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Processo n.º 434/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Por decisão proferida no Tribunal da Relação de Lisboa, em 9 de Fevereiro de
2005, não foi admitido um recurso que a ora reclamante, A., pretendeu interpor
para o Supremo Tribunal de Justiça de um anterior acórdão daquele Tribunal, por
se ter considerado que tal acórdão “não se mostra em contradição com qualquer
outro desta Relação ou de diferente Relação nem com qualquer acórdão de fixação
de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça” e que “tendo em consideração o
valor da presente acção (12.632, 62 Euros) bem como o disposto no artigo 678º,
n.º 1 do Cod. Proc. Civil conjugado com o art.º 24º da Lei n.º 3/99 de 13-01”
tal recurso não era admissível.
2. Inconformada com esta decisão, a recorrente reclamou dela para o Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça, reclamação que fundamentou nos seguintes termos:
“1. A ora reclamante interpôs, por requerimento, recurso do Acórdão de folhas
234 e seguintes:
2. No requerimento suscitou a recorribilidade da decisão fundamentando-se no
disposto no artigo 754 n° 2 do C. P. C.; e, indicou a forma de recurso de Agravo
como sendo o do regime a fixar para a subida do recurso, no seu entender.
3. Sem qualquer referência às razões por que não deverá aplicar-se o disposto no
artigo 754 n° 2 do C.P.C., a fundamentar o decidido, por despacho de folhas 269
o recurso não foi admitido, por não cumprir o disposto no artigo 678 n° 4 do
C.P.C.
4. É dessa decisão que se pretende agora reclamar.
5. Em primeiro lugar porque a questão de saber se está verificada ou não a
oposição de Acórdãos e, nomeadamente, dos Acórdãos identificados, e juntos aos
autos, com o requerimento de interposição, é matéria da competência desse
Supremo Tribunal de Justiça.
6. Em segundo lugar porque a verdade é que não só o recurso põe termo ao
processo (1ª parte do n° 2 do artigo 754 do C.P.C. e artigo 734 n° 1 alínea a)
do mesmo código; como está na verdade em oposição com Acórdãos desse Supremo
Tribunal de Justiça, questão que se coloca sob vários aspectos, e nomeadamente,
no aspecto da inconsideração da figura da admissão, prevista no artigo 490 do
C.P.C., nomeadamente, em correcta aplicação da lei, segundo o entendimento que
se pretende fazer valer”.
3. Por parte do Ex.mo Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi
proferida decisão, em 4 de Abril de 2005, a indeferir a reclamação, assim
fundamentada:
“Dispõe o art. 754.º, n.º 1 do CPC que “cabe recurso de agravo para o Supremo
Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo
nos casos em que couber revista ou apelação”.
Donde resulta que para o recurso de agravo ser admissível para este S.T.J.,
dever o valor da causa ser superior à alçada da Relação e o valor da sucumbência
ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade dessa
alçada, atento o disposto no art. 678°, n.º 1, do CPC.
E esta imposição legal tanto vale para os recursos interpostos nos termos do n.º
2 como do n.º 3 do citado art. 754.º do CPC.
Com efeito, para que o recurso possa ser admitido para este Supremo Tribunal com
base em oposição de acórdãos e na circunstância de a decisão pôr temo à causa
torna-se necessário que o valor da acção e da sucumbência o permitam.
Assim sendo, tendo em conta que a acção tem o valor de € 12 632,62 inferior ao
da alçada da Relação, é manifesta a inadmissibilidade do presente recurso, nos
termos do citado art. 678.º, n.º 1 do CPC, atento o disposto no art. 754.º, n.º
1 do mesmo diploma legal.”
4. Notificada desta decisão, a ora reclamante veio requerer a sua aclaração nos
seguintes termos:
“1. O recurso foi interposto ao abrigo do disposto no artigo 754 n° 2 do c. P.
C., que joga com o disposto no artigo 678 n° 4 do mesmo Código - Lebre de
Freitas in C.P.C. anotado.
2. Alega a decisão proferida que não cabe recurso de decisão quando se não
verifiquem os pressupostos do artigo 678 n° 1 do C.P.C., e que essa imposição
tanto vale para os casos do n° 2 como para os casos do n° 3 do artigo 754 do
C.P.C.
3. Ora parece manifesto que se não teve em conta o disposto no artigo 678 n° 4
do C.P.C.
4. E tendo essa disposição em conta e ainda o disposto no artigo 13 e 20 n° 4 da
Constituição, outra teria de ser a decisão.
5. Na verdade, e na formulação actual, dispõe o artigo 678 n° 4: “É sempre
admissível recurso do Acórdão da Relação que esteja em contradição com outro
dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do
qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal (...)”
6. Portanto é exactamente a circunstância de não caber recurso por motivo
estranho à alçada o que permite o recurso.
7. Ora, sem qualquer referência ao valor da causa, nos termos o artigo 754 n° 1
do C.P.C., cabe recurso de agravo do Acórdão da Relação de que seja admissível
recurso.
8. E nos termos do artigo 754 n° 2 do C.P.C. cabe recurso, excepcionalmente, (a
que alude a expressão salvo) se o Acórdão estiver em oposição com outro ( . . .
) quando não, não é admissível recurso; e não é qualquer que seja a alçada.
9. É pois por motivo estranho à alçada - como se prevê no artigo 754 n° 2 citado
- que é admissível o recurso no caso dos autos, pois qualquer que fosse a alçada
ele não seria de admitir, não fosse a oposição de Acórdãos – o que integra a
previsão do artigo 678 n.º 4 do C.P.C. a que V.Exa. não se refere.
10. Assim, afigura-se à reclamante que o douto despacho enferma de um qualquer
erro, cuja origem não consegue detectar com exactidão, o que se requer seja
esclarecido; e, em caso de erro, com as legais consequências, incluindo as que
serão de repercutir ao nível da reforma das custas e da decisão nos termos do
artigo 669 n.º1 e 2 do C.P.C”.
5. Este requerimento foi indeferido com base na seguinte fundamentação:
“A autora [...] notificada da decisão de fls. 281 e 282, vem requerer a
aclaração da mesma.
Não se compreendem, todavia, as suas dúvidas, por no despacho questionado se ter
decidido, com toda a clareza que para o recurso poder ser admitido para este
Supremo Tribunal, ao abrigo do art. 754.º n.º 2 do CPC, com base em oposição de
acórdãos, e na circunstância de a decisão pôr temo à causa tornar-se necessário
que o valor da acção e da sucumbência o permitam, nos termos do art. 678.º, n.º
1 do CPC, atento o disposto no art. 754.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
Solicita agora o esclarecimento sobre a aplicação ao caso dos autos do art.
678.º, n.º 4 do CPC, sobre o qual não nos pronunciámos, por o recurso ter sido
interposto ao abrigo do art. 754.º n.º 2 do CPC e por a reclamação nele se ter
fundado. Não obstante, sempre se dirá o que se segue.
No caso em apreço, por a acção ter o valor de € 12.632, 62 é inferior ao da
alçada da Relação. Logo da decisão [] nela proferida não cabe recurso, atento o
disposto no art. 678° n.º 1 do CPC.
É apenas pela razão do valor da causa, e não por motivo estranho à alçada do
tribunal, que não é permitido o recurso ordinário. Consequentemente é
inaplicável o disposto no n.º 4 do art. 678° que exige que a impossibilidade de
recurso derive de motivo estranho à alçada do tribunal.
E o acórdão recorrido é insusceptível de recurso ordinário por motivo
respeitante à alçada da Relação.
Refira-se que em situações semelhantes à constante dos autos é admissível
recurso para o S.T.J., quando o valor da causa ultrapasse a alçada da Relação,
de harmonia com o disposto no art. 678°, n.º 1 do CPC. Se neste contexto for
interposto recurso para o S.T.J. possibilita-se a este conhecer da
jurisprudência divergente, uniformizando-a mesmo, se se revelar necessário ou
conveniente, de harmonia com o que se estabelece no art. 732.º-A do citado
Código.
Tivesse o legislador outra intenção e seguramente referiria, na parte inicial do
art.678.º, n.º 4, do CPC, tal como fez na parte final do n.º 2 do mesmo artigo,
que o recurso era sempre admissível, independentemente do valor da causa.
Por outras palavras: poderá haver recurso quando a divergência jurisprudencial
surgir em causa semelhante que ultrapasse o valor da alçada da Relação.
E não se diga que nesta perspectiva não havia necessidade de consagrar a norma
excepcional do n.º 4 do art. 678.º.
É que há casos em que, pelo tipo ou natureza de processo, o recurso para o
Supremo é sempre inadmissível seja qual for o valor da causa.
É para esses casos, que nunca viriam ao Supremo (e que portanto nunca poderiam
ser objecto de uniformização de jurisprudência), que surgiu na versão originária
do actual CPC, a norma do anterior art. 764.º a que corresponde com
modificações, o actual n.º 4 do art. 678.º (vide Lopes Cardoso, Cód. Processo
Civil Anotado, 3.ª edição, pag. 463 e, entre outros, o Acórdão do S.T.J. de
11-10-79, B.M.J. 290, pág. 309).
Termos em que, e não obstante a nova argumentação aduzida, se indefere o pedido
de aclaração”.
6. Notificada desta decisão, a ora reclamante veio recorrer para o Tribunal
Constitucional da anterior decisão que indeferiu a reclamação do despacho que
não lhe admitiu o recurso para o STJ. Fê-lo através de um requerimento que tem o
seguinte teor:
“[...], vem pelo presente requerimento interpor o competente recurso para o
Tribunal Constitucional do douto despacho de V. Exa. que não admitiu o recurso
interposto para esse Alto Tribunal.
Os Factos
[...]
Sobre o pedido de aclaração e de eventual reforma foi proferido um despacho que
passou a, integrar o douto despacho de que se pretende recorrer, por força do
disposto no artigo 670 n.º 2 do C.P.C.
E por ele se vê que a decisão primitiva considera uma interpretação do artigo
678 n° 4 do C.P.C. que é alegadamente incompatível com os artigos 13 n° 1 e 20
n.º 4 da Constituição, como se suscitou no requerimento que pedia a aclaração e
eventual reforma.
O Direito
Na verdade, o artigo 13 n.º1 da Constituição, manda valorar de forma igual o que
é igual e distinguir o que é distinto.
Ora surge da aclaração, recaída sobre o requerimento em que se suscitou a
interpretação que seria conforme com a Constituição, que a primitiva decisão que
indeferiu a admissibilidade do recurso se pautou na interpretação dos números 2
e 4 do preceito do artigo 678 do C.P.C. como se fossem pressuposto de situações
análogas senão iguais.
Porém, no número dois do artigo 678 do C.P.C., estão previstas situações, que
ainda que o valor não exceda a alçada devem permitir o recurso.
Enquanto no número quatro do mesmo artigo está prevista uma situação que merece
tratamento distinto por ser distinta: é ela a de oposição de Acórdãos... [...]
E isso, porque foi feita uma comparação como base para a interpretação e
aplicação do artigo, 678 n.º 4 do C.P.C. que se serviu do n.º 2 do mesmo artigo
que é pressuposto de situações distintas. E foi isso que deu origem ao erro
interpretativo que desconsiderou a correcta interpretação que aqui se demonstrou
ser a conforme com a Constituição.
Essa interpretação desfavorece arbitrariamente a parte que pretende recorrer e
assim vai violado também o artigo 20 n.º 4 da Constituição, como vai embora não
se tenha referido violado o n° 1 na medida em que é negado o direito ao recurso.
Termos em que interpõe o presente recurso para o Tribunal Constitucional como
lho faculta o disposto no artigo 70 n.º 1 alínea b) da Lei do Tribunal
Constitucional, para uma interpretação conforme com a Constituição dos artigo
678 n° 4 e 754 n° 2 do C.P.C., referidos que foram os princípios constitucionais
violados - o princípio da igualdade e do direito a um processo, equitativo -
previstos no artigo 13 n° 1 e 20 n° 4 da Constituição - e a peça em que tal foi
suscitado dever aplicar-se - o pedido de aclaração e eventual reforma da decisão
de que ora se recorre, conforme dispõe o n° 2 artigo 75-A da referida Lei”.
7. Este recurso, não foi, porém, admitido, pela seguinte decisão:
“Face ao disposto no n.º 2 do art.º 72° da LTC, o recurso previsto na alínea b)
do n.º 1 do art.º 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer”.
Ora, o recorrente apenas refere no pedido de aclaração que “parece manifesto que
se não teve em conta o disposto no artigo 678 n.º 4 do CPC. E tendo essa
disposição em conta e ainda o disposto no artigo 13 e 20 n.º 4 da Constituição,
outra teria de ser a decisão”.
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2001 - DR, II Série de 14.11.2001
entendeu-se “... que uma questão de constitucionalidade normativa só se pode
considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente
identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma
constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que
sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a
afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem
indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a
inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo”
Donde a forma como a questão de inconstitucionalidade foi suscitada no pedido de
aclaração ser inadequada ao objectivo pretendido.
E, manifestamente, como a doutrina tem assinalado, é momento inidóneo para
levantar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, por, após a sua apresentação, o tribunal
a quo já não poder emitir juízos de inconstitucionalidade.
Por todo o exposto, indefere-se o requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional.
8. É desta decisão que vem interposta a presente reclamação, nos termos do
artigo 76 n.º 4 da Lei do Tribunal Constitucional, assim fundamentada
“[...] Os Factos
Foi proferido um despacho a indeferir o requerimento de interposição de recurso
do Acórdão da Relação de Lisboa, pelo Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça
O referido douto despacho de indeferimento do Exmo. Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça colocou uma questão diferente daquela que era colocada como
fundamento do indeferimento pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que justificou,
por seu turno, a reclamação, e, foi por isso uma decisão surpresa.
O referido despacho não aplica do artigo 678 n° 4 do C.P.C., em que se fundava a
reclamação, e daí que se tenha suscitado a aclaração e eventual reforma tendo em
vista os fundamentos seguintes:
[...]
Sobre O pedido de aclaração e de eventual reforma foi proferido um despacho que
passou a integrar o douto despacho de que se pretende recorrer, por força do
disposto no artigo 670 n.º 2 do C.P.C.
E por ele se vê que a decisão primitiva considera uma interpretação do artigo
678 n.º 4 do C.P.C. que é alegadamente incompatível com os artigos 13 n.º1 e 20
n.º4 da Constituição, como se suscitou no requerimento que pedia a aclaração e
eventual reforma.
O Direito
Na verdade, o artigo 13 n.º 1 da Constituição, manda valorar de forma igual o
que é igual e distinguir o que é distinto; e isso é atingível ou de fácil
descodificação por qualquer jurista, em face da simples referência ao artigo 13
n.º 1 da Constituição, para que se configure o “quantum satis” processual, se
dissermos como dissemos que a norma do artigo 678 n.º 4 do C.P.C., só é
interpretada de modo conforme com a constituição, tal como foi interpretada pela
parte que pretende recorrer e não, como há que subentender, de um qualquer outro
modo, que tenha como fundamento comparações com os outros números do artigo 678
do C.P.C., como se havia feito.
Ora surge da aclaração, recaída sobre o requerimento em que se suscitou a
interpretação que seria conforme com a Constituição, que a primitiva decisão que
indeferiu a admissibilidade do recurso se pautou na interpretação dos números 2
e 4 do preceito do artigo 678 do C.P.C. como se fossem pressuposto de situações
análogas senão iguais. E não se diga que no pedido de esclarecimento e de
eventual reforma da decisão não se havia prevenido para a inconstitucionalidade
se não se tivesse em atenção o artigo 13 n.º 1 da Constituição onde se consagra
o consabido principio da igualdade - na lei e perante a lei. Portanto de forma
processualmente adequada, indicando-se a interpretação conforme com a
constituição do artigo 678 na 4 do C.P.C., sem se perceber como a interpretava a
decisão sob esclarecimento e eventual reforma. E sem se perceber, mas
razoavelmente, porque quando não, não teria havido o esclarecimento.
Porém, no número dois do artigo 678 do C.P.C., estão previstas situações, que
ainda que o valor não exceda a alçada devem permitir o recurso.
Enquanto no número quatro do mesmo artigo está prevista uma situação que merece
tratamento distinto por ser distinta: é ela a de oposição de Acórdãos...
A norma do artigo 678 n.º 4 do C.P.C., diz que é sempre admissível recurso mas
que esse recurso só é extraordinário se dele não for admissível recurso
ordinário, com fundamento no valor. Portanto coloca a condição de só dever
admitir-se o recurso como extraordinário se ele não for requerido e admissível
como recurso ordinário e, portanto, impõe que a admissão só possa ser deferida
se por motivo estranho à alçada.
Mas não quer isto dizer - ao contrário do que se entendeu no douto despacho de
que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional - que se o processo não
ultrapassar a alçada, podendo ultrapassá-la pela hipótese do maior ou menor
montante do valor, já o recurso não é admissível. O que quer dizer é que a
condição da admissibilidade é a de não ser admissível o recurso por motivo
estranho à alçada, seja ela susceptível de ser superior ou inferior à prevista
para a admissão.
Nos termos do artigo 754 n.º 2 do C.P.C. o recurso não deveria ser admitido
fosse qual fosse o valor da alçada; e, por isso, é por motivo estranho à alçada
que ele deve ser admitido, em face da oposição de Acórdãos, porque se tivesse
valor superior à alçada também não era de admitir. A não ser em face de oposição
de Acórdãos. Esta a especialidade a merecer que se trate a questão ao nível
interpretativo da forma distinta que ela se apresenta em relação aos demais
números do artigo 678 do C.P.C.
Sendo esse o fundamento da inadmissibilidade e não outro como o era o da decisão
da Relação de não admitir o recurso, foi violado o artigo 13 n° 1 da
Constituição pela aplicação de norma interpretada de modo desconforme com a
norma do artigo 13 n.º 1 referida. E isso havia sido claramente suscitado.
E isso, porque foi feita uma comparação como base para a interpretação e
aplicação do artigo 678 n.º4 do C.P.C. que se serviu do n.º 2 do mesmo artigo
que é pressuposto de situações distintas. E foi isso que deu origem ao erro
interpretativo que desconsiderou a correcta interpretação que aqui se demonstrou
ser a conforme com a Constituição. O que só era possível perceber perante o
douto despacho de aclaração e não antes.
A referência ao artigo 20 n.º 4 da Constituição onde se consagra o princípio do
direito da parte a um processo equitativo e o seu significado também são
pacíficos quanto ao entendimento de que um processo equitativo exige uma
fundamentação correcta. Ireneu Cabral Barreto, na Convenção dos Direitos do
Homem, Anotada, 2.ª Edição, Coimbra Editora, página 134, sublinha que os
princípios do contraditório e da igualdade são elementos incindíveis de um
processo equitativo. E mais adiante, como logo se vê, não deixa de relacionar
isso da igualdade e do contraditório com a motivação das decisões: “um processo
equitativo - diz ele a página 137 pressupõe a motivação das decisões: a
enunciação dos pontos de facto e de direito sobre os quais se funda a decisão
deve permitir às partes avaliar a possibilidade de sucesso nos recursos”.
Sucede que essa enunciação pela Veneranda Relação de Lisboa foi totalmente
desprezada pelo Supremo Tribunal de Justiça na sua decisão surpresa que fez
acontecer o pedido de aclaração, que foi satisfeito.
O PROF. CASTRO MENDES, na sua tese de doutoramento “Do Conceito de Prova em
Processo Civil”, chamava-lhe - ao princípio da fundamentação das decisões - o
princípio da publicidade (veja-se página 171 e 172 da citada obra das Edições
Ática). E atribuía-lhe funções: “de fiscalização da actividade jurisdicional e
através dela, uma .função de prestígio dos' tribunais, na medida em que se
prestigia toda a instituição aberta à fiscalização (não fala da crítica), uma
função de pacificação social, na medida em que algumas partes se consigam
convencer por argumentos, uma função de educação, na medida em que se permite a
qualquer pessoa acompanhar o processo de resolução de um litígio (...)”
Por isso a aclaração cumpriu o seu desígnio e não foi por aí violado o direito
da parte a um processo equitativo. Mas aclarando fica em evidência o erro.
Pretender que não houve advertência para o erro por forma processualmente
adequada, quando a inadequação surgiu do próprio Tribunal, por uma deficiente
fundamentação, é interpretar o direito por forma incompatível com o princípio do
contraditório, para além do princípio da igualdade e do direito a um processo
equitativo.
Essa interpretação, como se explicou, por errada como fica em evidência com a
aclaração, desfavorece arbitrariamente a parte que pretende recorrer e assim vai
violado também de facto o artigo 20 n° 4 da Constituição, como vai embora não se
tenha referido violado o n° 1 na medida em que é negado o direito ao recurso,
Termos em que reclama para esse Tribunal Constitucional do douto despacho que
não admitiu o recurso”.
9. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou da seguinte forma:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento, já que a reclamante
não suscitou, durante o processo e em termos processualmente adequados, qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto
idóneo de um recurso de fiscalização concreta. E – ao contrário do pretendido
pela reclamante – a decisão recorrida não realizou qualquer interpretação
normativa com que a recorrente não pudesse e devesse contar, se litigasse com a
diligência devida, correspondendo o entendimento sobre a admissibilidade do
agravo em 2ª instância e a sua subordinação às regras sobre a alçada e o valor
da causa ao que pacificamente é entendido na doutrina e jurisprudência.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
8. A reclamante indicou a alínea b), do n.º 1, do artigo 70º, da Lei do Tribunal
Constitucional, como fundamento do recurso. Pretende “uma interpretação conforme
com a Constituição dos artigo 678 n° 4 e 754 n° 2 do C.P.C., referidos que foram
os princípios constitucionais violados - o princípio da igualdade e do direito a
um processo equitativo” e afirma ter suscitado a questão de
inconstitucionalidade no “pedido de aclaração e eventual reforma da decisão de
que ora se recorre”.
O recurso previsto naquela alínea pressupõe, designadamente, que o recorrente
tenha suscitado, de modo processualmente adequado perante o Tribunal que
proferiu a decisão recorrida, a inconstitucionalidade de determinada norma
jurídica - ou de uma sua dimensão normativa. Ora, como é manifesto, a reclamante
não suscitou, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
susceptível de constituir objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta.
Não o fez antes de essa decisão ser proferida, podendo e devendo fazê-lo, se
pretendia ter aberta uma via de recurso para este Tribunal, uma vez que, ao
contrário do que, na reclamação e tardiamente, vem invocar, não se trata de
qualquer decisão surpresa, correspondendo a interpretação por ela questionada,
ao invés, ao entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência sobre a
admissibilidade do agravo em 2ª instância e sobre a sua subordinação às regras
respeitantes à alçada e ao valor da causa.
Nem tão pouco o fez, ao contrário do que afirma, no pedido de aclaração, o que,
em qualquer caso, sempre seria, porém, irrelevante. Na verdade, neste pedido, a
reclamante não questiona a constitucionalidade de normas, mas, quando muito da
decisão judicial, com a qual não concorda. Acresce que, como o Tribunal tem
reiteradamente afirmado (veja-se, por exemplo, Acórdão n.º 614/97, disponível na
página Internet do Tribunal Constitucional, em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ainda que uma questão de
inconstitucionalidade normativa tivesse sido suscitada no pedido de aclaração “o
pedido de aclaração da sentença [é] momento inidóneo para suscitar aquela
questão, pela primeira vez (neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em
Processo Civil, Lisboa, 1992, pág. 331).”
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se a
decisão reclamada de não admissão do recurso para este Tribunal.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 6 de Junho de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício