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Procº nº 448/96 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrentes A. e B. e como recorridos C. e empresa seguradora D., pelo essencial dos fundamentos constantes da Exposição do relator de fls.
585-593 - os quais não foram abalados pela resposta dos recorrentes, que insistiram em que 'o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, do qual agora se recorre viola em si, além do mais, de maneira deliberada, a norma consagrada no artigo 24º da Constituição, norma essa que a sentença do Tribunal de Cascais expressou merecer protecção', continuando, assim, a imputar a inconstitucionalidade à própria decisão judicial -, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar os recorrentes em custas, fixando-se a taxa de justiça em quatro Unidades de Conta.
Lisboa, 08 de Outubro de 1997 Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 448/96 Rel. Cons. Alves Correia
Exposição nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de
7 de Setembro):
1. No dia 28 de Maio de 1989, C. atropelou mortalmente E., na Avª. ............ em .............., tendo provocado também graves lesões em F..
Acusado de homicídio negligente, C. veio a beneficiar da amnistia prevista na alínea p) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 15/94, de 11 de Maio, por a mulher do falecido, por si e em representação do filho, lhe ter concedido perdão de parte, prosseguindo o processo para conhecimento do pedido cível, nos termos do nº 4 do artigo 7º da mesma lei.
Na audiência de discussão e julgamento, provou-se: que o condutor circulava pela metade esquerda da faixa de rodagem - que tem duas filas de trânsito nesse sentido -; que não circulavam outros veículos nessa faixa; que os peões estavam no eixo da via, isto é, no traço contínuo que separa os sentidos de marcha; que quando avistou os peões nesse local o condutor fez sinais de luzes e buzinou; que nessa altura os peões começaram a correr, procurando completar a travessia, que o condutor se desviou para a direita, procurando passar pela frente dos peões e travou; que no pavimento ficou um rasto de travagem de 16,80 metros até ao local do embate e de 16,70 metros após este. Não se provou que a velocidade do veículo fosse superior a 100Km/hora.
2. Por sentença de 27 de Janeiro de 1994, o Tribunal Judicial de Cascais condenou a empresa seguradora D.., a pagar à mulher e ao filho do falecido um total de 9 mil contos por danos não patrimoniais e pela perda do direito à vida do falecido.
Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, veio este, por Acórdão de 6 de Dezembro de 1995, a conceder provimento ao recurso, revogando a decisão impugnada e absolvendo a seguradora do pedido cível formulado, condenando ainda em custas e na taxa de justiça a assistente e o representado seu filho, entre outras considerações porque 'não vem indicada (nem existe ?) qualquer base para a invocação do tal dever de travar e (ou?) desviar a marcha normal do veículo'.
Inconformados, intentaram os demandantes recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o recurso sido rejeitado, ao abrigo da alínea d) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. Interposta reclamação do despacho de indeferimento do recurso para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi esta desatendida por despacho de 12 de Março de 1996, depois de a conferência do Tribunal da Relação de Lisboa ter confirmado, por Acórdão de 14 de Fevereiro de 1996, o despacho do Desembargador Relator que indeferiu o recurso.
3. Apresentaram então a viúva e o filho do falecido dois recursos para o Tribunal Constitucional: um (a fls. 575), daquela decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que desatendeu a reclamação que lhe dirigiram, e outro (a fls. 574), do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 6 de Dezembro de 1995, que mereceram do Desembargador Relator o seguinte despacho:
'Recebo o recurso interposto por meio de requerimento de fls. 574-575, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo'.
Já neste Tribunal, e ao abrigo do disposto na parte final do nº 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), foram os recorrentes convidados a identificar a decisão de que pretendiam interpor recurso e os restantes elementos nesse artigo referidos. Em resposta, renovaram a pretensão de intentar dois recursos de duas decisões diferentes: um 'recurso da decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não permite que seja admitido o recurso do Acordão da Relação para aquele Venerando Tribunal', 'ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea c) do Estatuto do Tribunal Constitucional', e outro, ao abrigo da alínea b) do mesmo normativo, da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa por este ter omitido 'a aplicação do artigo 24º da C.R.P.', na medida em que entendeu ser 'legítimo violar o Direito à Vida'.
4. Entendo que este Tribunal não deve conhecer dos para si interpostos, desde logo por não satisfazerem os requisitos previstos no artigo
75º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Mesmo com o suprimento determinado já neste Tribunal, tal insuficiência não foi ultrapassada, faltando em ambos a identificação da norma cuja ilegalidade (num caso) e inconstitucionalidade (no outro) se pretende que o Tribunal aprecie.
Além disso, não se verificam nos dois recursos os pressupostos da sua admissibilidade.
4.1. Assim, no que respeita ao recurso do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça - recurso esse interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea c), da Lei do Tribunal Constitucional -, constata-se que a decisão de que se recorre não recusou a aplicação de qualquer norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade, por violação de lei com valor reforçado.
Adiante-se que, no requerimento de interposição deste recurso, foi feita menção à inconstitucionalidade de uma norma: a da alínea d) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
Tal invocação é, porém, desconforme com o tipo de recurso intentado
- que era de legalidade, não de inconstitucionalidade -,sendo pressupostos de tal recurso a formulação na decisão recorrida de um juízo de ilegalidade de uma norma constante de acto legislativo por violação de lei com valor reforçado e a desaplicação ou recusa de aplicação dessa norma com aquele fundamento.
Acrescente-se que a suscitação da inconstitucionalidade da norma da alínea d) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal só foi feita no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, pelo que não se pode considerar ter sido suscitada durante o processo (como sucederia se os recorrentes tivessem suscitado a inconstitucionalidade daquela norma na reclamação do despacho de inadmissão do recurso para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça). Daqui decorre que o recurso também não preencheria os pressupostos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional ( isto no caso de se admitir ter havido lapso na indicação da alínea do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual o recurso foi interposto).
4.2. Em relação ao recurso do acórdão da Relação de Lisboa, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, além de não ter sido identificada a norma cuja inconstitucionalidade este Tribunal deveria apreciar, também se não encontram reunidos os pressupostos necessários à sua admissão (cfr. nº 2 do artigo 76º daquela lei).
Desde logo, não foi suscitada, durante o processo, a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica (no sentido que aquela expressão assumiu na jurisprudência constitucional - cfr. v.g. os Acórdãos nºs.
62/85, 90/85, 94/88 e 318/90, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 31 de Maio de 1985, de 11 de Julho de 1985, de 22 de Agosto de 1988 e de 15 de Março de 1991 - e na doutrina - cfr. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., Coimbra, Almedina, 1993, p.
1057,1058, e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 3º ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1991, p. 449).
Mesmo no próprio requerimento de interposição do recurso para este Tribunal - numa altura já não tida como processualmente idónea para o efeito de o tribunal recorrido ficar a saber que tinha essa questão para resolver e em tempo de sobre ela se poder pronunciar - é a própria decisão judicial que se considera desconforme com a Constituição ['O acórdão recorrido (...) viola as normas e os princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa'; 'A decisão recorrida (...) viola o disposto nos artigos 24º e 25º da Constituição da República Portuguesa e não respeita o preceituado no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa'], não as normas por ela aplicadas. Ora, como ainda recentemente se recordou (cfr., por todos, o Acórdão nº 18/96, publicado no Diário da República, II série, de 15 de Maio de 1996, com indicação de outra jurisprudência), 'o sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade é, tal como vem sublinhando este Tribunal, um sistema de controlo normativo, uma vez que só podem ser objecto de recurso de constitucionalidade as normas jurídicas e não também as decisões judiciais, consideradas em si mesmas'.
5.Em suma - e deixando de lado outras considerações -, certo é que, em relação ao recurso da decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça:
a) não foi identificada, como teria de ser, a norma cuja ilegalidade se pretendia que o Tribunal apreciasse;
b) não houve recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade, por violação de lei com valor reforçado.
Por sua vez, em relação ao recurso do acórdão do Tribunal da Relação:
a) não foi identificada, como teria de ser, a norma cuja inconstitucionalidade se pretendia que o Tribunal apreciasse;
b) não foi suscitada, durante o processo, a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica;
c) a inconstitucionalidade invocada - e só no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade - foi imputada à própria decisão judicial e não a quaisquer normas.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, não deve conhecer-se dos recursos.
7. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos da parte final do nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 25 de Julho de 1997