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Processo n.º 88/05
1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como reclamante A. e como reclamados o Ministério Público e B. e outro, foi proferida decisão de não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2. Em 1 de Julho de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não admitir o recurso interposto para esta instância, tendo o então recorrente reclamado para a conferência, em 9 de Julho do mesmo ano. Por acórdão, de 7 de Outubro de 2004, aquele Tribunal confirmou a decisão reclamada, tendo o ora reclamante arguido a nulidade desta decisão, apresentando as seguintes conclusões:
'1ª. - Entendemos que a decisão produzida em conferência deverá ser considerada NULA, porquanto: Quer a aplicação, quer a interpretação que se deu ao art. 400°. nº.1, alínea e) do Cod. Proc. Penal, bem como, ao art. 5°. º.2, alínea a) do Proc. Cod Penal aplicando o art. 217º. e 218°. nºs 1 e 2 alínea a) do Cod. Penal de 1995, negando o direito ao recurso, não teve em conta: a) Que a aplicação da lei processual, no tempo, é no caso concreto embora adjectiva, mas com conteúdo substantivo, uma vez que se trata da defesa de direitos, liberdades e garantias, violando o art. 32°. nº. 1 da CRP., ao negar o recurso para o STJ, ao arguido. b) Ao não se permitir para o STJ, recurso mais não é, do que violar o n°. 1 do art. 13°. da CRP., na aplicação e interpretação aqui referidas. Assim sendo;
2ª. - Deve a decisão ser julgada NULA'.
3. Proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 11 de Novembro de
2004, o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:
'A., vem interpôr recurso para o Trib. Constitucional. I a) Ao abrigo da alínea f) do n°. 1 do art. 70°. da L TC. b) Pretende que seja declarada a inconstitucionalidade:
- do art. 400°. n°. 1 alínea f) do Cod. Proc. Penal.
- do art. 5°, n°. 2, alínea a) do Cod. Proc. Penal ao determinar a aplicação do art. 217°. e 218°. nºs 1 e 2, alínea a) do Cod. Penal de 1995, ao negar o direito ao recurso para o STJ.
- tal aplicação e interpretação, no caso concreto, viola o nº.1 do art. 32°. e n°. 1 do art. 13°. da CRP na medida em que viola o principio da igualdade e o da aplicação da lei mais favorável. c) O ora Recorrente, através de arguição de nulidade suscitou a referida inconstitucionalidade, no processo, na Conferência do STJ (...). III Entende o Recorrente que a negação do recurso para o STJ. na interpretação e aplicação que foi dada aos artºs 400º. nº. 1 alínea f) e art. 5º. nº. 1 e 2 alínea a) do Cod. Proc. Penal viola: a) O art. 32°, nº. 1 da CRP ou seja o assegurar das garantias de defesa ao arguido, no que toca à interposição de recurso, na medida em que desfavorece o Recorrente, ao ser-1he negado o recurso para o STJ., quando no momento da conduta detinha esse direito. b) O art. 13°. nº. 1 da CRP., na medida em que, o principio da igualdade é posto em causa, ao ponto de: dois cidadãos que tenham cometido os mesmos factos, no mesmo dia, com processos diferentes, tenham sorte diversa, podendo: - um que interpôs recurso para o STJ, ser absolvido o outro, que devido a alteração da lei processual foi-lhe retirado o direito ao recurso e foi condenado. IV a) Também, o Recorrente, vem interpor recurso para o Trib. Constitucional: a)Ao abrigo da alínea f) do n° 1do art. 70º. da L TC. b )Pretende que seja declarada a inconstitucionalidade: Na interpretação a aplicação que foi dada aos artºs 313°. e 314°. alíneas b) e c) do C.P. de 1982. Bem como dos artºs 217º. e 218°. nº. 2, alíneas a) e c) do Cod. Penal de 1995. Como ainda, art. 5°. do D.L. nº. 212/89 e art. 1°, n°. 1 alínea h) do Cod. Proc. Penal. Porquanto; Existe violação do art. 29º, nºs 1, 3 e 4 da CRP, na medida em que: O arguido foi condenado por crime agravado/qualificado, quando, no momento da prática da conduta, NÃO ESTAVA DEFINIDO EM LEI SUBSTANTIVA, o valor do prejuízo e daí, ao ser punido por crime agravado, não havia em Lei substantiva anterior a definição e tipificação de prejuízo. b) O ora Recorrente, através de arguição de nulidade suscitou a referida inconstitucionalidade, no processo, na Conferência do STJ (...). Considera-se violado o art. 29°, nºs 1, 3 e 4 da CRP, na medida em que: Não poderia o Recorrente ter sido condenado pela prática do crime, qualificado/agravado, quando ao tempo da prática da conduta não havia definição ou tipificação da qualificação ou agravação'.
4. Por despacho, de 2 de Dezembro de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir este requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo
76º, nº 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), invocando o seguinte:
'A decisão recorrida – que o recorrente, porém, não identificou no seu requerimento de recurso, será a proferida, em conferência, no dia 01Jul04 (fls.
927-928), que, tendo aplicado a norma do n.º 1 do art. 400.º do CPP, já não aplicou a do art. 5.2.a do mesmo diploma. Todavia, a inconstitucionalidade daquela primeira norma (cuja aplicação, nos termos em que o foi, seria previsível para quem acompanha e conhece a jurisprudência do STJ – cfr. fls. 942v e 943) ainda não havia sido suscitada durante o processo, sendo certo que só «cabe recurso para o TC das decisões dos tribunais (...) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo» (art. 70.1.c da LTC). Aliás, o condenado, ao recorrer, colocou-se «ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 70.º da L TC» (que visa impugnar normas ilegais e não normas inconstitucionais) e não da alínea b) do mesmo, n.º (a única que daria guarida à sua pretensão de recorrer de decisão que houvesse aplicado norma eivada de inconstitucionalidade já anteriormente suscitada no processo). De qualquer modo, o próprio recorrente reconhece que só veio a suscitar aquela suposta “inconstitucionalidade” «na conferência do STJ», forma eufemística de dizer que nem sequer o fez na sua reclamação de 09Jul04 (em que, inconformado com o acórdão do STJ que lhe rejeitara o recurso, alegou a sua «nulidade» sem colocação de nenhuma questão de inconstitucionalidade), mas, apenas em 25Out04, ao arguir a «nulidade da decisão de 07 Out04» (que lhe indeferira a sua anterior reclamação).
(...) E, de resto, é errado o pressuposto de que o reclamante partiu (o de que, ao tempo do crime, seria expectável uma cadeia de dois recursos – um para a Relação e outro para o Supremo – da eventual decisão que, pela sua prática, viesse a penalizá-lo). Muito pelo contrário, o art. 400.1.d do CPP de então não admitia recurso «de acórdãos das relações em recursos interpostos de decisões proferidas em 1.ª instância» (...). O recurso, fundado que foi na alínea f) do n.º 1 do art. 70.º da LTC, é manifestamente infundado, como o seria, igualmente, se se tivesse fundado na alínea b) do mesmo n.º'.
5. É deste despacho de não admissão do recurso que A. vem agora reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 76º, nº 4, da LTC, alegando que:
'1°. O ora Recorrente/Reclamante, sem ter havido transito em julgado e na Conferência: a) Arguiu nulidade b) Arguiu inconstitucionalidade.
2°. Tudo, como consta de tal arguição, deveu-se ao facto de, se ter negado ao ora Reclamante, o direito a recurso para o STJ.
3°. a) Entendeu o Reclamante que a negação do direito ao recurso para o STJ, na interpretação e aplicação que foi dada ao art. 400°. n°. 1 alínea f) e art. 5°. nºs 1 e 2, alínea a) do Cod. Proc. Penal, violou: O art. 32°, n°. 1 da CRP ou seja o assegurar das garantias de defesa ao Reclamante, no que tange à interposição de recurso. E isto porque; Desfavorece o Reclamante ao negar-se-lhe esse direito, quando é certo, que no momento da prática da conduta, atenta a pena abstractamente considerada, aplicável ao crime, no seu limite máximo (10 anos) conferia-lhe tal direito (ao recurso para o STJ). b) Com a interpretação que foi dada a tal normativo, bem como a aplicação, é violado o art. 13°. da CRP., na medida em que, o principio da igualdade é posto em causa, ao ponto de: - 2 cidadãos que tenham cometido o mesmo crime, no mesmo dia, com os mesmos factos, no mesmo processo, possam ter sorte jurídica diferente: - um ficar condenado porque não pode interpôr recurso para o Supremo; o outro absolvido, porque houve separação de culpa, foi julgado, em momento anterior, teve direito ao exercício de recurso para o STJ. e aí foi absolvido.
4°. O Reclamante também interpôs recurso para o Trib. Const. pretendendo nesse recurso que fosse declarada a inconstitucionalidade, na interpretação e aplicação que foi dada aos artºs 313°. e 314°, alíneas b) e c) do C.P. de 1982. Bem como, no mesmo sentido aos artºs 217º. e 218°. nº. 2, alíneas a) e c) do C.P. de 1995. Como ainda, ao artº. 5°. do DL 212/89 e artº. 1°. nº.1 alínea h) do Cod. Proc. Penal. Entende, ter havido violação do artº. 29°, nºs 1, 3 e 4 da CRP, porque: O arguido foi condenado por crime agravado/qualificado, quando, no momento da prática da conduta, não estava definido em Lei substantiva, o valor do prejuízo. Por isso, ao ser punido pelo crime agravado, não havia, na Lei substantiva anterior a tipificação e definição do prejuízo.
5°. A segunda questão aqui suscitada depende da aceitação da primeira ou seja, se o indeferimento do recurso para o STJ, baseado na aplicação e interpretação do artº. 400°. nº. 1 do CPP é ou não inconstitucional.
6°. a) O Reclamante arguiu a inconstitucionalidade da aplicação e interpretação da norma posta em crise. b) Arguiu a respectiva nulidade. c) O processo não transitou'.
6. Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público que se pronunciou nos termos que se seguem:
'A presente reclamação é manifestamente infundada, nada nela, aliás, se alegando que seja susceptível de pôr em causa a decisão reclamada, a que inteiramente se adere, no que respeita à evidente inverificação dos pressupostos do recurso interposto'.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação Vem a presente reclamação interposta do despacho do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Dezembro de 2004, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na não suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo e na circunstância de o recorrente ter indicado a alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC. Importa desde já assinalar que, de facto, não se verificam, no caso, os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC, o que por si só determina a confirmação da decisão de não admissão do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, com o consequente indeferimento da presente reclamação. Mas ainda que em causa estivesse o recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, não se verificariam os requisitos específicos deste recurso, porque não foi observado o requisito da suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigos 70º, nº 1, alínea b) e
72º, nº 2, da LTC). Como se escreveu no Acórdão nº 155/95 do Tribunal Constitucional (Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1995): 'A inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal se faz a tempo de o tribunal recorrido poder decidir essa questão – o que, salvo casos excepcionais e anómalos, em que, por o recorrente não ter oportunidade processual de cumprir esse ónus, ele deve ser dispensado do seu cumprimento (cf., entre outros, o Acórdão nº 391/89, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Setembro de 1989), exige que essa suscitação se faça antes de ser proferida decisão sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade'. Ora, a situação dos autos não é configurável como excepcional e anómala quanto ao ónus de suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, ou seja, até à prolação de decisão final no tribunal recorrido (neste sentido, e entre muitos outros, pois que está em causa jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional, cf. Acórdãos nºs 155/95, 192/00, Diário da República, II Série, respectivamente de 20 de Junho de 1995 e de 30 de Outubro de 2000). Não se enquadra nos casos em que 'o poder jurisdicional, por força de norma processual específica, se não esgota com a prolação da decisão recorrida', nem tão pouco em 'alguma hipótese, de todo excepcional e anómala, em que o interessado não dispõe de oportunidade processual para levantar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão' (cf. Guilherme da Fonseca/Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional2, Coimbra Editora, p.
48 e ss.). Pelo contrário, a situação em análise enquadra-se precisamente nos exemplos dados de não arguição da questão de inconstitucionalidade durante o processo. Ainda segundo estes autores (ob. cit., p. 46), 'o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a arguição da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar – em vista de ulterior recurso para o TC – a questão de inconstitucionalidade relativa a matéria sobre a qual o poder jurisdicional do juiz 'a quo' se esgotou com a decisão e num momento em que já não lhe é possível tomar posição sobre a mesma (Acs. 194/87, 670/94, 126/95,
521/95, 366/96, 436/99, 507/99, 674/99, 155/00)'. Com efeito e segundo as próprias palavras do reclamante, as questões de inconstitucionalidade foram suscitadas 'no processo, na Conferência do STJ', ou seja, quando arguiu a nulidade do acórdão proferido, em conferência, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no dia 7 de Outubro de 2004 (fl. 36 e ss. dos autos). Assim, como bem se decidiu no despacho reclamado, o recurso não pode ser admitido.
III. Decisão Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2005
Maria João Antunes Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício