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Processo n.º 836/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Comarca de Ponta
Delgada, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, foi proferida
por aquele Tribunal, em 4 de Março de 2005, decisão de não admissão de recurso
para o Tribunal Constitucional.
Tal despacho pôs termo à seguinte sequência processual:
i) Notificada da conta de custas da sua responsabilidade, e após ter procedido
ao respectivo pagamento (fl. 19), a ora reclamante apresentou nos autos
requerimento que aqui se transcreve:
«1.º
Encontra-se contemplado na conta o reembolso ao Estado das quantias dispendidas
com a concessão do benefício do apoio judiciário à Ré B., em representação de
seu filho menor C..
2.º
Tal inclusão encontra apoio na alínea e) do n.º 1 do art. 32.º do C.C.J.
3.º
Acontece, porém, que o Estado não pode fazer caridade com o dinheiro dos outros,
4.º
Sendo tal preceito claramente inconstitucional, nos termos do disposto nos arts.
1, 2.º, 13.º, 18.º e 20.º da Constituição da Republica Portuguesa,
5.º
Chegando-se ao cúmulo que a parte que perde a acção tenha que ser obrigada a
suportar os custos de quem foi nomeado para obstar à prossecução dos seus
interesses, o que
6.º
Além de absurdo, injusto e imoral é claramente inconstitucional.
Na reforma da conta, e levando-se em conta que o A. por lapso até já a liquidou
em 31/01/2005, deve ser ordenado a restituição da parte indevidamente liquidada
e paga».
ii) Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho:
«A reclamação da conta só pode ser apresentada, pelo responsável pelas custas,
enquanto não proceder ao seu pagamento no prazo concedido para o efeito - art.º
60.º/2 – a) CCJ.
O pagamento das custas implica a renúncia ao direito de reclamar, pelo que
indefiro o requerido».
iii) Apresentou então a reclamante requerimento de interposição de recurso para
o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«A., exequente no processo à margem referenciado, não se conformando com o douto
despacho de fols. vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos
termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 28º da Constituição da
República Portuguesa».
iv) O requerimento foi indeferido pelo despacho agora reclamado, com o seguinte
teor:
«Do despacho que indeferiu, por estar fora de tempo, a reclamação?
Do despacho que aplicou a norma do art.º 60.º/2 – a) do Código das Custas
Judiciais?
Não dá o art.º 280.º/1 – b) da Constituição da República Portuguesa essa
abertura, pelo que não admito, por ser legalmente inadmissível, o recurso
interposto».
2. Foi então apresentada reclamação do despacho que não admitiu o recurso para o
Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«A A., notificada da conta de custas da sua responsabilidade. e não se
conformando com esta no que concerne à inclusão na conta do reembolso ao Estado
das quantias dispendidas com a concessão do beneficio de apoio judiciário à Ré
B., em representação de seu filho menor, nos termos do disposto na alínea e) do
n.º 1 do art. 32.º do C.C.C., reclamou.
Sucede, porém, que, por mero lapso, procedeu ao pagamento voluntário da conta.
Porque o procedeu a Meritíssima Juiz “a quo” indeferiu a reclamação apresentada
por extemporaneidade, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 60.º
do C.C.J.
A aplicação de tais normas é claramente inconstitucional por violarem direitos
fundamentais dos cidadãos, consagrados constitucionalmente, pelo que nos termos
do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 280.º da CRP cabe recurso da sua
aplicação para este Tribunal.
A Meritíssima Juiz “a quo,” porém, assim não entendeu.
Daí a presente reclamação.
É que, não pode o Estado conceder apoio judiciário a quem a ele recorre à custa
dos particulares, que, como cidadãos de pleno direito e consumidores do bem da
justiça, não podem ser penalizados com o pagamento de benefícios que competem e
são da responsabilidade do Estado, ou, dito por outras palavras, o Estado não
pode fazer caridade com o dinheiro dos outros.
Nem se percebe como é que a parte que perde a acção além do pagamento das custas
do processo, ainda tenha que pagar os honorários do advogado que oficiosamente
foi nomeado para obstar à concretização dos seus interesses.
Além do absurdo, é injusto, imoral e claramente... inconstitucional por violação
do disposto nos arts. 1, 2, 13, 18 e 20.º da Constituição da República
Portuguesa, ao subtrair-se o Estado do seu dever de proporcionar a todos os
cidadãos o acesso à justiça em igualdade de circunstâncias e oportunidades.
Por outro lado, ao indeferir a reclamação apresentada pelo A. por extemporânea,
por este ter pago a conta de custas, nos termos do disposto na alínea a) do n.º
2 do art. 60.º do C.C.J., quando tal se deveu a mero lapso, e ainda por cima com
a condenação exemplar nas custas do incidente em 2 UC é no mínimo revoltante,
humilhante e indigno para qualquer cidadão zeloso e cumpridor dos seus deveres,
tanto mais que a solução é muito simples: se tiver razão e se pagou a mais só há
que proceder à devolução do que se mostrar a mais.
No mínimo, tem o A. o direito à indignação.
O facto é que, independentemente de lapso ou não, a norma da alínea a) do
aludido n.º 2 do art. 60.º do CCJ, também é inconstitucional por limitação do
direito de reclamação que assiste a qualquer cidadão de pleno direito na defesa
dos seus interesses, enquanto utente e consumidor do bem da justiça fornecido
pelo tribunal ao abrigo do disposto nos artigos 20.º e 60.º da C.R.P..
Porque o art. 280.º n.º 1, alínea b), permite o recurso para este Tribunal
quanto às questões da inconstitucionalidade suscitadas requer-se a v. Exa. a
admissão do recurso interposto para este tribunal por ser de Direito e de
Justiça!»
3. Seguidamente, foi proferido o seguinte despacho:
«De harmonia com o disposto nos art.ºs 69.º da L.O.T.C. e 688.º/2 do C.P.C. o
prazo para apresentação de reclamação contra o indeferimento do recurso é de 10
dias a contar da sua notificação.
Averigue, por isso, a Secção de que forma deu entrada em juízo o requerimento de
fls. 149.
Caso tenha sido apresentado em 29.3.2005 há que dar cumprimento ao art.º 145.º/6
do C.P.C., o que desde já se determina».
4. O senhor funcionário judicial lavrou então a seguinte cota no processo:
«Em 04.04.05 averiguei junto da Secção Central a forma de entrada do
requerimento em tribunal, tendo sido informado que o mesmo tinha sido entregue
em mão, pelo que procedi a liquidação de multa».
5. A reclamante foi notificada para proceder, até 12 de Abril de 2005, ao
pagamento de multa no valor de duzentos e sessenta e sete euros, nos termos do
nº 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil (fls. 33 e seg.), não tendo
efectuado tal pagamento.
6. Os autos foram remetidos a este Tribunal, a coberto do seguinte despacho:
«O julgamento de reclamação do despacho que indeferira o requerimento de recurso
compete ao Tribunal Constitucional, mos termos do art.º 77.º da L.O.T.C..
Essa apreciação há-de estender-se, quanto a nós, à sua admissibilidade (veja-se
por identidade de razão da Relação de Lisboa de 3.10.2000, CG, IV, 143)
Por conseguinte, ordeno a desapensação dos autos principais destes autos de
reclamação e a sua remessa ao Tribunal Constitucional, para apreciação, uma vez
que nada existe que importe reparar».
7. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público pronunciou-se pela forma
seguinte:
«Não encontramos, certificada nos autos, a data em que o despacho de rejeição do
recurso de constitucionalidade, proferido em 4.3.05 (fls. 26) terá sido
notificado ao recorrente. De qualquer modo, face ao teor da decisão judicial que
ordenou expressamente o cumprimento do disposto no n.º 6 do art.º 145.º do
C.P.C., cabia à parte o ónus de pagar tal multa ou – se discordasse da decisão
do juiz de que a reclamação era intempestiva – atacar ou impugnar tal decisão.
Não tendo adoptado qualquer destas atitudes processuais, verifica-se que a
reclamação é efectivamente intempestiva.
Acresce que o recorrente não suscitou, durante o processo, a questão de
inconstitucionalidade da norma que constitui “ratio decidendi” do despacho de
fls.24: a constante do art.º 60.º, n.º 2, al. a), do C.C.J., sendo certo que a
interpretação normativa ali delineada não constitui seguramente “decisão
surpresa”, com a qual o recorrente não pudesse e devesse contar».
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
Atento o trânsito em julgado do despacho pelo qual se determinou o pagamento da
multa prevista no artigo 145º, nº 6, do Código de Processo Civil (supra, ponto
3.), é de considerar assente nos autos que o acto processual de apresentação de
reclamação do despacho que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional
foi praticado num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo previsto
(nºs 5 e 6 do referido preceito). Sendo certo que não veio a ser paga a multa
para cujo pagamento foi o reclamante notificado, não é válido o acto que
consistiu em reclamar do despacho que não admitiu o recurso para o Tribunal
Constitucional (artigo 145º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil e artigo 69º
da LTC).
Assim, é de concluir pela intempestividade da reclamação e, consequentemente,
pelo não conhecimento da mesma.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se não conhecer do objecto da presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 16 de Novembro de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício