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Processo n.º 377/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., agente da PSP, interpôs recurso contencioso, perante o
Tribunal Central Administrativo (TCA), contra o despacho do Secretário de Estado
da Administração Interna, de 26 de Outubro de 2001, que negou provimento ao
recurso hierárquico que interpusera do despacho proferido pelo Comandante-Geral
da PSP que lhe aplicou a pena disciplinar de 60 dias de suspensão.
2 – O Tribunal Central Administrativo julgou procedente o recurso
contencioso, por prescrição do procedimento disciplinar, e anulou o acto
administrativo recorrido.
3 – Desta decisão, aquele membro do Governo interpôs recurso
jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), pedindo a sua
revogação e a improcedência do recurso contencioso, tendo a autoridade
recorrente e o recorrido sido notificados do despacho do relator, no TCA, que
admitiu aquele recurso jurisdicional.
4 – Por acórdão de 15 de Dezembro de 2004, o STA concedeu provimento
ao recurso jurisdicional, revogou o acórdão recorrido e ordenou a baixa dos
autos ao TCA para conhecimento de matérias não apreciadas.
5 – Notificado da prolação deste acórdão, A. veio, perante o STA,
“arguir a nulidade de todo o processado após a notificação do despacho que
admitiu o recurso interposto pelo Secretário de Estado da Administração Interna”
do acórdão do TCA, pretextando que não fora notificado das alegações
apresentadas pelo recorrente e que a omissão dessa notificação violava o
princípio do contraditório consagrado no art.º 3º do Código de Processo Civil
(CPC) e consubstanciava uma nulidade processual, nos termos do art.º 201º do
CPC, e que “o art.º 106º da LPTA, interpretado no sentido de que o recorrido não
tem de ser notificado das alegações apresentadas pelo recorrente, para além de
violar o já citado princípio do contraditório, é inconstitucional por violação
dos art. 13º e 20º, n.º 4, da CRP”.
6 – O STA, através do acórdão agora recorrido, indeferiu a arguição
de nulidade, abonando-se nas seguintes considerações:
«Antes do mais, consignaremos que, se o reclamante tivesse razão quanto à
necessidade da notificação supostamente omitida, estaríamos perante uma nulidade
vera e própria, já que a consequente falta da contra-alegação seria susceptível
de influir no exame e na decisão da causa (cf. o art. 201º, n.º 1, do CPC).
Sendo assim, e ao contrário do que diz a autoridade reclamada, a arguição em
apreço assume-se como a denúncia de uma omissão potencialmente causadora de uma
nulidade processual, restando ver se esta efectivamente existe.
Tendo em conta o que se estatuiu no art. 6º, nº 1, al. e) do DL nº 329-A/95, de
12/12, o art. 106º da LPTA - incluído no capítulo referente aos recursos de
decisões jurisdicionais - dispõe que «é de 30 dias o prazo para apresentação das
alegações, a contar, para o recorrente, da notificação do despacho de admissão
do recurso e, para o recorrido, do termo do prazo do recorrente, salvo o
disposto para os recursos urgentes». Esta norma, na medida em que assim
determina o «dies a quo» do prazo do recorrido, diferencia-se da solução,
entretanto consagrada com alcance genérico no art. 743º, nº 2, do CPC, de fazer
contar esse prazo «da notificação da apresentação da alegação do agravante».
Ora, a referida redacção do art. 743º, nº 2, embora se apresente como «Iex
posterior», não prevalece sobre o texto inserto no art. 106º da LPTA, já que
este preceito constitui lei especial (cfr. o art. 7º, nº 3, do Código Civil).
Aliás, esta é a jurisprudência do STA na matéria, como se vê, v.g., dos acórdãos
de 16/3/2000 e de 11/1/01, respectivamente proferidos nos recursos nºs 43.432 e
46.395. Portanto, soçobra a pretensão de agora se considerar que o aludido art.
106º deixara de reger neste domínio, aplicando-se, na sua vez, o estatuído no
art. 743º, nº 2, do CPC.
Restaria a hipótese de se justificar que se desaplicasse o mesmo art. 106º por
ele enfermar de inconstitucionalidade material. E é isso que o reclamante
defende, argumentando que a aplicação do art. 106º lhe causou o prejuízo
processual resultante de não ter recebido uma cópia da alegação de recurso - ao
invés do que sucederia, «ex vi» do art. 152º, nº 2, do CPC, se acaso se tivesse
aplicado o mecanismo previsto no art. 743º, nº 2, do CPC.
Todavia, é patente que a mera circunstância de o art. 106º da LPTA não prever
que a alegação do recorrente seja notificada ao recorrido não contende com o
princípio da igualdade ou com a natureza equitativa do processo. Embora o
preceito obrigue qualquer recorrido a um maior grau de diligência, tal não o
discrimina relativamente à parte adversa nem constitui um atentado ao núcleo
essencial dos seus direitos processuais - como logo sugere o simples facto de
essa solução ter pacificamente vigorado, anos a fio, no direito processual
português («vide» a redacção pretérita do art. 743º do CPC). Concede-se que o
art. 106º, ao afastar a notificação em causa, é menos cómoda para os recorridos
do que aquela que agora resulta do estatuído no art. 743º. Mas, e no que
respeita ao direito adjectivo, as questões de inconstituciona1idade põem-se numa
escala diferente da que concerne ao grau de placidez ou conforto, tendo antes a
ver com impossibilidade de fazer valer as próprias razões ou com a inadmissível
subalternidade em que uma das partes seja colocada relativamente à outra.
Ora, o reclamante, ainda que com algum prejuízo da sua comodidade, podia ter
consultado o processo e então obter a cópia da alegação de recurso, assim
ficando em condições de perfeitamente contra-alegar. Se o não fez, «sibi
imputet». Portanto, ele não pode atribuir ao art. 106º da LPTA um
desconhecimento que meramente adveio da sua conduta negligente, pois a aplicação
do preceito de modo algum excluía que o reclamante contraditasse, com perfeita
igualdade de armas, o alegado pelo recorrente e assim contribuísse, num
equilíbrio equitativo, para o desfecho do recurso jurisdicional.
Nesta conformidade, o art. 106º da LPTA não ofende os princípios constitucionais
que o reclamante invoca ou os artigos 13º e 20º, nº 4, da CRP, por ele citados.
E, não se justificando que afastemos a realizada aplicação daquela norma,
segue-se que não existiu a nulidade processual que vem invocada, razão por que a
presente arguição tem de ser desatendida.
Nestes termos, acordam em indeferir o presente requerimento de arguição de
nulidade».
7 – Desta decisão, o requerente interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, pretendendo a apreciação da
inconstitucionalidade do “art.º 106º da LPTA na parte em que estabelece que o
prazo para a apresentação das alegações por parte do recorrido se conta do termo
do prazo do recorrente, sem necessidade da notificação ao recorrido da
apresentação das alegações daquele”, sustentando que tal interpretação viola os
princípios constitucionais da igualdade, do contraditório e do direito a um
processo equitativo, por violação dos art. 13º e 20º, n.º 4, da CRP.
8 – Alegando, no Tribunal Constitucional, sobre o objecto do
recurso, o recorrente concluiu o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:
«A)- Vem o presente recurso interposto do Acórdão que indeferiu o
requerimento de arguição de nulidade deduzido pelo ora recorrente, no qual este
suscitou a inconstitucionalidade do art. 106º da LPTA, na parte em que
estabelece que o prazo para apresentação das alegações por parte do recorrido se
conta do termo do prazo do recorrente, sem necessidade da notificação ao
recorrido da apresentação das alegações daquele, por violação dos princípios
constitucionais da igualdade, do contraditório e do direito a um processo
equitativo e por violação dos artºs 13º e 20º, nº 4, da C.R.P.;
B)- Salvo o devido respeito, afigura-se que o Acórdão recorrido não fez
correcta interpretação e aplicação das normas e princípios legais atinentes;
C)- O art. 106º L.P.T.A., na medida em que determina que o prazo para o
recorrente apresentar as suas alegações se inicia coma notificação do despacho
que admite o recurso, faculta ao recorrente saber com exactidão a data em que se
inicia e a data em que termina tal prazo;
D)- Tal faculdade não é, todavia, concedida ao recorrido pela mesma
norma legal: o recorrido, porque não é notificado da data em que o recorrente
foi notificado da admissão do recurso, não sabe com exactidão a data em que se
inicia e a data em que termina o prazo para apresentar as suas alegações;
E)- A aplicabilidade do art. 106º da L.P.T.A. redunda numa situação de
desvantagem do recorrido em relação ao recorrente no que respeita à contagem e
controlo do prazo para apresentar as suas alegações, circunstância que é
claramente violadora dos princípios constitucionais da igualdade e do direito a
um processo equitativo e dos artºs. 13º e 20º, nº 4, da C.R.P.;
F)- Por outro lado, a falta de notificação ao ora recorrente das
alegações apresentadas pelo agora recorrido viola o princípio do contraditório
consagrado no art. 3º do C.P.C., o princípio da igualdade consagrado no art. 13º
da C.R.P. e o direito - consagrado no art. 20º, nº 4, da C.R.P. - a um processo
equitativo;
G)- Na verdade, o ora recorrente, porque não foi notificado as alegações
apresentadas pelo agora recorrido e, portanto, porque desconhecia quais os
fundamentos que motivaram o recurso por este interposto, não pôde contraditar
tais fundamentos, defendendo a bondade da decisão posta em crise com os
argumentos dela constante ou acrescentando outros;
H)- O princípio do contraditório é um dos princípios basilares do
direito processual português e exige que nenhuma questão de direito ou de facto
possa ser decidida sem que às partes seja dada a possibilidade de sobre ela se
pronunciarem;
I)- O princípio da igualdade e o direito a um processo equitativo
pressupõem e exigem que as partes disponham de igualdade de armas no dirimir de
um conflito em juízo, o que não sucedeu no presente caso;
J)- Nem se diga em contrário que o agora recorrente sempre poderia ter
conhecimento das alegações do ora recorrido, mesmo não sendo delas notificado se
se deslocasse ao Tribunal, já que tal solução exigiria que, por um lado, o
mandatário judicial do ora recorrente estivesse constantemente em contacto com o
tribunal para saber se e quando haviam sido apresentadas as alegações e, por
outro, que o mesmo mandatário - cujo domicílio profissional se situa na comarca
de Vila Nova de Famalicão - percorresse mais de 300 Km para ter acesso a tais
alegações;
L)- A norma do art. 106º da L.P.T.A., na parte em que estabelece que o
prazo para apresentação das alegações por parte do recorrido se conta do termo
do prazo do recorrente, sem necessidade da notificação ao recorrido da
apresentação das alegações daquele, é, pois, inconstitucional por violar os já
referidos princípios do contraditório (consagrado no art. 3º do C.P.C.), da
igualdade (consagrado no art. 13º da C.R.P.) e o direito a um processo
equitativo (consagrado no art. 20º, nº 4, da C.R.P., pelo deve ser declarada a
inconstitucionalidade da mesma.
M)- Tal disposição legal deve, aliás, considerar-se tacitamente revogada
pelo art. 743º do C.P.C., com a redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei
329-A/95, de 12/12.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento
ao presente recurso e, em consequência, ser declarado inconstitucional o art.
106º da L.P.T.A., na parte em que estabelece que o prazo para apresentação das
alegações por parte do recorrido se conta do termo do prazo do recorrente, sem
necessidade da notificação ao recorrido da apresentação das alegações daquele,
com as legais consequências».
9 – A autoridade recorrida contra-alegou, defendendo o juízo de não
inconstitucionalidade, feito pela decisão recorrida.
B – Fundamentação
10 – Antes de mais, cumpre notar que não cabe nos poderes do
Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a questão de saber se o art.º 106º
da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) deve ter-se por
tacitamente revogado, em face do disposto no art.º 743º do CPC, na redacção dada
pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, por a interpretação desse preceito,
tida como vigente pela decisão agora recorrida, se tratar de um dado, enquanto
objecto do recurso constitucional.
Dispõe o artigo 106º da LPTA, sobre a epígrafe “Alegações”:
“É de 20 dias o prazo para apresentação das alegações, a contar,
para o recorrente, da notificação do despacho de admissão do recurso e, para o
recorrido, do termo do prazo do recorrente, salvo o disposto para os recursos
urgentes”.
Fazendo aplicação do estatuído no art.º 6º, n.º 1, alínea e) do
Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, o acórdão recorrido considerou que tal
preceito dispõe, hoje, pelo seguinte modo: “É de 30 dias o prazo para
apresentação das alegações, a contar, para o recorrente, da notificação do
despacho de admissão do recurso e, para o recorrido, do termo do prazo do
recorrente, salvo o disposto para os recursos urgentes”.
É, pois, o preceito actualizado nestes termos pela decisão recorrida
que, na dimensão normativa concretizada pelo recorrente, constitui objecto do
recurso constitucional.
O recorrente sustenta que a norma questionada, além de violar o
princípio do contraditório consagrado no art.º 3º do CPC, sofre de
inconstitucionalidade, por ofender os princípios constitucionais da igualdade e
do direito a um processo equitativo e os artigos 13º e 20º, n.º 4, da CRP.
Considerada a norma em tais termos não poderá deixar de concluir-se
não ocorrer qualquer violação do princípio da igualdade processual, enquanto
corolário do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição.
A uma tal solução, - e sindicando a norma aqui em causa na acepção
de o prazo para as alegações e contra-alegações ser único para todos os
recorrentes e não prazos sucessivos – chegou já o Ac. 20/96, publicado no Diário
da República II Série, de 16 de Maio de 1996, e BMJ, 453º, p. 74.
Como o Tribunal tem repetidamente afirmado (cf. sobre a sua
compreensão e uma recensão do seu tratamento na doutrina e na jurisprudência, o
Acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Julho
de 2003), o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13º
da Lei Fundamental, tem como fundamento a igual dignidade social de todos os
cidadãos. São três as dimensões que o princípio convoca: (a) a proibição do
arbítrio, que torna inadmissível a diferenciação de tratamento sem qualquer
justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios objectivos de
relevância constitucional, e afastando também o tratamento idêntico de situações
manifestamente desiguais; (b) a proibição de discriminação, impedindo
diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se baseiem em categorias
meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; (c) e a obrigação de
diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de oportunidades,
que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de
natureza social, económica e cultural (cf. neste sentido, J. J. Gomes Canotilho
e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Coimbra Editora, Coimbra,
1993, pp.127, ss, bem como, entre muitos, o Acórdão n.º 68/97, publicado em ATC,
36º vol., 1997, pp. 259 e ss, o Acórdão n.º 77/01, publicado em ATC, 49º vol.,
2001, pp. 277 e ss, o Acórdão n.º 402/01, publicado em ATC, 51º vol., 2001, pp.
165 e ss, e o Acórdão n.º 202/02, publicado em ATC, 53º vol., 2002, pp. 223 e
ss).
Importa, por outro lado, dizer que o Tribunal Constitucional tem
considerado, reiteradamente, que o princípio da igualdade só é violado quando o
legislador trate diferentemente situações que são essencialmente iguais, não
proibindo diferenciações de tratamento quando estas sejam materialmente fundadas
(v.g., o Acórdão n.º 39/88, publicado no DR I Série, de 3 de Março de 1988, os
Acórdãos n.º 68/97 e n.º 202/02, já mencionados, ou o Acórdão n.º 177/99,
publicado in ATC, 43º vol., 1999, pp. 109 e ss).
A este respeito, diz-se no Acórdão n.º 39/88:
«A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional.
Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a
situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas
proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, «reconduz-se, na sua
essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade» – acentua
Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de
1972, p. 29).
O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções.
Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento
sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação
razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E
proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas
em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas,
exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º.
Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para
estabelecer tratamentos diferenciados.
O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só
é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de
tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material
bastante».
No domínio da legislação processual, o princípio da igualdade
afirma-se através do princípio da igualdade de armas e do princípio do
contraditório, sendo consubstanciados na faculdade de qualquer das partes, em
condições de rigorosa igualdade, «poder deduzir as suas razões (de facto e de
direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e
discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras» (cf., além dos
referidos e entre muitos, os Acórdãos n.º 516/93, n.º 497/96, n.º 249/97, n.º
608/99, n.º 601/04, publicados no Diário da República II Série, respectivamente,
de 19 de Janeiro de 1994, 17 de Julho de 1996, 17 de Maio de 1997, 16 de Março
de 2000, 25 de Novembro de 2004 e n.º 452/04, este disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Face a esta compreensão da norma impugnada, verifica-se que tanto o
recorrente como o recorrido estão numa situação de perfeita igualdade, dado que
para ambos o prazo para alegar é de 30 dias e que ambos têm o conhecimento do
seu “dias a quo” em face do que resulta directamente na lei, como, no que
importa ao acesso às alegações de cada um, pois ambos têm de as obter,
directamente, no tribunal, onde são apresentadas.
Deste modo, há que concluir que não se verifica a alegada violação
do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13º da CRP.
E também não ocorre a alegada violação do direito fundamental de
acesso aos tribunais, na sua dimensão de direito a um processo equitativo e
justo, reconhecido no n.º 4 do art.º 20º da Lei fundamental – de um due process
of law.
Na verdade, como decorre da disciplina jurídica dos assinalados
aspectos, as partes encontram-se, relativamente a eles, numa posição de
igualdade substancial quanto à possibilidade de defesa, em via de recurso,
perante tribunal imparcial e independente, dos seus direitos ou interesses
legítimos que são objecto do pleito, bem como no que concerne ao direito de
contraditório no processo.
Argumenta, ainda, o recorrente que a solução normativa adoptada pelo
acórdão recorrido obriga a que o seu mandatário judicial tivesse de estar
constantemente em contacto com o tribunal para saber se a contraparte apresentou
as alegações e, por outro lado, tivesse de deslocar-se mais de 300 Km. para as
obter.
Mas a tal ónus sujeitou, igualmente, o legislador a contraparte,
caso esta queira saber se o recorrido apresentou contra-alegações, deseje obter
a sua cópia e resida à mesma distância ou até superior, pelo que não se vê que a
sua imposição ofenda os princípios da igualdade processual e do direito de
contraditório.
Por outro lado, não se vislumbra, também, que essa exigência
normativa se afigure como desadequada, desproporcionada ou arbitrária (art.º
18º, n.º 2, da CRP) ao exercício do direito de acesso aos tribunais (art.º 20º
da CRP), nas suas dimensões de direito de contraditório e de um processo
equitativo, pois o legislador não pode, do mesmo passo, desconhecer as
exigências postuladas pelo mesmo direito fundamental, de a tutela demandada do
tribunal dever ser concedida em tempo útil (n.º 5 do mesmo artigo), condensadas
na afirmação do princípio da celeridade processual, pelo que tem de
reconhecer-se que a sua eleição se contém dentro da liberdade
normativo-constitutiva do legislador ordinário, não merecendo, a este título,
censura constitucional.
É certo que o legislador optou por uma outra solução, no domínio dos
recursos de apelação e de agravo, de processo civil (cf. arts. 698º, n.º 2 e
743º, n.º 1, do CPC), onde o prazo para contra-alegar se conta da notificação da
apresentação da alegação do recorrente.
Mas daí não decorre, ao contrário do que sustenta o recorrente, que
o regime dos recursos em contencioso administrativo deva ser igual.
Como se diz no Acórdão n.º 422/99, publicado Diário da República II Série, de 29
de Novembro de 1999, “[…] as prescrições tendentes à adjectivação não podem
desligar-se da diversidade de institutos jurídicos de cariz, quantas vezes
acentuadamente diferenciado, que pautam, verbi gratia, o direito civil, o
direito penal e o direito administrativo, pelo que as soluções decorrentes dessa
adjectivação podem, e muitas vezes até devem, ser diferentemente perspectivadas,
até tendo em conta preceitos, princípios e garantias que a própria Constituição
impõe que sejam observados em determinados ramos de direito. Seria, por exemplo,
incurial e contrário à Lei Fundamental que no processo criminal se
estabelecessem ónus probatórios a cargo do arguido, provas por confissão,
sancionamentos cominatórios penais ou presunções de responsabilidade ou
culpabilidade criminal, o mesmo já se não podendo dizer se um tal
estabelecimento decorrer da lei processual civil, ao adjectivar as formas de
tutela do incumprimento de obrigações civis” (cf., entre outros, na mesma linha,
os Acórdãos, n.º 236/00, publicado in Diário da República II Serie, de 2 de
Novembro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., p. 269, e n.º
162/05, disponível em www.tribunalconstitucional/pt).
Competindo ao contencioso administrativo “o julgamento das acções e recursos
contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações
jurídicas administrativas e fiscais” (art.º 212º, n.º 3, da CRP), há-de
reconhecer-se ao legislador a liberdade normativo-constitutiva, desde que se
mova dentro dos parâmetros constitucionais, de recortar a tramitação processual
pelo jeito que se lhe afigure corresponder ao melhor modo de se poder obter uma
tutela jurisdicional plena e eficaz dos direitos decorrentes de tais relações
jurídicas, de natureza bem diversa das que são objecto do processo civil,
mormente no que tange à celeridade, quanto ao seu reconhecimento, postulada pelo
facto de estarem em causa direitos e interesses de natureza pública.
A norma impugnada cabe nesse espaço de liberdade do legislador.
C – Decisão
12 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar
provimento ao recurso e condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de
justiça em 20 UCs.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2005
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos