.
Na verdade, não é possível afirmar que, por exemplo, uma disciplina semestral carece de menos tempo de preparação do que uma disciplina anual. Por outro lado, o período correspondente ao número de faltas que os trabalhadores estudantes podem dar para preparação de exames não corresponde naturalmente ao período total de estudo que o exame a realizar requer. O trabalhador estudante terá necessariamente articulado a sua vida profissional com as suas actividades lectivas, beneficiando na véspera da avaliação de dois dias por exame (não podendo exceder quatro por disciplina) para ultimar a preparação do teste que irá realizar. Tal período de tempo é-lhe facultado em função da realização de um exame, independentemente de se tratar de uma disciplina anual, semestral, trimestral ou bimestral.
A duração da disciplina não exige assim uma diferenciação do período de tempo a conceder ao trabalhador estudante para preparação do respectivo teste. A concessão de tal período relaciona-se com a preparação final de um exame (revisão da matéria estudada, esclarecimento de dúvidas, sempre necessários no estudo de qualquer disciplina), presumindo-se, inilidivelmente, que os períodos de dois dias por exame e de quatro dias por disciplina constituem os mínimos indispensáveis para tal preparação.
Dever-se-á, consequentemente, concluir que a norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea c), da Lei nº 26/81, de 21 de Agosto, não viola o princípio da igualdade, por não impor qualquer diferenciação do número de faltas justificadas.
6. A recorrente sustenta, por outro lado, que a norma questionada viola o princípio segundo o qual a trabalho igual deve corresponder salário igual [artigo 59º, nº 1, alínea a), da Constituição], na medida em que o trabalhador estudante, não se encontrando ao serviço, sem perder a remuneração, trabalha menos do que os seus colegas, auferindo a mesma retribuição.
E a recorrente argumenta, ainda, que 'as excepções a tal princípio - trabalho igual, salário igual - só hão-de admitir-se quando justificadas e proporcionadas, no tratamento desigual daquilo que é desigual, mas apenas na medida da desigualdade'.
Mas o estatuto de trabalhador estudante justificará tal diferenciação? E decorrerá do princípio da igualdade a genérica conclusão de que a vinculação da entidade patronal ao pagamento das faltas justificadas será inconstitucional?
7. Mesmo que se sustentasse uma visão contratualista da relação laboral, afastando (por razões de argumentação) uma perspectiva comunitário-pessoal, que facilmente explicaria a manutenção da retribuição em certas situações em que o trabalhador não presta efectivamente qualquer actividade, sempre haveria que admitir excepções ao sinalagma entre trabalho e salário. Tais excepções verificar-se-iam precisamente nas situações em que persiste o dever de prestar a retribuição sem que tenha sido efectuada a correspondente prestação de trabalho. São os casos de férias, feriados, dias de descanso e de um modo geral os de faltas justificadas de curta duração (que não conduzam a impedimento prolongado), que abrangem a situação sub judicio.
São várias as explicações da ratio essendi das aludidas excepções. Por um lado, no âmbito do contrato de trabalho entende-se que existe um risco que deve ser suportado pelo empregador, como contrapartida da disponibilidade da capacidade de trabalho (que distingue, decisivamente, o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços). Por outro lado, existe um dever de prestar assistência ao trabalhador, a que o empregador está obrigado, em virtude de beneficiar da disponibilidade pessoal daquele. Tem-se adiantado, também, como explicação das excepções em causa, a transformação das noções 'quantitativas' de trabalho e salário em conceitos 'qualitativos'. Nesta perspectiva, a prestação a cargo do trabalhador traduzir-se-ia na sua disponibilidade e não na efectiva prestação de serviço; por seu turno, o dever de retribuição corresponderia, em termos gerais, à prestação do trabalhador, entendida como disponibilidade (cf. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, p. 713; e Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, I, 8ª edição,
1993, p. 358 e ss.).
Contudo, ainda que se considere que tais ideias não explicariam satisfatória e completamente a existência de excepções ao sinalagma entre trabalho e salário (cf., neste sentido, Rui Carlos Pereira, A garantia das obrigações emergentes do contrato de trabalho, separata da Revista 'O Direito', anos 106º-119º, 1974/1987, p. 237 e ss.), sempre se poderia entender que a prestação de trabalho possui um significado que ultrapassa o quadro obrigacional que a envolve. Embora seja o empregador o directo beneficiário do resultado final alcançado pela prestação de trabalho, mediatamente é toda a sociedade que dele beneficia.
Existe assim uma função social do trabalho, que tem por efeito reflexo a protecção dos direitos fundamentais do trabalhador, nos quais se engloba o direito à valorização cultural e profissional (cf. sobre a eficácia externa de direitos fundamentais, em geral, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 147 - que preferem a designação 'eficácia geral, erga omnes' à designação 'eficácia externa dos direitos fundamentais', por entenderem que os direitos fundamentais vinculam directamente as entidades privadas nas relações entre si, afastando, assim, uma concepção que vê nestes direitos, exclusivamente, direitos subjectivos de defesa perante o Estado -, Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 537 e ss. e 590 e ss., Vieira de Andrade, Direito Constitucional, 1977, p. 275 e ss., Os Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares, Separata do Boletim do Ministério da Justiça, nº 5, Documentação e Direito Comparado, 1981 e Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 1983, p. 270 e ss., e no que se refere ao contexto do trabalho, Rui Carlos Pereira, text.cit., p. 240).
Tal protecção consubstancia um encargo da entidade empregadora, desde que se enquadre nos limites de uma certa margem de risco que corre por conta do empregador - margem de risco que há-de, necessariamente, adequar-se a uma exigência de proporcionalidade. A existência de tal margem, na medida em que não consubstancia uma desconfiguração substancial da prestação do trabalhador, não afecta o equilíbrio essencial entre as prestações principais das duas partes do contrato de trabalho, pelo que não justifica uma modificação quantitativa da retribuição. Neste sentido, a prestação do trabalhador estudante é ainda fundamentalmente equivalente à do trabalhador não estudante.
A obrigação de pagar as faltas justificadas do trabalhador em geral bem como do trabalhador estudante constitui assim um encargo do empregador não incompatível com o princípio segundo o qual a trabalho igual deve corresponder salário igual. Tal encargo tem fundamento na própria natureza da relação laboral, pois tal como outros encargos da entidade patronal (faltas por nojo ou por casamento, por exemplo), não afecta a dimensão qualitativa da prestação de trabalho que justifica a subsistência do dever de prestar a retribuição (cf. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho,
1992, pp. 403 e 404). Enquadra-se assim na margem de risco ainda compatível com os valores subjacentes ao princípio constitucional em causa.
Não há, pois, no caso presente violação do princípio segundo o qual a trabalho igual deve corresponder salário igual, quando o empregador está vinculado a pagar as faltas justificadas.
8. Afirma a recorrente que a norma impugnada viola o princípio da igualdade entre trabalhadores e entre empresas e o dever do Estado de assegurar a livre concorrência entre empresas, consagrados nos artigos 13º e
81º, nº 1, alínea f), da Constituição, respectivamente.
A tarefa de assegurar a equilibrada concorrência entre empresas exige a proibição de práticas ou de acordos entre empresas que visem restringir artificialmente a concorrência (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.cit., p.
400). Por outro lado, decorre igualmente de tal incumbência a proibição da criação de condições de vantagem, para alguma ou algumas empresas, destituídas de fundamento, à luz dos valores constitucionais.
Ora, na medida em que qualquer trabalhador pode beneficiar do estatuto de trabalhador estudante e que qualquer empresa pode ter ao seu serviço trabalhadores com esse estatuto, não existe nem discriminação entre trabalhadores nem discriminação entre empresas. Com efeito, a existência numa dada empresa de empregados com o estatuto de trabalhador estudante resulta de uma alea inerente à actividade empresarial que, recaindo de forma forma igual sobre todas as empresas, não pode ser vista como factor de desigualdade. Tal circunstância, em virtude de não consubstanciar a criação de uma qualquer vantagem que falseie as regras da concorrência, não pode ser considerada como uma afectação da incumbência do Estado de assegurar a equilibrada concorrência entre empresas.
Assim, a norma impugnada nem viola o princípio da igualdade nem viola o dever estatal de assegurar a livre concorrência entre empresas.
9. A recorrente sustenta ainda que a norma impugnada, na medida em que onera a entidade empregadora com os encargos inerentes à realização de exames pelos trabalhadores, consubstancia uma violação do dever do Estado de assegurar o acesso ao ensino, consagrado no artigo 74º, nº 3, alínea d), da Constituição.
Ora, embora seja verdade que a protecção dos direitos fundamentais do trabalhador não está, nem pode estar, essencialmente a cargo do empregador (como o demonstra a crescente importância do Direito da Segurança Social), em algumas situações o empregador está obrigado a prestar assistência ao trabalhador, com vista à realização de direitos fundamentais de que este é titular, como aliás já se referiu.
Assim, compreende-se que ao empregador incumbam determinados encargos, decorrentes do facto de este beneficiar de uma disponibilidade do trabalhador de natureza pessoal, desde que seja respeitado o princípio da proporcionalidade.
Ora, a consideração como justificadas (com a inerente obrigação de pagar a retribuição) de duas faltas por exame, não sendo possível exceder quatro faltas por disciplina, não é inadequada às exigências decorrentes da frequência de um curso de especialização ou de simples valorização cultural do trabalhador, enquadrando-se na margem de risco que corre por conta do empregador. Não é desrazoável fazer impender sobre a entidade empregadora o pagamento dessas faltas, na medida em que a conexão entre o dever de prestar a retribuição e o benefício decorrente da disponibilidade do trabalhador para a realização da actividade profissional abarca tal encargo.
Diga-se ainda que a entidade empregadora também beneficia da valorização profissional ou até mesmo cultural do trabalhador, pelo que se justifica que participe nos encargos inerentes.
Ao Estado cabe a criação das condições de igualdade no acesso ao ensino dos cidadãos, nomeadamente através da criação de uma rede escolar que cubra as necessidades da população, do estabelecimento de modalidades de ensino que se adequem aos condicionalismos dos cidadãos, do apoio social escolar, traduzido na criação de infraestruturas, tais como cantinas e redes de transporte, e do abatimento de barreiras sociais e culturais no acesso ao ensino
(cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.cit., pp. 365 e 366). Tal não significa, porém, que sobre o Estado recaiam todos os encargos inerentes à frequência lectiva de todos os estudantes (trabalhadores ou não), quando certas entidades beneficiem do produto final do acesso ao ensino.
Compreende-se pois que se consagre uma repartição de encargos, nos limites do razoável e com respeito pelo princípio da proporcionalidade, dado que tais encargos são assumidos como deveres da entidade empregadora emergentes da celebração do contrato de trabalho. O caso em análise, como resulta do que se disse, enquadra-se nesses deveres e não desrespeita esses limites.
Aliás, a recorrente admite a razoabilidade de tal ónus, ao afirmar que 'não se põe aqui em questão, como é óbvio, a solidariedade das empresas e a sua colaboração com o Estado no cumprimento do dever deste de garantir o acesso ao ensino. Essa solidariedade é dever de todas as pessoas e entidades num Estado de Direito e num Estado de Direito Social' (cf. alegações de recurso de constitucionalidade, fls. 54).
Não existe pois qualquer afectação da proporcionalidade, bem como não é violada a norma contida no artigo 74º, nº 3, alínea d), da Constituição.
10. Também não se vislumbra qualquer violação do princípio da confiança (consagrado no artigo 2º da Constituição). Com efeito, na medida em que o regime das faltas dos trabalhadores estudantes se encontra legalmente consagrado, não existe qualquer expectativa legítima que seja afectada pela sua aplicação (cf., sobre o princípio da confiança, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 303/90 - D.R., I Série, de 26 de Dezembro de 1996;
747/95, 468/96; 786/96, 1006/96 e 1/97 - inéditos).
III Decisão
12. Antes o exposto, decide-se:
a) julgar não inconstitucional a norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea c), da Lei nº 26/87, de 21 de Agosto;
b) negar, consequentemente, provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade suscitada. Lisboa, 25 de Junho de 1997 Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa