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Proc. nº 155/97 Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. e B. recorreram, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Novembro de 1996, para apreciação da constitucionalidade da norma do 'artigo 76º, nº 1, da LPTA, Dec.Lei 267/85, de
16 de Julho, nos termos em que foi interpretada'.
Não tendo tal recurso sido admitido, com fundamento em que a questão de constitucionalidade não havia sido suscitada durante o processo, reclamaram do respectivo despacho de inadmissão.
Este Tribunal, pelo acórdão nº 430/97, indeferiu a reclamação, justamente por se não verificar o pressuposto processual da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, uma vez que ela só foi suscitada no requerimento de arguição de nulidades do acórdão recorrido, o qual se havia limitado a confirmar o julgamento da 1ª instância.
2. Deste acórdão nº 430/97 vêm agora reclamar por nulidade, uma vez que - dizem - viola 'os artigos 207º, 280º, nº 1, b), e 20º da Constituição da República e o disposto na última parte do nº 2 do artigo 660º do Código de Processo Civil'.
O reclamado C. diz, na sua resposta, que 'a conduta [das reclamantes] - mais do que um expediente dilatório - indicia má fé processual', devendo a reclamação por nulidades ser desatendida.
Notificadas as reclamantes quanto à acusação de má fé processual, nada disseram.
3. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Decisão:
4. Proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa, apenas sendo lícito ao Tribunal rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la nos termos previstos no artigo 669º, nº 1, alínea b), e nº 2, do Código de Processo Civil (cf. artigo 666º, nºs 1 e 2, do mesmo Código).
As causas de nulidade da sentença são unicamente as indicadas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 668º do mesmo Código.
No presente caso, embora se argua a nulidade da sentença, tal se faz sem referência a este artigo 668º.
Poderia, por isso, dizer-se que não se arguindo uma das nulidades de que o Tribunal pode conhecer, a este apenas restaria desatender a reclamação.
5. Acontece, porém, que se argui a nulidade de omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1 do referido artigo 668º.
De facto, segundo os reclamantes (se bem se compreende o seu discurso), o Supremo Tribunal Administrativo deixou de se pronunciar sobre uma questão que tinha obrigação de decidir; ou seja: deixou de apreciar a constitucionalidade do artigo 76º, nº 1, da LPTA. E devia fazê-lo, pois que os tribunais têm - por força do que dispõe o artigo 207º da Constituição - obrigação de não aplicar normas inconstitucionais.
Não assiste qualquer razão aos reclamantes.
Na verdade, e desde logo, a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais apenas significa que os tribunais, na decisão dos casos submetidos a julgamento, não podem servir-se de normas que, em seu critério, violem a Constituição ou os princípios nela consagrados. Não significa que, antes de utilizarem qualquer norma, devam discutir a sua conformidade com a Lei Fundamental. Não se lhe afigurando existir incompatibilidade com a Constituição, essa discussão só se impõe se alguma das partes acusar de inconstitucional a norma ou normas que a resolução do caso convoque.
Na presente hipótese, como o artigo 76º, nº 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos não foi arguido de inconstitucional antes de proferido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de que se recorreu para este Tribunal, não tinha aquele Supremo Tribunal obrigação de se pronunciar sobre a constitucionalidade de tal preceito. Por isso, o acórdão recorrido, pelo facto de não ter feito a discussão da conformidade daquela norma com a Constituição, não enferma de nulidade de omissão de pronúncia.
Mas, ainda que o acórdão recorrido enfermasse de tal vício, nem por isso dele padeceria o acórdão deste Tribunal de que agora se reclama.
Ora, neste momento, só era lícito ao Tribunal conhecer de nulidades que inquinassem o aresto por si prolatado, e não de nulidades que, acaso, afectassem a decisão recorrida.
6. Sustentam também os reclamantes que 'qualquer interpretação do significado da palavra processo constante da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da CRP que não abarque todos os actos praticados durante o processo, desde o início até ao trânsito em julgado da decisão, é inconstitucional, por consubstanciar uma interpretação restritiva do acesso ao recurso para o Tribunal Constitucional'.
Será, por isso, pelo facto de o acórdão ora reclamado ter adoptado uma tal interpretação da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição, que, segundo os recorrentes, o mesmo enferma de nulidade.
Também nesta parte os reclamantes não têm razão.
É que, suposta a possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais - possibilidade que não é caso para aqui discutir -, a interpretação da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição feita pelo acórdão reclamado nunca seria de julgar inconstitucional.
Na verdade, interpretar tal norma no sentido de - salvo em situações de todo anómalas e excepcionais em que não haja oportunidade processual para o fazer - a questão de constitucionalidade ter de ser suscitada antes de decidida a matéria a que ela respeita, não se traduz em eliminar o direito de recorrer para o Tribunal Constitucional, nem tão-pouco em tornar o seu exercício particularmente oneroso. O que tão-somente se faz é imprimir racionalidade ao exercício de um tal direito. Ora, só aquele resultado, e não este, é incompatível com o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo
20º da Constituição.
A isto acresce que a eventual aplicação de uma norma
(constitucional ou legal) com um sentido inconstitucional não torna nula a decisão. Num tal caso, o que existe é erro de julgamento.
A reclamação por nulidade só serve, no entanto, para suprir nulidades de que enferme a decisão proferida.
Por isso, mesmo que aquela interpretação, acaso, fosse inconstitucional - que o não é -, nunca a reclamação poderia servir para corrigir o julgado.
7. Não obstante a falta de razão dos reclamantes, a sua conduta processual não pode ser considerada como litigância de má fé, pois que se não descortina a existência de dolo ou de negligência grave na dedução da pretensão formulada, nem se vê que o seu propósito seja o de entorpecer a acção da justiça ou de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
8. Concluindo: por se não verificar qualquer nulidade, nem se indiciar má fé dos reclamantes, há tão-só que desatender a reclamação apresentada.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, desatende-se a reclamação apresentada e condenam-se os reclamantes nas custas, para o que se fixa a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 15 de Outubro de 1997 Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa