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Processo n.º 49/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 9 de
Novembro de 2004, que negou provimento à revista interposta de acórdão do
Tribunal da Relação do Porto, que, por seu lado, negara provimento ao recurso de
apelação interposto de sentença de tribunal de 1ª instância que julgou
procedente a acção de investigação de paternidade, proposta pelo Ministério
Público, e declarou o menor B. filho do ora recorrente.
2 – Na parte útil, à decisão das questões de constitucionalidade, o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça abonou-se nas seguintes considerações:
«Suscita as seguintes questões:
O Ministério Público goza de 'competência negativa' para propor a acção de
investigação de paternidade e por ela derroga princípios constitucionais;
Deveriam ter sido inquiridas testemunhas indicadas pelo réu recorrente que,
apesar de anotadas, não foram ouvidas;
Não se procedeu à análise crítica das provas;
Não há lugar à condenação do réu, como litigante de má fé.
Vejamos a problemática levantada, começando pela invocada inconstitucionalidade.
Na tese do recorrente as normas dos artigos 1865º e 1866º do C. Civil são
inconstitucionais por violarem os artigos 25º e 26º da Constituição da República
Portuguesa, como inconstitucionais são os artigos 202º e seguintes da OTM por
violarem os artigos 13º e 20º da CRP. Violados seriam ainda, segundo afirma, a
Declaração dos Direitos do Homem de 10.12.48 (artigos 12º, 7º e 10º) e a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem - Lei nº 65/78, de 13 de Outubro
(artigos 8º, 6º e 14º).
E isto porque haverá alguma ofensa à intimidade da vida privada e familiar; o
Ministério Público na averiguação oficiosa de paternidade torna-se parte no
processo, o secretismo da averiguação oficiosa viola os princípios da igualdade
e do contraditório; o Ministério Público dispõe de posição privilegiada, fruindo
de poderes institucionais que o réu não tem.
Remetida ao Tribunal certidão de registo de nascimento do menor, onde se
encontra fixada apenas a maternidade, o Ministério Público deve proceder à
instrução do processo por forma a averiguar a paternidade.
Ouvido o pretenso pai e não aceitando este a paternidade que a mãe do menor lhe
atribui, terão lugar as diligências probatórias que forem entendidas como
necessárias e em instrução secreta.
Concluída a averiguação e elaborado pelo Ministério Público o respectivo
parecer, é o processo submetido à apreciação do Juiz, que proferirá despacho de
arquivamento ou de remessa do processo ao Ministério Público para propositura da
acção, caso esta seja julgada viável (artigos 1864º, 1865º e, designadamente, os
artigos da averiguação oficiosa de maternidade para onde remete o artigo 1868º,
todos do C. Civil e ainda artigos 202º e 206º da OTM).
Como tem sido repetidamente afirmado está-se perante um processo de carácter
administrativo ou pré judicial que tem por fim habilitar o Ministério Público a
intentar a competente acção de investigação de paternidade, procurando
garantir-se que não sejam propostas acções sem fundamento, atentos
designadamente os interesses em jogo e especiais sensibilidades que o processo
envolve.
A intervenção do Ministério Público justifica-se por estar em causa um interesse
público, actuando aquele em representação do Estado e não como parte.
Nem se vê como a intervenção de Juiz, formulando um juízo de viabilidade, possa
ofender direitos do pretenso pai. Por um lado, esse juízo não fixa a paternidade
e limita-se, como já referido, a 'dizer' ao Ministério Público que poderá propor
a acção; por outro, no processo que vier a ser instaurado o pretenso progenitor
poderá exercer todos os direitos que o ordenamento jurídico lhe concede, sem que
o Ministério Público dispunha de qualquer superioridade, ao contrário de que o
recorrente defende.
O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que a
impossibilidade de o investigado ter intervenção na averiguação oficiosa 'em
nada afectou direitos e interesses sérios seus' - Ac. STJ de 20.05.97, CJ Ano V
Tomo II, pág. 91.
No Ac. nº 616/98, de 21.10.98 do Tribunal Constitucional - 'Acórdãos do Tribunal
Constitucional' 41º vol., pág. 263 - depois de se afirmar que o despacho
jurisdicional de viabilidade da acção não ofende os direitos e interesses
legítimos do pretenso progenitor, decidiu-se, designadamente, que: 'A
averiguação oficiosa não deixa, assim, de representar um robustecimento das
garantias de defesa do pretenso progenitor, garantias estas cuja tutela apenas
se impõe, constitucionalmente, na acção de investigação de paternidade a
intentar e em que aquele figura como parte'.
Nem tem razão o recorrente quando sustenta que o direito ao conhecimento da
paternidade biológica não está incluído no direito à identidade pessoal, nem
consagrado em convenções internacionais.
O artigo 25º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à
integridade pessoal e o artigo 26º outros direitos pessoais, estipulando o nº 1,
além do mais, que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal.
Em anotação a este artigo escreveu-se na 'Constituição da República Portuguesa'
– 3ª edição, 1993 dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira que o direito à
identidade pessoal abrange seguramente um direito à 'historicidade pessoal', o
que implica o conhecimento da identidade dos progenitores, podendo fundamentar o
direito à investigação de paternidade ou de maternidade.
Nenhuma das disposições referidas pelo recorrente (artigo 12º da CUDH, artigo 8º
da CEDH) contraria o que está dito ou confirma a tese defendida pelo réu, nem é
correcta a invocação da 'Convenção Europeia dos Direitos do Homem' - de Ireneu
Cabral Barreto, Editorial Notícias, 1995, pág. 131 e 133 e seguintes na citação
feita pelo recorrente.
O artigo 8º da Convenção procura defender o indivíduo contra as intervenções
arbitrárias dos poderes públicos, devendo o Estado não só abster-se dos comandos
que violem tal princípio, como ainda ter um papel activo tendente ao respeito da
vida privada e familiar.
Porém, como se escreve - pág. 126 da obra mencionada - 'as medidas positivas
exigidas aos Estados estão em geral sujeitas à margem de apreciação do próprio
Estado, é preciso ressalvar um justo equilíbrio entre o interesse geral e o
interesse do indivíduo'.
Diga-se, aliás, que a maternidade e a paternidade são, na terminologia do artigo
68º nº 2 da CRP, valores socialmente eminentes, sendo assim reconhecidos como
garantias institucionais, protegidas como valores sociais e constitucionais
objectivos.
O que se pretende com a averiguação oficiosa é assegurar que serão intentadas as
acções necessárias, úteis e viáveis para a fixação da maternidade e paternidade
e tão-somente essas, não resultando daqui claramente, a violação de qualquer
princípio constitucional».
3 – No requerimento de interposição de recurso, o recorrente pediu a
apreciação de constitucionalidade de várias normas. Todavia, por decisão sumária
do relator, no Tribunal Constitucional, de que o recorrente reclamou sem êxito
para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da LTC, foi
decidido delimitar o objecto do recurso de constitucionalidade às «normas dos
artigos 1865º e 1866º do CC, enquanto entendidas no sentido de permitirem a
intervenção, sem carácter supletivo, do Ministério Público como representante do
menor, autor na acção em que se investiga a sua paternidade, e de essa acção
poder provocar “alguma ofensa à intimidade da vida privada e familiar” do
investigado, por violação dos artigos 25º e 26º da CRP» e às «normas constantes
dos artigos 202º e 203º da OTM, quando entendidas no sentido de permitirem que
possa realizar-se validamente uma investigação “secreta” como preliminar
administrativo da acção de (processo civil) investigação de paternidade a propor
pelo Ministério Público, sem sujeição a contraditório naquela investigação,
dispondo ainda, aí, o mesmo Ministério Público de uma posição institucional
privilegiada que o investigado aí não desfruta, por violação do disposto nos
art.ºs 13º e 20º da CRP, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.ºs
12º, 7º e 10º) e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.ºs 8º, 6º e
14º)».
4 – Alegando, no Tribunal Constitucional, sobre o objecto do
recurso, o recorrente concluiu o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:
«1. Não fora a restrição imposta ao objecto do presente recurso e nestas
conclusões cabiam as violações aos direitos fundamentais do recorrente radicadas
nas ilegalidades cometidas no processo, bem como a constatação do Ex.mo Relator
do acórdão do STJ inicialmente mencionada nas presentes alegações.
2. A averiguação oficiosa da paternidade é secreta e oficiosa, pelo que, em
processo civil, ofende os princípios da igualdade e do contraditório consagrados
nos artigos 2º 16º e 19º da Constituição da República Portuguesa e 3º-A do
Código de Processo Civil, donde, os artigos 202º e 203º da Organização Tutelar
de Menores, na interpretação que lhes tem sido dada de autorizarem um processo
sujeito àqueles princípios e regras, são inconstitucionais.
3. A intervenção do Ministério Público como Autor num processo 'tendente a
estabelecer ou negar os laços familiares' viola o direito à reserva da
intimidade da vida privada e familiar, por isso, os artigos 1865º e 1866º do
Código Civil, ao serem interpretados no sentido de admitirem, no caso concreto,
a autoria processual do Ministério Público, com os poderes que lhe estão
atribuídos, num desequilíbrio da posição processual das partes e prosseguindo
objectivos que devassam a vida privada e familiar do recorrente, são
inconstitucionais, já que ofendem o disposto nos artigos 25º e 26º da
Constituição da República Portuguesa e os artigos 6º, 8º e 12º da Convenção
Universal dos Direitos do Homem e os artigos 6º e 8º da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vossas Ex.cias, deve o presente
recurso merecer provimento e, consequentemente, ser declarada a
inconstitucionalidade:
a) dos artigos 1865º e 1866º do Código Civil quando interpretados no
sentido de permitirem a intervenção, sem carácter supletivo, do Ministério
Público como Autor no processo, em violação da vida privada do Réu recorrente e
num desequilíbrio da posição processual das partes;
b) dos artigos 202º e 203º da Organização Tutelar de Menores (OTM), quando
interpretados com o sentido de permitirem que, em processo civil, se tenha
havido por válida uma investigação secreta, eternamente secreta, sem
contraditório, desigual e realizada por um investigador simultaneamente Autor da
acção, tudo com as legais consequências».
5 – O Ministério Público contra-alegou, defendendo a improcedência
do recurso e concluindo do seguinte modo:
«1 - As normas constantes dos artigos 1865º e 1866º do Código Civil
interpretadas como estabelecendo para o Ministério Público - como representante
do Estado - o poder-dever de investigar a paternidade, sempre que for julgada
viável a averiguação oficiosa, exercendo em tal acção, sem qualquer
especificidade, os normais poderes que a lei de processo confere à parte, não
violam qualquer preceito ou princípio constitucional.
2 - Na verdade, as restrições à intimidade da vida privada e familiar do réu que
- nesta, como em qualquer outra acção de estado - se podem verificar têm suporte
constitucional adequado, radicando numa indispensável e proporcional articulação
ou concordância prática entre tal direito do investigado e o direito fundamental
do filho à respectiva identidade pessoal - que compreende inquestionavelmente o
estabelecimento da sua paternidade verdadeira - e o dever de protecção dos
menores, expressamente imposto pela Lei Fundamental ao Estado e ao Ministério
Público
3 - No actual quadro legal - caracterizado pelo desaparecimento, por imposição
constitucional, da figura das 'condições de admissibilidade' das acções de
investigação da paternidade - a subordinação da legitimidade do Ministério
Público para desencadear a acção oficiosa à prolação de um despacho de
viabilidade pelo juiz, bem como a atribuição de carácter 'secreto' ao processo
tutelar cível, visam essencialmente tutelar os interesses do pretenso
progenitor, resguardando-o de possíveis imputações de paternidade sem fundamento
sério e consistente.
4 - As restrições ao contraditório, existentes no âmbito do processo tutelar
cível, no que respeita a uma plena e irrestrita intervenção como 'parte' do
pretenso pai, são plenamente adequadas à natureza e função de tal procedimento,
que não visa a composição de um litígio mediante aplicação do direito a um caso
concreto, mas a simples emissão pelo juiz de um juízo prudencial, preliminar à
propositura de uma acção de estado, em que as partes gozarão plenamente dos
direitos e garantias processuais.
5 - Apesar de tal restrição do contraditório, o interesse do réu em não ser
demandado em acção manifestamente infundada é aqui tutelado de forma
substancialmente mais intensa do que em qualquer outra causa de natureza cível,
em que vigora plenamente a admissibilidade de 'citação directa' dos demandados,
bastando que o autor alegue, de forma minimamente concludente, os fundamentos da
sua pretensão.
6 - Termos em que deverá improceder o presente recurso».
6 – Também a mãe do menor, C., constituída assistente na acção,
contra-alegou, afirmando nas conclusões:
«a) Os artºs 202º e 203º da O.T.M. e os artºs 1856º e 1866º do Cód.
Civil não padecem de qualquer inconstitucionalidade
b) Nem, em concreto, foram interpretados e aplicados em termos de
violarem qualquer princípio constitucional, nomeadamente da igualdade e do
contraditório, nem o direito à reserva da intimidade da vida privada e
familiar».
B – Fundamentação
7 – Da questão de inconstitucionalidade reportada aos artigos 1865º
e 1866º do Código Civil
O acórdão recorrido recortou a intervenção do Ministério Público na
acção oficiosa de investigação de paternidade, prevista nos artigos
constitucionalmente impugnados, como correspondendo a uma actuação em
representação do Estado, na defesa de um interesse público, e não como uma
actuação em representação de uma outra parte.
Ora, em boa verdade, o que o recorrente contesta, não obstante o
carácter impreciso dos termos que utiliza, ao falar de “intervenção, sem
carácter supletivo, do Ministério Público como representante do menor autor na
acção”, é que a intervenção oficiosa, “sem carácter supletivo”, do Ministério
Público na defesa desse interesse de reconhecimento da paternidade do menor,
através da respectiva acção judicial, ofende o direito constitucional à
intimidade da vida privada e familiar, reconhecido nos artigos 25º, n.º 1, e
26º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Na lógica da sua argumentação, a defesa em juízo desse interesse do
menor cabe, em primeira linha, ao menor e aos seus representantes legais, ou
seja, no caso, à sua mãe, sendo que, podendo eles gozar do benefício do acesso
ao direito e aos tribunais, na modalidade do apoio judiciário, não existem
quaisquer obstáculos a que os mesmos o possam defender nos tribunais.
Adiante-se que a protecção da reserva à intimidade da vida privada
não é absoluta. Tanto assim é que a mãe do menor e o menor podem investigar os
factos relevantes.
Aliás, o recorrente não chega ao ponto de afirmar que o direito de
interposição da acção de investigação de paternidade teria de estar, sempre, ou
em absoluto, constitucionalmente proibido, por atentar contra o direito
constitucional à reserva da intimidade da vida privada, pois admite que ele
possa ser exercido pelo menor e pela sua mãe, esta como sua representante legal.
Defende, ainda, o recorrente que “o direito à identidade pessoal,
literalmente expresso na Constituição, só compreende o direito ao conhecimento
da paternidade biológica por via interpretativa e esta via interpretativa conduz
a contradições e resultados absurdos” e “por isso inaceitável”. Por outro lado,
acrescenta que “a intervenção directa do Ministério Público na acção de
investigação da paternidade, como Autor, constitui uma intervenção arbitrária do
Estado na esfera privada do indivíduo, réu na acção”, sendo a “posição
processual do Ministério Público […] desigual e privilegiada em relação à do
réu”, pois dispõe de “um acervo de conhecimentos que obteve na averiguação
oficiosa de que o réu não dispõe, nem tem meios para dispor, visto que está
destituído de poderes que lhe permitam recolher qualquer prova”.
Na perspectiva da resposta a dar à questão de constitucionalidade da
dimensão normativa estabelecida no art.º 1817º do Código Civil, segundo a qual a
acção de investigação de paternidade “só pode ser proposta durante a menoridade
do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou
emancipação”, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 486/04, publicado no
Diário da República II Série, de 18 de Fevereiro de 2005 (posteriormente
confirmado pelo Acórdão n.º 11/2005, proferido em plenário, publicado no Diário
da República II Série, de 18 de Março de 2005), teceu as seguintes
considerações:
«[…]
13. Na verdade, logo a partir da Constituição de 1976, as exigências
constitucionais em matéria de direitos de personalidade e de direito da família
tornaram-se incontornáveis na discussão sobre o tema em causa.
A Constituição reconheceu um “direito de constituir família”, com um sentido
mínimo de impor ao legislador a previsão de meios para o estabelecimento
jurídico dos vínculos de filiação – os modos de perfilhar e a acção de
investigação. Esse direito foi, aliás, alargado pela reforma de 1977, chegando a
deixar o limite do vínculo de parentesco próximo apenas para o reconhecimento
oficioso, mas não para o estabelecimento voluntário da filiação (mesmo sobre a
restrição do incesto), por perfilhação ou acção de investigação.
Por outro lado, ainda no domínio do direito da família, a Constituição proibiu a
discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (artigo 36º, n.º 4). Embora
seja certo que, sendo as circunstâncias do nascimento diversas, os modos de
estabelecimento da paternidade não podem ser todos iguais, existindo diferenças
inevitáveis (o que é verdade, designadamente, para a presunção de paternidade),
é igualmente seguro que as diferenças de regime inevitáveis não podem
desfavorecer os filhos nascidos fora do casamento, limitando-lhes excessivamente
as possibilidades de estabelecimento da filiação. Como salienta Guilherme de
Oliveira (Caducidade das acções de investigação, Revista Lex Familiae, n.º 1,
Centro de Direito da Família, Coimbra, 2004, pág. 9), uma vez que estes filhos
não podem beneficiar de uma presunção de paternidade do marido (pois não há
marido), o reconhecimento dos meios para estabelecer a paternidade deverá ter a
maior abertura, tendencialmente, para não limitar em demasia as possibilidades
de estabelecimento da filiação dos filhos nascidos fora do casamento (mediante a
prova do vínculo biológico).
O parâmetro constitucional mais significativo para aferição da legitimidade das
limitações ao direito de investigar a paternidade encontra-se, porém, no
“direito à identidade pessoal”, com que abre logo o n.º 1 do artigo 26º da
Constituição.
Importa notar, efectivamente, que a tese segundo a qual a norma em questão não é
inconstitucional não se baseia na inexistência de um direito fundamental ao
conhecimento da paternidade biológica, ou na exclusão deste direito do “âmbito
de protecção” do direito fundamental à identidade pessoal, reconhecendo-se,
antes, que o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma
dimensão deste direito fundamental. Assim, na jurisprudência deste Tribunal não
tem sido posta em questão a existência de um interesse do filho,
constitucionalmente protegido, a conhecer a identidade dos seus progenitores,
como decorrência dos direitos fundamentais à identidade pessoal (e, também, do
direito à integridade pessoal – artigos 25º, e 26º, n.º 1, da Constituição).
Neste sentido, escreveu-se, por exemplo, no citado Acórdão n.º 506/99:
“[n]ão se duvida da pertinência dos parâmetros constitucionais convocados – o
que, de resto, desde há muito a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem
salientado.
Assim, poderá ilustrar-se essa preocupação citando não só os já referidos
Acórdãos nºs. 99/88 e 370/91, como também o n.º 451/89 […], e outro mais recente
que daqueles se faz eco (acórdão n.º 311/95, ainda inédito): na averiguação do
vínculo real de parentesco, neles se surpreendeu uma decorrência seja do direito
fundamental à integridade pessoal, com assento no n.º 1 do artigo 25º da
Constituição da República, seja do direito fundamental à identidade pessoal,
acolhido no n.º 1 do artigo 26º do mesmo texto, como expressão do entendimento
já então professado por Guilherme de Oliveira, segundo o qual o conhecimento da
ascendência verdadeira é um aspecto relevante da personalidade individual e uma
condição de gozo pleno desses direitos fundamentais (cfr. Impugnação da
Paternidade, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra –
Suplemento XX, Coimbra, 1973, pág. 193; em Separata, Coimbra, 1979, pág. 66).”
E logo o citado Acórdão n.º 99/88 não deixou de referir-se que
“(...) não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver
reconhecido o pai (...) como uma das dimensões dos direitos constitucionais
referidos, em especial do direito à identidade pessoal, ou das faculdades que
nele vai implicada”.
O direito ao conhecimento da paternidade ou maternidade biológica, como dimensão
protegida pelos direitos fundamentais que são invocados como parâmetro
constitucional – nos quais se encontra também, por vezes, o direito a constituir
família, consagrado, sem restrições, no artigo 36º, n.º 1, da Constituição –,
não é, pois, negado por este Tribunal, nos citados arestos.
Compreende-se, aliás, que seja assim, pois o direito à identidade pessoal
inclui, não apenas o interesse na identificação pessoal (na não confundibilidade
com os outros) e na constituição daquela identidade, como também, enquanto
pressuposto para esta auto-definição, o direito ao conhecimento das próprias
raízes. Mesmo sem compromisso com quaisquer determinismos, não custa reconhecer
que saber quem se é remete logo (pelo menos também) para saber quais são os
antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas e culturais, e também
genéticas (cfr., aliás, também a referência a uma “identidade genética”, que o
artigo 26º, n.º 3, da Constituição considera constitucionalmente relevante). Tal
aspecto da personalidade – a historicidade pessoal (Gomes Canotilho/Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993,
pág. 179, falam justamente de um “direito à historicidade pessoal”) – implica,
pois, a existência de meios legais para demonstração dos vínculos biológicos em
causa (note-se, aliás, que os exames biológicos conducentes à determinação de
filiação podem ser realizados, fora dos processos judiciais, e a pedido de
particulares, sem qualquer limitação temporal, pelos próprios serviços do
Instituto Nacional de Medicina Legal, nos termos do artigo 31º do Decreto-Lei
n.º 11/98, de 24 de Janeiro), bem como o reconhecimento jurídico desses
vínculos.
Deve, pois, dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão
do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26º, n.º 1, de um direito
fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade».
E, numa óptica de ponderação ou de concordância do direito à reserva da
intimidade da vida privada com o direito fundamental ao reconhecimento da
maternidade e da paternidade, acrescentou-se, logo de seguida:
«Simplesmente, tem-se admitido que outros valores, para além “da
ilimitada recepção à averiguação da verdade biológica da filiação – como os
relativos à certeza e à segurança jurídicas, possam intervir na ponderação dos
interesses em causa”, como que “comprimindo a revelação da verdade biológica”.
Da perspectiva do pretenso pai, aliás, invoca-se também, por vezes, o seu
“direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar”: tal intimidade
poderia ser perturbada, sobretudo se a revelação for muito surpreendente, por
circunstâncias ligadas à pessoa do suposto pai ou pelo decurso do tempo, e
poderá mesmo afectar o agregado familiar do visado».
E mais adiante discreteou-se, mais especificamente sobre esta última
matéria, do seguinte modo:
«[…]
18. Pode, pois, concluir-se que o regime em apreço, ao excluir
totalmente a possibilidade de investigar judicialmente a paternidade (ou a
maternidade), logo a partir dos vinte anos de idade, tem como consequência uma
diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à
identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento
da paternidade ou da maternidade.
[…]
É certo que o investigado poderá também invocar direitos
fundamentais, como o “direito à reserva da intimidade da vida privada e
familiar” (ou, mesmo, também, como se disse, o direito ao desenvolvimento da
personalidade), que poderão ser afectados pela revelação de factos que o possam
comprometer. Não se vê, porém, que se possa proteger tais interesses do eventual
progenitor à custa do direito de investigar a própria paternidade. Uma alegada
“liberdade-de-não-ser-considerado-pai”, apenas por terem passado muitos anos
sobre a concepção, ou um interesse em eximir-se à responsabilidade jurídica
correspondente, determinada fundamentalmente pelo “princípio da verdade
biológica” que inspira o nosso direito da filiação, não podem considerar-se
dignos de tutela, pelo menos, a ponto de sacrificar o direito do filho a apurar
e ver judicialmente declarado quem é o seu pai (e lembre-se, aliás, que como se
disse, não é de excluir que se possa chegar, mesmo fora de um processo judicial,
mediante exames realizados no próprio Instituto Nacional de Medicina Legal, à
conclusão de que certa pessoa é progenitora de outra, ficando, porém, a verdade
biológica sem relevância simplesmente porque o progenitor não pretende perfilhar
e o filho já completou vinte anos).
Neste ponto, não pode ignorar-se, desde logo, que o prazo de dois anos em causa
se esgota normalmente num momento em que, por natureza, o investigante não é
ainda, naturalmente, uma pessoa experiente e inteiramente madura (constatação
que não é contrariada, nem pelo limite legal para a aquisição de capacidade de
exercício de direitos, nem, muito menos, pela previsão legal de uma tutela geral
da personalidade, no seu potencial de aperfeiçoamento). E, sobretudo, que tal
prazo pode começar a correr, e terminar, sem que existam quaisquer
possibilidades concretas de – ou apenas justificação para – interposição da
acção de investigação de paternidade, seja por não existirem ou não serem
conhecidos nenhuns elementos sobre a identidade do pretenso pai (os quais só
surgem mais tarde), seja simplesmente por, v.g., no ambiente social e familiar
do filho ser ocultada a sua verdadeira paternidade, ou não existir justificação
para pôr em causa a paternidade de quem sempre tenha tratado o investigante como
filho (sem, todavia, que a paternidade deste esteja estabelecida e venha a ser
impugnada, como aconteceu no caso que deu origem ao julgamento de
inconstitucionalidade proferido no Acórdão n.º 456/2003).
Logo por esta razão, portanto, se conclui que o prazo de dois anos é
inconstitucional, por violação dos artigos 26º, n.º 1, 36º, n.º 1, e 18º, n.º 3,
da Constituição.
19. Mesmo, porém, que se negasse uma verdadeira afectação do conteúdo essencial
dos direitos referidos, por se entender que podem ainda restar (pelo menos, na
maioria dos casos) certas possibilidades investigatórias ao filho, afigura-se,
também logo no plano da sua justificação – que não já apenas no dos efeitos –,
que a solução em causa não pode, hoje, ser considerada constitucionalmente
admissível, por violação da exigência de proporcionalidade (lato sensu)
consagrada no artigo 18º, n.º 2, da Constituição».
Estas considerações sobre a natureza do direito fundamental ao
conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade (cf., no mesmo
sentido, o Acórdão n.º 694/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 32º vol., p. 695), bem como sobre a não violação do princípio da
proporcionalidade, quanto à restrição do direito à reserva da intimidade da vida
privada e familiar, são inteiramente de acompanhar no caso dos autos, e,
relativamente ao último ponto, até, por maioria de razão, porquanto a situação
dos autos respeita à interposição de uma acção oficiosa de investigação de
paternidade, possível, apenas, no prazo de dois anos, sobre a data do nascimento
do menor [alínea b) do art.º 1866º do C. Civil].
Não se rejeita, como defende o recorrente, que a paternidade
biológica e a paternidade jurídica não sejam bens jurídicos diferentes e que os
respectivos direitos de reconhecimento não possam ter diferente densidade de
protecção constitucional, como, aliás se dá conta no referido Acórdão n.º
486/04.
O que não se vislumbra é que a Lei Fundamental os não possa proteger
indistintamente, no caso de estarem em causa direitos de crianças, que são
sujeitos de especiais direitos de protecção, como abaixo melhor se precisará.
E, embora “os preceitos constitucionais e legais relativos aos
direitos fundamentais devam (devem) ser interpretados e integrados de harmonia
com a Declaração Universal dos Direitos do Homem” (art. 16º, n.º 2, da CRP), e,
mesmo que se admita que esta não se refere ao direito à identidade pessoal como
podendo abarcar, também, o direito de reconhecimento da paternidade, como
sustenta o recorrente, daí não decorre que a nossa Lei Fundamental não possa ir
mais longe na protecção dos direitos fundamentais, mormente relativamente às
crianças.
E, independentemente, de terem, apenas, valor de direito ordinário,
recebido na Ordem Jurídica Interna, o mesmo se poderá dizer relativamente aos
alegados preceitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, a que o recorrente apela.
Resta apurar se a atribuição normativa ao Ministério Público do
direito de acção oficiosa de investigação de paternidade, previsto nos art.
1865º e 1866º do C. Civil (mas que poderá abranger também a situação recortada
no art. 1867º do mesmo diploma), é constitucionalmente censurável, pelas razões
que o recorrente aponta e/ou por outros fundamentos jus fundamentais.
Ora, neste domínio, não pode deixar de relevar-se que a
Constituição, no seu artigo 69º, estatui que “as crianças têm direito à
protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral,
especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão
…” (n.º 1) e que “o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs,
abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal” (n.º
2).
Constituindo o direito ao conhecimento e reconhecimento da
maternidade e da paternidade um direito fundamental da pessoa, e, como tal, da
criança, não pode o mesmo deixar, desde logo, de integrar o conteúdo da
protecção que esta tem direito a reclamar do Estado e da sociedade.
Enquanto direito que a sociedade e o Estado devem satisfazer, a sua
prossecução assume, desde logo por aí, a natureza de um interesse geral da
comunidade política, ou seja, de um interesse público. Mas mais. O conhecimento
da maternidade e da paternidade são elementos que não podem deixar de integrar,
igualmente, o direito fundamental da criança ao livre desenvolvimento da sua
personalidade, não só, porque lhe permitem o conhecimento e a vivência da sua
historicidade pessoal – o seu lugar, como pessoa única e irrepetível, na
história da sucessão das gerações –, com toda a carga de sentimentos e de
emoções que estas, mas especialmente as mais próximas do seu tempo, são
susceptíveis de gerar nela, como, também, porque, intervindo na conformação da
família, são susceptíveis, dentro de um ambiente familiar normal, de lhe
proporcionar a aquisição de sentimentos de amor, segurança e confiança na
realização dos projectos que dia a dia vai formando, de acordo com a sua
evolução racional, para o seu futuro.
Ao considerar a família como elemento fundamental da sociedade (art.
67º, n.º 1), “a Constituição reconhece que o harmonioso desenvolvimento do ser
humano não pode ser dissociado das relações estabelecidas na família” (cf. Jorge
Miranda-Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, p. 689),
onde se viva um ambiente familiar normal. Daí que, quando a criança se encontre
privada da existência deste, deve o Estado assegurar-lhe especial protecção, de
modo a não sair ou a sair, na menor medida possível, afectada no seu harmonioso
desenvolvimento.
A este propósito, escrevem estes Autores (op. cit., p. 708) que “por
isso, o Estado, vinculado positivamente pelos direitos fundamentais, tem o dever
de proteger a vida, a integridade pessoal, o desenvolvimento da personalidade e
outros direitos fundamentais dos filhos”.
Assente que está que corresponde a um interesse público, por encarnar,
quer um dever da comunidade político-social, quer um dever do Estado, o direito
fundamental ao reconhecimento da maternidade e da paternidade das crianças, não
pode, do mesmo passo, deixar de considerar-se que, precisamente em desoneração
do dever do Estado, constitucionalmente imposto, a acção judicial tendente a
obter esse reconhecimento, por via judicial, possa ser proposta pelo Ministério
Público, independentemente da invocação de qualquer poder de representação
relativamente ao exercício dos direitos dos menores.
Daí que se imponha uma leitura do art. 219º, n.º 1, da CRP, que
dispõe que “Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os
interesses que a lei determinar…”, como abrangendo, entre outras, tal situação
normativa. Em tal comando constitucional, acaba por radicar o art. 3º, n.º 1,
alínea a) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 143/99, de 31
de Agosto, que diz que “compete, especialmente, ao Ministério Público:
representar o Estado, […] os incapazes, os incertos e os ausentes em parte
incerta” e, dentro da mesma linha axiológica, os art.ºs 202º e 205º da
Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de
27 de Outubro (entretanto objecto de alterações que não interessam ao caso), que
prevêem, respectivamente, a competência do Curador de Menores para instaurar os
processos de averiguação oficiosa de maternidade, paternidade ou impugnação
desta, e a do Ministério Público para propor a respectiva acção judicial de
investigação.
É claro que a interposição da acção oficiosa de investigação de
paternidade, a sua instrução, discussão e decisão não deixam de importar alguma
lesão do direito fundamental à reserva da vida privada e familiar, consagrados
nos artigos 25º, n.º 1, e 26º, n.º 1, da CRP, como, aliás, se dá conta no aresto
acabado de citar.
Mas, continua a valer aqui a doutrina do Acórdão n.º 486/04, na parte
pertinente, acima enunciada.
Num balanceamento entre o direito fundamental à reserva da intimidade da
vida privada e o direito fundamental da criança à protecção do Estado para o
reconhecimento da sua paternidade, não pode, dentro de um juízo de ponderação
assente no princípio da proporcionalidade, recortado no art. 18º, nºs 2 e 3, da
CRP, deixar de aceitar-se a prevalência deste último, pois doutro modo,
sabendo-se que esse reconhecimento contende, por via de regra, com a apreciação
de factos abrangidos pelo âmbito de protecção da reserva à intimidade, mas que
são, simultaneamente, causa jurígena do outro direito, corresponderia, em tal
situação, a reconhecer-se a existência de um direito de não se ser investigado e
de não se ser judicialmente compelido, em acção interposta pelo Estado, a
reconhecer a paternidade (cf. a propósito do balanceamento entre o direito à
reserva da intimidade da vida privada e o direito ao divórcio, cf. Acórdão n.º
263/97, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36º vol., p. 727).
A propósito da utilização, como meio de prova, de fotografias que
retratavam pessoas despidas e em situações íntimas, sufragou-se no aresto
acabado de identificar a seguinte doutrina sobre a protecção constitucional,
entre outros direitos pessoais fundamentais, do direito à reserva de intimidade
da vida privada e familiar, que aqui se aceita:
«[…]
3.- Nos termos do nº 1 do artigo 26º da CR, a todos são reconhecidos, como
direitos pessoais, o direito à imagem e o direito à reserva de intimidade da
vida privada e familiar - a destacar do elenco aí previsto - cabendo à lei
ordinária estabelecer garantias efectivas contra a utilização abusiva ou
contrária à dignidade humana de informações relativas às pessoas e famílias, de
acordo com o nº 2 do mesmo preceito.
Comentando aquela norma, Gomes Canotilho e Vital Moreira observam estarem estes
direitos pessoais 'directamente ao serviço da protecção da esfera nuclear das
pessoas e da sua vida, abarcando fundamentalmente aquilo que a literatura
juscivilistica designa por direitos de personalidade' (cfr. Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 179).
Estão estes direitos fundamentais estreitamente ligados à própria personalidade,
devendo o seu exercício moldar-se e consolidar-se pela observância do princípio
da dignidade da pessoa humana, a ponto de o respeito por eles e a garantia da
sua efectivação os colocarem ao abrigo dos limites materiais da revisão
constitucional [cfr. os artigos 1º e 2º e a alínea d) do artigo 288º da Lei
Fundamental]. Visa-se que a dignidade da pessoa seja expressão dirigida ao
homem, concreta e individualmente considerado, não entendida apenas formalmente,
mas, e de modo essencial, materialmente, como bem tutelado por esses direitos -
que constituem 'a base jurídica da vida humana no seu nível actual de
dignidade', que têm a sua 'fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as
pessoas' (cfr. João de Castro Mendes, 'Direitos, Liberdades e Garantias - Alguns
Aspectos Gerais', in - Estudos sobre a Constituição, 1º vol., Lisboa, 1977, pág.
102; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. IV, Coimbra, 1988,
pág. 167; J.C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 85; Rabindranath Capelo de Sousa, O
Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995, págs. 96 e segs.).
No tocante ao direito à intimidade da vida privada já este Tribunal ponderou
pretender-se prevenir de intromissões alheias o espaço interior da pessoa ou do
seu lar, assim se acautelando um núcleo íntimo onde ninguém penetre salvo
autorização do próprio titular (cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 128/92 e
319/95, publicados no Diário da República II Série, de 24 de Julho de 1992 e de
2 de Novembro de 1995, respectivamente).
Com o direito à imagem, por sua vez, visa-se salvaguardar o direito de cada um a
não ser fotografado nem ver o seu retrato exposto em público, sem o seu
consentimento e, bem assim, o direito a não ser apresentado 'em forma gráfica ou
montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel' (cfr. J.J. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 181. Entre os acórdãos deste Tribunal,
vejam-se os já citados nºs. 128/92 e 319/95. Estão em causa, não apenas o
retrato mas igualmente todas as outras captações possíveis do corpo do
indivíduo, da sua protecção imagética, nas palavras de Orlando de Carvalho (in
Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, 1970, pág. 72), o que possibilita uma
ingerência abusiva atentatória de valores constitucionalmente protegidos.
De qualquer modo, e como o Tribunal Constitucional reconheceu logo num dos seus
primeiros arestos, o direito a proteger, pois que relacionado com a dignidade da
pessoa humana, tem ele mesmo de ser exercido com dignidade, pois todas as
liberdades, todos os direitos sofrem as restrições impostas pelo respeito da
liberdade e dos direitos dos outros (cfr. acórdão nº 6/84, publicado no Diário
citado, II Série, de 2 de Maio de 1994). Ou, se se preferir, a autonomia dos
direitos fundamentais é limitada na medida dos deveres de solidariedade para com
os outros homens e para com a sociedade, pois o seu titular vive em comunidade
e, como tal, obriga-se a suportar as restrições e as compressões indispensáveis
à acomodação dos direitos dos outros e à realização dos direitos comunitários,
ordenados ao bem comum de todos (cf. J.C. Vieira de Andrade, ob. cit., pág. 86).
[…]
Com efeito, impõe-se uma apreciação ponderada dos interesses em causa no
pressuposto de que a protecção concedida aos direitos em questão não pode
limitar intoleravelmente outros direitos: a salvaguarda de outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos há-de obedecer ao princípio da
proporcionalidade em sentido amplo, proibindo o excesso, devendo, por isso, as
restrições estabelecidas serem necessárias, adequadas e proporcionais (cfr. o
artigo 18º da Constituição, 2ª parte do seu nº 2).
Não sendo fácil formular um juízo de relação apropriada (angemessen Verhältnis)
parece razoável partir de uma directriz determinada por critérios resultantes
das valorações sociais correntes sobre a questão, como propõe um Autor, 'desde
que harmonizáveis com os princípios gerais do ordenamento jurídico nesta
matéria, e, portanto, que além de a própria noção de vida privada ser em certa
medida dependente do indivíduo, é também função das valorações de cada formação
social' (cf. Paulo Mota Pinto, 'O Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida
Privada' in - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol.
LXIX, Coimbra, 1993, pág. 527).
Nesta leitura, o estado de saúde da pessoa faz parte da sua vida privada, 'bem
como a vida conjugal, amorosa e afectiva do indivíduo, isto é, os projectos de
casamento e de divórcio, aventuras amorosas, afectos e ódios, etc.' (ob. cit.
págs. 527-528). Também outro Autor faz compreender, na esfera da privacidade
constitucionalmente tutelada, o passado da pessoa, os seus sentimentos, factos
atinentes à sua saúde, a respectiva situação patrimonial, os seus valores
ideológicos, o domicílio (cfr. Rita Amaral Cabral, 'O Direito à Intimidade da
Vida Privada (Breve reflexão acerca do artigo 80º do Código Civil' in - Estudos
em Memória do Professor Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1989, pág. 399). Ou, ainda,
as peripécias da vida conjugal e familiar, as causas e as circunstâncias de um
divórcio, a vida amorosa fora e ao lado do casamento (Capelo de Sousa, ob. cit.,
pág. 318)».
Posição contrária conduziria à afectação do conteúdo do direito
fundamental da criança à protecção do Estado no âmbito do direito ao
reconhecimento da paternidade.
Por seu lado – importa acentuar – que a ofensa do direito à reserva
cinge-se, apenas, à medida do necessário para a realização do outro direito
nascido dentro dos mesmos factos cobertos pela reserva, atingindo apenas os
actos ou comportamentos jurígenos do direito de paternidade que judicialmente se
pretende ver reconhecido.
8 – Da questão de constitucionalidade relativa às normas constantes dos
artigos 202º e 203º da Organização Tutelar de Menores (OTM)
Questiona, ainda o recorrente, a constitucionalidade das “normas
constantes dos artigos 202º e 203º da OTM, quando entendidas no sentido de
permitirem que possa realizar-se validamente uma investigação “secreta” como
preliminar administrativo da acção de (processo civil) investigação de
paternidade a propor pelo Ministério Público, sem sujeição a contraditório
naquela investigação, dispondo, ainda, aí, o mesmo Ministério Público de uma
posição institucional privilegiada que o investigado aí não desfruta”,
pretextando que as mesmas violam o disposto “nos art.ºs 13º e 20º da CRP, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.ºs 12º, 7º e 10º) e a Convenção
Europeia dos Direitos do Homem (art.ºs 8º, 6º e 14º)”.
O artigo 202º da OTM tem o seguinte teor:
“1 – A instrução dos processos de averiguação oficiosa para investigação de
maternidade ou paternidade ou para impugnação desta incumbe ao curador, que pode
usar de qualquer meio de prova legalmente admitido e recorrer a inquérito.
2 – São obrigatoriamente reduzidos a escrito os depoimentos dos pais ou dos
presumidos progenitores e as provas que concorram para o esclarecimento do
tribunal”.
Por seu lado, o artigo 203º reza assim:
“1 – A instrução do processo é secreta e será conduzida por forma a evitar
ofensa ao pudor ou dignidade das pessoas.
2 – No processo não podem intervir mandatários judiciais, salvo na fase de
recurso”.
A propósito da apreciação da questão de constitucionalidade do art.º
206º da OTM, que dispõe sobre o recurso da decisão final no termo dos processos
a que alude o n.º 1 daquele artigo 202º, discreteou-se no Acórdão n.º 616/98,
publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41º vol., p, 263:
«O processo em causa inicia-se com a autuação da certidão de registo de
nascimento do menor apenas com a maternidade estabelecida, certidão essa
obrigatoriamente remetida ao tribunal pelo funcionário que lavrou o registo.
Procede-se, então, à instrução do processo, a cargo do Ministério Público,
tendente a averiguar a paternidade do menor.
Conhecida pelo tribunal, através de declarações da mãe do menor ou de outros
meios, a identidade do pretenso progenitor, será ele ouvido.
Se for negada ou recusada a confirmação da paternidade, o Ministério Público
procede a diligências probatórias, em instrução secreta, 'conduzida por forma a
evitar ofensa ao pudor ou dignidade das pessoas'; as declarações prestadas no
processo não implicam presunção de paternidade.
Finda a instrução, o Ministério Público elabora parecer sobre a viabilidade da
acção de investigação de paternidade; ao juiz compete proferir despacho final,
ordenando o arquivamento do processo ou a sua remessa ao magistrado do
Ministério Público junto do tribunal competente para que seja proposta a acção
de investigação.
Os traços essenciais do processo de averiguação oficiosa que se deixam
enunciados resultam do disposto nos artigos 202º a 206º da OTM, 1811º a 1813º,
1864º, 1865º e 1868º do Código Civil.
Deles claramente se colhe que se trata de um processo de carácter administrativo
ou pré-judicial desenvolvido numa lógica inquisitorial, carácter esse que se
ajusta à finalidade última do mesmo processo: habilitar o Ministério Público a
intentar acção de investigação de paternidade viável.
Joga-se aqui, fundamentalmente, um interesse público, ou colectivo, que legitima
a intervenção do Ministério Público.
A intervenção judicial no processo, mediante o despacho final (de arquivamento
ou remessa ao Ministério Público para propositura da acção), visa, por seu
turno, garantir que não sejam intentadas acções temerárias, tanto mais de evitar
quanto o Ministério Público, em representação do Estado, prossegue aquele tipo
de interesse, e elas põem em causa, em maior ou menor grau, o pudor ou a
dignidade dos intervenientes directos.
É, aliás, o melindre dos factos que nestas acções, quase inevitavelmente, se
controvertem, que parece justificar a excepção - que constitui a averiguação
oficiosa como procedimento prévio à acção de investigação - ao regime normal de
'citação directa' em processo civil, como bem adverte o Ministério Público nas
suas alegações.
Impor-se-ia, neste contexto, que o legislador ordinário facultasse ao pretenso
progenitor direito ao recurso do despacho de viabilidade, sob pena de infracção
ao disposto no artigo 20º nº 1 da CRP enquanto a todos assegura o direito de
acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos?
Uma decisiva razão postula uma resposta negativa a esta questão: com o despacho
jurisdicional de viabilidade da acção não são ofendidos os direitos e interesse
legítimos do pretenso progenitor.
Na verdade, esse despacho apenas habilita o Ministério Público a intentar acção
de investigação de paternidade, não sendo, a todas as luzes, de reconhecer, a
quem quer que seja, um direito ou interesse legítimo em não ser civilmente
demandado.
Não se vislumbraria, aliás, qualquer inconstitucionalidade, se o legislador
ordinário, à semelhança do que acontece na generalidade das acções, não tivesse
previsto o referido procedimento preliminar, competindo ao Ministério Público -
e a ele só - formar, com inteira autonomia, a sua decisão, no sentido de propor,
ou não, a acção de investigação.
A averiguação oficiosa não deixa, assim, de representar um robustecimento das
garantias de defesa do pretenso progenitor, garantias estas cuja tutela apenas
se impõe, constitucionalmente, na acção de investigação de paternidade a
intentar e em que aquele figura como parte.
Mas, consagrando o artigo 206º nº 2 da OTM a legitimidade do Ministério Público
para recorrer, não exigirá o artigo 13º da CRP que igual legitimidade seja
conferida ao pretenso progenitor?
Não bastará acentuar que o pretenso progenitor não é parte na averiguação
oficiosa para fundamentar um juízo de não inconstitucionalidade da norma.
Mas já é suficiente, na perspectiva do tratamento igualitário que o princípio
constitucional impõe, o reconhecimento de que a diferença é materialmente
fundada.
Com efeito, ela decorre de uma distinção objectiva de situações, no ponto em
que, para o Ministério Público, o despacho de arquivamento obsta à propositura
da acção de investigação, cerceando assim um poder que a lei lhe confere,
enquanto que, para o pretenso progenitor, o despacho de viabilidade não lesa ou
afecta a sua esfera jurídica.
A diferenciação em que se traduz a previsão de legitimidade do Ministério
Público para o recurso, em contrário do que acontece com o pretenso progenitor,
constitui, assim, uma medida necessária e adequada à satisfação do seu
objectivo».
Entende o Tribunal Constitucional que as considerações expendidas
neste aresto são inteiramente de acompanhar e têm inteira aplicação ao caso dos
autos.
Perante o regime constante da OTM, não restam dúvidas que o processo
de averiguação oficiosa não tem a natureza de uma acção judicial de natureza
civil, movida contra o investigado para o reconhecimento do direito de
paternidade.
Nele não é deduzida nenhuma pretensão contra o pretenso pai, como a
sua condenação a reconhecer o menor como seu filho, nem são contra ele alegados
fundamentos em que esse pedido se possa basear.
Sendo assim, na ausência de um pedido e dos fundamentos do mesmo,
não tem sentido a exigência da intervenção do investigado como parte nesse
processo, nos termos que se verificam na acção oficiosa de investigação de
paternidade, sujeita à tramitação do processo civil, com a correspondente
subordinação ao princípio de igualdade processual e ao direito ao contraditório,
invocados pelo recorrente, que o direito de acção necessariamente postula em
termos constitucionais (art. 20º da CRP).
O processo de averiguação oficiosa corresponde simplesmente a um
modo de o Estado se desonerar, ainda fora do âmbito do exercício do direito de
acção judicial, do dever de protecção às crianças, no que tange ao conhecimento
e reconhecimento da sua maternidade, paternidade ou impugnação desta.
É esta circunstância que justifica que o processo possa, até,
assumir uma natureza simplesmente registral, nos casos em que o presumido
progenitor confirme a maternidade ou paternidade, em que será lavrado termo de
perfilhação (art. 207º da OTM).
O seu escopo é apenas o de habilitar o Estado, vinculado que está
pelo respeito dos direitos fundamentais, a exercer o direito de acção contra o
pretenso pai apenas no caso de essa acção se afigurar viável ao juiz. A
intervenção do juiz para avaliar da viabilidade da acção judicial justifica-se
precisamente dentro da óptica de que, estando em causa direitos fundamentais,
tanto da criança como do investigado, se impõe que o Estado apenas possa exercer
o direito de acção de investigação, no caso de a lesão dos direitos do
investigado, consequente a esse exercício do direito de acção, se apresentar
justificado, dentro de um juízo objectivo e imparcial de ponderação dos meios de
prova recolhidos no processo.
Nesta perspectiva, não sendo o investigado sujeito do dever de
protecção às crianças, contemplado no art. 69º, n.º 1, da CRP, não sendo ele
parte no processo de averiguação e não estando vinculado à decisão de
viabilidade ou de não viabilidade da acção de investigação, não se verifica
situação que postule a aplicação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP)
quanto às possibilidades de intervenção, de instrução do processo e de
conhecimento do que nele ocorre.
Na verdade, o Tribunal Constitucional tem considerado,
reiteradamente, que o princípio da igualdade só é violado quando o legislador
trate diferentemente situações que são essencialmente iguais – o que, na
situação, não ocorre –, não proibindo diferenciações de tratamento quando estas
sejam materialmente fundadas (sobre o sentido do princípio da igualdade, cf.,
por todos, o Acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República I Série-A,
de 17 de Junho de 2003, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56º vol., p. 7).
De qualquer modo, a exigência da prévia instauração do processo de
averiguação oficiosa e da intervenção do juiz para avaliar da viabilidade da
acção não deixam de assumir, deste modo, também uma função garantística dos
direitos do investigado.
E o mesmo se diga com o carácter secreto do processo, pois a
funcionalidade desta exigência é a de “evitar a ofensa ao pudor ou dignidade das
pessoas” (art. 203º, n.º 1, da OTM), entre as quais se contam, especialmente, a
mãe e o pretenso pai do menor. O segredo do processo visa acautelar que o
pretenso pai ou mãe fiquem o mais possível resguardados dos riscos e
inconvenientes que, seguramente, adviriam de uma plena acessibilidade e
divulgação dos elementos constantes do processo.
É certo que o processo de averiguação oficiosa é também um
instrumento de conhecimento dos meios de prova que o Estado pode esgrimir na
acção de investigação. Mas, independentemente de a organização de um processo
escrito corresponder a um simples modo de o Estado poder exercer, adequadamente,
as suas atribuições, por agir através de estruturas orgânicas e por ser esse o
modo normal de comunicação das matérias que cabem na sua esfera de competência
entre as pessoas que as integram, seja, na cadeia hierárquica, seja, nos
diferentes momentos temporais, não se vê que o investigado fique numa posição
mais desfavorecida do que aquela que adviria da adopção, pelo legislador, de um
sistema de citação directa para acção, em que o Ministério Público pudesse
interpor a acção de investigação sempre que o entendesse, com base numa recolha
informal e incontrolada dos meios de prova a esgrimir em tribunal.
De resto, anote-se que, também, o investigado não deixa de ter
inteira liberdade na recolha e na não evidenciação, em momento anterior ao da
acção de investigação, dos meios de prova que poderá, aí, apresentar para
contraditar os respectivos fundamentos e de gozar da mesma possibilidade de
requerer, na acção de investigação, a produção de outros cuja obtenção não
esteja na sua inteira disponibilidade.
Por fim, uma vez interposta a acção de investigação, as partes estão
sujeitas a um estatuto de rigorosa igualdade no que concerne à possibilidade de
oferecimento e utilização dos meios de prova admissíveis em direito, bem como de
exercício do direito de contraditório, seja dos fundamentos da acção, seja dos
meios de prova apresentados por cada uma delas.
Não se verifica, assim, a violação das disposições constitucionais
invocadas ou de quaisquer outras.
C – Decisão
9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 15 de Novembro de 2005
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos