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Proc. nº 503/96
1ª Secção
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Notificada do acórdão nº 473/97 que negou provimento ao recurso por si interposto, veio a recorrente A. requerer a aclaração do mesmo acórdão, invocando o seguinte:
- Atendendo a que o art. 131º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº
21/85, de 30 de Julho) estatui que as normas do Código de Processo Penal são aplicáveis subsidiariamente à matéria disciplinar prevista naquele Estatuto e que, por maioria de razão, a interpretação desses princípios e dessas normas se funda na Constituição e, por isso, no art. 32º, nº 1, da Lei Fundamental, e considerando que as regras sancionatórias são, em última análise, processo aplicado - o que implica que a disciplina jurídica dos recursos esteja enformada por tais regras e pelo conjunto do sistema jurídico - tem de afirmar-se que a aplicação directa e imediata das regras constitucionais relativas a direitos, liberdades e garantias acarreta, por força do art. 18º, nº 1, da Constituição, a aplicação do art. 32º, nº 1, deste diploma;
- Todavia, no ponto 7 do acórdão afirma-se que se compreende dificilmente que a recorrente sustente que lhe são aplicáveis directamente as garantias dos arguidos em processo criminal. Ora, tal afirmação é incompreensível, assim como a fundamentação, nessa parte, do acórdão aclarando;
- Relativamente à afirmação constante do mesmo ponto 7 do acórdão - no sentido de que se compreendia mal que a recorrente tivesse sustentado que a interposição do recurso contencioso em matéria disciplinar traduzia uma garantia de um segundo grau de jurisdição - aceita-se que a decisão do Conselho Superior da Magistratura seja um acto administrativo. Todavia, acentua-se que a lei 'não quis tratar a sindicabilidade desse acto administrativo pelo regime - tipo dos recursos contenciosos para a jurisdição administrativa. A lei dotou essa via impugnatória de elementos típicos dos recursos judiciais, designadamente quanto ao tribunal materialmente competente, isto é, o Supremo Tribunal de Justiça' (a fls. 133 dos autos), pelo que a filosofia garantística para o direito sancionatório é aplicável, implicando a consagração do segundo grau de jurisdição, sob pena de, em rigor, se negar o direito ao recurso;
- Nessa medida, não se compreende a invocação da natureza administrativa do acto para afastar o duplo grau de jurisdição, como se faz no acórdão aclarando, o qual não ponderou 'as duas linhas interpretativas, de carácter garantístico, anteriormente criticadas' (a fls. 134);
- A garantia de acesso ao direito e aos tribunais - no plano do direito ao recurso - não se reduz à exiguidade do prazo, visto estar em causa a segurança postulada pelo conhecimento do prazo em circunstâncias idênticas aos prazos de recurso, incluindo os critérios de contagem do prazo.' A diversidade de critérios não expressamente consagrados mas construídos por meios operativos interpretativos pode traduzir-se em insegurança jurídica, tenham ou não os recorrentes formação jurídica, sejam ou não magistrados' (a fls. 135).
Na sequência desta argumentação, formula a recorrente os seguintes pedidos de esclarecimento:
' a) Se foi considerada inaplicável a garantia de processo criminal prevista no art. 32º, nº 1 do CPP;
b) Se foi desaplicada a regra do duplo grau de jurisdição por a pena disciplinar ser um acto administrativo;
c) Se foi ponderada a insegurança jurídica resultante duma diversidade de critérios na contagem do prazo, independentemente da sua exiguidade ou razoabilidade;
d) Quais as razões jurídicas da fundamentação do acórdão nas orientações perfilhadas naquelas questões interpretativas.' (a fls. 135 dos autos)
2. Notificado o Conselho Superior da Magistratura deste requerimento, absteve-se ele de apresentar qualquer resposta.
3. Importa apreciar o pedido de aclaração.
Liminarmente, deixar-se-á afirmado que o mesmo não pode ser deferido.
De facto, uma decisão judicial pode ser aclarada se for obscura ou ambígua. Ocorre obscuridade se nela se contiver algum passo cujo sentido seja ininteligível. A decisão é ambígua quando alguma passagem se prestar a interpretações diferentes.
Ora, no caso sub judicio, a ora requerente demonstra que compreendeu perfeitamente a linha argumentativa do acórdão, embora seja manifesto que discorda da solução a que o mesmo chegou.
Como alertava há várias décadas Alberto dos Reis, é sabido que se usa muitas vezes o pedido de aclaração, 'não para se esclarecer obscuridade ou ambiguidade realmente existente, mas para se obter, por via oblíqua, a modificação do julgado. A título ou pretexto de esclarecimento o que, na verdade, se visa é a alteração da sentença' (Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra, reimpressão, 1981, págs. 151-152).
Fixado o quadro de noções que permitem o recurso ao disposto no art.
669º, nº 1, alínea a), passar-se-á a abordar cada um dos sucessivos pedidos de aclaração.
No acórdão afirmou-se que as garantias do processo criminal não se aplicavam directamente no domínio do processo disciplinar, como é reconhecido pela melhor doutrina (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 208). Esta afirmação é inequívoca, sendo infundado o pedido de aclaração que pretende impor ao Tribunal que se pronuncie em que medida poderá haver uma aplicação indirecta ou a título subsidiário das garantias do processo criminal no domínio disciplinar, pronúncia sem qualquer relevância para a intelegibilidade do acórdão.
Igualmente improcedente é o pedido de aclaração sobre se seria ou não aplicável - segundo o Tribunal Constitucional - a regra do duplo grau de jurisdição no contencioso das decisões disciplinares provenientes de órgãos da Administração Publica, atendendo a que, no caso concreto, se tratava da primeira impugnação jurisdicional de uma deliberação sancionatória do Conselho Superior da Magistratura, não se pondo nessa fase a questão de um duplo grau de apreciação jurisdicional.
Em terceiro lugar, constam da fundamentação do acórdão as razões por que o Tribunal Constitucional não considerou, no plano da conformidade constitucional, exíguo o prazo de impugnação contenciosa da referida decisão sancionatória, nem censurável o modo como foi contado, em função de uma interpretação do direito ordinário feita pelo Supremo Tribunal de Justiça e que
é, qua tale, insindicável por aquele Tribunal. E, no ponto 10, indica-se a razão por que não podia o Tribunal Constitucional apreciar a decisão recorrida
'relativamente à opção tomada de aplicação do critério de contagem prevista no nº 2 do art. 28º LPTA pelo prisma da eventual violação da confiança do recorrente'. Pode discordar-se, claro, do entendimento aí perfilhado, mas é inteiramente despropositado neste contexto pretender que o Tribunal esclareça agora se foi ponderada a insegurança jurídica resultante de uma eventual diversidade de critérios na contagem de prazos de interposição do recurso contencioso quando se deixou afirmado que não era possível apreciar tal questão no domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade de normas.
Conclui-se, assim, que a ora requerente, recorrente nos presentes autos, pretendeu utilizar um meio processual inadequado para discutir a bondade da decisão aclaranda, havendo de considerar-se o último pedido de aclaração - indicação das 'razões jurídicas da fundamentação do acórdão nas orientações perfilhadas naquelas questões interpretativas' - como um convite ao Tribunal Constitucional para reponderar ou rever uma decisão que não merece a aceitação pela recorrente, convite que a lei não permite formular.
4. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional indeferir o pedido de aclaração formulado pela recorrente.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em seis (6) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Outubro de 1997 Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa