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Processo n.º 768/2005
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
Em 19 de Outubro de 2005 proferiu o relator a seguinte
decisão: –
“1. Inconformados com o acórdão lavrado em 21 de Abril de 2005 pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, no que ora interessa, negou provimento
aos recursos interpostos da decisão instrutória que os pronunciou (quanto a
esta, na parte em que não foi atendido o vício de nulidade que lhe fora
atribuído) e com o acórdão proferido pela 2ª Vara Criminal de Lisboa que – pela
prática de factos que foram subsumidos ao cometimento, em co-autoria, de um
crime previsto e punível pelos artigos 36º, nº 1, 3º e 7º, todos do Decreto-Lei
nº 28/84, de 20 de Janeiro, e de três crimes previstos e puníveis pelos citados
artº 36º, números 1, alíneas a), b) e c), 2 e 5, alínea a), 3º e 7º (sendo os
artigos 3º e 7º atinentes à arguida) – os condenou, respectivamente, na pena
única de cem dias de multa à taxa diária de € 250, e na pena de dez meses de
prisão cuja execução ficou suspensa por um período de dois anos, intentaram os
arguidos A., e B. recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que,
porém, não foi admitido por despacho proferido em 2 de Junho de 2005 pelo
Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, fundado no que se
prescreve na alínea f) do nº 1 do artº 400º, em conjugação com a alínea b) do
artº 432º, um e outro do Código de Processo Penal.
De tal despacho reclamaram os arguidos para o Presidente daquele
Supremo Tribunal tendo, na peça processual consubstanciadora da reclamação,
dito, em dados passos: –
‘(…)
9. Da conjugação do disposto nos arts. 434.º e 410.º, n.º 2, ambos do CPP,
resulta que o recurso para o STJ pode ter sempre como fundamento, desde que o
vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as
regras da experiência comum erro notório na apreciação da prova.
10. Nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f) do CPP não é admissível recurso ‘dos
acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações que confirmem
decisão de primeira instância, em processo crime a que seja aplicável pena de
prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;’
11. Ora, no entender dos Arguidos, a questão que se levanta é saber se os casos
contemplados no art. 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP estão ou não abrangidos pelo
disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), também do CPP.
12. Dito de outro modo, pretende-se saber se um acórdão condenatório, com erro
notório de apreciação de prova, proferido em recurso pela relação de Lisboa, que
confirma decisão de 1.ª Instância, também ela com erro notório de apreciação de
prova, é ou não recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.
13. No entender dos Arguidos a única interpretação possível é a que sustenta a
prevalência do disposto no art. 410.º, n.º 2 do CPP sobre o art. 400.º, n.º 1,
al. f) do mesmo diploma e que, portanto, permite a recorribilidade dos
Acórdão[s] do Tribunal da Relação sempre que, confirmando decisões de 1.[ª]
instância, tenham por fundamento quaisquer factos previstos no n.º 2 do [artº
410º do] CPP.
14. Na verdade, qualquer outra interpretação, conforme a sustentada pelo Senhor
Desembargador Relator, não será de admitir, por ilegal e inconstitucional.
(…)
18. O conteúdo da al. f) é pautado puramente por razões de celeridade processual
visto que, existindo duas decisões, proferidas por instâncias distintas que,
pronunciando-se no mesmo sentido sobre o conteúdo da decisão, forma no mesmo
sentido, a probabilidade de uma terceira instância decidir em sentido contrário
é reduzida, não se justificando, por isso (e também em função da moldura penal
aplicável) que uma terceira entidade seja chamada a pronunciar-se sobre o mesmo
facto.
19. Pelo contrário, o[ ] art [ ] 410.º do CPP é uma norma de natureza material,
porquanto visa assegurar a justiça material no caso concreto.
20. Nessa medida, enquanto normas materiais que são prevalecem sobre o regime
geral do art. 400.º, n.º 1, al. f) do CPP pelo que defender qualquer outra
interpretação será uma violação da aplicação das referidas normas.
21. Com efeito, quando ainda que, qualquer decisão condenatória tenha sido
confirmada em segunda instância, sempre que o vício seja um erro notório,
situação de injustiça material, não pode deixar de prevalecer sobre o disposto
no art. 410.º, n.º 1, al. f) do CP[P].
22. Acresce que, nos termos do disposto no art. 32.º, n.º 1 da CRP, ‘o processo
criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso’.
23. Mais se estabelece no art. 32.º, n.º 9 da CRP que ‘nenhuma causa pode ser
subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior’.
24. A jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional tem assinalado que o
artigo 32.º, n.º 1 da CR[P], assegura, em processo penal, o princípio da
recorribilidade da decisão condenatória, quer em matéria de facto, quer quanto à
matéria de direito,
25. sempre pautado pelo princípio do contraditório.
26. O princípio das garantias de defesa tem o sentido de que o processo criminal
deve ser um processo justo e leal, ficando, por isso, proibidas as restrições
intoleráveis ou inadmissíveis da possibilidade de defesa dos arguidos.
27. neste contexto, o direito ao recurso é um elemento integrador das garantias
de defesa do arguido, bem como do princípio do contraditório.
(…)
29. Sucede que, conforme se demonstrou, o caso de erro notório de apreciação da
prova, não é um dos casos em que a faculdade de recorrer/contraditar possa se[r]
restringida, neste caso, seguindo a posição do despacho proferido pelo Senhor
Desembargador Relator, eliminad[a].
30. Isto porque, conforme referido, o fundamento ‘da dupla conforme’ não é aqui
aplicável, por não estar em causa razões de economia processual ou probabilidade
de ‘tripla conforme’ mas sim um erro manifesto ao nível da justiça material.
31. Assim a interpretação acolhida pelo Despacho ora reclamado, que vedou a
subida do recurso interposto do Acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de
Justiça, não só violou o direito ao recurso e de defesa dos arguidos,
32. assim desrespeitou uma competência que era atribuída, nos termos da lei
processual penal, ao Supremo Tribunal de Justiça (art. 432.º do CPP), norma[ ]
de natureza eminentemente substantiva que prevalece[ ] sobre as restantes.
33. Nessa medida, além de ilegal, é o referido Despacho inconstitucional, por
violar o disposto no art. 32.º da CRP.
(…)’
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 5 de Julho
de 2005, indeferiu a reclamação, esteando-se na seguinte fundamentação: –
‘(…)
Em processo penal para que seja admissível recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça é necessário que se verifique algumas das situações
previstas no art. 432.º do CPP.
Assim, impõe-se desde logo fazer apelo à alínea b) do referido art.
432.º, onde se determina que se recorre para o STJ ‘de decisões que não sejam
irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400.º’.
E deste preceito destaca-se a alínea f) do seu n.º 1, que estabelece serem
irrecorríveis os ‘acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações,
que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que seja
aplicável pena de multa ou de prisão não superior a oito anos …’
Ora, no caso em apreço, estamos perante um acórdão da Relação
condenatório e confirmativo da decisão da 1ª instância, em processo por crime a
que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a oito anos (fraude na
obtenção de subsídio ou subvenção), pelo que não é admissível o recurso para
este Supremo Tribunal, nos termos do citado art. 400.º n.º 1 alínea f) do CPP.
(…)
É descabida a invocação, como suporte da reclamação, do disposto no art.
410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP, por estes preceitos se reportarem a outros fundamentos
em que o recurso pode assentar nos casos em que a lei restringe a cognição do
tribunal de recurso a matéria de direito; logo, a sua aplicação tem como
pressuposto a admissibilidade do recurso.
De todo o exposto, resulta que a não admissão do recurso não
consubstancia qualquer ilegalidade.
Quanto à alegada inconstitucionalidade, cabe dizer o seguinte: após a
revisão levada a efeito pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, na
sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional, o direito ao recurso foi
expressamente referenciado como uma garantia de defesa do processo criminal, no
n.º 1 do art. 32.º da CRP.
Todavia, como o T.C. também tem sustentado, a Constituição não impõe que,
em processo penal, tenha de haver recurso de todos os actos do juiz, como também
não exige que se garanta um triplo grau de jurisdição (cf., por todos, os
Acórdãos do T.C. de 19-06-90, BMJ, 398, p. 152, e de 19-11-96, DR, II Série, de
14-03-97).
Ora, a admitir-se recurso para este S.T.J., estar-se-ia a garantir um
triplo grau de jurisdição, o que a Constituição não impõe, por se bastar, em
processo penal, com um segundo grau, já concretizado aquando do julgamento pela
Relação.
(…)’
Do despacho cuja fundamentação se encontra extractada recorreram os
arguidos para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do
artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo, no que agora releva, que:
–
‘(…)
6. Na RECLAMAÇÃO, apresentada sustentaram os Requerentes a prevalência do art.
410.º, n.º 2 do Cód. de Processo Penal sobre o art. 400.º, n.º 1, al. f) do
mesmo diploma, razão pela qual deveria ter-se admitido a subida do recurso
interposto da Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal
de Justiça, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade (cf. Reclamação a
fls.)
7. Inconstitucionalidade, pois no caso de assim não se entender, haveria uma
violação do art. 32.º da Constituição, em concreto, do direito de recurso e de
defesa dos arguidos, ora Requerentes.
8. Ilegalidade, pois no caso de assim não se entender estar-se-ia a violar o
art. 432.º do Cód. de Processo Penal.
9. Mais sustentaram ainda os arguidos, ora Requerentes, na reclamação
apresentada, a ilegalidade do despacho de não admissão de subida do recurso, por
violação do disposto no art. 400.º, n.º 2 do Cód. de Processo Penal.
(…)’
Por despacho de 26 de Setembro de 2005, o Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça admitiu o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1
do artº 70º da Lei nº 28/82, não admitindo o interposto ao abrigo da alínea f)
dos mesmo número a artigo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal em 4 de Outubro seguinte.
2. Entende-se ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do artº 78º-A da
Lei nº 28/82.
Não se deixando de anotar que no requerimento de interposição de
recurso não vem minimamente equacionado qual a ou as normas (ainda que alcançada
ou alcançadas mediante um processo interpretativo incidente sobre determinado ou
determinados preceitos) cuja invocada desarmonia constitucional se pretende ver
analisada por este Tribunal, antes se elegendo como objecto do recurso a decisão
proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (sendo certo que, como
sabido é, o objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade
é constituído por normas do ordenamento jurídico ordinário e não por outros
actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale
consideradas), aceita-se, porém, embora com a mais acentuada benevolência, tendo
em conta o que foi referido nos items 13 e 14 do requerimento por via do qual
foi reclamado o despacho prolatado pelo Desembargador Relator do Tribunal da
Relação de Lisboa, que será desiderato dos arguidos submeter ao veredicto deste
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade a norma que se extrai
da conjugação dos artigos 410º, nº 2, e 400º, nº 1, alínea f), do diploma
adjectivo criminal, quando da mesma resulte que, não obstante ser invocada a
existência de erro notório na apreciação da prova, não é admissível recurso dos
acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações e que confirmem a
decisão tomada em 1ª instância em processo por crime a que seja aplicável pena
de prisão não superior a oito anos, mesmo no caso de concurso de infracções.
Nesta aceitação, o recurso apresenta-se como manifestamente infundado
e, por isso, justificativo do proferimento da presente decisão.
Efectivamente, é já muito vasta a jurisprudência deste Tribunal de onde
decorre que, conquanto a Lei Fundamental (mesmo antes da Revisão Constitucional
operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro) postule, como uma
das garantias de defesa do processo criminal asseguradas ao arguido, a
existência do direito ao recurso quanto às decisões penais condenatórias, daí
não se segue que tal postulado implique a consagração de um terceiro grau de
apreciação da decisão judicial condenatória tomada primitivamente (cfr., a
título meramente exemplificativo, o que foi dito nos Acórdãos números 201/94 –
disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos94_201-300.htm–,
548/94- disponível em http://www.
tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos94_501-600.htm-, 138/98 -
disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/
acordaos/acordaos98_101-200.htm –, 722/98 – disponível em http:
//www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos98_701-800.htm-, 94/2001 -
publicado na II Série do Diário da República de 24 de Abril de 2001 –, 183/2001
– publicado na II Série do Diário da República de 8 de Junho de 2001 –, 189/2001
– disponível em http://www.
tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos01_101-200.htm -, 320/2001 –
publicado na II Série do Diário da República de 7 de Novembro de 2001, 369/2001
- disponível em http://www. tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/
acordaos01_301-400.htm –, 435/2001 - disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos01_401-500.htm – ,
100/2002 – publicado na II Série do Diário da República de 4 de Abril de 2002 -,
451/2003 - disponível em http://www.
tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos03_401-500.htm –, 490/2003 –
disponível em http://www. tribunalconstitucional.
pt/tc/acordaos/acordaos03_401-500.htm –, 102/2004 - disponível em http://www.
tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos04_101-200.htm –, 610/2004,
640/2004 e 140/2005 – disponíveis no indicado site).
E, por isso, não tem sido considerada desconforme com o Diploma Básico
a norma ínsita na alínea f) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal.
Do que consta dos items 13, 14, 18 e 19 da peça processual em que foi
deduzida a reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, parece
resultar que os arguidos brandem com o argumento segundo o qual, não se pondo em
causa, em abstracto, a compatibilidade do normativo vertido naquela alínea f) do
nº 1 do artº 400º – já que se deveria aceitar que, por puras razões de
celeridade processual, havendo uma decisão judicial condenatória que foi
confirmada em sede de recurso por outra postar-se-ia a forte probabilidade de a
decisão a tomar pela «3ª instância» não vir a ser diferente –, diversa óptica se
deveria adoptar quando em questão estava um alegado erro notório na apreciação
da prova, porquanto o recurso ancorado nesse fundamento deveria ser visualizado
como um asseguramento da justiça material.
É evidente a falta de razão dos arguidos.
Em primeiro lugar, a jurisprudência do Tribunal, ao não formular juízos
de inconstitucionalidade sobre o normativo da alínea f) do nº 1 do artº 400º do
Código de Processo Penal, nunca colocou a questão de uma eventual «concordância
prática» entre um denominado valor (porventura um valor constitucional) ligado a
razões de celeridade processual e o direito ao recurso que decorre das garantias
de defesa que devem ser conferidas ao arguido em processo criminal e que, hoje,
expressamente, se encontra previsto na parte final do nº 1 do artigo 32º das
Constituição. Pelo contrário, o que se entendeu foi que o direito ao recurso em
um grau de jurisdição já satisfazia essa específica garantia, não decorrendo da
Lei Fundamental que ela só seria cabal se se consagrasse mais do que um grau de
reapreciação, sendo certo que, para o Tribunal, eram razões materiais ou
substanciais subjacentes à reapreciação aquelas que presidiam a essa garantia.
Sendo assim, como é, depara-se como claro que, independentemente dos
vícios assacáveis à decisão penal condenatória primeiramente tomada, o que, na
perspectiva deste órgão de administração de justiça, releva, é o facto de da
Constituição se retirar a exigência de o ordenamento jurídico ordinário dever
consagrar uma solução da qual resulte o direito arguido poder formular um pedido
de reapreciação da sua condenação criminal ocorrida em primeiro grau de
jurisdição.
Neste contexto, se um arguido num processo tem para si que a decisão
criminal condenatória está eivada do vício de erro notório na apreciação da
prova, a garantia constitucional do direito ao recurso há-de impor que esse
vício seja apreciado em sede de recurso, para que, sobre essa questão, recaia um
juízo reapreciatório. E essa possibilidade consta do ordenamento jurídico
infra-constitucional.
Os argumentos que fundaram os juízos deste Tribunal no sentido de nas
garantias do processo criminal se haver de incluir a garantia do direito ao
recurso no caso de decisões penais condenatórias tomadas em primeiro grau,
aplicam-se, obviamente, a toda a sorte de vícios de que, na perspectiva do
arguido recorrente, padecerão essas decisões.
Ora, como ocorreu na situação sub specie, a questão do alegado erro
notório na apreciação da prova de que teria enfermado a decisão tomada na 1ª
instância foi, ela mesma, impostada no recurso para o tribunal de 2ª instância
que, debruçando-se sobre ela, concluiu não se verificar tal vício. Houve, desta
sorte, uma reapreciação judicial dessa questão por banda de um tribunal
superior, pelo que assegurada ficou a específica garantia do direito ao recurso,
não se lobrigando qualquer restrição dela que se rotule de intolerável ou
inadmissível.
Neste particular, nem sequer é minimamente entendível o argumento,
esgrimido pelos arguidos, de uma violação do nº 9 do artigo 32º da Constituição,
pois que não se vê qual a competência que estivesse já deferida ao Supremo
Tribunal de Justiça pelo ordenamento ordinário e que, na pendência da causa, lhe
foi retirada.
A isto é de aditar que o nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal
tem por finalidade elencar quais os fundamentos atinentes a matéria de facto que
podem ser invocados perante o tribunal de recurso, mesmo nos casos em que a lei
restrinja os poderes de cognição deste à matéria de direito, pelo que, como se
considerou no despacho que se desejou impugnar perante este Tribunal, para a
respectiva aplicação, ponto é que haja a possibilidade de haver recurso para o
tribunal a que a lei, em princípio, só confere poderes de cognição quanto àquela
última matéria.
É, pois, manifestamente infundado o recurso interposto, motivo por que
se lhe nega provimento, condenando-se os arguidos nas custas processuais,
fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.”
Da supra transcrita decisão reclamaram, ao abrigo do nº
3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, a A., e B., tendo dito no requerimento
corporizador da reclamação:–
“A) Do Objecto da Reclamação
1. Não se conformando com a decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
que negou provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes, confirmando, desse
modo, a decisão de 1.[ª] Instância que decidiu condenar os arguidos A. e B.,
como co-autores de quatro crimes p.p. no art. 36.º do DL 28/84, do mesmo
interpuseram recurso (cf. recurso de fls.1521 e seguintes).
2. Contudo, por Despacho de 2 de Junho de 2005 o Senhor Juiz Desembargador
Relator não admitiu o recurso interposto pelos Arguidos.
3. Desse Despacho reclamaram os Recorrentes para o Presidente do STJ e do
despacho de 5 de Julho de 2005 que indeferiu esta reclamação, recorreram os
Recorrentes para o Tribunal Constitucional.
4. O Senhor Juiz Conselheiro Relator, por decisão sumária, de 19 de Outubro de
2005, negou provimento ao recurso interposto pelos ora Recorrente, por
considerar o mesmo ‘manifestamente infundado’.
B) Do Fundamento do Despacho
5. Por decisão sumária o Senhor Juiz Desembargador Relator, negou provimento ao
recurso apresentado pelos ora Recorrentes, por considerar o mesmo
‘manifestamente infundado’, sendo vasta a jurisprudência do Tribunal
Constitucional nesse sentido.
C) Dos Fundamento da Reclamação
6. A decisão sumária proferida pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator assenta no
requerimento de reclamação apresentado pelos ora Recorrentes para o Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça da decisão de não subida do recurso interposto
pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
7. Contudo, em tal articulado, limitaram-se os Recorrentes a suscitar
sumariamente a questão da inconstitucionalidade - questões entre outras -,
indicando designadamente quais as normas que consideravam violadas.
8. Do mesmo modo, aquando do recurso de interposição para Tribunal
Constitucional, os ora Recorrentes limitaram-se a referir as Normas/Princípios
Constitucionais ou Legais Violados.
9. Ou seja, aquando da entrada do presente recurso para o Tribunal
Constitucional limitaram-se os Recorrentes a suscitar a questão da
inconstitucionalidade de certas normas sem o terem desenvolvido.
10. Acresce que se as normas cuja inconstitucionalidade se arguiu são, de facto,
as mesmas, as razões pelas quais se arguiu a inconstitucionalidade não têm de o
ser, nem o são no presente caso.
11. Assim sendo, apenas se pode concluir não se encontrar o Exmo. Juiz
Conselheiro Relator em condições de conhecer do objecto do recurso com
fundamento numa pretensão (alegadamente) ‘manifestamente infundada’, quando os
Recorrentes sobre ela ainda não se pronunciaram de modo ‘manifesto’, o que
apenas terá lugar (como se espera) em sede de alegações.
12. Com efeito, a sede própria para se pode decidir se o objecto do recurso é ou
não manifestamente infundado é após a apresentação das respectivas alegações
pelo Recorrentes, as quais têm por finalidade, exclusiva, o desenvolvimento dos
motivos e das razões de direito que, no seu entender, levam a que determinadas
normas do ordenamento jurídico devam ser julgadas inconstitucionais.
13. A inconstitucionalidade para os Recorrentes não reside na existência somente
de duplo recurso.
14. A inconstitucionalidade para os Recorrentes está na interpretação que foi
dada nos autos à ‘dupla conforme’.
15. Com efeito, o Tribunal da Relação de Lisboa aderiu às teses do Tribunal de
1.a Instância, não apreciando sequer os fundamentos do recurso dos Recorrentes,
fazendo uma interpretação da ‘dupla conforme’ que manifestamente transforma o
direito constitucionalmente de recurso em mera formalidade contra a qual os
Recorrentes se pretendem insurgir nesta sede.
16. Deste modo, o presente recurso deverá seguir os seus ulteriores termos,
sendo dada a oportunidade para os Recorrentes alegaram o que tiverem por
conveniente em face do enquadramento que deu no requerimento de interposição de
recurso para este Tribunal.”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no seguinte sentido: –
1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, é inquestionável que – em processo constitucional – é
perfeitamente admissível a formulação de um juízo sobre a falta ostensiva de
fundamento das razões invocadas pelo recorrente, face ao modo como ele suscitou
e delineou a questão de constitucionalidade, antes de ter oportunidade de
produzir uma ‘alegação’ no recurso.
3 – Assim, para além de o relator poder (e dever) proferir decisão sumária
quando o recurso careça manifestamente de fundamento, o próprio juiz ‘a quo’
pode – nos recursos fundados na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82
– rejeitá-los por idêntica razão.
4 – Cabendo, pois, ao recorrente o ónus de fundamentar, em termos minimamente
convincentes e conclusivos, as razões porque pugna pela inconstitucionalidade,
sob pena de se vir a confrontar com a referida rejeição preliminar do recurso.
5 – Por outro lado, o ‘aprofundamento’, nas alegações, dos fundamentos de
inconstitucionalidade não pode naturalmente conduzir a uma alteração do objecto
do recurso, sendo-lhe apontada uma interpretação ou dimensão normativa diversa
da que fora suscitada durante o processo e identificada no requerimento de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.”
Cumpre decidir.
2. Como se viu, os reclamantes, em súmula, vêm sustentar
que o relator não poderia considerar a questão como manifestamente infundada –
já que aqueles sobre ela ainda não efectuaram pronúncia “de modo ‘manifesto’” –
só podendo ser alcançado um juízo de falta de fundamento manifesto ao se decidir
a causa após a apresentação da alegação por banda do recorrente. E, por outro
lado, vêm também sustentar que o que pretendiam demonstrar na apresentanda
alegação era a desconformidade constitucional da interpretação do que seria a
“dupla conforme”.
Adiante-se, desde já, que nenhuma razão assiste aos
reclamantes.
Efectivamente, como bem resulta do nº 1 do artº 78º-A da
Lei nº 28/82, poderá o relator proferir decisão sumária se entender que a
questão é «simples», designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão
anterior deste Tribunal, ou se a questão se apresentar como manifestamente
infundada.
Como claro se depara, se a questão de
inconstitucionalidade colocada ao Tribunal por intermédio do recurso for, a
todas as luzes, nomeadamente ponderando a jurisprudência por ele seguida em
casos idênticos ou paralelos, ostensivamente improcedente, por se não vislumbrar
um mínimo de consistência substancial no alegado ferimento da Lei Fundamental,
poderá o recurso ser considerado manifestamente infundado nos termos daquele
disposição legal. E, justamente por isso, não se torna necessário que seja
desenvolvida toda uma actividade processual subsequente, como é o caso da
produção de alegações, elaboração de projecto de acórdão ou de «memorando», ida
a «visto» dos demais Juízes, inscrição dos autos em tabela e julgamento pela
formação colectiva do Tribunal.
Essa, pois, a razão do preceituado no nº 1 do falado
artº 78º-A.
Ora, a decisão sub iudicio, ponderando, de um lado, a
jurisprudência deste órgão de administração de justiça tomada quanto ao direito
ao recurso das decisões penais condenatórias – jurisprudência essa de acordo com
a qual a Constituição não exige ou impõe a existência de um terceiro grau de
recurso – e, de outro, que, mesmo numa postura que se presumiu ser a intentada
seguir pelos então recorrentes, a questão se afigurava ostensivamente destituída
de fundamento para poder levar a um juízo de enfermidade constitucional dos
normativos em apreço, explicitando-se os cabidos motivos, acabou, conhecendo do
objecto do recurso, por concluir no sentido de a questão ser manifestamente
infundada.
O Tribunal não descortina minimamente o que quer que
seja que porventura pudesse conduzir a entendimento diverso, quanto à conclusão
de que os aludidos normativos não padecem do vício de inconstitucionalidade,
mesmo tendo em conta a posição sustentada pelos ora reclamantes, segundo a qual,
deparando-se um eventual vício de erro notório na apreciação da prova, erro esse
que, de qualquer forma, foi também objecto de análise por parte do tribunal de
2ª instância, concluindo este pela sua não verificação.
E, por isso, não lhe merece censura a decisão em crise.
Consequentemente, indefere-se a reclamação,
condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de
justiça em vinte unidades de conta por cada um.
Lisboa, 10 de Novembro de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício