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Processo n.º 731/2005.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 18 de Outubro de 2005 o relator lavrou a seguinte decisão –
“1. Inconformado com a deliberação tomada em 1 de Outubro de 2002
pelo plenário do Conselho Superior da Magistratura e por intermédio da qual se
indeferira a reclamação deduzida pelo Juiz de Direito Licº A. da deliberação do
conselho permanente daquele Conselho que, relativamente à sua antiguidade na
lista de juízes de direito, o posicionou em 207º lugar, com 17 anos, 10 meses e
19 dias com referência a 31 de Dezembro de 2001, por isso que ao tempo de
serviço que deteria foram descontados 238 dias nos quais aquele Juiz esteve
impossibilitado, por motivo de doença, de prestar funções, recorreu o mesmo para
o Supremo Tribunal de Justiça.
Na alegação produzida no recurso, o impugnante referiu, no que
ora releva: –
‘(…)
2º
Como o recorrente alegou e está provado, esteve
impossibilitado de prestar serviço, por motivo de doença, nos períodos de
01/01/98 a 10/8/98, de 16/9/98 a 14/11/98 e de 15/11/98 a 31/12/98, tendo as
respectivas faltas sido consideradas injustificadas.
3º
Como também alegou e está provado, por esse
motivo foram-lhes descontados 238 dias na antiguidade, o que, por sua vez,
determinou a perda de74 lugares na lista de antiguidades.
4º
Esse facto determinou que todos os colegas do seu
curso no CEJ (III Curso Especial de Formação), com real ‘antiguidade real’, já
estejam a prestar serviço na Segunda Instância, enquanto o recorrente permanece
na primeira, no lugar de que é titular.
5º
Ora este resultado, para além de ser
gritantemente injusto, é ilegal, na medida em que viola princípios e normas
concretas consignadas na ‘Rainha das Leis’ – a CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
PORTUGUESA.
6º
Com efeito, não obstante o artº 46º do EMJ
repetir o princípio consignado no nº 2 do artº 215º da CRP, a regulamentação
concreta do EMJ e a prática do Conselho Superior da Magistratura, conduzem a um
resultado perverso, injusto e inconstitucional.
7º
Resulta tal perversidade e ilegalidade da
aplicação cega e formal do preceituado na alínea g) do artº 73º do EMJ em
conjugação com o preceituado no artº 48º do mesmo diploma, esta última
disposição através da forma como é aplicada, na prática, pelo CSM.
8º
Com efeito, na prática, o CSM começa por
‘graduar’ os candidatos segundo a sua antiguidade (com os descontos já referidos
…) e só depois observa os critérios definidos no artº 48º do EMJ.
9º
E é aqui que surgem a ‘perversidade burocrática’
e a inconstitucionalidade, pois, por esta forma, ao contrário do que estabelece
o nº 3 do artº 215º da CRP, acaba por prevalecer a ‘antiguidade burocrática’
sobre o mérito.
10º
E isto, aliás, ao contrário do que estabelece o
próprio EMJ – nº 1 do artº 49º e nº 3 do artº 44º.
11º
Note-se que, para os efeitos em apreço e
considerando os interesses em causa (o que se pretende, por forma inequívoca, é
garantir a qualidade dos magistrados da segunda instância, com prevalência sobre
os demais), não se compreende que um processo artificial de definir a
antiguidade prevaleça.
12º
Não se compreende, por outro lado, que para
garantir este desiderato, se tenha em consideração o preceituado na alínea g) do
artº 73 EMJ, cuja ‘ratio’ (e rigor substantivo), para os efeitos em causa, temos
dificuldade em entender.
(…)
EM CONCLUSÃO:
A) – A APLICAÇÃO DO DISPOSTO NA AL. G) DO ARTº 73 DO EMJ, EM CONJUGAÇÃO COM A
APLICAÇÃO QUE O CSM FAZ, NA PRÁTICA, DO DISPOSTO NO 48º DO MESMO DIPLOMA, VIOLA
O PRECEITUADO NO Nº 3 DO ARTº 215º DA CRP.
B) CONSEQUENTEMENTE, DEVE SER REPOSTA A SITUAÇÃO QUE EXISTIRIA SE, PARA O
CÁLCULO DA ANTIGUIDADE DO RECORRENTE, NÃO FOSSEM CONSIDERADOS OS DESCONTOS
DECORRENTES DE FALTAS CONSIDERADAS JUSTIFICADAS POR MOTIVO DE DOENÇA, APENAS SE
CONSIDERANDO A SUA ‘ANTIGUIDADE REAL’ E AS SUAS ÚLTIMAS CLASSIFICAÇÕES DE
SERVIÇO’, PREVALECENDO ESTAS ÚLTIMAS.’
O Representante do Ministério Público, no «parecer» que emitiu,
sustentou que se devia rejeitar o recurso por falta de lesividade da impugnada
deliberação do Conselho Superior da Magistratura, já que ‘a invocada lesão pela
graduação constante da lista de antiguidade verificou-se (e consolidou-se) na
que foi ordenada com referência a 31 de Dezembro de 1999’ e, relativamente ‘a
essa graduação, formou-se caso decidido, por falta oportuna de impugnação, sobre
a deliberação do plenário do CSM, de 21 de Novembro de 2000, que, nos termos
previstos no art. 77º do EMJ, dela decidiu, sendo que a “nova lista, com
referência a 31 de Dezembro de 2001, em nada altera a graduação de que o
recorrente desfrutava face à anterior, pelo que a deliberação de Outubro de
2002, nada inovando na situação jurídica existente, não se mostra lesiva de
direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente, como tal sendo
irrecorrível’.
Ouvido sobre tal «parecer» e, bem assim, sobre a «questão prévia»
que o Conselho Superior da Magistratura tinha suscitado na resposta ao petitório
de recurso (questão que, substancialmente, não diferia da constante daquele
«parecer»), veio o recorrente apresentar requerimento em que disse: –
‘1 – No artigo 1º do articulado do CSM, a fls. 25, na sequência do alegado a
fls. 24, alega o CSM que ‘… Desta deliberação não interpôs recurso contencioso,
com ela se conformando, pelo que transitou … (?...).
2 – Mais à frente, nessa mesma página, alega o CSM que ‘… Cremos que a questão
está há muito decidida, não podendo agora ser novamente sindicada, repetindo-se
a mesma causa.’ (?...).
3 – Conclui o CSM que ‘Por isso, não deveria ser admitido o recurso ou, então,
dele não deverá conhecer-se.’ (?...)
4 – O recorrente abstém-se de adjectivar este entendimento, pois seria forçado a
ser, no mínimo, deselegante.
5 – O recurso já foi admitido, pois, o Senhor Conselheiro relator já mandou dar
cumprimento ao disposto no artº 174º do EMJ, tendo tal despacho transitado em
julgado.
6 – Quanto ao alegado ‘trânsito’ da deliberação do CSM, trata-se de afirmação
desprovida de fundamento jurídico, pois, sendo a deliberação do CSM um acto
administrativo, e não um acto jurisdicional, só por absurdo se pode trazer à
colação uma figura processual que pressupõe uma intervenção judicial.
7 – Os actos administrativos ‘não transitam em julgado’ porque, obviamente, não
constituem decisões judiciais.
8 – Como expressamente diz o artº 497º do CPC, a excepção de caso julgado tem
por fim evitar que o tribunal seja colocado na situação de contradizer ou
reproduzir uma decisão anterior.
9 – Consequentemente, só há caso julgado quando o pedido em causa já foi
submetido à cognição do tribunal e este produziu decisão sobre ele.
10 – Já o dizia, há muito, por forma clara, O Professor José Alberto dos Reis,
(‘CPC Anotado, Vol III, Coimbra Editora, 4ª edição, págs, 94 e seguintes), para
não referir todos os outros ilustres mestres do Direito.
11 – Não há, obviamente, ‘repetição de causa’, porque causa (judicial) alguma
houve anteriormente.
12 – A não ser assim, as garantias jurisdicionais accionadas perante os
tribunais para garantia e tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos
dos cidadãos (no caso, magistrados judiciais! ..), seriam completamente
coarctadas, ferindo-se deste forma o princípio fundamental do acesso ao direito
e aos tribunais, e, assim, a sua tutela jurisdicional efectiva, por este modo se
violando o disposto nos artºs 20º e 268º, nºs 4 e 5 da CRP e no artº 12º do Cód.
Procedimento Administrativo – v. ‘Administração Pública e Direito
Administrativo’, de José F. F. Tavares, Editora Almedina, 3[ª] Edição, pág. 138.
13 – Pela mesma ordem de razões referidas no ponto anterior, o disposto no nº 2
do artº 164º do EMJ, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30/07, é inconstitucional,
por violação do disposto nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nºs 4 e 5 da CRP,
quando, como é o caso, esteja em causa o recurso de um acto administrativo para
os tribunais competentes. Está em causa, com efeito, a mesma injustificada
inviabilização do direito de acesso aos tribunais.
14 – Acresce que, independentemente de se discordar da solução defendida nos
pontos anteriores, o acto administrativo em causa é um acto de execução
continuada, pois a perda de antiguidade motivada pelas faltas ao serviço por
motivo de doença, (julgadas justificadas pela entidade competente!),
necessariamente se repercutiu e repercutirá em todos os movimentos judiciais
posteriores, renovando-se em cada ‘concurso curricular’ para acesso à Segunda
Instância, anualmente, os vícios que o ora recorrente vem invocar (V. ‘Curso de
Direito Administrativo’, Vol. II, de Diogo Freitas do Amaral, Almedina, págs.
278 e segs.).
15 – O ora recorrente só agora recorreu aos tribunais e nada na lei o impede de
o fazer, pois não há qualquer decisão judicial anterior e repetiu-se,
renovando-se, no caso em apreço, a ilegalidade que sustenta e que pretende ver
apreciada por esse tribunal.
16 – Dir-se-á, pois, que, em qualquer hipótese, improcede a ‘questão prévia’
suscitada, uma vez que o ora recorrente foi vítima de uma deliberação
administrativa ilegal, cuja repercussão se prolonga no tempo, em cada movimento
judicial, com séria e grave repercussão na sua vida profissional e pessoal, que
a entidade administrativa responsável pretende ‘julgar’ em definitivo, (sem,
para tanto, ter poder jurisdicional …), recusando ao autor o recurso aos
tribunais competentes…
17 – Em resumo, seria absurdo e impróprio de um Estado de Direito que uma
simples deliberação de um órgão colegial da Administração tivesse o poder de
decidir definitivamente sobre os direitos fundamentais do ora recorrente,
inviabilizando-lhe o recurso aos tribunais, com a agravante de se tratar de um
órgão administrativo de quem era suposto esperar rigor.
18 – Deve, consequentemente, ser julgado improcedente a questão prévia deduzida
e, em conformidade, ser admitido o recurso, conhecendo-se do mesmo, com as
legais consequências.
19 – Reafirma o ora recorrente tudo o alegado no requerimento de interposição de
recurso e nas alegações entretanto apresentadas, dispensando-se de comentar em
detalhe o alegado nos artigos 2º e seguintes da resposta do CSM, onde, mais uma
vez, não é apreciada com rigor a questão fulcral que o recorrente suscita,
(corroborada por ilustres constitucionalistas, como a seu tempo demonstrará),
não deixando de registar o tipo de comentário que consta do artº 7º das
alegações do CSM, onde se dá a entender que o recorrente ‘não descortina’ … o
que se diz descortinar.
20 – O recorrente descortina muito bem o que descortina, e lamenta o tom e a
linguagem de uma instituição de quem é exigível excelência, a todos os níveis’
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de Fevereiro de
2005, rejeitou o recurso por o mesmo ser manifestamente ilegal.
Para assim decidir, foi carreada àquele aresto a seguinte
fundamentação: –
‘(…)
Perante esta factualidade defende o CSM, como
questão prévia, que a questão está há muito decidida não podendo agora ser
novamente sindicada, visto que o ora recorrente não interpôs recurso contencioso
da deliberação de indeferimento de 27.06.2000, pelo que não deveria ser admitido
o recurso ou, então, dele não deverá conhecer-se.
Pela inadmissibilidade do recurso também se
pronunciou o MP junto deste Supremo, com base nas razões supra expostas.
Comecemos então pela dita questão prévia.
Adiantando, dir-se-á que, embora com fundamentos
algo diversos dos acima alinhados, ela procederá.
E porquê?
Simplesmente porque se encontra há muito
prec1udido o direito de recurso, como se demonstrará de seguida.
Na verdade, de acordo com o art. 135.º do Cód.
Procedimento Administrativo, são anuláveis os actos administrativos praticados
com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se
não preveja outra sanção.
Não estabelecendo a lei sanção diversa da
anulabilidade para as deliberações do Plenário do CSM que estão em causa, isso
significa que o vício que lhes pode ser imputável é esse mesmo, ou seja a
anulabilidade que pode e deve ser pedida em sede de recurso contencioso (e não a
revogação, como pede o recorrente, já que esta figura está reservada à
autoridade ou órgão administrativo autor do acto).
E o recorrente tinha o direito de a pedir, dentro
de certo prazo, mas relativamente à deliberação do Plenário de 27.06.2000, isto
é a que lhe indeferiu a reclamação oposta à lista de antiguidade reportada a
31-12-99.
Esse prazo do recurso contencioso estava, à data,
previsto no art. 28.º do DL n.º 267/85, de 16.07 e hoje consta do art. 58.º do
Cód. de Procedimento Administrativo.
Dessas normas se retira que os actos anuláveis só
podem ser impugnados contenciosamente dentro do prazo nelas estabelecidos.
Esgotado esse prazo fica precludido o direito de
recurso.
É, nada mais nada menos, o respeito pelo regime
geral da anulabilidade dos actos que se observa em todas as jurisdições
(mormente civil e penal) a funcionar também na jurisdição administrativa por
contraposição ao regime geral dos actos nulos ou inexistentes, esses sim
impugnáveis, em regra, a todo o tempo e, bastas vezes, de conhecimento oficioso.
Não tendo o recorrente observado esse regime só
de si pode queixar-se.
Com efeito, tendo deixado decorrer o prazo de
impugnação contenciosa da deliberação do Plenário de 27/06/200, sem que
exercesse o seu direito de acção, a lista de antiguidades relativa a 31-12-99
consolidou-se, tomou-se firme na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido,
em suma, tomou-se definitiva e imodificável, obstando ao conhecimento da mesma
matéria (os mesmos 238 dias) em sede de recurso contencioso.
Desse modo, os eventuais vícios daquela
deliberação foram eliminados e operou-se a conversão desse acto eventualmente
viciado em acto são, caducando, consequentemente, o direito de acção contenciosa
do recorrente.
Daí que, por outro lado, no seguimento da linha
de raciocínio que vem sendo expendida, se concorde com a posição assumida pelo
MP junto deste Supremo Tribunal quando afirma que a nova lista, com referência a
31 de Dezembro de 2001, em nada altera a graduação de que o recorrente
desfrutava face à anterior, pelo que a deliberação de 1 de Outubro de 2002, nada
inovando na situação jurídica existente, não se mostra lesiva de direitos ou
interesses legalmente protegidos do recorrente, como tal sendo irrecorrível.
Logo, não se apresentado o acto em causa (lista
de 31.12.01) dotado de lesividade, com eficácia externa na esfera jurídica do
recorrente, para os efeitos previstos no art. 268.º, n.º 4, da CRP e art. 51.º,
n.º 1, do CPTA (Cód. Proc. Tribunais Administrativos) é, também por esta via,
insusceptível de impugnação contenciosa a deliberação do Plenário de 01.10.02, o
que obsta ao prosseguimento do processo [art. 89.º, n.º 1, al. c), daquele
CPTA].
Em suma:
Sendo o recurso manifestamente ilegal quer por
caducidade do direito de acção, quer por falta de lesividade do acto recorrido,
tem o mesmo de ser rejeitado.
Procede, pois, deste modo a questão prévia, tal
como acima se assinalou, o que implica e impõe o não conhecimento das restantes
questões levantadas pelo recorrente, designadamente a alegada
inconstitucionalidade dos arts. 73.º, n.º1, al. g) e 48.º do EMJ, quando
aplicados conjugadamente, em confronto com o disposto no art. 217.º3 da CRP.
(…)’
Do acórdão cuja fundamentação se encontra extractada arguiu o
recorrente a respectiva nulidade, brandindo, em síntese, com o argumento segundo
o qual a rejeição do recurso levada a efeito por aquele aresto, com base nos
artigos 173º, nº 3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 89º, nº 1, alínea
c), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, foi errada, restando,
‘quando muito, invocar o disposto no nº 2 do artº 164º do EMJ’, disposição a
respeito da qual o impugnante referiu ser ‘inconstitucional, por violação do
disposto nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nºs 4 e 5 da CRP, quando, como é o caso,
esteja em causa o recurso de um acto administrativo para os tribunais
competentes’, e que o acórdão não atendeu à por si invocada natureza do acto
administrativo em causa como um acto de execução continuada, razão pela qual,
tendo em conta que, se fossem procedentes ‘os argumentos invocados, seria
forçosamente outro o teor da decisão’, esse mesmo acórdão incorreu em omissão de
pronúncia.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22 de Junho de
2005, desatendeu a arguida nulidade, pois que, em súmula, entendeu que são
realidades diversas a apreciação das questões suscitadas pelas «partes» e a
apreciação dos argumentos por elas invocados, não acarretando vício de nulidade
esta segunda não apreciação, e que, no tocante às questões prévias ou
prejudiciais, o conhecimento de alguma delas, com o respectivo atendimento, pode
conduzir a que as outras fiquem prejudicadas, o que, igualmente, não acarreta o
vício de omissão de pronúncia; e, sequentemente, revertendo ao caso, entendeu o
Supremo Tribunal de Justiça que aquilo que o recorrente manifestava por
intermédio da arguição que deduziu era uma discordância quanto ao decidido no
anterior acórdão, não se podendo englobar a sua pretensão naquele incidente de
arguição.
Fez então o impugnante juntar aos autos requerimento com o
seguinte teor:–
‘A., Juiz de Direito a prestar serviço no 1º
Juízo do Tribunal de Família e de Menores de Setúbal, recorrente no processo à
margem indicado, não se conformando com a decisão proferida no acórdão
15/02/2005, que rejeitou o recurso ‘por manifestamente ilegal’ e condenou o
recorrente em custas, e não se conformando, também, com a decisão proferida no
acórdão de 22/06/2005, que indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente
(na qual este suscitou a nulidade do acórdão de 15/02/2005, por omissão de
pronúncia, nos termos da al. d) do artº 668º do CPC) e condenou o recorrente em
custas, vem interpor recurso de ambos os acórdãos referidos para o Tribunal
Constitucional, sendo certo que de ambas as decisões cabe recurso para este
último tribunal, já que, em consequência do decidido, foram aplicadas normas
cuja inconstitucionalidade o recorrente suscitou no decurso do processo, foram
violados princípios constitucionais fundamentais, o que o recorrente arguiu no
decurso do processo (a. b) do nº 1 [d]o artº 70º da Lei nº 28/82, de 15/11, com
as posteriores alterações), e se esgotaram os recursos ordinários que no caso
cabiam (nº 2 do mesmo preceito legal).
O recurso é restrito às questões de
inconstitucionalidade e de ilegalidade suscitadas no decurso do processo pelo
recorrente (nº 1 do artº 71º do referido diploma legal).
O recorrente tem legitimidade para recorrer (al.
b) do nº 1 do artº 72[º] do mesmo diploma e fá-lo dentro do prazo estabelecido
na lei (nº 1 do artº 75[º]).
Entende o recorrente que foram violadas as normas
dos artigos 20º, nº 1 (e nº 5, embora, por lapso, o não tenha referido
expressamente), 215º, nº 3 e 268º, nºs 4 e 5 da CRP, o que alegou no
requerimento de interposição do recurso, nas alegações apresentadas no decurso
do mesmo, no requerimento expedido pelo correio a 20/07/2004, no qual se
pronunciou sobre a ‘questão prévia’ entretanto suscitada pelo Conselho Superior
da Magistratura e no requerimento em que arguiu a nulidade do acórdão de
15/02/2005.
O presente recurso tem efeito suspensivo e sobe
nos próprios autos (nº 4 do artº 78º da Lei nº 28/82, de 15/11).
O recorrente é magistrado judicial e,
consequentemente, podendo advogar em causa própria (artº 19º do EMJ), não lhe é
exigível a constituição de mandatário’.
O recurso interposto por intermédio do transcrito requerimento
veio a ser admitido por despacho lavrado em 31 de Agosto de 2005, vindo os autos
a ser remetidos a este Tribunal em 20 de Setembro de 2005.
2. Porque tal despacho não vincula este órgão de fiscalização
concentrada da constitucionalidade (cfr. nº 6 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido,
elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por
via da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Efectivamente, como resulta do relato supra efectuado, na
alegação produzida no recurso contencioso, brandiu o impugnante com o argumento
de harmonia com o qual era desconforme com a Lei Fundamental a ‘aplicação cega e
formal’, que resultava da prática seguida pelo Conselho Superior da
Magistratura, do disposto nas disposições conjugadas da alínea g) do artº 73º e
do artº 48º, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais aprovado pela Lei nº
21/85, de 30 de Julho, «aplicação» essa que conduziria, na «escolha» dos juízes
de direito a promover à segunda instância, a ter em conta, em primeira linha, a
«graduação» dos juízes de direito segundo a respectiva antiguidade na carreira,
anotando-se que se não surpreende, em tal alegação, qualquer asserção da qual
resulte directamente que os normativos ínsitos naquelas disposições seriam
inconstitucionais quando interpretados de determinado jeito.
Por outra banda, na resposta à «questão prévia» suscitada pelo
recorrido e ao «parecer» exarado pelo Representante do Ministério Público junto
do Supremo Tribunal Administrativo, o recorrente esgrimiu com a
inconstitucionalidade da norma vertida no nº 2 do artº 164º do aludido Estatuto,
‘quando (…) esteja em causa um recurso de um acto administrativo para os
tribunais competentes’.
Releva, por fim, sublinhar-se que o acórdão prolatado em 15 de
Fevereiro de 2005 pelo Supremo Tribunal de Justiça decidiu rejeitar o recurso
ancorando-se, como deflui da transcrição acima levada a efeito, nos comandos
resultantes dos artigos 135º do Código de Procedimento Administrativo, 28º do
Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (a que corresponde, hoje, o artº 58º
daquele Código), 51º, nº 1 e 89º, nº 1, alínea c), estes do Código de Processo
nos Tribunais Administrativos.
Foram estes dispositivos, pois, aqueles que constituíram o
suporte jurídico da decisão tomada naquele aresto e, pelo que tange ao acórdão
proferido na sequência da arguição de nulidade do primeiro, é por demais claro
que a ratio juris do mesmo se estribou nas normas adjectivas que regulam a
pretensão de tal arguição e o que deve ser entendido quanto à respectiva
caracterização.
Ora, situando-nos, como nos situamos, perante um recurso fundado
na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister é, inter alia, que a
decisão ou decisões intentadas colocar sob a censura deste Tribunal tenham
aplicado, como respectiva razão jurídica, o ou os normativos cuja análise se
pretende seja efectuada por este órgão de administração de justiça, sendo certo
que objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são
normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional e não outros
actos do poder público tais como, verbi gratia, os actos administrativos ou as
decisões judiciais qua tale consideradas.
Neste contexto, é por demais claro que, na situação sub specie,
um e outro dos arestos queridos impugnar não aplicou qualquer norma a respeito
da qual o recorrente teria suscitado a respectiva desarmonia constitucional
(normas essas a que acima se fez alusão, e sem que com isto se deseje dizer que
uma tal suscitação teria sido adequadamente efectuada e, igualmente, que o
requerimento de interposição de recurso obedece, integralmente, aos requisitos
constantes dos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82).
De onde a conclusão de que, no vertente caso, falta um dos
pressupostos do recurso previsto na citada alínea b) do nº 1 do artº 70º, motivo
porque se não toma conhecimento do objecto da impugnação em causa, condenando-se
o recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis
unidades de conta.”
Da transcrita decisão reclamou o impugnante, fazendo-o através de
requerimento em que escreveu:–
“A., Juiz de Direito, recorrente no processo à margem indicado,
não se conformando com a decisão sumária proferida pelo Exmo. Sr. Juiz Relator,
ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 78º-A da LTC (Lei nº 28/82, de 15/11, com
as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26/11, pela Lei nº 85/89, de
07/09, e pela Lei nº 13-A/98, de 26/02), notificada ao recorrente a 24/10/2005,
vem, nos termos do disposto no nº 3 do referido artº 78º-A, reclamar para a
conferência, com os seguintes fundamentos:
1º – Na decisão do Exmo. Sr. Juiz Relator considerou-se que ‘… no
vertente caso, falta um dos pressupostos do recurso previsto na alínea b) do nº
1 do artº 70º, motivo porque se não toma conhecimento do objecto da impugnação,
condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em seis unidades de conta’;
2º O recorrente discorda desta decisão, que, com todo o respeito,
considera insuficientemente fundamentada, parecendo-lhe, ao invés, que foi
aplicada norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, e
foram violados princípios constitucionais fundamentais, com a decisão de que se
recorreu, já que, conforma é jurisprudência desse tribunal, há, para o efeito,
que considerar todas as fases do processo, incluindo as suas questões
incidentais, remetendo-se, aqui, para tudo o que o recorrente alegou,
nomeadamente no requerimento de 23/02/2005, onde arguiu a nulidade do acórdão do
STJ, de 15/02/2005.
3º Com efeito, no decurso deste longo litígio, sempre o
recorrente se debateu com a recusa do conhecimento da questão de fundo, com
argumentos de ordem formal, na sua perspectiva injustificadamente.
4º Acresce que, como expressamente invocou no requerimento de
interposição do presente recurso para o Tribunal Constitucional, e como já antes
o havia feito perante o STJ, considera o recorrente que houve, substancialmente,
violação de princípios fundamentais, como o direito fundamental do acesso ao
direito e aos tribunais, por esta forma se violando o disposto nos artºs 20º e
268º, nº 4 e 5 da CRP, o que não mereceu do Exmo. Sr. Juiz relator qualquer
apreciação.
5º Finalmente, considera o recorrente que houve uma
injustificada, não fundamentada e pesada fixação da taxa de justiça por parte do
Exmo. Sr. Juiz Relator, na decisão de que ora reclama, pois é manifesto que nas
actuais condições económicas de um juiz, com todos os rendimentos e encargos
que, em regra, tem um juiz de direito (no caso concreto com 3 filhos a seu
cargo, um a estudar no ensino superior, outro no secundário e outro no
pré-escolar), o seu poder económico é muito inferior ao presumido. Assim, caso
tal se venha a justificar, nesta sede desde já vem pedir a reforma da decisão
quanto a custas, devendo a taxa de justiça ser fixada no mínimo, tendo em
consideração o disposto nos artºs 3º, 6º, nºs 2 e 3 e 9º, nºs 1 e 2, todos do DL
nº 303/98, de 07/10, que regula o regime de custas no Tribunal Constitucional.”
Ouvido sobre a reclamação, o Conselho Superior da Magistratura
não veio a efectuar qualquer pronúncia.
Cumpre decidir.
2. Na reclamação ora em apreço, o impugnante sustenta: –
– a) que a decisão em causa está insuficientemente fundamentada;
– b) que os arestos pretendidos recorrer aplicaram normas cuja
desconformidade constitucional foi suscitada durante o processo;
– c) que aquela decisão não apreciou a questão, esgrimida pelo
recorrente, no sentido de ter havido, substancialmente, violação de princípios
fundamentais, tais como o direito de acesso ao direito e aos tribunais;
– d) que foi desmedida e não fundamentada a fixação do montante
da taxa de justiça.
Quanto à primeira questão – insuficiente fundamentação da decisão
reclamada – não concretiza minimamente o impugnante o que quer que seja
relativamente à conclusão que subjaz a uma tal afirmação.
De todo o modo, o Tribunal entende que o que consta dos segundo,
terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo parágrafos do ponto 2. de tal decisão,
aditado ao, aliás extenso, relatório onde se descreveram as vicissitudes
processuais anteriores, configura a exposição de razões, de facto e de direito,
que conduziram ao juízo de não tomada de conhecimento do objecto do recurso
desejado interpor perante este Tribunal.
Não assiste, assim, razão ao reclamante na parte em que assaca o
vício de insuficiente fundamentação à decisão reclamada.
Pelo que tange ao argumento de acordo com o qual os acórdãos
queridos impugnar aplicaram normativos cuja enfermidade constitucional tinha,
previamente à respectiva prolação, sido suscitada pelo recorrente, o Tribunal
não efectua a mínima censura sobre o que, a este propósito, foi escrito na
decisão em crise, anotando-se, por um lado, que, neste ponto, igualmente o
reclamante não concretiza a afirmação feita a este respeito e, por outro, que,
quer relativamente ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 15
de Fevereiro de 2005, quer relativamente ao acórdão, tirado pelo mesmo Supremo
Tribunal em 22 de Junho seguinte, aquela decisão discorreu fundamentadamente
sobre as razões das quais decorria a não aplicação de normas anteriormente
arguidas do vício de enfermidade constitucional.
No que concerne a não ter a decisão em análise efectuado qualquer
apreciação quanto à invocação, levada a cabo no requerimento de interposição de
recurso para este Tribunal, da violação de princípios constitucionais
fundamentais, também aqui não assiste razão ao reclamante.
Na verdade, no sexto parágrafo do já mencionado ponto 2. da
decisão, foi realçado que o objecto dos recursos de fiscalização concreta da
constitucionalidade é constituído por “normas constantes do ordenamento jurídico
infra-constitucional e não outros actos do poder público tais como, verbi
gratia, os actos administrativos ou as decisões judiciais qua tale
consideradas”.
Com uma tal asserção, é inequívoco que, ainda que, seja no
tocante à deliberação administrativa impugnada, seja no que se prende com as
decisões jurisdicionais, tivessem, elas mesmas, violado aquilo que o reclamante
apelida de princípios constitucionais fundamentais, essa circunstância não
poderia abrir o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Por último, entende o Tribunal que a fixação da taxa de justiça
em seis unidades de conta se não apresenta como desmesurada.
Na verdade, de harmonia com o que se prescreve no artº 6º, nº 2,
do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro, a taxa de justiça é fixada entre duas
e dez unidades de conta.
Uma fixação de taxa de justiça tal como a que ocorreu na decisão
sub iudicio, representa, sensivelmente, a média daqueles limites e está em total
consonância com a fixação da taxa de justiça que o Tribunal tem seguido nas
decisões prolatadas nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Em face do que se deixa dito, indefere-se a reclamação e o
deduzido pedido de reforma quanto a custas, condenando-se o reclamante nas
custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 21 de Novembro de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício