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Processo nº 214/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrentes AA. e mulher BB., e como recorrida CC., o Relator lavrou a seguinte EXPOSIÇÃO:
'1. AA. e mulher BB., com os sinais identificadores dos autos, vieram interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de Fevereiro de 1996, que, na parte que pode interessar, negou
'provimento ao recurso subordinado de apelação, interposto pelos expropriados', ora recorrentes, por entender, no essencial, que 'não há lugar
à actualização da indemnização a atribuir aos expropriados'.
Lê-se nesse acórdão:
'Neste recurso (o recurso subordinado) interposto pelos expropriados, a única questão colocada consiste em saber se a indemnização deve ser actualizada, nos termos do artigo 23º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto--Lei nº
438/91, de 9 de Novembro.
A resposta à questão suscitada é negativa.
É que sendo o presente processo regulado pela lei vigente à data da declaração de utilidade pública da expropriação, e sendo esta de 1983, a lei a aplicar é o Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro.
Sendo inaplicável o Código de 1991 e não havendo qualquer referência à actualização da indemnização no diploma aplicável ao caso dos autos, o Código de 1976, não há que fazer qualquer actualização da indemnização atribuída aos expropriados'.
2. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, invocam os recorrentes que ele 'é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, com a nova redacção da Lei 85/89 de Setembro'.
E acrescentam:
'Os recorrentes subordinados suscitaram durante o processo a inconstitucionalidade de a indemnização não ser actualizada desde a data da DUP, o que implicava a violação do disposto no artº 23º do DL 438/91, de 9 de Novembro bem como nos arts. 13º/1 e 62º/2 da Lei Fundamental, que impõe um pagamento justo e contemporâneo/actualizado.
Assim, se há omissão de norma legal no DL 845/ /76, de 11 de Dezembro, essa lacuna deveria ser suprida, ou pelas disposições do Código Civil, ou pelo novo Código Expropriativo ou pela melhor interpretação do artº 62º/2 da Lei Fundamental'.
3. Convidados os recorrentes a 'virem indicar a norma cuja inconstitucionalidade se pretende seja apreciada, bem como a peça processual em que tal questão foi por si anteriormente suscitada (artº 75º-A, nºs 1 , 2 e 5, da Lei nº 28/ /82, de 15/11, na redacção da Lei nº 85/89, de 7/9)', prestaram os seguintes esclarecimentos:
'3. A interpretação dada às normas contidas nos arts. 27º a 38º e 83º/2 do DL
845/76, de 11 de Dezembro, no sentido de se afastar a actualização prevista no DL 438/91 de 9 de Novembro e na lei civil, constitui uma interpretação inconstitucional do Código Expropriativo de 1976, de todo em todo, inadmissível, porque ofende o artº 62º da Lei Fundamental que impõe o pagamento de uma indemnização justa, necessariamente actualizada.
4.
...........
5. O TR Lx não pode proibir o pagamento dos juros devidos e desactivar a liquidação de uma indemnização justa e contemporânea/corrigida pelo valor inflacionário
(artº 62º da Lei Fundamental).
6. Esta questão foi suscitada na petição de recurso inicial de fls , nos arts
24º a 38º, onde se refere expressamente: '...o DL 845/76 não consagra nos arts
27º a 38º o autêntico e real conceito de justa indemnização'; nas alegações de
3.2.88, de fls ; nas alegações de 9.11.88, de fls ; nas alegações de
6.8.90, de fls ; na exposição/requerimento de 6.4.92, de fls. 425 a 434; nas alegações de 25.5.92, de fls. 442; nas alegações de 8.4.93, de fls , onde se refere a necessidade de atender à data mais recente que pode ser tida em conta pelo Tribunal, nos termos dos arts. 663º do CPC e 566º/2 do Cód. Civil; na exposição-requerimento de 21.11.94, de fls ; no requerimento de interposição de recurso de 20.2.95, de fls. 681; e nas alegações de 13.12.95, de fls. , onde se fala na violação dos arts 13º/1 e 62º/2 da Lei Fundamental caso o valor indemnizatório não fosse actualizado, até porque o artº 23º do DL 438/91 é de aplicação imediata, por ser norma adjectiva/processual'.
4. Sendo o presente recurso de constitucionalidade fundado na alínea b), do nº
1 do artigo 70º, da Lei nº 28/82 (reedita a alínea b), do nº 1 do artigo 280º da Constituição), necessário se torna que se verifiquem cumulativamente determinados requisitos específicos desse tipo de recurso, aqui interessando o da suscitação durante o processo da questão de inconstitucionalidade.
Ora, essa suscitação só pode relevar quando feita perante o tribunal de recurso, em termos de este saber que tinha que apreciar e decidir uma questão de inconstitucionalidade, o que significa desde logo que o interessado nunca pode deixar 'cair' ou 'abandonar' uma questão de inconstitucionalidade que vinha colocando nos autos antes daquele momento do recurso (cfr. por exemplo, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 36/91, 468/91, 469/91 e 182//95, publicados respectivamente nos Diários da República, II Série, nºs 243, de 22 de Outubro de 1991, 96, de 24 de Abril de 1992, e 141, de 21 de Junho de 1995).
É exactamente uma falha dos recorrentes em tal aspecto que se detecta in casu.
Com efeito, os recorrentes perante o Tribunal da Relação limitaram-se a:
- interpor um recurso subordinado em que dizem recorrer 'da parte desfavorável, com a qual não se conformam (arts 682º/1 e 684º do CPC), até porque, além do mais, deve ser actualizada a quantia em dívida no valor de 2 356 000$00 em função da desvalorização monetária ocorrida desde 26.5.87 (data do despacho de adjudicação' (requerimento de interposição do recurso).
- identificar uma 'única questão controversa' e que consiste em ofender a
'decisão recorrida' o 'disposto no artº 23º do DL 438/91, que se aplica ao caso em apreço, devendo assim o valor de 2 356 000$00 ser actualizado desde a data da DUP/declaração de utilidade pública, ou, pelo menos, desde a data da avaliação até à sentença, doutra forma seguir-se-ia um critério restritivo e impeditivo do pagamento de uma justa indemnização que afrontaria os arts. 13º/1 e 62º/2 da Lei Fundamental' (alegações de recurso em que concluem deste modo: 'A indemnização de 2 356 000$00 deve ser actualizado desde a data da DUP, pelo que foi violado o disposto no artº 23º do DL 438/91, bem como os arts 13º/1 e 62º//2 da Lei Fundamental)'.
Daqui resulta que os recorrentes não suscitaram adequadamente uma questão de inconstitucionalidade nas citadas peças processuais, radicando a violação das normas constitucionais na própria decisão recorrida, a dita 'decisão em crise
(...) que afrontaria os arts. 13º/1 e 62º/2 da Lei Fundamental', o que não configura uma arguição normativa de inconstitucionalidade. E mais: é irrelevante que o tenham feito em peças processuais anteriores àquelas, nomeadamente as que eles indicam - se é que o fizeram -, sendo facto que por isso mesmo no acórdão recorrida não há alusão a qualquer questão de inconstitucionalidade, identificando-se aí apenas que 'a única questão colocada consiste em saber se a indemnização deve ser actualizada, nos termos do artigo 23º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro'.
Sendo isto assim, tem de concluir-se que os recorrentes não deram satisfação ao requisito específico apontado e, por consequência, não se pode tomar conhecimento do recurso.
5. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Outubro'.
B. Responderam à EXPOSIÇÃO os recorrentes e a recorrida, manifestando esta a sua concordância e discordando os recorrentes, sustentando o
'indeferimento'.
C. Sendo intempestiva aquela resposta dos recorrentes, procedeu a Secretaria à liquidação da multa e subsequente notificação deles para o seu pagamento, vindo então os recorrentes a requerer a 'dispensa do pagamento da multa, aliás indevida'.
D. Tal requerimento foi indeferido por despacho do Relator, a fls 848 e verso, do seguinte teor:
'Tal como decorre do Parecer do Ministério Público, nada há a observar quanto ao procedimento da Secretaria relativamente à liquidação da multa e subsequente notificação dos recorrentes para o pagamento dela.
Com efeito, e sendo já aplicável o Código de Processo Civil na redacção vigente, por força do disposto no artigo 18º, nºs 2 e 4, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de
12 de Dezembro, e como é, aliás, a posição dos recorrentes (artigo aditado pelo artigo 6º, do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro), fácil é verificar que a resposta dos recorrentes constante do requerimento telecopiado de fls. 829 foi apresentada intempestivamente e sem ter sido paga imediatamente a multa, pelo que bem andou a Secretaria em dar cumprimento ao nº6 do artigo 145º do citado Código.
É que a data e hora apostas na telecópia (cfr. artigo 4º do Decreto-Lei 28/92, de 27 de Fevereiro) mostram que o acto processual em causa foi praticado fora das horas de expediente dos serviços, e daí que só possa relevar a data do dia seguinte e que consta do carimbo de entrada com o nº 1315 (cfr. os artigos 143º, nºs 1 e 3, e 144º, nº2, do mesmo Código).
Assim, indefiro o requerido pelos recorrentes quanto à 'dispensa do pagamento da multa' e também não determino essa dispensa, nos termos do nº7 do citado artigo
145º, por não estarem preenchidas as hipóteses aí figuradas: 'manifesta carência económica' ou montante da multa 'manifestamente desproporcionado', com a consequência do desentranhamento dos autos da dita resposta de fls. 829 e do original de fls. 834, por terem perdido os recorrentes o direito de praticarem o acto em causa' (despacho proferido na sequência do seguinte Parecer do Ministério Público: 'O fax em que se consubstancia o requerimento de fls. 829 foi recebido na secretaria deste Tribunal após encerramento dos serviços - às
18h30 de 12/5 - pelo que naturalmente o acto apenas se considera praticado no dia imediato (art. 143º, nº 3 C.P.C.).
É, por outro lado, evidente que a argumentação deduzida pelo reclamante - limitando-se a alegar a qualidade de expropriado num processo de expropriação - está muito longe de preencher o circunstancialismo a que alude o nº 7 do artº
145º do C.P.C., pelo que deverá obviamente ser indeferido o requerido').
E. Desse despacho vieram os recorrentes reclamar para a conferência e na reclamação invocam que tratando-se de um processo expropriativo, 'em que as custas ou multas são pagas a final, saindo do depósito da indemnização (artº 66º do CCJ)', a solução 'é retirar o quantitativo indicado no aviso de 14.5.97/64 000$00 do depósito da indemnização, pois as custas e multas saem do produto da expropriação' ('Donde, jamais a lei permite, em sede expropriativa, o desentranhamento dos autos da resposta de fls. 829 e do original de fls. 834, não tendo os recorrentes perdido o direito de praticarem o acto em causa, pois o pagamento da multa está assegurado legalmente por força de depósito que os responsáveis/expropriados têm à ordem do Tribunal' - acrescentam os reclamantes). E invocam também que fica-se 'sem saber qual a razão por que a data do fax vale menos que a data de uma carta registada'.
Concluem a reclamação pedindo que 'sobre a matéria do despacho recai um Acórdão que evite a 'consequência do desentranhamento' erradamente imposto pela decisão impugnada e que faça cumprir o comando do artº
66º do CCJ'.
F. A recorrida CC., nada disse sobre a reclamação.
G. Sem vistos, vêm os autos à conferência, para conhecer para já e em primeira linha da presente reclamação.
H. O teor do despacho reclamado não é minimamente afectado pela presente reclamação, dele decorrendo que a resposta dos recorrentes à EXPOSIÇÃO do Relator, em cumprimento do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, foi apresentada fora do prazo legal e daí a exigência do pagamento da multa (a qual continua ainda por pagar).
A data do fax não pode desligar-se da hora em que o mesmo foi recebido na Secretaria deste Tribunal Constitucional, e assim, fica a saber-se por que foi intempestiva a sua apresentação, nada tendo dito de útil os reclamantes a tal propósito.
O que, no fundo, eles querem é aproveitar-se do regime do artigo 66º do Código das Custas Judiciais, designadamente o seu nº 2, pretendendo ver sair do 'produto da expropriação' o montante da multa que persistem em não pagar ('As custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização' - diz aquele nº 2).
Só que este Tribunal Constitucional decidiu recentemente no acórdão nº 375/97, inédito, que 'às custas que sejam devidas num recurso de constitucionalidade não se aplica o artigo 66º, nº 2, do Código das Custas Judiciais'.
Daí que pelas mesmas razões constantes desse acórdão e aqui perfilhadas não se pode atender ao pretendido pelos reclamantes quanto ao pagamento da multa, acrescendo ainda que o nº 2 do artigo 66º reporta-se a custas e no caso o que está em divida é a multa prevista no nº 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil.
Por tudo isto, tem de desatender-se a reclamação e manter-se o despacho reclamado, quanto ao indeferimento do requerido pelos recorrentes.
I. Termos em que, DECIDINDO:
a) Desatende-se a reclamação e mantém-se o despacho reclamado;
b) Condenam-se os recorrentes nas custas com a taxa de justiça fixada em dez unidades de conta.
Lisboa, 15 de Outubro de 1997 Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida