Imprimir acórdão
Procº nº 309/97.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. A. deduziu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo praticado em 27 de Agosto de 1996 pelo Presidente da Câmara Municipal de Portimão e por intermédio do qual foi ordenada a remoção de um grelhador instalado na esplanada de um restaurante sito na ----------- e de que a requerente é concessionária.
Por decisão de 6 de Novembro de 1996, indeferiu o Juiz daquele Tribunal Administrativo de Círculo o solicitado pedido, o que motivou que a A. da mesma viesse a interpor recurso para a Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.
Na alegação que, para efeitos desse recurso, produziu, não suscitou a então recorrente qualquer questão de inconstitucionalidade referentemente a norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infraconstitucional.
2. Por acórdão lavrado em 28 de Janeiro de 1997, negou o Supremo Tribunal Administrativo provimento ao recurso, dele tendo a então recorrente arguido nulidades, tendo, a dado passo, no requerimento consubstanciador dessa arguição, discreteado assim:-
'..................................................
...................................................
7º A providência cautelar de suspensão da execução dos actos administrativos que lesem interesses dos particulares está, também ela, abrangida pelo princípio constitucional da TUTELA EFECTIVA DO DIREITO CONSAGRADO NO ARTIGO 20º Nº 1 e no artigo 268º Nº 4 e Nº 5, ambos da Constituição, DE AQUELA VER JULGADA, PELOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, A QUESTÃO QUE AOS MESMOS COLOCOU ATRAVÉS DO RECURSO.
8º E a tutela efectiva dos direitos acima referidos só pode ser concretizada se a execução dos actos recorridos não fôr concretizada, NOMEADAMENTE NOS CASOS EM QUE O INTERESSE PÚBLICO NÃO SEJA MINIMAMENTE AFECTADO, COMO É O CASO DO ACTO ADMINISTRATIVO RECORRIDO.
9º Assim, e de acordo com as disposições constitucionais acima referidas, ENTENDE A RECORRENTE QUE, PARA QUE A SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS SEJA DECRETADA, ALÉM DA INEXISTÊNCIA DE GRAVE LESÃO DO INTERESSE PÚBLICO E DA LEGALIDADE DO RECURSO, BASTA APENAS QUE O ACTO ADMINISTRATIVO CAUSE PREJUÍZOS AOS SEUS DESTINATÁRIOS, não importando se tal prejuízo é de fácil ou difícil reparação.
...................................................
...................................................
16º E não se diga que a alínea a) do Nº 1, do artigo 76º da LPTA EXIGE, ALÉM DOS REQUISITOS DAS OUTRAS ALÍNEAS, A VERIFICAÇÃO DE UM PREJUÍZO, PARA O PARTICULAR, DE DIFÍCIL REPARAÇÃO: Tal artigo, constante de um decreto-lei de 1985, tem de ser interpretado de acordo com as normas constitucionais em vigor e, como é sabido, a APÓS A REVISÃO CONSTITUCIONAL DE 1989, ALÉM DE MUITO MAIS EXIGENTE NO QUE RESPEITA À DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, consagrou inequivocamente o da tutela efectiva do direito de o administrado ver, utilmente, julgadas as questões que levou ao tribunal.
17º Pelo que, A DISPOSIÇÃO CONSTANTE DA ALÍNEA a) DO Nº 1 DO ARTIGO 76º DA LPTA, tem de ser interpretada de modo A NÃO RESTRINGIR O DIREITO FUNDAMENTAL DOS ADMINISTRADOS DE, ANTES DE VEREM JULGADAS AS QUESTÕES QUE LEVARAM A TRIBUNAL, NÃO SOFREREM PREJUÍZOS, sejam eles irreparáveis ou não, COM A EXECUÇÃO DE UM ACTO ANTES DO JULGAMENTO DO MESMO.
...................................................
..................................................'
3. Por acórdão de 8 de Abril de 1997, indeferiu o Supremo Tribunal Administrativo a arguição de nulidades suscitada pela então recorrente, e isso porque, em síntese, entendeu que o que por via de tal arguição aquela recorrente pretendia era 'uma alteração do julgado pela adução ou repetição de argumentos a tentar demonstrar a existência de um erro de julgamento, injustiça da decisão ou uma sua desconformidade com o direito aplicável', finalidades essas para as quais o incidente deduzido não podia servir.
Notificada deste último acórdão, fez a A. juntar aos autos requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de recorrer para o Tribunal Constitucional do aresto de 28 de Janeiro de 1997, pretendendo que fosse apreciada a constitucionalidade ou não constitucionalidade da 'norma contida no Nº 1 do artigo 76º da L.P.T.A., nos termos em que foi interpretada'.
4. O recurso não foi admitido por despacho de 6 de Maio de
1997 prolatado pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, justamente com base na consideração de que a ora reclamante não suscitou qualquer questão de constitucionalidade durante o processo.
É desta decisão que a A. reclama para o Tribunal Constitucional, fundada em que a questão de constitucionalidade foi por ela suscitada durante o processo, já que isso sucedeu no requerimento de arguição de nulidades.
Tendo os autos sido submetidos à conferência, o Supremo Tribunal Administrativo manteve o despacho reclamado, o que fez por acórdão de
27 de Maio de 1997.
Tendo tido «vista» dos autos, o Representante do Ministério Público junto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa opinou no sentido de ser indeferida a vertente reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. Adiante-se desde já que a reclamação sub specie não pode lograr deferimento.
Na realidade, e como deflui de uma jurisprudência deste Tribunal de há muito consolidada (pelo que nos escusamos aqui de indicar, ainda que a título meramente exemplificativo, os inúmeros acórdãos em tal sentido), o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, porque visa a reapreciação de uma decisão tomada por um tribunal, há-de exigir que o respectivo interponente, antes dessa decisão, tenha suscitado uma questão de inconstitucionalidade normativa, precisamente para que, àcerca dela, o tribunal recorrido se possa pronunciar, pronúncia que, sobre esse ponto, irá ser submetida à apreciação do Tribunal Constitucional.
Daí que o vocábulo «durante o processo» utilizado naquelas preceitos tenha de ser entendido como devendo a suscitação da questão de inconstitucionalidade ter lugar antes da prolação da decisão de que se intenta recorrer para o Tribunal Constitucional.
E, sendo assim, como muitíssimas vezes tem sido sublinhado pela falada jurisprudência, como o poder de cognição do juiz se esgota, em regra, com aquela prolação, não se pode, em princípio, considerar como tempestiva, para efeitos de subsunção ao conceito «durante o processo» usado nas aludidas normas, a suscitação da questão de inconstitucionalidade que só teve lugar em requerimento de arguição de nulidades ou de aclaração da decisão recorrida.
2. No caso em análise, a reclamante impugnou a decisão tomada no Tribunal Administrativo de Círculo sustentando, inter alia, que a mesma devia ser revogada, visto que entendeu que 'a não suspensão da eficácia do acto administrativo não causa prejuízos de difícil reparação à Recorrente'.
Ora, se para a reclamante o comando constante da alínea a) do nº 1 do artº 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, ao exigir que [a] execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente, enfermava de desconformidade com a Lei Fundamental, e se esse comando foi utilizado na decisão então sob censura, cumpria-lhe colocar essa questão no recurso que interpôs, justamente para que o Supremo Tribunal Administrativo se pudesse pronunciar sobre ela e, dessa arte, tomasse uma posição sobre se tal desconformidade se verificava ou não.
Não o tendo feito, não se impunha ao Supremo Tribunal Administrativo debruçar-se sobre essa questão, designadamente se, no juízo levado a efeito por aquele Alto Tribunal, a mencionada desconformidade se não desenhava.
Por outro lado, e como é óbvio, não servindo a arguição de nulidades para modificar o julgado no tocante a um eventual erro de julgamento, quer de facto, quer de direito - e sendo essa a finalidade da ora recorrente que o Supremo Tribunal a quo considerou -, a arguição por ela levada a cabo não teria a virtualidade de alcançar aquela modificação. De onde, face ao posicionamento tomado por aquele Supremo, não poder o mesmo alterar o já por si decidido, razão pela qual a suscitação da questão de inconstitucionalidade, ocorrida após ser tirado o acórdão de 28 de Janeiro de 1997, foi claramente extemporânea.
3. Refira-se por último - e para responder ao tropo do petitório da reclamação onde a reclamante diz que 'É SUPOSTO QUE OS TRIBUNAIS, TODOS ELES, APLIQUEM AS NORMAS E AS INTERPRETEM SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, independentemente de as partes envolvidas nos processos terem ou não terem requerido que assim seja' - que, se é verdade que, ex vi do artigo 207º do Diploma Básico [n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados', menos verdade não é que, para que tal suceda, mister é que os tribunais, para desaplicarem determinada norma com base em tal regra, se fundem num juízo descortinante do vício de inconstitucionalidade; juízo esse que, como
é límpido, não tem de coincidir com o que é prosseguido pelas «partes».
E, se estas se quiserem servir da via do recurso para o Tribunal Constitucional, impõe a própria Lei Fundamental [já citado artigo 280º, nº 1, alínea b)] que elas suscitem, «durante o processo» a questão de inconstitucionalidade.
III
Pelo que se deixa dito, indefere-se a presente reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 15 de Outubro de 1997 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida