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Processo nº 156/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio 'apresentar RECLAMAÇÃO para o Tribunal Constitucional nos termos do disposto no artigo 76º nº 4 da L.T.C.', do despacho do Mmº Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, de
27 de Janeiro de 1997, que não admitiu 'o recurso (por ele interposto) para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70 nº 1 al. b) e nº 2 da LTC' dizendo no respectivo requerimento que:
'1. O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Douto Despacho que indeferiu as inconstitucionalidade invocadas pelo arguido no seu requerimento para a abertura da INSTRUÇÃO.
2. As questões levantadas pelo arguido eram pertinentes e tem a ver com direitos, liberdades e garantias que são consagradas em seda da C.R.P. e que tem igualmente acolhimento na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
3. O sagrado direito de um indivíduo se defender de acusações infundadas e com ténue suporte legal, num processo em que são violados preceitos constitucionais e legais quanto à recolha de prova, deve merecer, num Estado de Direito, o acolhimento e a necessária ponderação de quem zela pelo cumprimento das normas constitucionais por parte das autoridades e dos órgãos de poder.
4. O indeferimento deste recurso impede o arguido de ver, em sede própria, analisada a sua posição e se houve ou não violação de normas constitucionais imperativas'.
2. No seu visto, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que, faltando, 'de forma patente, os pressupostos do tipo do recurso que se pretendeu interpor, é evidente que nenhuma censura poderá merecer o despacho que o rejeitou'.
'Não se mostra - diz o Ministério Público - suscitada pelo arguido qualquer questão de inconstitucionalidade de 'normas' (ou 'interpretações normativas'), que hajam sido aplicadas na decisão judicial de que se pretendia recorrer, e que constituam objecto idóneo do recurso de fiscalização concreta, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82: limitou-se, na verdade, o ora reclamante a questionar directamente a 'constitucionalidade' da acusação deduzida nos autos pelo MºPº, alegando a pretensa violação de garantias de defesa (em consequência da omissão de determinadas diligências probatórias) bem como a insusceptibilidade de os factos que lhe são imputados serem subsumíveis ao peculato'.
3. Vistos os autos, cumpre decidir.
O reclamante é arguido, entre outros, nuns autos de instrução pendentes no citado Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e, na data de 20 de Junho de
1996, veio, 'nos termos do disposto no artigo 287º do C.P.Penal, requerer a abertura de INSTRUÇÃO', em extenso requerimento, no qual enunciou, no que aqui pode interessar, inconstitucionalidades e ilegalidades, mas reportando-as sempre ao inquérito e despacho de acusação. Assim, começou por enunciar que 'o papel da acusação deve ser uma função de grande rigor, função essa sublime, pautada pela necessidade da realização da justiça, de defesa da sociedade e de cumprimento dos grandes princípios de defesa da legalidade democrática, mas também das garantias de defesa consagradas na C.R.P. - maxime artigo 32º
(garantias de processo criminal) -, não se tendo, no caso concreto e em relação ao requerente, tais princípios sido respeitados' e que as 'ilegalidades - consubstanciadas na violação dos preceitos constitucionais - e que são tipificadas como nulidades dependentes de arguição (artigo 120º do C.P.P.), não são supríveis por posterior tomada de posição do arguido nos autos-devendo, por violadoras das disposições constitucionais, ser declaradas nulas ab initio', passando, depois, a identificar tais ilegalidades, logo 'no começo da tomada de
declarações ao arguido', para concluir que houve 'omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade material (alínea d) do nº 2 do artigo
120º do C.P.P.' e que 'as garantias de defesa do requerente foram seriamente ameaçadas, com a violação dos artigos 53º e 120º do C.P.P. e artigos 1º, 2º e
32º todos da C.R.P.'.
Ainda sob o título de 'inconstitucionalidades' e 'falta de fundamentação legal', o arguido e ora reclamante debruçou-se sobre vários diplomas legais, sempre em torno do FFD, para concluir que 'face ao enquadramento legal para o FFD, COADS e funcionamento de tais organismos, não houve qualquer violação de preceito legal ou disposição de execução orçamental, não podendo, por não haver lei anterior, ser o arguido acusado da prática de um crime - de peculato - que não possui qualquer conexão com os factos ou com a própria realidade jurídica, pelo que estamos perante a violação de disposições legais imperativas, nomeadamente a do artigo 29º da C.R.P.'.
A abertura da instrução assim requerida foi admitida por despacho do Mmº Juiz a quo, de 4 de Dezembro de 1996, e nesse mesmo despacho foram indeferidas 'as invocadas nulidade e inconstitucionalidade', lendo-se aí o seguinte:
'O arguido invoca (sem arguir expressamente!) uma nulidade consubstanciada na omissão de diligências no inquérito e a inconstitucionalidade da acusação pela prática de um crime que não possui qualquer conexão com os factos 'por não haver lei anterior' (vd. fls. 5394).
Embora não sejam arguidas expressamente cabe decidir desde já da nulidade e da inconstitucionalidade invocadas, atenta a sua manifesta improcedência.
A fiscalização concreta da constitucionalidade em Portugal reporta-se a normas e não a actos judiciais e muito menos a actos do MP, pelo que a invocada inconstitucionalidade de fls. 5390 e 5394 é infundada uma vez que se reporta a um acto (acusação pública) do MP.
No tocante à nulidade invocada, sustenta-se ela na circunstância de o arguido aquando do seu interrogatório não ter sido confrontado com factos e documentos relativos à autorização de pagamentos a funcionários (vd. fls. 5388 e 5389).
O inquérito está sob segredo de justiça (artigos 86º e 89º nº 2 CPP) e cabe ao agente que conduz o interrogatório do arguido nessa fase revelar os documentos e os depoimentos de terceiros que entender, bem como dar a conhecer os factos já apurados que entender. Como é óbvio, quem conduz o dito interrogatório não tem de revelar todo o material probatório já recolhido e os factos já apurados indiciariamente, sob pena de se pôr em perigo a própria investigação criminal.
O interrogatório do arguido (fls. 4041 a 4043) obedeceu ao formalismo da lei. Assim, não há qualquer nulidade do inquérito'.
Desse despacho veio o reclamante interpor recurso de constitucionalidade, expressamente ao abrigo do artigo 70º, nº 1, b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e 'com fundamento na violação do disposto no nº 5 do artigo 120º do CPP', invocando que as 'normas e os princípios constitucionais violados são as constantes dos artigos 1º, 2º e 32º todos da Constituição da República Portuguesa, tendo a questão da sua inconstitucionalidade sido suscitada no requerimento para a abertura da Instrução apresentado pelo recorrente', recurso esse que não foi admitido no despacho ora reclamado, embora sem se referiram quaisquer razões para assim se decidir.
4. Do que fica relatado facilmente se alcança que, como sustenta o Ministério Público, no seu parecer, não foi arguida pelo reclamante nenhuma questão de inconstitucionalidade relativamente a normas legais, nomeadamente a do 'nº 5 do artigo 120º do C.P.P.', que de modo expresso é identificada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, conquanto não exista nesse Código o nº 5 do artigo 120º.
O que fundamentalmente questionou o arguido perante o juizo a quo foi a
'omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade material', apontando 'ilegalidades' no começo e na sequência do inquérito, e foi ainda a falta de fundamento legal da acusação, por não poder, 'por não haver lei anterior, ser o arguido acusado da prática de um crime - de peculato - que não possui qualquer conexão com os factos ou com a própria realidade jurídica'.
Ora, isso não é uma via idónea para a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou de certa interpretação de norma jurídica, requisito este específico do tipo de recurso de constitucionalidade de que se serviu o reclamante ( o do artigo 70º, nº 1, b) da Lei nº 28/82, reproduzido o artigo 280º, nº 1, b) da Constituição: recurso de aplicação em decisões dos tribunais de norma jurídica cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo).
Como acertadamente regista o Mmº Juiz o que a 'fiscalização concreta da constitucionalidade em Portugal reporta-se a normas e não a actos judiciais e muito menos a actos do MP, pelo que a invocada inconstitucionalidade de fls.
5390 e 5394 é infundada uma vez que se reporta a um acto (acusação pública) do MP'.
Tanto basta para concluir que não merece censura a não admissão do recurso de constitucionalidade, como se decidiu secamente no despacho reclamado.
5. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nss custas, com a taxa de justiça fixada em OITO unidades de conta.
Lisboa, 2 de Julho de 1997 Guilherme da Fonseca Fernando Alves Bravo Serra Messias Bento Luís Nunes de Almeida