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Processo n.º 958/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.No processo de contra-ordenação n.º 90/02.1TBMTA, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Moita, foi proferida decisão judicial que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido A., conhecido como “A.”, da decisão administrativa do Governo Civil de Setúbal, mantendo a decisão que o condenara na coima de € 99 759,58 pela prática da contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo único, n.º 1, da Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, e pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23 de Agosto, por actos cometidos no âmbito de lide tauromáquica com morte da rês lidada. Desta decisão interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo nas suas alegações:
“- O regime aplicável às contra-ordenações consiste no RGCO, a que subsidiariamente se aplicará toda a legislação penal, inclusivamente a consagrada a nível constitucional.
- O princípio da legalidade implica que não se poderão aplicar ao processo contra-ordenacional normas que não sejam previstas na sua regulamentação específica.
- Não existe qualquer previsão para o instituto da ratificação em processo contra-ordenacional, pelo que tal acto viola o preceituado nos n.ºs 1 e 3 do art.º 29.º, e n.º 10 do art.º 32.º da CRP e ainda o art.º 2.º do RGCO.
- A competência para tal acto não é por isso atribuída por qualquer legislativo, pelo que,
- A ratificação violou as alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 133.º do CPA, pelo que é anulável.
- A única hipótese que possibilitaria a sua aplicação seria a interpretação analógica do art.º 137.º do CPA.
- Tal interpretação viola frontalmente a proibição de analogia em matéria penal, prevista nos n.º 3 do art.º 1.º do CP.
- Essa mesma aplicação viola ainda a proibição de aplicação retroactiva de normas desfavoráveis ao arguido previstas nos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do art.º 29.º da CRP e ainda nos n.ºs 2 e 4 do art.º 2.º do CP.
- Ainda que assim não se entenda, o acto de ratificação é, à luz do próprio direito administrativo, intempestivo.
- A publicação do mesmo acto ocorreu no dia posterior ao termo do prazo legalmente estipulado para a revogação (no art.º 62.º do RGCO, ou no art.º 141.º do CPA - para este efeito específico, o regime escolhido é idêntico).
- A ratificação é assim anulável, ao abrigo do art.º 135.º do CPA, o que determinará que o acto de aplicação da coima ao arguido - viciado de anulabilidade por incompetência - nunca se sanou, pelo que,
- O acto que aplicou a coima ao arguido é anulável e nunca foi sanado.
- Ainda que assim não se entenda, a Lei n.º 12-B/2000 e o Decreto-Lei n.º
196/2000 são ambos inconstitucionais.
- O Governo só poderia estabelecer um valor de coima acima do previsto no art.º
17.º do RGCO precedido de uma autorização legislativa da Assembleia da República.
- A pretensa lei de autorização (Lei n.º 12-B/2000) não estipula a extensão nem a duração da respectiva autorização, pelo que é inconstitucional (por violação do n.º 2 do art.º 165.º da CRP).
- O pretenso Decreto-Lei autorizado (Decreto-Lei n.º 196/2000) sofre de inconstitucionalidade consequente - por emanar de uma autorização viciada - e igualmente de inconstitucionalidade directa (por não mencionar a respectiva lei de autorização, n.º 3 do art.º 198.º da CRP).
- Ambos diplomas violam ainda os art.ºs 49.º e ss. do TUE e o n.º 2 do art.º 8.º da CRP, por atentarem contra o direito de livre prestação de serviços do arguido
- comunitariamente consagrado.” Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, defendendo a sua improcedência. Por acórdão de 1 de Junho de 2004, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu negar provimento ao recurso. Pode ler-se nesse aresto:
«(...)
2. Conforme resulta do art.º 75.º do RGCOC a 2.ª instância apenas conhece da matéria de direito sem prejuízo da averiguação oficiosa de vícios do art.º
410.º, n.º 2, do CPP e pode ainda conhecer de nulidades que não devam ter-se por sanadas. Do próprio objecto do recurso, delimitado pelas conclusões da motivação, resulta que o recorrente não impugna a matéria de facto. Perante as conclusões da motivação de recurso são as seguintes as questões trazidas à apreciação deste Tribunal:
- da nulidade do acto de ratificação da decisão que aplicou a coima e da consequente nulidade desta por falta de competência material do seu autor, face
à inadmissibilidade da ratificação em processo contra-ordenacional e à aplicabilidade ao processo contra-ordenacional da ratificação administrativa, sob pena de violação do princípio da legalidade que veda a aplicação analógica do processo administrativo ao referido processo que apenas prevê a aplicação subsidiária do direito penal e processual penal.
- da alegada aplicação retroactiva de lei punitiva perante o acto de ratificação da decisão de aplicação de coima, uma vez que, tendo a ratificação efeitos retroactivos por força do disposto no art.º 137.º, n.º 4, do C.P.A., ao admitir-se a mesma permitiu-se a aplicação da coima retroactivamente, em violação ao princípio constitucional da irretroactividade em matéria penal consagrado no art.º 29.º da C.R.P. e art.º 2.º do C. Penal.
- da ilegalidade da ratificação por intempestividade do acto de ratificação que foi posterior ao prazo de recurso contencioso ou até do prazo de resposta do recorrido e por a publicação da ratificação ter sido posterior à remessa dos autos a tribunal;
- da inconstitucionalidade da Lei n.º 12-B/2000 e do DL n.º 196/2000:
- da Lei n.º 12-B/2000, lei de autorização legislativa que permitiu a fixação de um valor de coima acima do previsto no art.º 17.º do RGCOC, ao não estipular a extensão nem a duração da autorização (violando o art.º 165.º, n.º 2, CRP) e do DL n.º 196/2000, que definiu o regime contra-ordenacional dentro dos limites da Lei n.º 12-B/2000, ao não invocar expressamente a Lei de Autorização Legislativa
(violando o art.º 198.º, n.º 3, da CRP)
- por violarem o direito de o arguido exercer a sua profissão em Portugal, impedindo a livre prestação dos serviços, contidos na sua actividade profissional, em violação do art.º 49.º e ss. do Tratado da União Europeia
(violando o art.º 8.º, n.º 2, da CRP).
(...)
3.
3.1. Conforme refere o arguido, por força do disposto nos art.ºs 2.º e 43.° do Regime Geral das Contra-Ordenações, que reflectem o princípio constitucional do art.º 29.º e 32.º da CRP, tal regime rege-se pelo princípio da legalidade, havendo de decorrer imperativa e exclusivamente das suas próprias normas toda a regulamentação aplicável ao caso sub judice. Desse princípio decorrerá a aplicação do referido Regime Geral e o direito subsidiário que o mesmo expressamente prevê (penal e processual penal-- cfr. art.ºs 32.º e 41.° do RGCO). Pretende, assim, o recorrente ver inquinada, porque legalmente inadmissível no processo de contra-ordenação, a figura da ratificação da decisão de aplicação de coima, enquanto instituto do direito administrativo, colocando consequentemente em causa a competência da entidade que proferiu tal decisão. Por força do disposto nos art.ºs 2.º e 43.º do RGCO aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27.10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14.09, que consagram o princípio consignado nos art.ºs 29.º e 32.º da CRP, o regime geral das contra-ordenações rege-se pelo princípio da legalidade e da tipicidade. Nos termos definidos por tais princípios, deverá decorrer deste regime, de forma imperativa, toda a regulamentação aplicável quer do ponto de vista da definição dos factos susceptíveis de integrarem e de serem punidos como contra-ordenação e pré-definidos como tal à data da sua prática, ou seja da sua definição substantiva, quer também do ponto de vista adjectivo, ou seja do processo de contra-ordenações. Nos termos do art.º 266.º, n.º 1, da CRP toda a actividade da autoridade administrativa está subordinada ao princípio da legalidade, com assento no próprio art.º 3.º do CPA e aplicável a toda a actividade da administração. Nos termos dos art.ºs 33.º a 35.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas
(RGCOC), conjugado com o art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23/08, a autoridade administrativa competente para o processamento da contra-ordenação em causa e a aplicação das respectivas coimas e sanções acessórias é “o governador civil da área onde a infracção foi cometida”, no caso concreto o Governador Civil de Setúbal. Conforme resulta da decisão recorrida, resulta dos autos que, desde a data dos factos até à data em que a decisão administrativa foi proferida, sucederam no cargo de Governador Civil de Setúbal diferentes pessoas. Assim, quando o processo se iniciou o Governador Civil era o Dr. B. e aquando da decisão a Dr.ª C.. O governador civil pode delegar no secretário o exercício de funções incluídas na sua competência por despacho publicado no Diário da República (art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19/11, devendo sempre “a entidade delegada ou subdelegada mencionar essa qualidade nos actos que pratique por delegação ou subdelegação” - art.º 15.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 323/89, de 26/09, e art.º
11.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19/11). No entanto, a cessação de funções da entidade delegante faz caducar a delegação de poderes (art.º 40.º, n.º 2, do C.P.A.). No caso concreto, houve delegação de poderes por parte da Dr.ª C. a favor do Sr. Secretário do Governo Civil, conforme despacho de 07/05/2002 (fls. 86 e 87 dos autos), despacho que, efectivamente, só foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 138, de 18/06/2002. Trata-se do Despacho n.º 13724/2002 (2.ª série), no qual a Sr.ª Governadora Civil além de delegar no Sr. Secretário do Governo Civil, Licenciado D., a “... competência para: (...) h) Orientar a instrução de processos de contra-ordenações e efectuar, quanto aos que resultam da competência própria do governador civil, os despachos de aplicação das coimas e sanções acessórias...”, no seu n.º 3 estabelece ainda que “Ficam ratificados os actos entretanto praticados pela entidade delegada no âmbito das matérias previstas no presente despacho e até à data da sua publicação, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º
137.º do Código do Procedimento Administrativo”. Dispõe o art.º 137.º, n.ºs 3 e
4, do C.P.A. que:
“(...)
3 – Em caso de incompetência, o poder de ratificar o acto cabe ao órgão competente para a sua prática.
4 – Desde que não tenha havido alteração ao regime legal, a ratificação, reforma e conversão retroagem os seus efeitos à data dos actos a que respeitam.” Ora, sendo certo que, até à data da publicação do despacho de delegação de poderes, não houve qualquer alteração ao regime legal, desde logo se conclui que todos os actos praticados pelo Sr. Secretário do Governo Civil, desde a data do início de funções da Sr.ª Dr.ª C., até à data da publicação do Despacho de Delegação de Poderes, incluindo pois a decisão administrativa, encontram-se ratificados e com efeitos retroactivos, ou seja, com efeitos à data dos próprios actos. Assim sendo, desde logo se conclui que a decisão proferida no âmbito da contra-ordenação n.º 237/01, subscrita pelo Sr. Secretário do Governo Civil de Setúbal, foi ratificada, com efeitos retroactivos. Entende o recorrente que tal ratificação sofre dos vícios apontados, nomeadamente de competência. Como bem refere o M.º P.º junto do tribunal “a quo”, em resposta que trata exaustivamente a questão suscitada e que transcrevemos parcialmente por traduzir a exacta e correcta forma de abordar a questão, tornando desnecessária qualquer tentativa de traduzir a mesma realidade por outras palavras dado o acerto das que se transcrevem:
... “qualquer acto administrativo - maxime a decisão sancionatória - praticado no âmbito do processo de contra-ordenação terá de se conformar com as normas do RGCO, nomeadamente, para efeitos de impugnação, sendo-lhe inaplicáveis as normas decorrentes do CPA. Contudo, por forma a determinar as regras organizativas e de relacionamento dos
órgãos da administração e dos seus agentes, incluindo aqueles que detêm competências no âmbito de processo de contra-ordenação, impõe-se recorrer ao ordenamento administrativo, sem que tal represente a aplicação subsidiária ou analógica dessas normas no processo de contra-ordenação, em violação da auto-suficiência do respectivo Regime Geral decorrente do princípio da legalidade.
É assim que o art.º 34.º do RGCO, ao definir genericamente que a competência em razão da matéria para o processamento das contra-ordenações e aplicação das coimas pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona tais contra-ordenações e que no silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover, permite ao Estado definir uma eficácia organizativa nessa matéria, necessariamente cingida aos critérios de legalidade decorrentes do CPA. A definição administrativa da atribuição de competências enquanto regime organizativo da própria administração é prévia à própria actividade processual contra-ordenacional desta e como tal regulamentada pelo seu Código de Procedimento. Nestes termos, para uma melhor optimização dos órgãos e agentes da Administração no exercício das suas competências (que engloba naturalmente o processamento da matéria contra-ordenacional), prevê o art.º 35.º do CPA o instrumento da desconcentração administrativa constituído pela delegação de poderes, pela qual um órgão, legalmente habilitado para o efeito, permite que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria.
(...) Ora tal ratificação, admitida no âmbito da referida optimização das funções dos
órgãos e agentes administrativos e efectuada no âmbito do mesmo regime legal, por força do disposto no art.º 137.º, n.ºs 3 e 4, do CPA validou retroactivamente todos os actos praticados pelo Sr. Secretário do Governo Civil, desde a data do início de funções da Sr.ª Governadora Civil, até à data da publicação do Despacho, nomeadamente, a decisão proferida no âmbito da contra-ordenação n.º 237/01, subscrita pelo Sr. Secretário do Governo Civil de Setúbal. Nestes termos, pela aplicabilidade directa das referidas normas do CPA, o MM.º Juiz a quo, ao julgar isenta de vícios a ratificação da decisão de aplicação de coima e consequentemente válida essa decisão, não violou qualquer normativo legal. Por último, e em face do que antes se referiu, mostra-se afastada no caso sub judice a alegada aplicação analógica de normas do CPA em processo de contra-ordenação, nomeadamente, no que se refere à aplicação do art.º 137.º do CPA relativo à ratificação dos actos administrativos. Efectivamente, a douta sentença recorrida, sem recurso a qualquer interpretação analógica, procedeu à aplicação directa das normas do CPA que se impunha aplicar naquela matéria de natureza meramente administrativa, sem violar qualquer princípio constitucional da legalidade e, consequente, proibição da interpretação analógica em matéria para-criminal.” Esta abordagem e conclusão parte necessariamente da compreensão do processo contra-ordenacional com a sua dupla componente de processo administrativo sancionatório e de processo que assume oportunamente o seu cariz jurisdicional, de tipo penal. Também, mesmo nesta vertente a aplicação subsidiária do direito penal (art.º 32.º RGCOC) tal como do processo penal (art.º 41.º RGCOC) não transforma o direito das contra-ordenações num ramo do direito penal, dada a especificidade da natureza daquelas infracções, conformadas pelo direito de mera ordenação social, nem permite concluir que o processo de contra-ordenações é um processo penal nem que a contra-ordenação tenha natureza criminal. As entidades administrativas, com competência em matéria contra-ordenacional, regem-se pelo procedimento administrativo. O facto de haver que recorrer ao ordenamento administrativo para determinar as regras de organização administrativa e de relação entre os seus órgãos e agentes, não ofende a autonomia do processo de contra-ordenação e a sua definição pelo regime geral de contra-ordenações no seu núcleo fundamental e essencial, ou seja, a definição do elenco contra-ordenacional e do processo de aplicação das sanções respectivas. Não merece, pois, censura a decisão recorrida que entendeu válida a ratificação e como tal concluiu não estar afectada a competência do órgão que proferiu o acto administrativo, no caso a decisão administrativa, por aplicação directa e não analógica das normas do CPA, que são susceptíveis de definir as regras de relacionamento dos órgãos administrativos com os destinatários, nomeadamente em matéria de processo de contra-ordenação.
3.2. Invoca ainda o recorrente a intempestividade e ineficácia da ratificação, por ter sido publicada depois de decorrido o prazo previsto para o efeito pelos art.ºs 137.º, n.º 2 ,e 141.º do CPA e 62.º do RGCOC. Como se referiu anteriormente, não restam dúvidas de que o governador civil pode delegar no secretário o exercício de funções incluídas na sua competência por despacho publicado no Diário da República (art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
252/92, de 19/11), devendo sempre “a entidade delegada ou subdelegada mencionar essa qualidade nos actos que pratique por delegação ou subdelegação” - art.º
15.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 323/89, de 26/09, e art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19/11, e que a cessação de funções da entidade delegante faz caducar a delegação de poderes (art.º 40.º, n.º 2, do C.P.A.). Igualmente não existem dúvidas de que, em face do preceituado no art.º 15.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 323/89, de 26/09, “a entidade delegada ou subdelegada deverá sempre mencionar essa qualidade nos actos que pratique por delegação ou subdelegação” - v., ainda, art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19/11. Questão distinta é a de saber quais as consequências da omissão de alguns destes actos. No caso concreto, houve delegação de poderes por parte da Dr.ª C. a favor do Sr. Secretário do Governo Civil, conforme despacho de 07/05/2002 (fls. 86 e 87 dos autos), despacho este que, efectivamente, só foi publicado no Diário da República - II Série, n.º 138, de 18/06/2002. Efectivamente, resulta do disposto no art.º 10.º, n.º 2, do D.L. 252/92, de
19.11, que a delegação de competências do governador civil no secretário é feita por despacho publicado no Diário da República. Mas, conforme se refere na sentença recorrida, não é legítimo concluir que o arguido, devidamente representado por advogado, não devesse saber que a competência do secretário do Governo Civil para proferir a decisão sancionatória, bem como os anteriores despachos, apenas poderia decorrer da delegação de competências do seu titular originário, ou seja, do Governador Civil. E, independentemente de ser conhecida a regular e sucessiva prolação de despachos de delegação de competências efectuada na sequência da sucessão de pessoas no cargo de Governador Civil, sempre ratificando os actos entretanto praticados com efeitos retroactivos, sempre poderia o arguido ter indagado junto do agente que praticou o acto qual a origem da sua competência, nomeadamente, conhecer o teor do despacho de delegação de competências proferido em 7 de Maio de 2002 (anteriormente ao despacho final). E - independentemente da não publicação antes da impugnação da decisão administrativa - o arguido recorrente veio a tomar conhecimento do teor integral do referido despacho de delegação de competências, com ratificação dos actos praticados com efeito retroactivo, através do fax de fls. 84 a 87, remetido em
28 de Maio de 2002, ou seja, antes da remessa dos autos a juízo. Acresce que os autos apenas foram remetidos a juízo em 25/09/2002 (fls. 2), e não em 18/06/2002 como refere o arguido e, como tal, foram remetidos após a data de publicação. Assim, porquanto se mostram inaplicáveis aos despachos do Governador Civil as normas do art.º 119.º, n.º 2, da CRP e do art.º 5.º do C. Civil e uma vez que o arguido tomou conhecimento do teor do despacho do Governador Civil antes da remessa dos autos a juízo e a sua publicação ocorreu antes de tal remessa, tornando eficaz aquele acto, improcede a alegação de existência de vício ou intempestividade no despacho de ratificação e na sua publicação bem como da sua ineficácia.
3.3. A ratificação de actos anteriores à publicação resultante do despacho de delegação de competências do Governador Civil visou apenas salvaguardar a validade e definição de competência dos actos anteriores à publicação, praticados pelo agente no âmbito da competência delegada. Assim, tendo o agente delegado (Secretário do Governo Civil) apenas praticado no processo actos com a cobertura de um despacho de delegação de competências, não se pode ver na referida ratificação qualquer punição retroactiva do arguido recorrente. Esta situação não é susceptível de ser abrangida pelo princípio constitucional da irretroactividade em matéria penal consagrado no art.º 29.º da C.R.P. e art.º
2.º do C.Penal. Tal princípio constitucional corolário do princípio da legalidade prevê que as penas e medidas de segurança tenham de ser determinadas por lei que vigore no momento da sua prática, impedindo que uma lei venha a punir comportamentos passados relativamente à sua vigência ou que continuem a ser punidos comportamentos não previstos pela nova lei. Como tal, diz respeito à definição substantiva de actos como susceptíveis de preencherem os pressupostos de que a lei faz depender a sua punição como facto ilícito típico penal, com a decorrente aplicação de uma reacção penal e não à validação do exercício de competências delegadas, pelo que neste aspecto não foi violada qualquer norma legal.
3.4. Veio ainda o arguido alegar que o Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23/08, bem como a Lei n.º 12-B/2000 são inconstitucionais, por falta de definição da extensão e prazo da autorização legislativa dessa Lei e por não invocação expressa da Lei de autorização no diploma do Governo. Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. d), da CRP, acerca da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, o Governo não pode, sem autorização legislativa da Assembleia da República, decretar norma que estabeleça coimas pela prática de actos ilícitos de mera ordenação social sem respeitar os limites mínimo e máximo previstos no art.º 17.º do respectivo regime geral, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade orgânica, no que concerne ao estabelecimento dessas coimas. Deste modo, a competência própria do Governo (concorrente com a da Assembleia da República) limitar-se-á dentro dos limites estabelecidos no Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas a definir contra-ordenações, alterá-las, eliminá-las e modificar a respectiva punição. Foi decidido, entre outros - entre os quais o acórdão (Ac. do Tribunal Constitucional n.º 69/90, de 15/03/1990; BM.J., n.º 395, págs. 115 a 128), citado pelo arguido, segundo o qual “É da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo definir, dentro dos limites do regime geral, (...) contra-ordenações (...)” - pelo Ac. n.º 149/94, de 08/02/1994, do Tribunal Constitucional (DR, I Série-A, n.º 72, de 26/03/1994) referenciado na decisão recorrida. Segundo o referido Acórdão do TC:
“...Compete em exclusivo à Assembleia da República, salvo se conceder ao Governo autorização legislativa para tanto, legislar sobre o regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo e proceder à
‘desqualificação’ de crimes em contra-ordenações ou ‘desgraduar’ contravenções puníveis com pena restritiva da liberdade em contra-ordenações; O Governo e a Assembleia da República têm competência concorrente para, dentro dos limites estabelecidos naquele regime geral, definirem contra-ordenações, alterá-las, eliminá-las e modificar a respectiva punição, bem como ‘desgraduar’ contravenções não puníveis com pena restritiva da liberdade em contra-ordenações, respeitando o quadro do aludido regime geral. Decorre daqui que não pode ser emitida pelo Governo, desacompanhado de autorização legislativa concedida pela Assembleia da República, norma que, ao estabelecer coimas pela prática de actos ilícitos de mera ordenação social (quer os defina ex novo, quer os defina por ‘desgraduação’ de anteriores ilícitos contravencionais não puníveis com pena restritiva da liberdade), não respeite os limites mínimo e máximo previstos no respectivo regime geral, designadamente observando os previstos no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82, sob pena de essa norma, no que concerne ao estabelecimento das coimas cujos montantes ultrapassem aqueles limites, incorrer em vício de inconstitucionalidade orgânica na precisa medida em que não respeite estes últimos...”. Ora, no caso presente, a Lei n.º 12-B/2000, de 8.7, decretada pela Assembleia da República ao abrigo do art.º 161.º, al. c), da C.R.P (e não do art.º 165.º, n.º
1, al. d), da C.R.P), descriminalizou os espectáculos com touro de morte, passando a tipificar tais condutas como contra-ordenação, consagrando a proibição e punição como contra-ordenação dos espectáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses neles lidadas e revoga[ndo] o Decreto n.º 15
355, de 14 de Abril de 1928, prevendo no seu art.º único:
1 – São proibidos os espectáculos tauromáquicos com touros de morte, mesmo que realizados fora dos recintos previstos na lei, constituindo contra-ordenação a prática de lide com tal desfecho, bem como a autorização, organização, promoção e direcção de espectáculos em causa ou o fornecimento quer de reses quer de local para a respectiva realização.
2 – O Governo, ao abrigo da sua competência legislativa própria, definirá o regime contra-ordenacional aplicável, até ao limite máximo de 50 000 000$00 ou, no caso de entidades colectivas, 80 000 000$00 no valor das coimas.
3 – É revogado o Decreto n.º 15355, de 14 de Abril de 1928...” Assim, foi a Assembleia da República ao definir, através da Lei n.º 12-B/2000, uma contra-ordenação fixando a sua punição com coima com limites superiores aos decorrentes do RGCO, que defin[iu] directamente o limite das coimas aplicáveis, não consubstanciando uma autorização legislativa para o Governo as fixar, mas fixando-as ela própria e consentindo que o Governo, sem usurpação de competências, mas antes no exercício de competências legislativas próprias e não meramente autorizadas (veja-se o texto do n.º 2 do art.º único da Lei n.º
12-B/2000), desenvolva o regime específico dessa contra-ordenação, ficando necessariamente balizado, nos aspectos relacionados com a moldura da coima, não pelo RGCO, mas pela própria Lei da Assembleia da República. Ora, o Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23/08, foi decretado na sequência da Lei n.º
12-B/2000, lei esta que é o diploma oriundo da AR que tipifica, prevendo e punindo uma dada conduta como contra-ordenação e que define que o respectivo regime seja fixado pelo Governo “ao abrigo da sua competência legislativa própria”, autorizando ainda que o Governo, quanto ao montante das coimas, ultrapasse os limites máximos estabelecidos no Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, limites este que fixa. Ou seja, ao criar um regime excepcional ao Regime Geral com o aumento dos limites das coimas, matéria reservada da própria Assembleia, é a Assembleia da República que estabelece o âmbito em que o Governo poderá legislar. E não haverá qualquer dúvida acerca da competência da AR para o efeito.
É certo que a Lei n.º 12-B/2000 refere que “A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República...”, não se fazendo qualquer referência ao art.º 165.º, n.º
1, al. d), da C.R.P. Mas daqui não resulta qualquer inconstitucionalidade ou qualquer outro vício, uma vez que não legislou sobre matéria não reservada ao Governo (art.º 165.º, n.º 1, al. d), da C.R.P.). Como defende o M.º P.º junto do tribunal “a quo”, não se estando na presença de Lei de autorização e de Decreto-Lei decorrente de autorização, não decorrem para qualquer dos diplomas citados as inconstitucionalidades orgânicas alegadas pelo recorrente. A Assembleia da República, ao criar pela Lei n.º 12-B/2000 uma contra-ordenação, tipificando-a e fixando, excepcionalmente, a sua punição com coimas de limites superiores aos previstos e permitidos pelo RGCO, permitiu ao Governo, no exercício das competências legislativas próprias, e não autorizadas, definir através do D.L. n.º 196/2000 o regime específico de tal ilícito ficando este limitado acerca da determinação da medida da coima ao regime estabelecido pela referida Lei e não pelo RGCO, sem que tal diploma esteja ferido de inconstitucionalidade orgânica.
3.5. Resulta dos factos dados como provados que o arguido A. é “matador de touros” por profissão, decorrendo do Regulamento do Espectáculo Tauromáquico aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 62/91, de 29.11, que “matador de touros” constitui uma das modalidades de artista tauromáquico, atribuída aos novilheiros que tenham obtido alternativa em corrida de touros “de morte”, comprovada por documento passado pelo organismo competente do país onde a tomaram (cfr. nomeadamente os art.ºs 48.º, 49.º, n.º 1, alínea b), e 59.º, n.º 2). Fora do circunstancialismo previsto, actualmente no art.º 3.º, n.ºs 3, 4 e 5, da Lei n.º 92/95, de 12.09, com a redacção dada pela Lei n.º 19/2002, de 31.07, e em face da proibição legal da morte das reses lidadas, o artista tauromáquico com a categoria de “matador de touros”, não obstante se habilitar em alternativa em corrida de toiros de morte, nos espectáculos realizados em território nacional efectuará a lide apeada, apenas podendo simular a morte da rês com a bandarilha ou com a mão no final da lide.
É a própria configuração da corrida de touros em Portugal que define o objecto da categoria profissional de “matador de touros” neste país, excluindo-se do seu conteúdo funcional a prática da lide apeada com morte de touro, ou seja, o acto ilícito pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos. E, pode o legislador, sem ofensa da Lei Fundamental, restringir o conteúdo de determinada actividade artística ou profissional, em função da protecção de outros interesses fundamentais, como sejam os respeitantes à centenária tradição das corridas de touros à portuguesa que não conhece, salvas excepções pontuais e locais, a prática da lide seguida da sua morte, ao contrário do que sucede por exemplo com a tradição de Espanha. Aliás, em Portugal, a morte do touro em corridas de touros fazia incorrer o seu autor em penas, constituindo crime até à revogação do Decreto n.º 15.355, de
14/04/1928. E, não existindo qualquer tradição tauromáquica de touros de morte em Portugal, o que aliás é do domínio público dada a divulgação destas no país, não se vê também como, ao legislar-se no apontado sentido de restringir a lide de morte, em conformidade com a tradição tauromáquica existente, terá sido violado o art.º
78.º, n.º 2, al. c), da C.R.P., preceito programático que impõe ao Estado a promoção da salvaguarda e a valorização do património cultural. Assim, consagrada a possibilidade de os “matadores de touros” exercerem a sua arte no espectáculo tauromáquico em Portugal, a proibição da morte das reses lidadas não constitui qualquer impedimento ao desenvolvimento da sua actividade. O recorrente não alega qual a norma comunitária que entende ter sido violada. Porém, há que referir que o arguido não está impedido de exercer a sua actividade profissional de matador de touros, nem em Portugal nem no exterior. Apenas, em Portugal, terá de a exercer em conformidade com a legislação aplicável à matéria e de acordo com o conteúdo funcional da profissão de matador de touros, tal como é prevista no nosso país, ou seja, efectuando a lide apeada, apenas podendo simular a morte da rês com a bandarilha ou com a mão no final da lide. Em Portugal a referida categoria profissional de “matador de touros” estabeleceu-se em conformidade com a configuração legal e tradicional da corrida de touros neste País, proibindo-se no mesmo a morte das reses lidadas, restrição efectuada em função da protecção de outros interesses fundamentais. Não se pode pois considerar que a conformação dessa categoria com as referidas características e limitações impostas por razões de tradição e interesse público constitua impedimento ao desenvolvimento de tal actividade neste país, com violação dos princípios de liberdade de prestação de serviços no espaço comunitário consagrados pelo Tratado da União Europeia. O arguido é livre de prestar os referidos serviços, entendidos estes como os de um artista da lide tauromáquica, tal como esta é definida em Portugal e não como relativos à produção da morte dos animais que lida na praça, apesar da designação profissional de matador de touros aceite em Portugal mas sem expressão directa da definição do conteúdo da prestação desses serviços. Qualquer matador de touros, à semelhança do arguido, poderá exercer o conteúdo da referida categoria profissional em qualquer país da UE, embora vinculados às regras impostas por outros interesses tidos por fundamentais nesse país sem que isso represente uma inibição de exercício do seu direito a prestar os serviços típicos da sua arte ou profissão. Assim, também se não vê como se poderá considerar que houve violação dos princípios de liberdade de prestação de serviços no espaço comunitário consagrados pelo Tratado da União Europeia. Não foi, pois, vedado ao recorrente o direito ao trabalho que o mesmo, citando o art.º 58.º da C.R.P., invoca, nem foi violado o seu direito à igualdade já que todos os demais matadores de touros, se quiserem lidar touros em Portugal, o terão de fazer dentro do referido condicionalismo, sob pena de sujeição às respectivas reacções legais. Na verdade, como se refere na decisão recorrida, que também nesta matéria se deverá seguir de perto dada a exaustão da abordagem feita e dada a nossa concordância com a respectiva fundamentação, “o facto de existir a profissão de
‘matador de touros’ e de esta profissão poder ser, como diz o arguido/recorrente, ‘integralmente’ exercida noutros países da União Europeia’, tal não significa que se esteja a violar qualquer norma comunitária ou mesmo constitucional”. A mesma decisão apela ao disposto no art.º 47.º, n.º 1, da CRP, que prevê a possibilidade de “todos escolherem livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”. Tais limites ao exercício da referida profissão cabem no âmbito de previsão do próprio texto constitucional, pelo que não se pode concluir pela inconstitucionalidade da Lei n.º 12-B/2000, de 08/07, ou do Decreto-Lei n.º
196/2000, de 23/08, também, com este fundamento.
4. Pelo exposto, acordam os Juízes nesta secção em negar provimento ao recurso.»
2.Notificado deste acórdão, o arguido interpôs novo recurso, desta feita para o Supremo Tribunal de Justiça. Este recurso, porém, não foi admitido, por despacho proferido em 25 de Junho de 2004, com o seguinte teor:
“O recorrente veio interpor recurso de revista nos termos do art.º 721.º, n.º 1, do CPC, do acórdão proferido em 1.6.04, que julgou improcedente o recurso interposto para esta Relação da decisão judicial, proferida no âmbito do recurso de contra-ordenação n.º 90/02.1TBMTA do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Moita. Esta decisão julgara improcedente o recurso judicial interposto pelo arguido A., nos termos do art.º 73.º e ss. do RGCOC, da decisão administrativa do Governo Civil de Setúbal, mantendo a decisão que o condenara na coima de € 99.759,58 pela prática da contra-ordenação p.p. pelo art.º único, n.º 1, da Lei n.º
12-B/2000, de 8.7, e art.º 2.º do DL n.º 196/2000, de 23.8, por actos cometidos no âmbito de lide tauromáquica com morte da rês lidada. O regime de recursos da decisão em causa é o definido pelo RGCOC, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27.10, com as alterações introduzidas pelos DL n.º 356/89, de
17.10, e n.º 244/95, de 14.9, diploma que rege as infracções que constituam contra-ordenações e respectiva aplicação de coimas, sendo aplicável subsidiariamente as normas do Código Penal em matéria substantiva e as normas do Processo Penal em matéria adjectiva (art.ºs 32.º e 41.º RGCOC). Da decisão proferida em recurso pela Relação que funciona como tribunal de revista não é admissível recurso no âmbito do presente processo de contra-ordenação, nomeadamente o recurso alegado pelo recorrente por estar expressamente afastada tal possibilidade no referido RGCOC (art.º 75.º, n.º 1). Pelo exposto, não admito o recurso interposto da decisão desta Relação. Suportará o recorrente as custas do incidente anómalo a que deu causa com t.j. fixada em 3 UC.”
3.Veio então o arguido interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), para ver apreciada a constitucionalidade das normas do “n.º 2 do art.º 10.º e alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º-D do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, e art.º
137.º do Código do Procedimento Administrativo, por violação do princípio da legalidade em matéria penal, do princípio da proibição da aplicação analógica em matéria penal e da proibição de aplicação retroactiva de normas em matéria penal, e do[s] n.º[s] 1, 2, 3 e 4 do art.º 29.º, n.º 10 do art.º 32.º e n.º 3 do art.º 119.º, todos da Constituição da República Portuguesa”, e do “artigo único da Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, e dos artigos 1.º a 14.º do Decreto-Lei n.º
196/2000, de 23 de Agosto, por violação do art.º 165.º e do n.º 3 do art.º
198.º, ambos da Constituição da República Portuguesa”. Admitido o recurso no Tribunal Constitucional, o relator proferiu o seguinte despacho:
“Para alegações, ficando o recorrente notificado para se pronunciar, querendo, sobre a possibilidade de se não vir a conhecer totalmente do objecto do recurso
(designadamente, quanto às normas impugnadas do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro).” O recorrente concluiu assim as suas alegações:
«A. O processo contra-ordenacional é um processo composto por duas fases: a primeira, até à aplicação da coima, regulada pelo ordenamento administrativo; a segunda, regulada pelas normas contra-ordenacionais e, subsidiariamente, pelas normas penais (art.º 32.º RGCO) e processuais penais (art.º 41.º/1, RGCO) - incluindo-se nestas as que o legislador constitucional entendeu deverem fazer parte da Lei Fundamental. Aliás, B. O processo contra-ordenacional, em toda a sua dimensão, está mais próximo do regime sancionatório, do que do administrativo (cfr. art.º 41.º/2, RGCO). Nestes termos, C. Após o acto de aplicação de uma coima, o recurso ao ordenamento administrativo, para ratificar aquele mesmo acto, é vedado pela Constituição. D. O acto de ratificação, previsto no art.º 137.º do CPA, violaria o princípio da legalidade (art.º 29.º/1 e /3, CRP), por não existir previsão no ordenamento contra-ordenacional para tal acto e o ordenamento administrativo ter cessado a sua aplicabilidade com a aplicação da coima. E. As normas administrativas determinaram qual o órgão competente para aplicar a coima. No entanto, F. A aplicabilidade do regime administrativo consubstancia uma concessão do regime sancionatório, penal e processual penal - mais próximos do contra-ordenacional - ao regime administrativo. G. A aplicação de uma coima é, além do mais, uma restrição dos DLG do Arguido, pelo que, H. O princípio da necessidade implica que essa restrição seja o menor possível pelo que, a sujeição à legislação penal, mais garantística deve ser privilegiada em relação à administrativa. Nessa medida, I. A concessão da aplicação das normas administrativas deve ser reduzida ao essencial, i.e., à determinação do órgão competente para aplicar a coima. J. Uma vez aplicada a coima, o regime administrativo perde a sua aplicabilidade. Além do mais, K. A aplicação do art.º 137.º CPA ao RGCO só seria possível por integração analógica, pois não existe tal figura neste regime. Ora, L. Um dos corolários do princípio da legalidade em matéria penal é a proibição de interpretação analógica em matéria penal. M. Um entendimento diferente conflituaria até com o Estado de Direito e com o princípio da separação dos poderes (art.º 2.º CRP), na medida em que um órgão jurisdicional aplicaria lei criada por si, visto o poder legislativo não ter estado na sua génese - omissão legislativa voluntária. N. Pelos mesmos motivos, onde no art.º 62.º/2, RGCO, se diz “revogar”, não poderá o intérprete entender revogar ou ratificar - como se intuiria consultando o CPA. O. A lei é clara ao referir-se somente à revogação. P. Esta matéria está sujeita ao princípio da legalidade. Q. Não se consente qualquer interpretação analógica, sob risco de violação constitucional. R. Ainda que assim não se entenda, e defendendo a possibilidade de ratificação neste caso, tal acto teria sido praticado intempestivamente. S. Não o defender é fazer uma interpretação inconstitucional do preceituado no art.º 10.º/1, EOPGC, por violação do art.º 119.º/2, da CRP, que determina a ineficácia jurídica dos actos não publicados. Por fim, T. A ratificação do acto anulável de aplicação de uma coima teria necessariamente efeitos retroactivos, como é assumido por todos os intervenientes no presente processo. Nessa medida, U. Sendo prejudicial ao Arguido, a aplicação retroactiva de normas é proibida no art.º 29.º da CRP. V. No momento da aplicação da coima, o Arguido não poderia ser, de jure, punido, por ao autor do acto faltar a necessária competência.
W. Não pode um acto posterior vir, retroactivamente, sancionar o Arguido, pelo que, no momento do facto, ele não era sancionável. X. Tudo visto, cabe ainda referir a inconstitucionalidade da Lei e do Decreto-Lei que criaram (sem conceder) a contra-ordenação aqui em causa.
Y. O regime geral das contra-ordenação é matéria da reserva relativa da AR
(podendo assim o Governo legislar, mediante autorização). Z. A AR criou, pela Lei n.º 12-B/2000, uma coima mais gravosa que o permitido pelo regime geral. AA. Tal agravação não poderá assim ficar sujeito a um regime menos garantístico que o previsto para o regime geral, pelo que, BB. Não estabelecendo a mesma lei todo o regime da contra-ordenação, e sendo esta matéria da competência relativa da AR, CC. O Governo só poderia legislar com uma autorização legislativa. DD. A Lei n.º 12-B/2000 não estabelece a extensão ou a duração da respectiva autorização, violando assim o art.º 165.º/2, CRP, e determinando, consequentemente, a inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 196/2000. EE. O Decreto-Lei n.º 196/2000 é ainda inconstitucional por não invocar expressamente a lei de autorização ao abrigo da qual foi aprovado (art.º
198.º/3, CRP) Nestes termos, e nos mais de direito, requer-se a V.Ex.ª se digne declarar a inconstitucionalidade: a) Do art.º 137.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), quando interpretado no sentido de permitir, num processo contra-ordenacional e após a aplicação da coima, a ratificação de actos administrativos anuláveis cujo objecto seja a aplicação de uma coima; b) Do art.º 137.º, quando interpretado analogicamente, no sentido do seu
âmbito de aplicação incluir o RGCO, permitindo, num processo contra-ordenacional e após a aplicação da coima, a ratificação de actos administrativos anuláveis cujo objecto seja a aplicação de uma coima; c) Do n.º 2 do art.º 62.º do RGCO, quando interpretado no sentido de permitir, num processo contra-ordenacional e após a aplicação da coima, a ratificação de actos administrativos anuláveis cujo objecto seja a aplicação de uma coima; d) Do n.º 1 do art.º 10.º do EOPGC, quando interpretado no sentido de permitir a eficácia externa do acto de delegação de funções antes da sua publicação no Diário da República. e) Do n.º 1 e n.º 2 do artigo único da Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho; f) Dos art.ºs 2.º, 11.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23 de Agosto.» Nas suas contra-alegações o representante do Ministério Público concluiu pela improcedência do presente recurso, pela seguinte forma:
“1 – Em matéria penal e contra-ordenacional são constitucionalmente admissíveis diferenças entre os respectivos regimes sancionatórios, nada impedindo o recurso
às regras próprias do Código do Procedimento Administrativo na fase administrativa do processo de contra-ordenação conducente à aplicação da coima.
2 – A norma do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, não foi interpretada e aplicada na dimensão invocada, pelo que nesta parte não deverá conhecer-se do recurso.
3 – A Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, não é uma lei de autorização legislativa, constituindo um diploma emanado da Assembleia da República, no uso de uma competência exclusiva deste órgão de soberania, sendo o Decreto-Lei n.º
196/2000, de 23 de Agosto, um decreto-lei de desenvolvimento, emitido ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da Lei Fundamental, motivo pelo que nenhuma das alegadas inconstitucionalidades se verifica.
4 – Termos em que não deverá proceder o presente recurso.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4.O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da Lei do Tribunal Constitucional, tendo, segundo o respectivo requerimento, por objecto a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:
1.º) “n.º 2 do art.º 10.º e alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º-D do Decreto-Lei n.º
252/92, de 19 de Novembro, e art.º 137.º do Código do Procedimento Administrativo, por violação do princípio da legalidade em matéria penal, do princípio da proibição da aplicação analógica em matéria penal e da proibição de aplicação retroactiva de normas em matéria penal, e do[s] n.º[s] 1, 2, 3 e 4 do art.º 29.º, n.º 10 do art.º 32.º e n.º 3 do art.º 119.º, todos da Constituição da República Portuguesa”;
2.º) “artigo único da Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho”, e “artigos 1.º a 14.º do Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23 de Agosto, por violação do art.º 165.º e do n.º 3 do art.º 198.º, ambos da Constituição da República Portuguesa”. Ora, como se sabe, para se poder conhecer deste tipo de recurso, torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a inconstitucionalidade normativa tenha sido suscitada durante o processo, e que a norma ou dimensão normativa impugnada tenha sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida. Considerando estes requisitos, na notificação do recorrente para produzir alegações, este foi alertado para a possibilidade de o Tribunal Constitucional não poder vir a tomar conhecimento do recurso, designadamente, quanto às normas impugnadas do Decreto-Lei n.º 252/92. Confrontando o teor das alegações produzidas em resposta a este despacho, conclui-se, porém, que se torna desnecessário apreciar o preenchimento dos requisitos para conhecimento do recurso de constitucionalidade em relação a parte dessas normas, pois nessas alegações o recorrente abandonou qualquer questão de constitucionalidade reportada a essas normas: mais precisamente, em relação ao artigo 4.º-D, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, que não é impugnado como inconstitucional, nem no texto das alegações, nem nas suas conclusões. Por outro lado, o Tribunal Constitucional não pode apreciar a constitucionalidade da norma do artigo 62.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (“quando interpretado no sentido de permitir, num processo contra-ordenacional e após a aplicação da coima, a ratificação de actos administrativos anuláveis cujo objecto seja a aplicação de uma coima”), indicada nas alegações do recorrente, desde logo, por tal norma não ter sido incluída, pelo próprio recorrente, no requerimento do recurso de constitucionalidade, que delimita o objecto do recurso. Quanto à norma do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, a sua apreciação é pedida no requerimento de recurso e é igualmente impugnada nas alegações do recorrente. Verifica-se, porém, que, enquanto no requerimento de recurso, apresentado em 7 de Julho de 2004 (fls. 412 dos autos), se imputa uma inconstitucionalidade ao seu n.º 2, nas alegações, a inconstitucionalidade é sempre, no texto e nas conclusões (conclusão g)) referida ao seu n.º 1, “quando interpretado no sentido de permitir a eficácia externa do acto de delegação de funções antes da sua publicação no Diário da República”. Mesmo abstraindo desta falta de identidade entre a norma cuja apreciação foi pedida no requerimento de recurso e nas alegações, verifica-se, porém, que o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento do recurso, nesta parte. Na verdade, consultando as alegações produzidas pelo recorrente perante o tribunal recorrido (alegações perante o Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 309 e segs. dos autos), verifica-se que não é aí suscitada a questão da inconstitucionalidade deste artigo 10.º (em qualquer dos seus n.ºs) do Decreto-Lei n.º 252/92. Tudo o que pode ler-se sobre este artigo 10.º nessa peça processual – em que, perante o tribunal a quo, o recorrente havia de ter suscitado a inconstitucionalidade, para cumprir o requisito previsto no artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional – é o seguinte:
«(…)
101.º Entendendo-se que todo este raciocínio analógico não violaria o princípio da legalidade e que não ultrapassava já todos os limites dos predicados que a interpretação jurídica permite, ainda assim
102.º A ratificação teria ocorrido fora de prazo, pois os autos foram remetidos ao Tribunal Judicial da Moita a 17 de Julho de 2002 e a ratificação só foi publicada em 18 de Junho de 2002. Ora
103.º De acordo com o n.º 2 do artigo 119.º da CRP, “A falta de publicação (…) de qualquer acto de conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local implica a sua ineficácia jurídica.”
104.º No mesmo sentido, o n.º 1 do art. 5.º do Código Civil dispõe que “A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial”
105.º O n.º 1 do art. 10.º do EOPGC: “O governador civil pode delegar no secretário o exercício de funções incluídas na sua competência por despacho publicado no Diário da República” (itálico no original).» Não foi, pois, suscitada a inconstitucionalidade do referido artigo 10.º, em qualquer dos seus n.ºs e numa qualquer interpretação, pelo que não se poderá tomar conhecimento do recurso quanto a ele.
5.A norma do artigo 137.º do Código de Procedimento Administrativo vem acusada pelo recorrente de violação do princípio da legalidade em matéria penal, do princípio da proibição da aplicação analógica em matéria penal e da proibição de aplicação retroactiva de normas em matéria penal, “e do[s] n.º[s] 1, 2, 3 e 4 do art.º 29.º, n.º 10 do art.º 32.º e n.º 3 do art.º 119.º, todos da Constituição da República Portuguesa”. Nas alegações do recorrente, a interpretação deste artigo 137.º que está em causa é referida em duas formulações: a “de permitir, num processo contra-ordenacional e após a aplicação da coima, a ratificação de actos administrativos anuláveis cujo objecto seja a aplicação de uma coima”, e
“quando interpretado analogicamente, no sentido do seu âmbito de aplicação incluir o RGCO, permitindo, num processo contra-ordenacional e após a aplicação da coima, a ratificação de actos administrativos anuláveis cujo objecto seja a aplicação de uma coima”. Só pode, pois, estar em questão o n.º 4 deste artigo
137.º, relativo aos efeitos da ratificação (e segundo o qual “Desde que não tenha havido alteração ao regime legal, a ratificação, reforma e conversão retroagem os seus efeitos à data dos actos a que respeitam”) e a sua aplicação ao processo contra-ordenacional. Ora, como se salienta nas alegações do Ministério Público, não existe qualquer obstáculo de natureza constitucional a que as normas do Código do Procedimento Administrativo sejam aplicáveis, subsidiariamente, à actividade administrativa que consiste na aplicação de sanções contra-ordenacionais. Nos termos do artigo
2.º desse Código, as suas disposições “aplicam-se a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares (…)”, sem prejuízo, evidentemente, de regimes especiais. É o caso do regime do Decreto-Lei n.º
433/82, de 27 de Outubro, que instituiu o ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo, contendo normas de natureza substantiva e normas de processo – os artigos 33.º e segs.. Por sua vez, a Constituição da República Portuguesa consagrou, especificamente para processos de contra-ordenação (e quaisquer outros processos de natureza sancionatória), os direitos de audiência e de defesa (artigo 32.º, n.º 10). Estas garantias não são, porém, contrariadas pelo facto de se aplicar ao procedimento para aplicação de sanções pela prática de contra-ordenações, no que não estiver especificamente previsto no Decreto-Lei n.º 433/82, o regime geral da actividade administrativa, incluindo as normas sobre ratificação de actos anuláveis praticados nesse procedimento. Nenhuma garantia ou direito constitucional é afectado pela aplicação do artigo 137.º, n.º 4, aos actos praticados no processo contra-ordenacional, para mais quando, como no presente caso, e conforme se notou na decisão recorrida, tal se ficou a dever à circunstância de se terem sucedido no mesmo cargo de Governador Civil de Setúbal, ao longo do procedimento, diferentes pessoas, e de a cessação de funções da entidade delegante ter feito caducar a delegação de poderes do anterior governador civil (também segundo o regime geral do procedimento administrativo), vindo a nova delegação a considerar “ratificados os actos entretanto praticados pela entidade delegada no âmbito das matérias previstas no presente despacho e até à data da sua publicação”. Nem é, por outro lado, a remissão, no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, para o processo criminal como direito subsidiário que, no plano constitucional, pode fundamentar a violação de qualquer direito ou garantia consagrado na Constituição da República Portuguesa, em resultado da aplicação, ao processo contra-ordenacional, do regime da ratificação previsto no artigo 137.º do Código do Procedimento Administrativo. A invocação do princípio da legalidade no presente contexto, bem como dos princípios do Estado de Direito e da separação de poderes, afigura-se, aliás, improcedente, além de outras razões (como, por exemplo, a inexistência de qualquer aplicação analógica, mas antes de aplicação directa do regime geral da actividade administrativa), por traduzir uma petição de princípio: pressupõe que se tenha previamente recusado a aplicabilidade, ao processo contra-ordenacional, do regime do Código do Procedimento Administrativo em questão, que é justamente o que está em causa. Da atribuição à ratificação dos efeitos previstos no n.º 4 do artigo 137.º do referido Código também não resulta, por outro lado, qualquer retroactividade da lei sancionatória, estando em causa, como está, apenas sanação da incompetência da autoridade administrativa para a prática de certos actos por virtude da cessação da delegação de poderes que a fundamentava. Improcede, pois, o recurso de constitucionalidade quanto ao artigo 137.º do Código do Procedimento Administrativo.
6.Resta a apreciação da constitucionalidade das normas do artigo único da Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, e dos artigos 1.º a 14.º do Decreto-Lei n.º
196/2000, de 23 de Agosto, que o recorrente considera inconstitucionais por violação do artigo 165.º e do n.º 3 do artigo 198.º, ambos da Constituição da República Portuguesa: isto é, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, ao fixar coimas com valor mais elevado do que o previsto no regime geral, e por não indicar os elementos que as leis de autorização legislativa devem conter, bem como por violação da exigência de que os decretos-leis autorizados ou de desenvolvimento de bases gerais invoquem expressamente a lei de autorização legislativa ou a lei de bases ao abrigo da qual são aprovados. Nesta parte, no entanto, o presente recurso é de considerar também claramente improcedente. Assim, quanto à Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, é claro que esta não é uma lei de autorização legislativa, mas antes um diploma emanado da Assembleia da República no uso de uma competência exclusiva deste órgão de soberania, pelo que não tem de respeitar quaisquer exigências relativas às leis de autorização legislativa, como a exigência de definir “o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização”, também invocada pelo recorrente. Por outro lado, é claro que o Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23 de Agosto, é um decreto-lei de desenvolvimento, emitido ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da Lei Fundamental. Pode ler-se no início desse diploma:
“No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:
(…)” (itálico aditado) Não se verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade orgânica ou formal nestes diplomas legais. E, não se vislumbrando nestes diplomas qualquer outra violação da Constituição da República Portuguesa – aliás, também não invocada pelo recorrente no recurso de constitucionalidade –, há que negar provimento ao presente recurso. III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não tomar conhecimento do presente recurso quanto aos artigos 4.º-D, n.º 3, alínea c), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro; b) Não julgar inconstitucionais a norma do artigo 137.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, enquanto aplicável a actos praticados no processo contra-ordenacional, e a norma do artigo único da Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho, e dos artigos 1.º a 14.º do Decreto-Lei n.º 196/2000, de 23 de Agosto; c) Consequentemente, negar provimento ao presente recurso e confirmar a decisão recorrida quanto à questão de constitucionalidade; d) Condenar o recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 5 de Abril de 2005
Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos