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Processo n.º 697/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que
figuram como recorrente a Caixa Geral de Aposentações e como recorrida A., foi
proferido, em 29 de Março de 2005, pela 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, o
acórdão n.º 159/2005, pelo qual se decidiu não julgar inconstitucional a norma
do artigo 41.º, n.º 2, 1.ª parte, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi
dada pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, na interpretação segundo a
qual a titularidade de pensão de sobrevivência em caso de união de facto depende
de o companheiro do falecido estar nas condições do artigo 2020.º do Código
Civil, isto é, de ter direito a obter alimentos da herança, por não os poder
obter das pessoas referidas no artigo 2009.º, n.º 1, alíneas a) a d), do mesmo
Código. Consequentemente, foi concedido provimento ao recurso e determinada a
reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo sobre a questão de
constitucionalidade.
2.Notificada desta decisão, a recorrida veio dela interpor recurso para o
Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 79.º-D da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do
Tribunal Constitucional), por considerar que “o aludido acórdão julgou em
sentido divergente do que anteriormente fora decidido quanto à mesma norma
(art.º 41.º, n.º 2 – 1.ª parte, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência) pelo
acórdão n.º 88/2004 (3.ª Secção desse Tribunal)”.
Admitido o recurso, e notificadas as partes para apresentarem as suas alegações,
a recorrente concluiu assim as suas:
«1. A união de facto é uma relação familiar em que os sujeitos envolvidos não
viram necessidade de a sujeitar a uma formalização.
2. Acontece em qualquer fase da vida e, muitas vezes, em situações em que a
ligação afectiva é extremamente forte.
3. Estamos, no fundo, perante uma situação de facto em tudo semelhante ao
casamento.
Acresce que
4. O art.º 36.º da Constituição estatui que
“Todos têm direito de constituir família e de contrair casamento em condições de
plena igualdade”.
5. Este artigo sempre terá de ser interpretado no sentido de que a constituição
de família não é apenas o resultado do casamento mas resulta também de uma
situação de união de facto estável e duradoura, como a dos autos.
6. A união de facto, é, pois uma relação familiar (cfr.- Gomes Conotilho/Vital
Moreira – C.R. Portuguesa Anotada; Coimbra, 1978, pág. 200 e 351), que como tal
deverá ser protegida (art.º 67.º, n.° 1, do C.P.P.). Mas mais:
7. É desproporcionada e não se justifica constitucionalmente a diferenciação
entre a posição do cônjuge sobrevivo e a do companheiro em união de facto no que
concerne ao direito às prestações por morte.
8. A Constituição não especifica nesta matéria, qualquer indício bastante da
valorização do casamento relativamente à unidade “familiar” constituída pela
união de facto.
9. A norma consubstanciada na 1.ª parte do n.° 2 do art.º 41.º do Estatuto das
Pensões de Sobrevivência viola o princípio da proporcionalidade tal como resulta
dos art.ºs 2.°, 18.°, n.° 2, 36.º, n.° 1, 63.º, n.°s 1 e 3, da C.R.P .
10. O art.º 2.° da C.R.P. estatui que a República Portuguesa é um Estado de
Direito democrático, baseado na soberania popular ... no respeito e na garantia
de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais sendo que “a lei só pode
restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos
na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”
(art.º 18.º, n.° 2).
11. O art.º 36.º, n.° 1, estatui que “todos têm direito de constituir família e
de contrair casamento em condições de plena igualdade”.
12. Por último o art.º 63.º, n.° 1, estatui expressamente que todos têm direito
à segurança social sendo que o n.° 3 do citado preceito diz que “o sistema de
segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez e orfandade,
bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de
meios de subsistência, ou de capacidade para o trabalho”.
13. Importa também salientar, que o fundamento e a natureza do direito a
alimentos e à pensão de sobrevivência são diversos. Na verdade
14. O direito a alimentos resulta de relações familiares ou para-familiares e
visa fazer face a uma situação de necessidade do alimentado.
15. O direito à pensão de sobrevivência tem por base descontos obrigatoriamente
realizados, ao longo da vida profissional (durante um período mínimo) pelo
funcionário público entretanto falecido, sendo relevantes, para determinação do
montante da pensão, não só o montante da contribuição mas também o período
contributivo.
16. Além disso a pensão de sobrevivência é paga por uma entidade pública, para a
qual obrigatoriamente descontam os funcionários públicos e o seu objectivo é
compensar parte da perda dos rendimentos determinados pela morte do beneficiário
da Caixa Geral de Aposentações.
17.Mas o direito à pensão de sobrevivência é também manifestamente diferente do
direito sucessório.
18. O facto de não ser reconhecida a qualidade de herdeiro legítimo ou
legitimário à pessoa que viveu em união de facto não constitui qualquer
argumento válido para o que se discute neste processo.
19. A atribuição do direito a uma pensão de sobrevivência resulta directamente
do direito à segurança social (art.º 63.º da Constituição), independentemente do
estatuto do casamento. Assim,
20. A prova que é exigida pelo citado art.º 41.º para que pessoas que vivem em
união de facto possam obter a pensão de sobrevivência constitui uma restrição
inadmissível a um direito consagrado constitucionalmente.
21. Porquanto viola o princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do
excesso que decorre do art.º 18.º, n.° 2, da Constituição.
22. É inadmissível que um direito constitucionalmente consagrado, como o
constante no art.º 63.° da C.R.P., possa sofrer restrições pelo simples facto de
duas pessoas, que viveram longos anos em união de facto, não terem “formalizado”
a ligação.
23. Com tal restrição não se está a proteger a instituição “casamento” mas a
penalizar, por forma absurda e desproporcionada quem toda a vida viveu em
condições análogas às dos cônjuges.
24. Aliás, a equiparação dos casais que vivem em união da facto aos casais
ligados pelo casamento, no que concerne às prestações por morte dos
beneficiários de Segurança Social, decorria já do Decreto-Lei n.º 322/90 e do
Dec. Regulamentar n.° 1/94 (cfr. preâmbulo).
25. De resto, da própria Lei da União de Facto decorre, em matéria de protecção
social do companheiro, uma total equiparação ao casamento.
26. O referido art.º 41.º viola claramente o princípio da proporcionalidade, ao
restringir o direito constitucional à segurança social, e à protecção nas
“situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para
o trabalho”.
27. As restrições aos direitos, liberdades e garantias devem “limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos
(art.º 18.º, n.º 2 – 2° parte).
28. No caso sub iudice, a norma restritiva em análise viola o princípio da
proporcionalidade, não só na vertente da proibição de excesso mas também a que
resulta do princípio geral de Estado de Direito (art.º 2.° Const.).
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando‑se a
inconstitucionalidade da norma do art.º 41.º (1.ª parte do n.° 2) do já citado
Decreto-Lei quando interpretado no sentido de a atribuição da pensão de
sobrevivência por morte do beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a quem
com ele convivia em situação de facto, depende também da prova do direito do
companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido,
direito esse a ser invocado e reclamado na herança do falecido, com prévio
reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d)
do art.º 2009.º do C. Civil, e, consequentemente, confirmando o douto acórdão do
S.T.J., assim se fazendo JUSTIÇA.»
Por seu turno, a Caixa Geral de Aposentações formulou as seguintes conclusões:
«1.ª Os estados civis de casado e solteiro (na situação de unido de facto) não
são idênticos nem de facto, nem de direito;
2.ª A Lei Fundamental limita-se, nesta matéria, a estabelecer que “Ninguém pode
ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou
isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território
de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica, condição social ou orientação sexual” (artigo 13.º – Princípio da
igualdade) e que “Todos têm o direito de constituir família e de contrair
casamento em condições de plena igualdade” (artigo 36.º – Família, casamento e
filiação);
3.ª Do primeiro dos artigos colhe-se que a opção que os cidadãos tomam sobre o
seu estado civil não é considerada irrelevante pelo legislador constitucional.
Do segundo, que deve ser lido articuladamente com o primeiro, que tal facto
decorre, com naturalidade, de estar a todos assegurado contrair matrimónio, pelo
que cabe, em última instância, a cada cidadão decidir sobre o seu estado civil,
não restando ao Estado senão respeitar tal decisão;
4.ª A opção que cada um, conscientemente, toma nessa matéria prende-se,
frequentemente, com o nível de solenidade que pretende dar à união de facto, bem
como, amiúde, com objectivos de ordem patrimonial mais ou menos confessáveis
(ex.: evitar a transmissibilidade de dívidas ao património do casal);
5.ª A equiparação judicial (com fundamento em imperativo constitucional que não
se descortina) do unido de facto ao casado para efeitos patrimoniais – mas só
para aqueles que sejam de valor positivo (não se conhece jurisprudência no mesmo
sentido para efeitos de comunicabilidade de dívidas ou de efeitos fiscais, por
exemplo) – resulta numa ousadia paternalista inaceitável;
6.ª O legislador ordinário (no Estatuto das Pensões de Sobrevivência) entendeu –
numa opção que a Constituição acomoda sem dificuldade – aproximar o estatuto do
unido de facto do ex-cônjuge com direito a alimentos. O que haverá de
inconstitucional em condicionar o direito do companheiro de contribuinte
falecido a uma pensão vitalícia de sobrevivência à carência de alimentos? Não
partilham ambas as situações o desejo de o contribuinte falecido não estar
casado à data da morte com aquela que se apresenta a habilitar-se a uma pensão
de sobrevivência? ;
7.ª O esgotar da via trilhada pelo Acórdão recorrido, em coerência, deverá levar
a equiparar os efeitos da união de facto aos do casamento, sendo legítimo
questionar o que se salvará deste, para além da cerimónia religiosa, quando a
religiosidade dos noivos a admita;
8.ª Também não se afigura inconstitucional a coexistência de vários regimes de
pensões, cada um com regras próprias (aliás, não se conhece um único Pais com um
só regime de pensões para todos os trabalhadores). E se o regime geral da
segurança social (aplicável à generalidade dos trabalhadores do sector privado)
é, eventualmente, mais generoso neste aspecto, o que é certo é que as pensões
que atribui têm valor muito inferior às que são pagas pelo regime gerido pela
CGA (abrange os funcionários públicos e alguns trabalhadores do sector privado);
9.ª Não é admissível é que se ensaie, por via jurisprudencial, uma fusão dos
dois regimes, aproveitando-se de cada um os aspectos julgados mais interessantes
para os pensionistas, não cuidando de saber se o regime de financiamento de cada
um comporta tão ousada ingerência do poder judicial numa esfera por natureza e –
o que não é despiciendo – por lei reservada ao poder legislativo, naturalmente
mais vocacionado para efectuar tal ponderação;
10.ª Nada autoriza o julgador – que deve resistir a todo o custo à tentação de
se assumir como criador – a compor um tertium genus a partir de sistemas
pré-existentes;
11.ª Será, por fim, uma violência obrigar alguém a casar para poder beneficiar
da plenitude dos direitos associados a esse estatuto jurídico? Ou, colocando a
questão ao contrário, não será uma violência – uma fraude à lei, mesmo –
reconhecer a alguém o estatuto de unido de facto para efeito de fuga às
responsabilidades patrimoniais pessoais e aquele que é próprio dos casados
quando os encargos financeiros são da responsabilidade de terceiros (de todos,
afinal, uma vez que as pensões são, cada vez mais, pagas pelos impostos dos
contribuintes)? Não será esta uma maior ofensa ao princípio da
proporcionalidade, conexo do da responsabilidade individual? Será admissível um
entendimento do tipo do que se sindica, que objectivamente favorece a tese que
parece ganhar adeptos, de privilegiar os direitos em detrimento dos deveres mais
básicos de cidadania?
12.ª Quanto à alegada ofensa do princípio da proporcionalidade, se não existe
qualquer ofensa do princípio da igualdade, como, de resto, o Tribunal
Constitucional já esclareceu devidamente, também nos parece não haver qualquer
violação do princípio da proporcionalidade. A mesma legitimidade que tem de
reconhecer-se ao legislador ordinário de excluir os unidos de facto dos
herdeiros do de cujus, parece que terá de se reconhecer quanto ao elenco de
herdeiros hábeis para efeitos de pensão de sobrevivência, que não são assim tão
diferentes.
13.ª Não se compreende como possa desonerar-se a herança do de cujus de prestar
alimentos ao ex-companheiro com o fundamento de que o legislador entendeu não o
incluir no elenco de herdeiros hábeis daquele e depois, em situação assimilável
àquela (os elencos são quase idênticos), chegar a conclusão oposta quando se
coloca a questão da pensão...
14.ª Como também não se compreende por que razão deve a sociedade – através dos
impostos (que pagam fatia cada vez maior das pensões) – ser solidária com o
companheiro de contribuinte falecido quando este – através da sua herança – não
tem idêntica obrigação;
15.ª Por outro lado, se é verdade que os fundamentos e a natureza dos direitos a
alimentos e à pensão de sobrevivência são, em princípio, diversos, o que é facto
é que o regime jurídico desta última remete expressamente para o do primeiro (o
EPS remete para o regime alimentar)!
16.ª Por fim, haverá que esclarecer o equívoco subjacente ao acórdão do STJ que
esteve na origem do acórdão do TC n.º 88/2004: a prova de que a herança não tem
bens para prestar alimentos ao unido de facto não carece de ser efectuada em
acção autónoma, como a generalidade dos tribunais de 1.ª instância bem sabe,
actuando, de resto, em conformidade. Não se descortina, assim, que essa prova
onere desproporcionadamente quem se apresenta a requerer uma pensão de
sobrevivência;
17.ª Aliás, nessa ordem de ideias, parece mais violento ter como requisito a
impossibilidade de obter alimentos dos familiares – muitas vezes sem qualquer
relação com o requerente de pensão – do que da herança do ex-companheiro!
Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o douto suprimento de V.Ex.as,
deve ser negado provimento ao presente recurso e, por via dele, deverá ser
declarado se a Constituição da República obriga a tratar de forma igual, a todos
os níveis, o casado e o unido de facto, devendo, em consequência aquele Alto
Tribunal, fazer a aplicação do mencionado preceito, assim se repondo a
legalidade e se fazendo JUSTIÇA.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Não deixou de se notar no acórdão recorrido que a decisão aí tomada se
afastava do sentido de outra deste Tribunal, relativa a questão idêntica –
justamente o acórdão n.º 88/2004 (publicado no Diário da República, II série, de
16 de Abril de 2004), que constitui o fundamento para o presente recurso para o
Plenário, por se ter pronunciado no sentido da inconstitucionalidade da norma
«que se extrai dos artigos 40°, n.º 1, e 41°, n.º 2, do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência no Funcionalismo Público, quando interpretada no sentido de que a
atribuição da pensão de sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral
de Aposentações, a quem com ele convivia em união de facto, depende também da
prova do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do
companheiro falecido, direito esse a ser invocado e reclamado na herança do
falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos
termos das alíneas a) a d) do art. 2009° do Código Civil». Isto, enquanto o
acórdão recorrido – recorde-se – não considerou inconstitucional a norma também
do artigo 41º, n.º 2, 1ª parte, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, «na
interpretação segundo a qual a titularidade de pensão de sobrevivência em caso
de união de facto depende de o companheiro do falecido estar nas condições do
artigo 2020º do Código Civil, isto é, de ter direito a obter alimentos da
herança, por não os poder obter das pessoas referidas no artigo 2009º, n.º 1,
alíneas a) a d), do mesmo Código» (último itálico aditado).
Considera-se que se verifica na relação entre estas duas decisões o pressuposto
para o recurso para o Plenário previsto no artigo 79.º-D, n.º 1, da Lei do
Tribunal Constitucional, consistente em o Tribunal ter julgado a questão da
inconstitucionalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à
mesma norma por qualquer das suas secções. Nomeadamente, entende-se que está
substancialmente em causa a mesma norma, apesar de – para além da diferença, de
mera formulação, relativa à prova do direito a receber alimentos – no acórdão
n.º 88/2004 se ter autonomizado a circunstância de o direito a receber alimentos
da herança do companheiro falecido ter de “ser invocado e reclamado na herança
do falecido”. Com efeito, no acórdão n.º 159/2005, ora recorrido, salientou-se
que a norma a apreciar incluía «simplesmente a interpretação “no sentido de
fazer depender a atribuição das prestações sociais, da verificação dos
requisitos exigíveis pela lei civil para a concessão da pensão de alimentos”, e
não a questão de saber se a prova destes requisitos, exigidos no artigo 2020º do
Código Civil, carece ou não de ser feita em acção autónoma (o que é contestado
pela própria recorrente no presente recurso), ou pode ser feita na própria acção
em que se reclama a atribuição da pensão (podendo reportar-se a esta a “sentença
judicial” a que se refere a norma citada)», por não ter este último ponto sido
incluído, pelo tribunal recorrido, no segmento normativo cuja aplicação recusara
por inconstitucionalidade. O acórdão ora recorrido não restringiu, pois, a norma
cuja apreciação era objecto do recurso – nem limitou o alcance do julgamento que
proferiu – à interpretação segundo a qual a prova do direito a alimentos se pode
fazer na própria acção relativa à prestação social (ou, inversamente, se tal
fosse viável, ao entendimento que exige uma acção autónoma). Assim, versou sobre
norma coincidente (pelo menos em parte) com a que foi apreciada, com decisão em
sentido diverso, pelo acórdão n.º 88/2004.
Pelo que há que tomar conhecimento do presente recurso.
4.Nas alegações que produziu, a recorrente não adiantou argumentos novos sobre a
questão de constitucionalidade, para além dos já analisados e ponderados no
acórdão recorrido – bem como também, para questão análoga, embora suscitada em
relação a preceitos diversos (o artigo 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/90, de
18 de Outubro, e o artigo 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de
Janeiro), já nos acórdãos n.ºs 195/2003 (Diário da República, II série, de 22 de
Maio de 2003) e 233/2005 (este último, tirado pela 3.ª Secção do Tribunal
Constitucional, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, entende-se que é de manter a orientação seguida nestes arestos e no
acórdão recorrido, pelo que há que negar provimento ao presente recurso.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao
presente recurso para o Plenário.
Lisboa, 9 de Novembro de 2005
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração junta, quanto ao
conhecimento do recurso).
Bravo Serra (Vencido, quanto ao conhecimento do vertente recurso, já que, a meu
ver, confrontadas as decisões constantes dos Acórdãos deste Tribunal números
159/2005 e 88/2004, muito embora conceda que a questão de
constitucionalidade seja em tudo semelhante, é diversa a norma – resultante, no
último aresto, de um conjunto de dois preceitos e, no primeiro, tão só de um –
apreciada. Por isso, entendo que se não podia abrir a via do recurso previsto no
n.º 1 do art.º 79.º -D da Lei n.º 28/85, de 15 de Novembro)
Maria Fernanda Palma (vencida quanto à decisão da questão de
constitucionalidade, pelas razões constantes da declaração de voto aposta no
Acórdão n.º 159/2005 e concordando, no essencial, com o Acórdão n.º 88/2004).
Vítor Gomes (vencido quanto à decisão da questão de constitucionalidade pelas
razões constantes do acórdão n.º 88/2004).
Gil Galvão (vencido quanto à decisão da questão de constitucionalidade, no
essencial, pelas razões constantes do acórdão N.º 88/2004, de que fui relator)
Maria Helena Brito (vencida, pelas razões constantes do acórdão n.º 88/2004)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida quanto ao conhecimento do recurso, por entender que o Acórdão nº
159/2005 não julgou a questão da inconstitucionalidade em sentido divergente do
anteriormente adoptado quanto à mesma norma pelo Acórdão nº 88/2004, tal como
exige o nº 1 do artigo 79º-D da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional. No primeiro, decide-se “não julgar inconstitucional a
norma do artigo 41º, nº 2, 1ª parte, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência,
aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi
dada pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho, na interpretação segundo a
qual a titularidade de pensão de sobrevivência em caso de união de facto depende
de o companheiro do falecido estar nas condições do artigo 2020º do Código
Civil, isto é, de ter direito a obter alimentos da herança, por não os poder
obter das pessoas referidas no artigo 2009, nº 1, alíneas a) a d), do mesmo
Código”; enquanto que, no segundo, decide-se “julgar inconstitucional, por
violação do princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições
conjugadas dos artigos 2º, 18º, nº 2, 36º, nº 1, e 63º, nºs 1 e 3, todos da
Constituição da República Portuguesa, a norma que se extrai dos artigos 40º, nº
1, e 42º, nº 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no Funcionalismo
Público, quando interpretada no sentido de que a atribuição da pensão de
sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a quem
com ele convivia em união de facto, depende também da prova do direito do
companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido,
direito esse a ser invocado e reclamado na herança do falecido, com o prévio
reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d)
do artigo 2009º do Código Civil”.
Entendo, concretamente, que a exigência de que o direito do companheiro
sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido seja invocado
e reclamado na herança do falecido (em acção autónoma) pode ser determinante
para um juízo de inconstitucionalidade fundado na violação do princípio da
proporcionalidade.
Maria João Antunes