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Processo n.º 531/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo ver apreciada a
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal (CPP), conjugada com o artigo 4.º do mesmo código e com o artigo
698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), quando interpretada no sentido
de que o artigo 411.º, n.º 1, do CPP, “esgota a regulamentação dos prazos dos
recursos em matéria penal e de que não existe qualquer lacuna nessa
regulamentação, assim se rejeitando a aplicação subsidiária ao processo penal,
via artigo 4.º do Código de Processo Penal, do artigo 698.º, n.º 6, do Código de
Processo Civil, nos casos em que, havendo prova gravada, existe um recurso em
matéria de facto”, por violação do disposto nos artigos 20.º, 32.º, n.º 1, e
202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
2 – Na decisão recorrida – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de
Abril de 2005 – consignou-se que:
“(...)
A competência decisória deferida no art. 432º, do CPP, ao STJ, está
fixada em moldes restritos, por forma a respeitar a sua função histórica de
tribunal de revista, limitada ao conhecimento da matéria de direito, só
excepcionalmente interferindo na reponderação da matéria de facto, para bem
decidir a de direito e ao mesmo tempo impedir a sobrecarga a que aquele
conhecimento sistemático levaria, com compromisso para aquela função, e
cinge-se:
- Às decisões das Relações proferidas em 1ª instância (al. a);
- Às decisões das Relações proferidas em recurso, que não sejam irrecorríveis
(al. b);
- Aos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri (al. c);
- Aos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente
o reexame da matéria de direito (al. d); e
- Às decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos antes
(al. e).
Bem claro se torna que a decisão recorrida visa o reexame de uma questão
condicionante da reapreciação do mérito da causa ainda não incidente sobre a
decisão final, entendida, na jurisprudência, com o significado de decisão que
põe termo à causa, conhecendo do respectivo mérito.
Em causa a tempestividade para recorrer-se, de modo que, quando a este aspecto
de índole processual, com reflexos materiais, substantivos, o preceito não cobra
aplicação nas suas als. a), c), d) e e).
Residualmente fica de pé a sua al. b), no aspecto em que consente recurso das
decisões da Relação para o STJ, se não forem irrecorríveis, à luz do art. 400º,
do CPP.
Com pertinência o disposto no art. 400º, nº 1, c), do CPP, que proíbe levar
recurso das decisões que não ponham termo à causa, da Relação para o STJ.
Decisão que põe termo à causa, para fins do preceito em apreço, é a que tem como
consequência o arquivamento do processo, o encerramento do seu objecto.
Decisão que põe termo à causa, como lapidarmente se escreveu no Ac. deste STJ,
de 1.4.2004, no P.º n.º 1261/5ª Sec., acessível em www.dgsi.jstj, nem sempre é
uma decisão final, mas uma decisão final é sempre uma decisão pondo fim ao
pleito, debruçando-se sobre o seu mérito.
Decisão que põe termo ao processo é, obviamente, a recorrida porque impede o STJ
de apreciar, em recurso, a sua versão.
O acórdão condenatório foi proferido, em 1ª instância, em 13.4.2004 e, em
14.4.2004, se procedeu ao seu depósito, nos termos do art. 375º, n.º 2, do CPP e
desse acto processual, nos termos do art. 411º, n.º 1, do CPP, se conta o termo
inicial do prazo de interposição do recurso.
Logo no dia 13.4.2004 a arguida requereu que lhe fossem entregues as cassetes
com as provas gravadas, as quais, em número de 4, lhe foram confiadas em
20.4.2004.
A 26 de Abril, 13 dias sobre a emissão da decisão, a Srª advogada da arguida
surge a solicitar a confiança do processo, o que lhe foi deferido, apenas, por
dois dias úteis - cfr. despacho de fIs. 1370 -, apresentando-se a arguida a
recebê-los no dia 29.4.2004.
Em 11 de Maio de 2004 a arguida apresentou a motivação de recurso.
No ensinamento do Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil,
201, o despacho de admissão de recurso se vincula o tribunal que o proferiu, já
não assim o tribunal “ad quem” que pode e deve modificá-lo “ex officio” (art.
414º, n.º 3, do CPP), e isto porque se ao tribunal “ad quem” incumbe decidir a
questão de mérito, também a ele, por maioria de razão, incumbe decidir sobre as
questões prévias que interfiram na espécie, efeito e admissibilidade do recurso.
Intentando o recorrente impugnar a matéria de facto deverá enumerar pontualmente
os factos que julga incorrectamente julgados e as provas que importam uma
decisão diversa da recorrida, nos termos do art. 412º nº 3, do CPP, devendo,
quando as provas tenham sido gravadas aquelas especificações enunciadas nas als.
b) e c), do n.º 3, processar-se por referência às gravações, havendo lugar à
transcrição das provas – n.º 4.
O exercício do direito ao recurso fica amplamente assegurado pela entrega das
cassetes ao recorrente, pois a transcrição das provas, a cargo do tribunal, não
têm por finalidade proporcionar aquele direito, mas apenas facilitar ao tribunal
de recurso o reexame da matéria de facto provada em ordem à sua eventual
modificabilidade.
Com a entrega das cassetes está o recorrente em condições de elaborar o recurso,
ouvindo o material probatório gravado, pela referência à cassete e ao pertinente
segmento, pelo que não tem que ser coincidente a entrega com a transcrição,
operação a que o tribunal, seja, socorrendo-se dos seus recursos humanos, seja
pelo recurso a elementos estranhos, se revela incapaz de satisfazer, na
generalidade dos casos, naquele contexto de coincidência.
A mostrar-se essencial ao fim de impugnação no preceito descrito a transcrição
ter-se-ia como referencial de suporte a ela e não o conteúdo das cassetes.
A haver transcrição ela, na generalidade dos casos, só ocorrerá depois de
interposição do recurso e, neste, ou seja na sua motivação, já o recorrente
deverá ter cumprido o ónus imposto de referência aos suportes magnéticos, a
partir da entrega das cassetes -cfr. Ac. deste STJ, de 12.1.2001, CJ, STJ, I,
201.
No caso que nos ocupa é inescapável que 7 dias depois da emissão do acórdão
foram entregues 4 cassetes com cópia das gravações, dispondo a defesa do arguido
de mais 8 dias para elaborar os termos do recurso.
O prazo de interposição do recurso previsto no art. 411º, n.º 1, do CPP é
peremptório e não pode ser alargado para mais 10 dias por aplicação do art.
698º, n.º 6, do CPC, que não cobra razão de ser. Na verdade o recurso às normas
do CPC para integração de lacunas de regulamentação foi limitado ao máximo pelo
legislador do CPP de 87, que quis firmar nele um todo normativo capaz de reger
de forma global e autónoma a relação processual penal em toda a sua dinâmica e
complexidade, sem necessidade de recurso a outro diploma, visível no regime de
regulamentação de recursos a quem emprestou particular atenção e normação
própria e privativa, afastando de “motu proprio” o regime do CPC, de que se
socorria em larga medida o seu predecessor de 1929.
O alargamento do prazo para mais 10 dias, em caso de gravação das provas, por
aplicação analógica do art. 698º, n.º 6, do CPC, tem como pressuposto a
existência de um caso omisso, nos termos do art. 4º, do CPP, quando é certo que
o art. 411º, n.º 1, do CPP, regulamenta expressamente o prazo de interposição,
prevendo-o, desnecessário sendo o recurso à via integrativa para estabelecimento
do prazo quando se procede à gravação das provas, havendo lugar à transcrição,
porque essa operação em nada contende com a praticabilidade do direito ao
recurso.
Ao recurso à via integrativa do CPC só é de lançar mão quando se mostrem
compatíveis os seus princípios com as linhas programáticas que dão corpo ao
processo penal.
A literalidade do art. 411º, n.º 1, do CPP, a filosofia inspiradora do CPP, de
realizar a celeridade e eficiência processual, as sucessivas alterações ao CPP
abstendo -se de ampliar o prazo de interposição do recurso em caso de gravação
da prova, não obstante o legislador não desconhecer a disposição do CPC em
alusão, afastando o alargamento do prazo de que os sujeitos processuais, atenta
a sua natureza pública, não podem dispor a seu bel-prazer, mostram claramente o
propósito do legislador não alargar, em tal hipótese, o prazo normal de
interposição recursos em processo penal.
De resto o CPP apresenta uma válvula de segurança em caso de impossibilidade de
interposição do recurso - ou da prática de qualquer outro acto processual - no
prazo normal, mediante recurso às regras do justo impedimento consagradas no
art. 107º, n.º 5, do CPP, para além do sancionamento pecuniário como condição de
validação do acto intempestivo, nem um nem outro sendo o procedimento adoptado
pela arguida, a qual, cautelarmente, devia precaver-se, na diversidade de
entendimentos, de ter de enfrentar orientação de desfavor.
A questão, sabemo-lo, não é liquida - o Ac. da Relação do Porto, de 29.10.2003,
CJ, 2003, IV, como o da Relação de Évora, de 10.2.2004, in CJ, 2004, I, 263,
pronunciaram -se em sentido oposto, ou seja pela alongamento do prazo normal de
interposição de recurso, embora com esclarecidos votos de vencido; idem o deste
STJ, de 7.5.2003, no Recº n.º 243/03, in www.dgsi.pt; mas em sentido contrário
ao da prorrogabilidade do prazo situam-se os da Rel. de Lisboa, in CJ, 2003, V,
153, acrescendo, ainda, os de 26.6.2002, 2.5.2002, 18.4.2002 e de 25.5.2002,
ainda desta Relação, indicados na contramotivação do Exmo. Procurador-Geral
Adjunto nesta Relação.
Neste mesmo sentido, cfr. o Ac. proferido neste STJ, no Recº n.º 3215/2004,
desta 3ª Sec., em processo da 2ª Vara Mista de Sintra.
Propende este STJ a considerar, num sentido jurisprudencialmente dominante, não
haver lugar ao alongamento do prazo de mais 10 dias como a recorrente sustenta,
interpretação conforme ao direito constitucional, designadamente ao direito de
defesa do arguido, de que o direito ao recurso é um dos seus mais sagrados
bastiões, sufragada, de resto, pelo TC, no Ac. n.º 433/2002, in DR II Série, de
2.1.2003.
Ao serem entregues as cassetes, dispondo ainda de 8 dias mais a recorrente para
estruturar materialmente o recurso, já que mentalmente antes, por certo, o
preparara, em nada fica afectado o seu direito de defesa, para mais reduzido
como era o número de cassetes a reproduzir.
Aos sujeitos processuais não é lícito criarem prazos de interposição de
recursos, antes devendo sujeitar-se aos termos peremptórios em que aqueles, à
face da lei, se balizam.
Ademais não funda argumento impressionante o facto de o recorrente cível dispor
de um acréscimo de mais 10 dias para estruturar o recurso, havendo gravação das
provas, atenta a natureza própria do processo civil, que não coincide com a do
processo penal, aquele caracterizado por uma autêntica 'comunidade de trabalho',
orientado por uma ideia de cooperação inter‑subjectiva, com importantes
consequências ao nível das relações entre os sujeitos processuais e o tribunal,
obrigando-se aqueles a um 'honeste procedere' (cfr. Prof. Teixeira de Sousa,
Estudos sobre o Novo Código Civil, Ed. Lex, 1997, 62); ex-adverso no processo
penal é predominante uma ideia de supremacia do Estado na liderança do conflito,
cuja solução furta aos particulares, de celeridade processual, forma de
objectivar os relevantes interesses públicos que o caracterizam entre os quais o
da paz pública, da crença na lei e a segurança dos cidadãos, interesses que se
não identificam e, portanto, não legitimam a transposição pura e simples daquela
regra do art. 698º, n.º 6, do CPC.
O direito de defesa em nada é afectado pela incoincidência de prazos de
interposição de recursos em caso de provas gravadas no âmbito dos dois ramos do
direito, limitando-se o legislador a tratar com desigualdade aquilo que, na
matriz, é desigual, nada obrigando o legislador a estabelecer um mesmo prazo.
Não se subscreve, a fundamentar uma interpretação inconstitucional e o
previsível recurso ao TC, a ofensa no caso vertente dos direitos ao recurso e ao
acesso ao direito e aos tribunais e, bem assim, a denegação de justiça pelos
tribunais, tudo nos termos dos arts. 32º, n.º 1, 20º, n.º 1, e 202º, n.º 2, da
CRP, a limitação do prazo de interposição de recurso ao prazo normal, que,
outro, mais amplo, se não justificava.
Ante a evidente omissão de incompletude de regulamentação, que o mesmo é dizer
lacuna, obrigando para integração ao CPC, a ausência de ofensa a direitos
fundamentais do arguido, entre os quais o de defesa, quando em 10.5.2004 foi
interposto recurso, estava exaurido o prazo de interposição desde 29.4.2004, não
vinculando este STJ a sua admissão.
Anote-se que, mesmo reportando-se ao prazo suplementar de 10 dias, a arguida não
deixou de apresentar o recurso no último dia dos 25, de que, indevidamente, em
mais 10, se lançou mão.
Confirma-se, inteiramente, o acórdão da Relação, negando-se provimento ao
recurso”.
3 – Admitido o recurso interposto nos termos referidos para o Tribunal
Constitucional, a Recorrente, convidada a alegar, concluiu a sua argumentação
dizendo:
“(...)
1 - Com o presente recurso, pretende a Recorrente ver apreciada a
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 411º, n.º 1, do Código de
Processo Penal, efectivamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça,
conjugada com o artigo 4º do Código de Processo Penal e com o artigo 698º, n.º
6, do Código de Processo Civil, com a interpretação que resulta do Acórdão ora
recorrido e que se descreve no parágrafo seguinte e que, no entender da
Recorrente, viola frontalmente a Constituição da República Portuguesa.
2 - De facto, interpretar o primeiro indicado preceito legal (411º, n.º 1) no
sentido de que o mesmo esgota a regulamentação dos prazos dos recursos em
matéria penal e de que não existe qualquer lacuna nessa regulamentação, assim se
rejeitando a aplicação subsidiária ao processo penal, via artigo 4º do Código de
Processo Penal, do artigo 698º, n.º 6 do Código de Processo Civil, nos casos em
que, havendo prova gravada, existe recurso em matéria de facto, viola o direito
de defesa da arguida Recorrente e, de forma directa, os artigos 32º, n.º 1, 20º,
n.º 1, e 202º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa.
3 - É a seguinte a tramitação temporal do presente recurso, imprescindível para
a compreensão do mesmo:
- em 13 de Abril de 2004 o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª instância
procedeu à leitura da sentença condenatória;
- contactado poucos dias antes pela Arguida, o seu Ilustre actual
Defensor compareceu naquela leitura, tomando pela primeira vez contacto com os
factos imputados à Arguida e considerados provados;
- e requerendo a junção aos autos, nesse mesmo dia da leitura da decisão
condenatória, de substabelecimento sem reservas subscrito pela anterior
mandatária da Arguida, a Exma. Dra. B., a qual assegurou a defesa da Arguida
durante todo o julgamento e até àquele dia 13 de Abril de 2004;
- também nesse mesmo dia e com carácter de urgência, o Ilustre Defensor
da Arguida requereu a confiança do duplicado das cassetes áudio que registaram a
prova produzida em audiência de julgamento;
- em 19 de Abril, o Ilustre Defensor da Arguida foi notificado do
despacho do Meritíssimo Juiz, proferido em 15 de Abril de 2004, deferindo 'a
entrega de cópia após a apresentação das cassetes pela requerente a fim da mesma
ser realizada';
- o Ilustre Defensor da Arguida fez chegar ao Tribunal de 1ª instância as
cassetes solicitadas pelo Tribunal, tendo sido efectuada a ordenada duplicação
áudio;
- em 10 de Maio de 2004, a Arguida apresentou o seu recurso;
- em 17 de Maio de 2004 o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª instância
proferiu despacho no sentido de admitir o recurso, por tempestivo e legal;
- em 07 de Junho de 2004 o Excelentíssimo Magistrado do Ministério
Público apresentou as suas contra-alegações, nada dizendo quanto à questão da
tempestividade do recurso;
- em 18 de Junho de 2004, o Ilustre Defensor da Arguida foi notificado da
remissão dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa;
- em 07 de Janeiro de 2005, o Ilustre Defensor da Arguida foi notificado
da decisão (do Tribunal da Relação de Lisboa, em conferência) de rejeitar o
recurso, com fundamentação na extemporaneidade do recurso apresentado,
entendendo que 'Pese embora este recurso ter sido admitido por tempestivo por
douto despacho de 17 de Maio de 2004, a fls. 1402, o mesmo é extemporâneo por
não ter aplicação no processo penal o citado artigo 698º, nº 6 do Código de
processo civil, pois que não se trata de um caso omisso na regulamentação dos
recursos em processo penal (cfr. art. 4 do Código de Processo Penal).';
- desta decisão recorreu em 21 de Janeiro de 2005 a Recorrente;
- em 07 de Fevereiro de 2005 a Recorrente foi notificada do despacho de
admissão do seu recurso;
- tendo sido notificada da resposta do Ministério Público em 07 de Março
de 2005;
- finalmente, em 05 de Maio de 2005 a Recorrente foi notificada da
decisão da 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça que, reunida em Conferência,
confirmou inteiramente o acórdão da Relação, assim negando provimento ao
recurso.
4 - É exactamente esta decisão que a Recorrente não pode deixar de submeter à
apreciação desse garantístico Tribunal, velador dos mais profundos e absolutos
direitos de qualquer cidadão, os quais se vêem, nestes autos e no entender da
Arguida Recorrente, seriamente postos em causa, muito resumidamente se dizendo
que a questão que ora se coloca é a de saber se, no âmbito do processo penal,
ocorre uma lacuna, legitimamente preenchível pelo dispositivo constante do n.º 6
do artigo 698º do Código de Processo Civil, por óbvia remissão do artigo 4º do
Código de Processo Penal.
5 - Foi exactamente pelo conhecimento que tinha das decisões dos Tribunais
Superiores nesse sentido, que então e em consonância com o seu entendimento iam
já sendo produzidas que a Recorrente, como vinha fazendo, se fez valer daquele
lógico e racional acréscimo de 10 dias e estritamente por estar em causa a
penosa tarefa de desgravação das cassetes áudio que registaram a prova ocorrida
em audiência de julgamento, praticamente inviável no curto espaço de 15 (ou 8,
como adiante se verá) dias...!
6- Tem a Recorrente, à semelhança do que já tem entendido esse Tribunal Superior
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 2002 - Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Novembro de 2002) bem como o próprio
Tribunal da Relação de Lisboa (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10
de Maio de 2004), diverso entendimento.
7 - Negando-se a aplicação subsidiária do prazo adicional de 10 dias ao prazo de
15 dias previsto no n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal, só muito
aparentemente (ou nem isso, atenta a tamanha desadequação...) se estará a
concretizar, no âmbito penal, a dimensão constitucional das garantias
fundamentais de defesa prevista, em especial, no artigo 32º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa.
8 - Diversos factores ou indicadores depõem no sentido de que semelhante
entendimento, seguido por aquelas superiores instancias de recurso, acarreta a
violação dos artigos 411º e 412º do Código de Processo Penal e n.º 6 do 698º, do
Código de Processo Civil e, mais gravemente, está ferido de
inconstitucionalidade.
9 - É desrazoável, ilógico e injusto pretender-se facultar ao Arguido somente o
prazo de 15 dias, a contar da leitura da decisão de primeira instância, para
interpor e motivar o seu recurso, diga este respeito a matéria de direito apenas
e/ou a matéria de facto.
10- Do espírito que terá norteado o legislador penal infere-se que este não
excluiu a possibilidade de se dotar o Arguido de um prazo diferente, mais
alargado, nas situações em que recorre sobre a matéria de facto.
11 - Deparamo-nos com uma lacuna no ordenamento processual penal que urge
preencher, inexistindo norma no respectivo diploma que seja potencialmente
aplicável por analogia.
12 - A aplicação da regra constante do n.º 6 do artigo 698º do Código de
Processo Civil não fere a natureza do processo penal, sendo com ele
perfeitamente harmonizável e até justificável e, neste aspecto, a titulo de nota
se dirá que, quanto à critica dirigida no acórdão recorrido à actuação da defesa
do Arguido, por não ter cautelarmente lançado mão 'às regras do justo
impedimento' ou ao 'sancionamento pecuniário como condição de validação do acto
intempestivo', desses expedientes não se lançou mão porque não era, em absoluto,
o caso.
13 - A utilização que a defesa da Arguida fez do prazo de 10 dias obedeceu ao
entendimento constitucional que tem na matéria, amparado, reforçado e assegurado
pela recente jurisprudência que, na altura, ia já inovadoramente surgindo, ainda
que agora se veja alterada, não se tendo tratado de circunstâncias que
justificassem o recurso ao justo impedimento ou à apresentação do acto com
pagamento de multa, motivos pelos quais não se utilizaram tais mecanismos.
14 - O Recorrente civil beneficia de um prazo muito maior do que o Recorrente
penal para apresentar a sua motivação de recurso, sendo certo e assente que o
processo penal, mexendo com a liberdade de um cidadão, apresenta sempre maior
gravidade.
15 - Respondendo-se que o principio da celeridade processual é um dos pilares do
processo penal, e que portanto se justificaria a limitação do prazo de recurso,
prontamente se terá de aditar que tal facto não anula nem tão pouco suplanta o
outro grande pilar desse processo, qual seja o da garantia da defesa do arguido,
aliás o mais importante em matéria criminal.
16 - O princípio de celeridade obedece em primeira linha aos próprios interesses
do arguido, pretendendo-se assegurar que todo e qualquer cidadão tenha limitado
ao mínimo de tempo possível a suspeita que sobre si possa impender a nível
criminal, pelo que nada impede que o Arguido decida acolher essa celeridade que
lhe é oferecida de modo latente ou, ao invés, dela abra mão, nomeadamente em
nome de um direito maior, qual seja o de garantir que a sua defesa seja exercida
em pleno.
17 - No mínimo, exige-se uma compatibilização entre os dois referidos
princípios, saindo seguramente vencedor, em caso de luta, o principio da
garantia de defesa, aliás com assento constitucional no artigo 32º da
Constituição da República Portuguesa, o qual encerra e condensa os mais
elementares princípios da realidade penal, não podendo jamais a necessidade de
uma justiça célere servir de pretexto ao sacrifício das garantias de defesa do
Arguido.
18 - Este princípio vencedor da garantia de defesa engloba, exactamente, o
direito ao recurso e este pressupõe, naturalmente, que o Arguido disponha de
todos os elementos necessários à sua efectivação.
19 - Tratando-se de recurso sobre a matéria de facto, é logicamente
imprescindível que o Arguido tenha ao seu dispor o conteúdo da prova produzida
em audiência de julgamento, o que só será possível com o acesso ao duplicado das
respectivas cassetes áudio, bem como à sua audição.
20 - Ainda que não esteja legalmente obrigado a transcrever a prova produzida,
acabará por ter que a fazer, nem que seja em parte, só assim, muitas vezes,
conseguindo apresentar um recurso sério e eficaz, só assim ficando assegurado um
recurso efectivo em matéria de facto, como seguramente o pretendeu o legislador.
21 - Só com o completo acesso a essa prova poderá o Arguido averiguar e optar
pela interposição ou não de recurso - e, neste caso concreto, não se pode deixar
de reclamar de V. Exas. especial atenção para o facto de que o Ilustre Advogado
que assegurou a defesa da Arguida a partir do recurso da decisão de primeira
instância, apenas tomou conhecimento da realidade factual destes autos no dia da
leitura da decisão condenatória, 13 de Abril de 2004, e, com mais detalhe, com a
audição das cassetes que registaram a prova testemunhal, não se tendo a defesa
da Arguida poupado em proceder à audição de todas as respectivas cassetes, sua
total desgravação e efectiva transcrição de grandes excertos da prova
testemunhal produzida em audiência de julgamento nessas alegações!!
22 - Com a entrega das cassetes não fica o Recorrente em condições de elaborar o
recurso, sendo antes os seguintes os passos lógicos de um recurso sobre matéria
de facto, obedecendo-se a um rigoroso entendimento do que deve ser o real
patrocínio forense: 1-ouvir as cassetes; 2-desgravar as cassetes; 3-analisar o
teor dos depoimentos por contraposição à matéria factual dada como provada e não
dada como provada; 4-elaborar o recurso com as referências legais e com
transcrição dos excertos da prova desgravada que se entender conveniente, por
forma a dotar o recurso de maior clareza e força.
23 - É aplicável aos recursos sobre matéria de facto em processo penal, a mesma
razão que presidiu à atribuição de um acréscimo de 10 dias, em processo civil,
no caso de ser apresentada uma alegação na qual se impugne a decisão sobre
matéria de facto: atribuir um maior prazo ao recorrente, tendo-se exactamente em
conta o tempo que sempre demora na audiçãoItranscrição da prova gravada, até
porque, em processo civil, não obstante o Recorrente não estar já igualmente
obrigado a transcrever a prova, bastando-se com as referências ao assinalado na
acta, continua a beneficiar daquele acréscimo de 10 dias.
24 - O prazo de 15 dias para interpor e motivar o recurso sempre e
necessariamente será amputado de alguns dias, o que, na perspectiva seguida pelo
Tribunal recorrido, não é de todo considerado, sendo certo que, por lei, o
Tribunal poderá demorar 8 dias até à efectiva entrega do duplicado das cassetes
áudio que registaram a prova, o que, pelo menos, fará com que o Arguido passe a
dispor de uns míseros 7 dias para ouvir a prova gravada, analisar essa prova,
decidir sobre o interesse ou conveniência de impugnar a decisão de primeira
instancia, interpor e simultaneamente motivar o seu recurso.
25- No presente caso, de facto, e como até se pode ler na decisão recorrida
'(...) 7 dias depois da emissão do acórdão foram entregues 4 cassetes com cópia
das gravações, dispondo a defesa do arguido de mais 8 dias para elaborar os
termos do recurso.' ou 'ao serem entregues as cassetes, dispondo ainda de 8 dias
mais a recorrente para estruturar materialmente o recurso (...)'.
26- Como é possível poder-se admitir, de animo leve, que 15 dias, ou melhor, no
caso dos autos - e de variadíssimos outros com toda a certeza, atendendo ao
tempo normal de entrega das cassetes nos nossos tribunais - que 8 dias são
suficientes para, de um modo efectivo, real e responsável, se apresentar um
válido recurso em matéria de facto? É inadmissível....
27 - Aceitar o conteúdo do Acórdão recorrido significa aceitar que as garantias
de defesa da Arguida, neste caso na sua vertente de direito a um recurso
efectivo em matéria de facto, sejam drástica, inadmissível e injustificadamente
diminuídas, sem que se apresente qualquer princípio ou interesse superior.
28 - Ao rejeitar o recurso por extemporaneidade, na sequência do entendimento de
que não existe lacuna na regulamentação dos recursos penais, negando assim o
acréscimo de prazo previsto no ordenamento processual civil, o Supremo Tribunal
de Justiça, seguindo a incorrecta posição assumida pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, violou os artigos 4º, 411º e 412º, todos do Código de Processo Penal,
bem como o nº 6 do artigo 698º do Código de Processo Civil.
29 - Os indicados artigos 411º e 412º deveriam ter sido entendidos como não
esgotantes da regulamentação dos recursos penais, sendo detectada uma lacuna que
deveria, por aplicação do artigo 4º, ser preenchida com a norma enunciada no nº
6 do artigo 698º.
30 - Diferente interpretação apresenta-se inconstitucional, por acarretar a
diminuição injustificada do direito ao recurso, direito que é
constitucionalmente assegurado a todos os arguidos, nomeadamente nos artigos 32º
nº 1 da Constituição da República Portuguesa (o processo criminal assegura todas
as garantias de defesa, incluindo o recurso), 20º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa (é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para
defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos) e 202º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa (na administração da justiça incumbe aos
tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos)”.
4 – Por sua vez, o Ministério Público contra-alegou concluindo que “a não
aplicação, em processo penal, do regime contido no artigo 698.º, n.º 6, do
Código de Processo Civil não implica violação de qualquer preceito ou princípio
constitucional, dada a plena suficiência do prazo previsto no artigo 411.º do
Código de Processo Penal [por lapso, escreveu-se “Civil”] para a fundamentação
do recurso penal, mesmo nos casos em que se pretenda controverter matéria de
facto”.
Corridos os vistos, cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
5 – Nos termos definidos pela Recorrente, o presente recurso tem por objecto
a fiscalização da constitucionalidade da norma constante do artigo 411.º, n.º 1,
do Código de Processo Penal (CPP), conjugada com o artigo 4.º do mesmo código e
com o artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), quando
interpretada no sentido de que o artigo 411.º, n.º 1, do CPP, “esgota a
regulamentação dos prazos dos recursos em matéria penal e de que não existe
qualquer lacuna nessa regulamentação, assim se rejeitando a aplicação
subsidiária ao processo penal, via artigo 4.º do Código de Processo Penal, do
artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, nos casos em que, havendo
prova gravada, existe um recurso em matéria de facto”, por violação do disposto
nos artigos 20.º, 32.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa.
6 – Como se compreenderá, a formulação do problema de constitucionalidade
trazido a este Tribunal não dispensa uma consideração prévia, suscitada pela
inclusão de uma referência concreta ao labor metodológico lavrado pelo Supremo
Tribunal de Justiça que conduziu a um específico resultado interpretativo.
Tem-se em vista, essencialmente, a consideração da interpretação da norma do
artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de “não existir
qualquer lacuna nessa regulamentação”.
Ora, incidindo o recurso de constitucionalidade sobre a sindicância de
critérios normativos, não cabe a este Tribunal aferir da bondade do percurso
estritamente metodológico que conduziu a decisão recorrida a um determinado
resultado, mas apenas controlar, sub specie constitutionis, a bondade do sentido
jurídico-normativo de uma norma que é desocultado pela actividade metodológica
da instância decidente.
De resto, como é bem patente, o que a Recorrente pretende controverter, sob a
formulação que desenvolve, acaba por ser o juízo de não aplicação, em processo
penal, do regime vertido no artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil,
nos recursos que abranjam matéria de facto, estando, assim em causa saber se é
inconstitucional a norma constante do artigo 411.º, nºs 1 e 3, do Código de
Processo Penal, na interpretação segundo a qual ao prazo de 15 dias aí previsto
para a interposição e motivação do recurso não acresce o prazo de 10 dias a que
se refere o artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, em caso de
recurso que tenha por objecto a reapreciação de prova gravada, precipitando-se,
consequentemente, neste critério normativo o afastamento da aplicação analógica
do regime vigente no seio do direito processual civil.
7 – A questão da (in)aplicabilidade do regime vertido no Código de Processo
Civil ao prazo fixado no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não
tem colhido resposta unânime por parte da jurisprudência dos nossos tribunais
superiores.
De facto, enquanto que nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de
Julho de 2002, de 13 de Novembro de 2002 e de 27 de Novembro de 2002 se
considerou ser “aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6,
do CPC”, o mesmo Supremo Tribunal, nos seus Acórdãos de 14 de Março de 2001, de
10 de Janeiro de 2002, de 30 de Janeiro de 2002, de 20 de Março de 2002, de 21
de Abril de 2004, de 23 de Setembro de 2004, de 10 de Novembro de 2004, de 9 de
Dezembro de 2004, de 15 de Dezembro de 2004, de 3 de Março de 2005 e de 9 de
Março de 2005, perfilhou posição diversa.
Foi também esta a posição acolhida muito recentemente no recente Acórdão n.º
9/2005 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República I
Série-A, de 6 de Dezembro de 2005, que “fixou” a jurisprudência no sentido de
que “quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas
tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado
no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente
aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do Código de
Processo Civil”.
Mutatis mutandis, este Tribunal – no seu Acórdão n.º 542/04, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt – apreciou, sob a óptica própria do recurso de
fiscalização concreta da constitucionalidade, a norma constante do artigo 411.º,
nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual ao prazo
de 15 dias aí previsto para a interposição e motivação do recurso não acresce o
prazo de 10 dias a que se refere o artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo
Civil, em caso de recurso que tenha por objecto a reapreciação de prova
gravada, julgando a dimensão normativa em crise não inconstitucional.
Os argumentos mobilizados pelo Tribunal foram os seguintes:
“Embora referida prevalentemente ao prazo de interposição do recurso,
pela evidente razão de, afora a situação referida na segunda parte do n.º 3 do
art.º 411º do CPP, os momentos de interposição do recurso e da sua motivação
coincidirem em processo penal, a dimensão normativa do art.º 411º, n.º 1, do CPP
cuja constitucionalidade o recorrente verdadeiramente questiona é a que respeita
ao prazo de 15 dias improrrogáveis para a apresentação da motivação do recurso,
tratando-se de saber se é conforme com a Lei Fundamental uma acepção de tal
artigo no sentido do não acréscimo de um prazo de 10 dias para o recorrente
motivar o recurso quando nele se ponha em causa a decisão da matéria de facto
com base numa reapreciação de prova gravada, em termos correspondentes aos
previstos no n.º 6 do art.º 698º do CPC. É, de resto, esse o quadro processual
em que a questão se coloca: o recorrente interpôs recurso da sentença
condenatória penal por declaração na acta, tendo o recurso sido imediatamente
admitido, vindo mais tarde a ser rejeitado por a respectiva motivação ter sido
apresentada fora do prazo de 15 dias a contar da data da sua interposição na
acta da audiência.
Antes de mais cumpre acentuar que não cabe ao Tribunal
Constitucional pronunciar-se sobre qual seja a solução a dar, no plano do
direito infraconstitucional, à controvérsia sobre se é supletivamente aplicável,
no processo penal, a norma do art.º 698º, n.º 6, do Código de Processo Civil ou
seja, se se está perante uma lacuna de regulação da matéria no Código de
Processo Penal e se é caso de aplicação do art.º 4º deste compêndio legislativo.
A questão posta cinge-se a saber se a norma acima definida e que foi
aplicada à decisão do caso concreto é ou não conforme com os parâmetros
constitucionais invocados ou outros, dado que em matéria de parametricidade
constitucional não está o Tribunal vinculado ao alegado (cfr. art.º 79º-C da
LTC). Nesta medida não há que tomar posição quanto a saber se a solução achada é
a que melhor decorre dos instrumentos hermenêuticos de que o intérprete deve
socorrer-se para alcançar o sentido da lei ou se ela representa uma boa opção do
legislador, desde que tomada dentro dos parâmetros constitucionais. Assim não há
que considerar se a diferente natureza do recurso, se relativo a matéria de
facto ou se também, ou só, concernente a matéria de direito, não aconselharia,
nesse plano, ao estabelecimento de diferentes prazos de apresentação de recurso
ou da sua motivação.
O estabelecimento de prazos de recurso e da sua motivação não pode
deixar de considerar-se uma exigência co-natural do estabelecimento de qualquer
processo de apreciação e de decisão.
No seu Acórdão n.º 571/01, publicado no Diário da República, II
Série, de 4 de Fevereiro de 2002, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 51º
vol., pp. 621, que tinha por pano de fundo a apreciação da conformidade
constitucional da norma da alínea c) do art.º 380º do Código de Justiça Militar
que estabelecia, quando não fosse entregue no acto de intimação (do libelo), o
prazo de cinco dias para a entrega do rol de testemunhas para prova da defesa,
escreveu-se sintetizando anteriores posições do Tribunal:
«Este Tribunal já admitiu, porém, que diferentes ramos processuais possam
conter diferentes prazos para actos de natureza semelhante ou idêntica (cfr.,
v.g., o Acórdão n.º 266/93, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de
Agosto de 1993), que no mesmo direito processual existam tais diferenças de
prazos (cfr., por ex., o Acórdão n.º 186/92, publicado no Diário da República,
II Série, de 18 de Setembro de 1992) e que diferentes sujeitos processuais
estejam adstritos a diferentes prazos (cfr., v.g., o Acórdão n.º 524/97,
publicado no Diário da República II Série, de 20 de Dezembro de 1994), desde que
haja para isso fundamento material bastante. Em todo o caso, não deixou de
considerar, mesmo atendendo à especificidade do processo penal militar, que não
era admissível – para efeitos de interposição e motivação do recurso – um prazo
'especial e significativamente mais curto – correspondente a metade – do que o
previsto no processo penal comum' (Acórdão n.º 34/96, publicado no Diário da
República, II Série, de 29 de Abril de 1996). O mesmo juízo foi, aliás,
reiterado no Acórdão n.º 611/96 (publicado no Diário da República, II Série, de
6 de Julho de 1996).».
No processo criminal, a previsão da existência de prazos de recurso impõe-se
desde logo como postulado necessário da garantia concedida na parte final do n.º
2 do art.º 32º da CRP de que o arguido “deve ser julgado no mais curto prazo
compatível com as garantias de defesa”. Todavia, nem este preceito
constitucional nem outro (com pertinência ou afinidade sobre a matéria surge o
art.º 20º da CRP, mormente o seu n.º 4) definem ou estabelecem quais devam ser
esses prazos, donde resulta que o legislador ordinário disponha nesta matéria de
uma ampla discricionariedade normativo-constitutiva. Mas tal não quer dizer que
para a Constituição, e mormente em matéria de processo criminal, essa fixação
seja indiferente (como paralelamente poderá acontecer em outros tipos de
processos especialmente quando estejam em causa direitos fundamentais). Na
verdade, se o n.º 2 do art.º 32º da CRP assume como garantia concedida ao
arguido o dever de o mesmo ser julgado no mais curto prazo não deixa, também, de
balizar esse prazo pela exigência de que o mesmo seja compatível com a
efectividade das garantias de defesa.
Foi a consideração, essencialmente, de que o prazo previsto não permitia um
exercício efectivo das garantias de defesa que levou o Acórdão n.º 41/96,
publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pp. 235 e ss., a
concluir pela inconstitucionalidade do 328º do Código de Processo Penal de 1929,
na parte em que fixava em cinco dias, contados da notificação da acusação, o
prazo para o arguido requerer diligências de instrução contraditória em processo
de querela. Disse-se, então, aí:
«O processo penal de um Estado de Direito há-de “assegurar ao Estado a
possibilidade de realizar o seu ius puniendi”; mas há-de também “oferecer aos
cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam
cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a
possibilidade de uma sentença injusta” (cf. Acórdão n.º 434/87, publicado no
Diário da República, II série, de 23 de Janeiro de 1988; e no Boletim do
Ministério da Justiça, n.º 371, página 160).
Tal processo há-de ser, assim, um due process of law, no sentido de que, nele,
há-de o arguido poder sempre defender-se. Este, o núcleo essencial do princípio
da defesa, que, no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, se proclama.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão n.º 61/88, publicado no Diário da
República, II série, de 20 de Agosto de 1988:
A ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por
onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio
da defesa, para além das consignadas nos números 2 e seguintes do artigo 32º -
será a de que o processo criminal há-de ser um due process of law, devendo
considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais,
quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível
das possibilidades de defesa do arguido.
(Cf. também o Acórdão n.º 322/93, publicado no Diário da República, II série, de
29 de Outubro de 1993).
Esta cláusula constitucional - que se apresenta com um cunho reassuntivo e
residual (relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes do
artigo 32º) e que, na sua abertura, acaba por revestir-se de um carácter
acentuadamente programático - contém, ao cabo e ao resto, “um eminente conteúdo
normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em casos limite, para
inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária” (cf. FIGUEIREDO DIAS, in
A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, p. 51). E contém esse
conteúdo normativo imediato, justamente, porque aí se proclama o próprio
princípio da defesa e, portanto, inevitavelmente, se faz apelo para o seu núcleo
essencial, cuja ideia geral é a de que o processo criminal tem de assegurar
sempre ao arguido a possibilidade de ele se defender (cf., também o Acórdão n.º
186/92, publicado no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992).
O princípio das garantias de defesa - afirmou-se no já citado Acórdão n.º 434/87
- será violado “toda a vez que ao arguido se não assegure, de modo efectivo, a
possibilidade de organizar a sua defesa”; ou seja: sempre que se lhe não dê
oportunidade real de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua
conduta (cf. Acórdão n.º 315/85, publicado no Diário da República, II série, de
12 de Abril de 1986).».
Do mesmo passo pode referir-se que foi igualmente a ponderação da
impossibilidade de um exercício efectivo das garantias de defesa,
consubstanciado na oportunidade de o arguido poder realmente controverter em
recurso a matéria de facto fixada pela decisão recorrida, dentro dos prazos
legalmente fixados para a interposição do recurso, que conduziu o Tribunal
Constitucional a no seu Acórdão n.º 363/00, publicado no Diário da República II
Série, de 13 de Novembro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º
vol., p. 653, pronunciar-se pela inconstitucionalidade, “por violação do artigo
32º, n.º 1, da Constituição, dos artigos 107º, n.º 2, do Código de Processo
Penal, e 146º, n.º 1, do Código de Processo Civil (quando aplicado
subsidiariamente em processo penal) quando interpretados no sentido de que a
impossibilidade de consulta das actas de julgamento (quando tenha sido requerida
a documentação em acta das declarações orais prestadas em audiência, nos termos
do artigo 364º, n.º 1, do Código de Processo Penal), por as mesmas não estarem
ainda disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do
recurso da decisão final condenatória em processo penal”, conduzindo assim à
solução de o prazo de recurso (e da respectiva motivação, no figurino processual
actual) ser acima de 15 dias em tanto tempo quanto durar o justo impedimento.
E foi também com base em uma idêntica ponderação dos valores em
presença – celeridade processual e efectividade da possibilidade de exercício do
direito de defesa –, mas em que, ao contrário do que sucedeu no caso anterior, o
Tribunal concluiu que, na situação sob análise, a garantia da possibilidade real
e efectiva de exercício dos direitos de defesa não saía afectada, que o Acórdão
n.º 433/02, publicado no Diário da República II Série, de 2 de Janeiro de 2003,
e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54º vol., p. 551, decidiu “não julgar
inconstitucional a interpretação do art.º 107º, n.º 2, do Código de Processo
Penal segundo a qual, havendo possibilidade de acesso ao suporte material da
prova gravada, a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais
prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a respectiva gravação), por
as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a
interposição do recurso da decisão final condenatória”, acabando, deste modo,
por manter, numa tal situação, o efeito preclusivo associado ao decurso do prazo
de 15 dias estabelecido para a interposição do recurso.
Pode, pois, concluir-se, com segurança, com base na jurisprudência
anterior do Tribunal Constitucional que a fixação do prazo de interposição de
recurso penal e da respectiva motivação estabelecido pelo legislador ordinário,
no exercício da sua discricionariedade normativo-constitutiva constitucional, só
é susceptível de ser censurada sub specie constitucionis se ele for desadequado,
irrazoável ou desproporcionado para, de um lado, poder permitir o julgamento do
arguido no mais curto prazo e, do outro, impedir “um encurtamento inadmissível
das possibilidades de defesa do arguido”.
Ora, a esta luz não poderá considerar-se que o prazo de 15 dias que
está estabelecido no n.º 3 do art.º 411º do CPP para o arguido motivar o recurso
interposto na acta, e no qual se pretenda a reapreciação da matéria de facto com
base em prova gravada em audiência, ofende o princípio das garantias de defesa,
tal como este se deixou recortado, numa situação, como é a da hipótese recortada
na dimensão normativa que está em causa, em que não se questiona a possibilidade
do acesso efectivo, por banda do arguido, às cassetes de gravação da prova
dentro do prazo fixado para a motivação do recurso.
Ao contrário do defendido pelo recorrente, não se afigura que o estabelecimento
de um lapso de tempo de 15 dias seja desrazoável ou inadequado para dar
cumprimento ao ónus de motivação do recurso – desde que o arguido tenha efectiva
disponibilidade desde o dies a quo do cômputo desse prazo das provas gravadas –,
conquanto nesta se discuta e pretenda a reapreciação do julgamento da matéria de
facto efectuado pela decisão recorrida, bem como o juízo de apreciação e
valoração das provas produzidas em audiência, nela efectuado, naquelas se
incluindo as provas gravadas, e se tenha nessa motivação de satisfazer os ónus
estabelecidos no art.º 412º, n.º 3, alíneas b) e c), e n.º 4, do CPP, e não
apenas a apreciação de matéria de direito. Não pode considerar-se que o prazo de
15 dias contados, no caso, desde a data de admissão do recurso interposto
corresponda a lapso de tempo curto que por si implique um encurtamento
inadmissível das possibilidades de defesa do arguido, mesmo tendo em conta que o
asseguramento efectivo dessas possibilidades de defesa passará pela audição das
cassetes e pela preparação, estudo e elaboração da alegação de recurso, com as
referidas especificações. E uma tal situação muito menos será susceptível
razoavelmente de acontecer numa situação, como é a dos autos, em que são apenas
4 (quatro) as cassetes a ouvir (como o arguido refere nas suas alegações de
recurso para o STJ – fls. 677) e em que o arguido não contesta que tenha tido
desde o início do prazo a possibilidade do acesso às gravações. De resto, na
ponderação a efectuar sobre se o prazo estabelecido pelo legislador obsta à
satisfação das referidas exigências constitucionais não se vê que razoavelmente
possa considerar-se, ao contrário do alegado pelo recorrente, que a motivação de
um recurso relativo ao julgamento da matéria de facto seja, por regra, mais
complexa e que exija maior dispêndio de tempo do que o estudo de questões de
direito: como em tudo no que é vida, haverá casos e casos, não tendo a posição
do recorrente o valor de qualquer verdade axiomática. Por outro lado, as
eventuais divergências que na prática possam acontecer na numeração das voltas
das cassetes conforme o equipamento de gravação/reprodução de som que seja
utilizado, de que fala o recorrente, não são de ponderar pelo Tribunal
Constitucional para ajuizar do respeito pelo alegado parâmetro constitucional do
art.º 32º, n.º 1, da CRP, porque têm que ver não com o critério normativo sob
sindicância constitucional mas antes com o grau de idoneidade ou fiabilidade
técnica daqueles instrumentos poderem garantir, com um total grau de certeza, a
realização das prestações que são próprias da sua construção tecnológica. A
avaliação da possibilidade de uma tal deficiência caberá, todavia, ao legislador
ordinário dentro da escolha dos meios que faz para prosseguir as finalidades que
se propõe, “salvo, obviamente, na estrita medida em que algum ou alguns desses
princípios de eficiência e utilidade sejam directamente tutelados pela própria
Lei Fundamental, que desta forma os eleva a parâmetro da solução legislativa”
(cf. Acórdão n.º 236/00, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de
Novembro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp. 269).
Ora, mesmo admitindo que essa divergência possa ainda ter significado dentro da
garantia do asseguramento real das garantias de defesa, na estrita medida em que
se poderá colocar com base nos elementos de facto constantes de certas voltas
das cassetes questões probatórias ao tribunal ad quem, não se vê que o risco de
acontecimento de uma eventual divergência de leitura de voltas da cassete não
possa ser obviada mediante o recurso a expressões de localização como a citação
dos nomes ou a reprodução de parte do discurso ou facto que aí constem, a
efectuar no tempo da elaboração da motivação do recurso, donde se poderá
concluir não ser o prazo peremptório de 15 dias inadequado ou desproporcionado
para permitir todos os meios de defesa ao arguido.
6 – Sustenta ainda o recorrente que a norma sindicada ofende o princípio da
igualdade consagrado no art.º 13º da CRP, porquanto, ao contrário do que sucede
no processo penal segundo a interpretação aplicada na decisão recorrida, no
processo civil se prevê um acréscimo do prazo estabelecido para alegações em 10
dias “se o recurso tiver por objecto a reapreciação de prova gravada”.
É sabido que o princípio constitucional da igualdade, entendido como limite
objectivo da discricionaridade legislativa, não veda à lei a realização de
distinções. Proíbe-lhe sim é a adopção de medidas que estabeleçam distinções
discriminatórias ou seja, de desigualdades de tratamento materialmente
infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação
objectiva e racional, como sejam as diferenciações de tratamento fundadas em
categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente,
no n.º 2 do artigo 13º da Lei Fundamental (diferenciações baseadas na
ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social).
Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio
vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (cfr., por
todos, o recente Acórdão n.º 232/03, publicado no Diário da República, I-A
Série, de 17 de Junho de 2003).
Ora, a primeira questão que poderá colocar-se é a de saber se será possível
isolar, seccionando-o para confronto com outro, um determinado ponto do regime
jurídico dentro do que globalmente regula certa área material do direito. A
propósito de um alegado confronto de regimes entre o processo civil e o processo
penal (no caso a extensão do dever legal de fundamentação), escreveu-se no
Acórdão n.º 422/99, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de
Novembro:
«[...] suposto que, como sustenta a recorrente, do princípio do Estado de
direito decorra uma “harmonização do sistema jurídico” em termos de levar à
consagração de soluções legais idênticas quando exista alguma similitude de
situações, isso, certamente, não pode significar que essa harmonização conduza
ineludivelmente a que os diversos corpos de leis adjectivos tenham de consagrar
soluções iguais, designadamente no que tange ao processo civil e ao processo
criminal.
Na verdade, as prescrições tendentes à adjectivação não podem desligar-se da
diversidade de institutos jurídicos de cariz, quantas vezes acentuadamente
diferenciado, que pautam, verbi gratia, o direito civil, o direito penal e o
direito administrativo, pelo que as soluções decorrentes dessa adjectivação
podem, e muitas vezes até devem, ser diferentemente perspectivadas, até tendo em
conta preceitos, princípios e garantias que a própria Constituição impõe que
sejam observados em determinados ramos de direito. Seria, por exemplo, incurial
e contrário à Lei Fundamental que no processo criminal se estabelecessem ónus
probatórios a cargo do arguido, provas por confissão, sancionamentos
cominatórios penais ou presunções de responsabilidade ou culpabilidade criminal,
o mesmo já se não podendo dizer se um tal estabelecimento decorrer da lei
processual civil, ao adjectivar as formas de tutela do incumprimento de
obrigações civis.».
Ora, como acima se expôs, decorre do art.º 32º, n.º 2, da CRP, uma
garantia de que o arguido “deve ser julgado no mais curto prazo compatível com
as garantias de defesa”. O legislador do processo criminal não pode deixar de
dar cumprimento a tal injunção constitucional na fixação dos prazos cujo
estabelecimento se revele necessária dentro da respectiva tramitação processual
cuja conformação está, de resto, subordinada a diversos princípios e garantias
constitucionais que integram a denominada “Constituição processual penal”,
constante, essencialmente, do art.º 32º da CRP, onde avultam os princípios do
asseguramento de todas as garantias de defesa, do contraditório, do acusatório,
da jurisdicionalidade de todas as medidas restritivas de direitos fundamentais,
da presunção de inocência, etc. A celeridade processual tem, no processo penal,
uma fonte e intensidade constitucional diferente da que concerne à defesa de
outros direitos, à qual se refere o n.º 4 do art.º 20º da CRP e que foi
introduzido na revisão constitucional de 1997 para “dar resposta à necessidade
sentida – no âmbito do direito a uma tutela judicial efectiva que se traduz,
designadamente, no direito a um processo justo baseado nos princípios da
prioridade e da sumariedade – de uma protecção adequada ao exercício de certos
direitos (p. ex. o direito de reunião contra uma proibição policial) de modo a
impedir que a sua ofensa se torne irreversível (palavras do Acórdão n.º 212/00,
publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Outubro de 2000, e Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 47º, vol. pp. 165).
Sendo assim, não poderá sustentar-se existir uma situação jurídica
igual do ponto de vista material ou substancial que justifique que no processo
penal haja de valer o referido acréscimo do prazo previsto no processo civil. A
especificidade que vigora no processo penal quanto ao tempo em que o direito do
arguido a ser julgado definitivamente deve ser satisfeito constitui fundamento
racional bastante para justificar a diferença de regimes.
7 – Defende, por fim, o recorrente que a interpretação do art.º
411º, n.º 1 (e n.º 3), do CPP no sentido de não envolver, no prazo aí
estabelecido, também o acréscimo de 10 dias contemplado no n.º 6 do art.º 698º
do CPC viola o princípio da presunção de inocência, pois dele derivaria que se
deveria optar pelo regime mais favorável.
Desde já importa notar que a colocação da questão tal como é posta
pelo recorrente só teria algum sentido, mesmo pressupondo que o princípio da
presunção de inocência vale fora do domínio da apreciação das provas, se o
acórdão recorrido tivesse fixado a dimensão normativa que aplicou com base na
utilização de qualquer instrumento jurídico que determinasse que as dúvidas
interpretativas deveriam ser resolvidas em certo sentido. Mas não foi isso o que
aconteceu: o acórdão recorrido determinou, bem ou mal não importa aqui
considerar, o sentido do preceito que aqui se questiona de forma assertórica,
não o inferindo da aplicação de qualquer regime de presunção.
Mesmo conferindo ao princípio da presunção de inocência afirmado no
art.º 32º, n.º 2, da CRP um sentido normativo fundamental situado fora do
estrito campo da avaliação das provas em processo penal, este mais
impressivamente transportado pelo princípio denominado de in dubio pro reo, -
qual seja o de que esse princípio “representa (hoje) sobretudo um acto de fé no
valor ético da pessoa, próprio de toda a sociedade livre” e que “esta atitude
tem consequências para toda a estrutura do processo penal que, assim, há-de
assentar na ideia força de que o processo deve assegurar todas as necessárias
garantias práticas de defesa do inocente e não há razão para não considerar
inocente quem não foi ainda solene e publicamente julgado culpado por sentença
transitada”, donde “resultariam muitas outras consequências, como de que todo o
acusado tem o direito de exigir prova da sua culpabilidade no seu caso
particular, a comunicação ao acusado, em tempo útil, de todas as provas contra
ele reunidas a fim de que possa preparar eficazmente a sua defesa, o dever do
Ministério Público de apresentar em tribunal todas as provas de que disponha,
etc.(cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 2000, p. 82;
vide também Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, pp. 64-68)
– o certo é que não se poderá dizer, pelas razões já atrás aduzidas, que o prazo
peremptório de 15 dias para o recorrente motivar o recurso seja desrazoável ou
desporporcionado para o asseguramento real e efectivo das garantias de defesa de
uma pessoa tida como inocente, aqui consubstanciadas essencialmente, no
exercício do direito de contraditório, em sede de recurso, das provas produzidas
em julgamento e do juízo valorativo que sobre elas efectuou o tribunal”.
Reitera-se aqui esta argumentação, que responde, na sua essência, ao problema
de constitucionalidade resultante dos autos.
8 – Contudo, para além do que vai referido nesse aresto, importa ainda focar
dois aspectos complementares.
Alegando a Recorrente que só teve acesso às cassetes passados 7 (sete) dias
da decisão do tribunal de 1.ª instância, cumpre apurar se o critério normativo
seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça padece, ou não, de
inconstitucionalidade por mor da violação do disposto nos artigos 20.º, 32.º e
202.º da Constituição.
Vejamos.
Como se deixa transparecer na decisão recorrida, não subsiste qualquer dúvida de
que do mesmo passo que aí se considerou peremptório o prazo estabelecido no
artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, também se admitiu a existência
de “uma válvula de segurança em caso de impossibilidade de interposição do
recurso – ou da prática de qualquer outro acto processual – no prazo normal,
mediante recurso às regras do justo impedimento consagradas no artigo 107.º, n.º
5, do CPP (...)” – como, de resto, se ressalva no mencionado Acórdão de
uniformização, onde se consigna expressamente que “em caso de demora na
disponibilidade das cópias, o interessado sempre disporá da faculdade de invocar
justo impedimento”.
Ora, o resultado decorrente da conjugação destes vectores é suficiente para, no
respeito pelas garantias de defesa dos arguidos, assegurar que, apesar do início
do curso de um prazo peremptório, fiquem salvaguardadas as situações em que o
acesso tardio às gravações possa – ou deva – considerar-se impeditivo da
apresentação do recurso no prazo legal, subsistindo assim a possibilidade de
suspensão do termo do prazo, desde que, para tal, se invoque e comprove um
“justo impedimento”.
E, por esta via, a Recorrente sempre tinha a possibilidade de submeter ao
Tribunal uma apreciação dos factos que invocou para concluir que não lhe era
exigível o cumprimento do prazo de 15 (quinze) dias fixado pelo artigo 411.º,
n.º 1, do Código de Processo Penal.
Em segundo lugar, mesmo sem se considerar a intervenção da figura do justo
impedimento, sempre há importa aqui consignar que o prazo de interposição de
recurso de 15 (quinze) dias – reduzidos a 8 (oito) na parte relativa a matéria
de facto –, atentas as exigências resultantes da motivação a ser apresentada
dentro desse prazo, não pode ter-se por violadora do direito de acesso aos
tribunais e, particularmente, das garantias de defesa do arguido.
Na verdade, como diz o Supremo Tribunal de Justiça no aresto supra mencionado,
“a motivação em processo penal (...) constitui, quando bem interpretada a sua
função e finalidade processual, apenas uma delimitação do objecto do recurso e a
enunciação dos fundamentos do recurso objecto de intervenções posteriores, seja
nas alegações na audiência seja, quando o recorrente o requeira, em alegações
escritas”.
Por outro lado, não pode olvidar-se que quando em 1998, com a reforma do
processo penal, se permitiu o recurso em matéria de facto tendo por base o
suporte das provas gravadas, foi de 5 (cinco) dias apenas o “acréscimo” do prazo
de interposição de recurso constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal.
Esse alargamento, embora não assuma qualquer significado ao nível da concreta
“gestão” dos prazos de interposição de recursos, reflecte, a partir do id quod
plerumque accidit, uma ponderação legislativa de suficiência em face das
exigências do recurso.
Ora, é claro que, em determinados casos concretos, poderá suceder que o prazo de
interposição de recurso seja insuportavelmente curto para que a prática desse
esse acto fosse exigível até ao limite dos 15 (quinze) dias, o que, como tal,
configura uma situação de justo impedimento.
Porém, mesmo em tais circunstâncias, é manifesto que a Constituição não impõe
uma aplicação “analógica” do regime constante do Código de Processo Civil, mas
tão-só que se tenha por suspenso o termo do prazo peremptório de forma a
possibilitar-se a prática do acto.
A isto acresce, por fim, não poder invocar-se um total desconhecimento do
material fáctico a controverter em recurso, porquanto, o recorrente tem, desde o
início do prazo de interposição, com a notificação da decisão de que pretende
recorrer, conhecimento dos factos dados como provados e não provados e a
respectiva valoração que lhes está associada, dispondo, a partir do momento em
que tem acesso às gravações, de uma margem temporal razoável que pode afectar
exclusivamente ao confronto das gravações – constantes, no caso concreto, de 4
(quatro) cassetes – com o teor de uma decisão que lhe é integralmente conhecida.
Improcede, pois, a violação dos parâmetros constitucionais que o Recorrente
imputa à norma sindicanda.
C - Decisão
9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar
provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos