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Processo nº 726/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - A., ao abrigo do disposto nos artigos 82º e ss. do Decreto-Lei nº 267//85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), requereu, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, a intimação do director do Departamento de Educação Básica do Ministério da Educação a fim de lhe ser passada e entregue 'certidão comprovativa do tempo de serviço docente prestado no Ensino Particular para todos os efeitos legais, designadamente aposentação, pensão de sobrevivência e concurso de professores'.
Notificada a entidade requerida foi remetida à interessada cópia da declaração constante de fls. 9 e 10.
Todavia, a requerente, por considerar ter havido tão só satisfação parcial do seu pedido, veio aos autos peticionar que lhe fossem entregues outros elementos não constantes daquela declaração.
Contudo, por sentença de 28 de Junho de 1994, o senhor Juiz
'considerando que a pretensão da requerente se mostra satisfeita na íntegra', por inutilidade superveniente da lide, julgou extinta a instância.
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2 - Não conformada com o assim decidido levou a requerente recurso ao Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 17 de Agosto de
1994, (fls. 35 e ss.), lhe negou provimento e confirmou a sentença impugnada.
Invocando oposição de julgados recorreu então para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, indicando e individualizando no respectivo requerimento apresentado em 15 de Setembro de 1994, (fls. 47) dois acórdãos como fundamento do recurso.
E, por requerimento apresentado na mesma data (fls. 48), alegando já ter alcançado deferimento integral da sua pretensão, veio considerar que se deve ter por verificada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, 'condenando-se a entidade recorrida como litigante de má fé e multa e indemnização e procuradoria condigna a favor da ora requerente'.
Este último requerimento foi indeferido por despacho do relator no qual se considerou que 'mostrando-se correcto o comportamento da autoridade recorrida é evidente que o pedido de condenação em multa e indemnização está desprovido de apoio legal'.
Deste despacho levou a interessada reclamação à conferência, alegando no respectivo requerimento, além do mais, que 'a eventual interpretação restritiva que venha a ser dada às normas legais contidas nos arts. 763º, 765º e
768º nº 2 do C.P.C. revela-se materialmente inconstitucional por violar os direitos fundamentais contidos nos arts. 13º, 20º nº 1 e 207º da C.R.P. e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente o direito de recurso e o princípio geral da economia processual'.
Por acórdão de 7 de Dezembro de 1994 (fls. 67 e ss.) foi desatendida a reclamação e confirmado o despacho reclamado.
Contra o assim decidido foi interposto recurso (fls. 78) para o Pleno da Secção sob invocação de oposição de julgados.
E, por acórdão de 16 de Março de 1995 (fls. 93 e ss.) foi também indeferida uma outra reclamação da interessada dirigida contra um despacho do relator que não considerara um pedido de rectificação da liquidação para pagamento do preparo em dobro.
Do mesmo modo e também invocando oposição de julgados foi deste acórdão interposto recurso para o Pleno da Secção (fls. 99).
Foram os recursos alegados a fls. 106 e ss. e 121 e ss., aduzindo-se na fundamentação do recurso interposto a fls. 99 que 'a interpretação restritiva que venha a ser dada às normas contidas no art. 763º do C.P.C. revela-se materialmente inconstitucional por violar os direitos fundamentais contidos nos arts. 13º, 20º nº 1 e 207º da C.R.P., designadamente o direito de recurso e o da igualdade perante a lei'.
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3 - Por acórdão de 25 de Junho de 1996, o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo apreciando os recursos a que anteriormente se fez alusão, decidiu: (a) não admitir o recurso interposto pelo requerimento de fls. 99 uma vez que a alegada oposição se reporta a um acórdão do Tribunal Pleno; (b) não reconhecer a oposição invocada como fundamento dos recursos interpostos pelos requerimentos de fls. 47 e 48; (c) e, consequentemente, julgar findos os recursos interpostos para este Tribunal Pleno'.
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4 - Deste acórdão trouxe a interessada, sob invocação do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, recurso a este Tribunal, informando na sequência de notificação que em tal sentido lhe foi dirigida que o recurso visa a apreciação 'da ilegalidade e da inconstitucionalidade' das normas 'contidas nos artigos 287º, alínea e) e 663º do Código de Processo Civil com a interpretação restritiva' que lhe foi dada e também das normas contidas nos artigos 763º, nº 1, 765º nºs 2 e 3 e 768º, nº 2 do Código de Processo Civil, na interpretação que lhes foi dada pelos acórdãos recorridos.
Nas alegações que depois produziu desenvolveu, além de outras, as considerações seguintes:
'Em homenagem ao princípio geral da economia processual ínsito no art. 138º do C.P.C., seria absolutamente inútil e até ilegal o prosseguimento do recurso em causa, quando entretanto ocorreu já a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos nos arts. 287º al. e),
447º nº 1 e 663º do C.P.C. e 103º do R.S.T.A..
Sendo, como é, esta a interpretação normal e reiterada dos tribunais portugueses sobre o teor e alcance dessas normas legais, revela-se ilegal e inconstitucional a interpretação restritiva dada no douto despacho de fls... dos autos que indeferiu o requerimento de fls. 48, bem assim nos doutos Acórdãos sob recurso às normas legais contidas nos arts. 287º al. e) e 663º do C.P.C. por violar as normas legais com valor reforçado contidas nos arts. 138º do C.P.C. e 8º nº 3 e 9º nº 1 do Código Civil e por violar o princípio da igualdade consagrado no art. 13º nº 1 da C.R.P., segundo o qual todos os cidadãos são iguais perante a lei pelo que não é admissível que a(s) mesma(s) norma(s) legal(ais) seja(m) aplicável(eis) em duas situações absolutamente similares com um sentido e/ou resultados diferentes!.
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... as normas legais contidas nos arts. 763º nº 1, 765º nºs 2 e 3 e
768º nº 2 do C.P.C. foram interpretadas e aplicadas de forma restritiva, ou seja, foram interpretadas e aplicadas como apenas permitindo a invocação como fundamento do recurso para o Tribunal Pleno uma única questão fundamental de direito, um único Acórdão-fundamento e para que exista oposição de julgados relativamente à mesma questão fundamental de direito é necessário que exista absoluta identidade factual entre os casos julgados no Acórdão-fundamento e no Acórdão--recorrido, tal como era jurisprudência do S.T.J. antes da reforma do processo civil de 1961.
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Assim sendo, resulta evidente que a interpretação restritiva dada no douto Acórdão sob recurso às normas legais contidas nos arts. 763º nº 1, 765º nºs 2 e 3 e 768º nº 2 do C.P.C. padece ainda de inconstitucionalidade por violar o princípio da igualdade do cidadão perante a lei, por violar o princípio da legalidade e por violar o direito fundamental de acesso célere, consciente e fundamentado à justiça administrativa para tutela dos seus direitos e legítimos interesses, incluindo os direitos fundamentais à informação, de acesso aos arquivos e registos administrativos, de obtenção de provas documentais, e de recurso, consagrados nos arts. 2º, 3º, 13º, 20º, 205º nº 2, 207º, 266º e 268º da C.R.P. e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Sendo, como é, esta interpretação que melhor traduz o pensamento legislativo, que permite assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do cidadão e que permite obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito,
A interpretação restritiva dada no douto Acórdão sob recurso às normas legais contidas nos arts. 763º, nº 1, 765º nºs 2 e 3 e 768º nº 2 do C.P.C. revela-se ilegal por violar as normas legais com valor reforçado contidas nos arts. 138º do C.P.C. e 8º nº 3 e 9º nº 1 do Código Civil e inconstitucional por violar o princípio da igualdade consagrado no art. 13º nº 1 da C.R.P., segundo o qual todos os cidadãos são iguais perante a lei pelo que não é admissível que as mesmas normas legais sejam aplicáveis em duas situações absolutamente similares com um sentido e/ou resultados diferentes!'.
Por seu turno, em contralegação, a entidade recorrida - Departamento de Educação Básica do Ministério da Educação - veio sustentar o improvimento do recurso, concluindo assim:
'A - As decisões jurisdicionais sob recurso que consideraram não merecer censura a decisão do TAC de Lisboa que entendeu ter a autoridade recorrida cumprido o pedido formulado pela recorrente e, consequentemente, irrelevantes para a marcha do processo os documentos supervenientes de fls. 49 e
50, limitaram-se a cumprir as regras processuais contidas nos artºs 287 e 663 do C.P.C. e o próprio princípio da economia processual contido no artº 138 do mesmo Código.
C - Ao defender a indicação de um único Acórdão fundamento em oposição ao Acórdão recorrido o Acórdão sob recurso limitou-se a aplicar os princípios contidos no artº 765 nº 2 do C.P.Civil aplicável por força do artº
102 da L.P.T.A..
D - O artº 765 nº 1 do C.P.Civil implicava que se averiguasse se as situações de facto em que se apoiavam as soluções jurídicas divergentes apresentavam elementos que as identificassem como questões de facto que devessem merecer idêntico tratamento jurídico, ou seja a existência de uma identidade essencial, na perspectiva das soluções de direito encontradas, dessas situações sobre que se debruçavam os acórdãos em confronto.
E - Foi esse o entendimento perfilhado no Acórdão sob recurso, alicerçado na interpretação jurisprudencial uniformemente seguida, não existindo qualquer interpretação restritiva assente numa 'absoluta identidade factual' como alega a recorrente.
F - Pelo que também não se verificam, neste particular, quaisquer violações das normas processuais invocadas ou dos princípios constitucionais enunciados.'
Corridos os vistos legais cabe agora apreciar e decidir.
E decidir, antes do mais, qual o objecto do recurso.
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5 - O acórdão recorrido, julgou findos os três recursos interpostos para o Pleno da Secção, porquanto, relativamente aos dois primeiros
(requerimentos de fls. 47 e 78) não teve por verificada a oposição de julgados que havia sido invocada, e relativamente ao terceiro (requerimento de fls. 99), porque a alegada contradição de soluções jurídicas, se reporta a um acórdão do Tribunal Pleno.
Importa assim, e liminarmente, considerando os princípios que regem os recursos de constitucionalidade, averiguar qual o objecto do presente recurso.
Com efeito, como é sabido, a suscitação de inconstitucionalidade de uma dada norma legal só faz sentido (e, assim, só é relevante para potenciar a abertura da via do recurso de constitucionalidade), se tal norma ou qualquer sentido interpretativo que lhe seja atribuído vier ou puder ser convocada para o julgamento do caso que emerge do recurso.
Só no caso de a norma desaplicada com fundamento em inconstitucionalidade (ou aplicada, não obstante a suspeita de inconstitucionalidade contra ela levantada), ser relevante para a decisão da causa (isto é, só quando tal norma for aplicável ao julgamento do caso decidido pelo tribunal recorrido na concreta dimensão questionada) é que se justifica a intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso. Só em tal caso, é que a decisão proferida por este Tribunal sobre a questão de constitucionalidade é susceptível de se projectar utilmente sobre a decisão da causa julgada pelo tribunal recorrido.
O recurso de constitucionalidade, como vem sendo repetidamente acentuada pela jurisprudência constitucional, desempenha uma função instrumental, no sentido de só deverem ser conhecidas as questões de constitucionalidade quando o seu julgamento possa influir na decisão a proferir no processo principal.
Ora, à luz destes princípios, é manifesto que, relativamente às normas dos artigos 287º, alínea e) e 663º do Código de Processo Civil, que regem, a primeira, sobre a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide como causa de extinção da instância, e a segunda, sobre as condições de atendibilidade da sentença a factos jurídicos supervenientes, não se verifica aquele pressuposto do recurso, essencial ao conhecimento do seu objecto.
O acórdão recorrido não aplicou nem tão pouco convocou aqueles preceitos como seu fundamento normativo, movendo-se toda a sua retórica argumentativa no âmbito de um quadro legal em que apenas importava averiguar se as decisões ali impugnadas se haviam constituído em oposição aos acórdãos fundamento. E, para tanto, tais normas eram de todo irrelevantes, como irrelevante seria agora conhecer da sua bondade constitucional, pois que, fosse qual fosse o resultado da indagação deste Tribunal, não se projectaria ele no acórdão sob recurso que a elas não fez apelo na sua construção decisória.
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6 - Outrotanto não se dirá relativamente às normas dos artigos
763º, nº 1, 765º, nºs 2 e 3 e 768º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Estas normas achavam-se inscritas no Livro II (Do processo), Título II (Do processo de declaração), Subtítulo I (Do processo ordinário), Capítulo VI (Dos recursos), Secção V (Recurso para o tribunal pleno) do Código de Processo Civil, vindo todas elas, como aliás também as demais que integravam esta Secção e regiam o recurso para o tribunal pleno, a ser revogadas pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que procedeu a uma ampla revisão daquele Código sendo que tal revogação, por força do disposto no artigo 17º, nºs 1 e 3 deste mesmo diploma, passou a ser imediatamente aplicável.
Ressalvou-se porém, que nos recursos para o tribunal pleno já intentados, o seu objecto se circunscreveria à resolução em concreto do conflito, com os efeitos decorrentes dos acórdãos proferidos em processo de uniformização de jurisprudência (julgamento ampliado da revista), instituídos pelos artigos 732º-A e 732º-B, aditados ao Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, o último dos quais com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro.
Ora, o recurso levado ao Tribunal Pleno com fundamento em oposição de julgados foi interposto por requerimento de 7 de Abril de 1995, completado com esclarecimentos prestados em 15 de Maio de 1995, vindo a ser admitido por despacho de 25 de Maio do mesmo ano (fls. 114).
Assim sendo, a tramitação do recurso, por força do disposto no artigo 102º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos seguiu os termos dos artigos 763º e ss. do Código de Processo Civil, não obstante terem estes vindo a ser revogados na pendência do respectivo processo.
Deste modo, nada obsta ao conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada relativamente às normas agora em causa.
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II - A fundamentação
1 - O acórdão recorrido, na parte que importa considerar - a respeitante ao não conhecimento da oposição invocada como fundamento dos recursos interpostos pelos requerimentos de fls. 47 e 78 - e no específico domínio das normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada, suportou-se na fundamentação seguinte:
'Como vimos, de acordo com o disposto nesta disposição legal [artigo
24º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais], cabe recurso para o Pleno dos acórdãos da Secção que, relativamente ao mesmo fundamento de direito, e na ausência substancial da regulamentação jurídica, perfilhem soluções opostas à de acórdão da mesma Secção.
E tem-se decidido uniformemente que os pressupostos deste recurso são praticamente similares aos que se prevêm na lei processual civil (art. 763º nº 1 do Cód. de Proc. Civil), apesar da divergência de formulação uma vez que se fala em soluções opostas sobre a mesma questão de direito no domínio da mesma legislação.
Há, pois, que averiguar se as situações de facto em que se apoiaram as soluções jurídicas divergentes apresentam elementos que as identifiquem como questões de facto que deveriam merecer idêntico tratamento jurídico'.
Começando pelo primeiro recurso, depois de se sintetizarem as situações contempladas no acórdão da Subsecção de 17 de Agosto de 1994 (fls. 35 e ss.) e no acórdão fundamento, concluiu-se assim:
'Ora, por aqui se vê que não apresentam identidade essencial, na perspectiva das soluções de direito encontradas, as situações sobre que se debruçam os acórdãos em confronto.
No caso do aresto recorrido, a interessada dirigiu à Administração um pedido de passagem de certidão de contagem de tempo de serviço prestado no ensino particular que foi integralmente satisfeito. Pretende todavia que a certidão inclua o efeito jurídico que resulta dos elementos constantes da própria certidão, portanto, que esta mencione também efeitos 'ex lege'. Daí que se tivesse afirmado no acórdão recorrido que tal menção não é necessária.
Diferente era a situação no acórdão-fundamento onde o interessado solicitava à Administração que lhe certificasse qual o título jurídico que legitimava o exercício de um cargo por parte de certo funcionário, entendendo o Tribunal que essa certificação era juridicamente possível através da passagem de certidão narrativa dessa situação de direito.
Nesse caso estava, pois, em apreciação o pedido de certificação de uma relação jurídica que se decidiu dever ser atendido mediante a passagem da mencionada certidão, no outro a exigência de uma menção exterior à realidade que cumpria certificar.
Donde a inexistência da arguida oposição.
Também a situação de facto sobre que versou o segundo acórdão-fundamento (proferido em 21/5//91 no rec. nº 29 345) era inteiramente diversa.
Estava em causa um pedido de certidão envolvendo a emissão de juízos valorativos que, tanto a decisão de 1ª instância como o acórdão em apreço, entenderam não caber no âmbito deste meio processual acessório, pelo que o requerente viu sossobrar a sua pretensão.
Daí que, em tal contexto, não assuma qualquer relevância para os fins da pretendida oposição a afirmação incidental, feita no acórdão-fundamento, de que 'não é pelo facto de o administrado poder fazer a prova de um determinado facto por outro meio que lhe pode ser negada a passagem de certidão ou que o tribunal não determine a intimação da autoridade solicitada'.
E passando-se depois ao segundo recurso, sumariaram-se as situações vertidas no acórdão de 7 de Dezembro de 1994 (fls. 67 e ss.) e no acórdão fundamento, concluindo-se assim:
'Ora o cuidado que tivemos em transcrever na íntegra o conteúdo decisório de ambos os acórdãos teve por objectivo deixar clara a inexistência da pronúncia expressa contraditória sobre a mesma questão de direito.
Enquanto que no acórdão-fundamento encontramos decisão expressa sobre o ponto de direito questionado - extinção da instância, face ao disposto no citado preceito legal, uma vez que o recorrente considera satisfeita a sua pretensão e portanto extinta por essa via a instância - o acórdão recorrido não contém pronúncia expressa sobre esse tema: nele se diz, antes, que a instância não podia, por esse motivo, ser extinta porque tal efeito já havia sido declarado e confirmado no processo em momento anterior. Ou seja, encontrando-se o processo findo, não havia que investigar acerca das consequências dessa declaração superveniente de satisfação do interesse da recorrente.'
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2 - No entendimento do recorrente as normas contidas nos artigos 763º, nº 1, 765º, nºs 2 e 3 e 768º, nº 2 do Código de Processo Civil
'foram interpretadas e aplicadas como apenas permitindo a invocação com fundamento para o Tribunal Pleno uma única questão fundamental de direito, um
único Acórdão fundamento e para que exista oposição de julgados relativamente à mesma questão fundamental de direito é necessário que exista absoluta identidade factual entre os casos julgados no Acórdão-fundamento e no Acórdão-recorrido', sendo que tal interpretação restritiva se revela 'ilegal por violar as normas legais com valor reforçado contidas nos arts. 138º do C.P.C. e 8º, nº 3 e 9º nº
1 do Código Civil e inconstitucional por violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º nº 1 da C.R.P.'.
É manifesto que não lhe assiste razão.
Vejamos porquê.
Em conformidade com o disposto no artigo 24º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, compete ao pleno da Secção de Contencioso Administrativo conhecer 'dos recursos de acórdãos da Secção que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma Secção'.
Por seu turno, na norma do artigo 763º, nº 1, o fundamento do recurso para o Tribunal Pleno haveria de resultar do proferimento de 'dois acórdãos que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas'.
Em ambos os casos o recurso pressupõe a existência de um conflito de jurisprudência que através dele se pretende uniformizar, havendo por isso o acórdão recorrido de se encontrar em oposição com outro anterior, já não susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.
Mas qual o exacto significado das locuções 'solução oposta sobre o mesmo fundamento de direito' ou 'soluções opostas relativamente à mesma questão fundamental' que embora formalmente não coincidentes se reconduzem, no essencial, a um significado similar?
José Alberto dos Reis, a quem se deve a reforma do direito processual civil português, a partir da Reforma de 1926 - 1927, cabendo-lhe também destacada intervenção na elaboração do Código de 1939, no Breve Estudo Sobre a Reforma do Processo Civil e Comercial, Coimbra, 1929, pp. 666 e ss., confrontado com a norma do artigo 66º do Decreto nº 12353, de 22 de Setembro de
1926, que criou o recurso para o tribunal pleno destinado à fixação e uniformização de jurisprudência - 'Quando o Supremo Tribunal de Justiça profira um acórdão que esteja em oposição com um acórdão anterior também do Supremo sobre o mesmo ponto de direito, pode a parte interessada recorrer para o tribunal pleno com fundamento na referida oposição' - depois de inquirir sobre o sentido conceitual da oposição entre dois acórdãos sobre o mesmo ponto de direito, respondia assim:
'Dá-se a oposição sobre o mesmo ponto de direito quando a mesma questão de direito foi resolvida em sentidos diferentes, isto é, quando à mesma disposição legal foram dadas interpretações ou aplicações opostas'.
Mais tarde, retomando o tema a propósito da norma do artigo
763º do Código de Processo Civil de 1939, - 'Se no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos opostos sobre a mesma questão de direito, pode recorrer-se para o tribunal pleno do acórdão proferido em último lugar' - o mesmo Autor, Código de Processo Civil anotado, vol. VI, Coimbra, 1981, pp. 250 sintetizava assim o seu pensamento jurídico:
'a) Há oposição susceptível de servir de fundamento a recurso para o tribunal pleno, mesmo quando a questão final decidida nos acórdãos seja diversa, se, para a decidirem, os acórdãos tiverem de se pronunciar primeiro sobre a mesma questão de direito e se pronunciaram sobre ela em sentidos opostos;
b) Há oposição que justifica o recurso do artigo 763º, embora os casos concretos apresentem contornos e particularidades diferentes, se tais diferenças não obstam a que a questão de direito seja fundamentalmente a mesma e se a esta foi dada solução oposta nos acórdãos citados'.
O entendimento perfilhado pelo Mestre de Coimbra veio, com ligeiras variações, a ser mantido na vigência do Código de Processo Civil de
1961, podendo também, com as devidas adaptações, ser transposto para o âmbito da jurisdição administrativa (cfr. sobre esta matéria, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lisboa, 1994, pp. 273 e ss., bem como a diversa bibliografia citada por este Autor).
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3 - O acórdão recorrido, na linha de uma jurisprudência uniforme e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. por todos, Acórdãos do Pleno da 1ª Secção de, respectivamente, 29 de Janeiro de 1987 - Proc. nº 23 742-A, 12 de Março de 1987, - Proc. nº 21 611, 26 de Março de 1987 - Proc. nº 24 207 e 30 de Junho de 1987 - Proc. nº 24376), interpretou as normas em causa, ali aplicáveis por força do artigo 102º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, em termos de nelas se exigir que as situações de facto que subjazem às soluções jurídicas divergentes hão-de apresentar elementos que as identifiquem como questões de facto merecedoras de um idêntico tratamento jurídico, não se exigindo ali, ao contrário do alegado pelo recorrente 'uma absoluta identidade factual entre os casos julgados', mas tão somente que apresentem elas uma 'identidade essencial, na perspectiva das soluções de direito encontradas'.
Esta interpretação mostra-se inteiramente conforme com o sentido e alcance das respectivas normas e com os objectivos que estão na base dos recursos para o Tribunal Pleno, enquanto instrumentos dirigidos à uniformização da jurisprudência.
Não se observa ali qualquer violação do princípio da igualdade
- parece de todo desadequada a invocação a respeito desta matéria do artigo 13º da Constituição - como do mesmo modo não se tem por pertinente a suscitação de uma hipotética colisão entre as normas questionadas e os artigos 138º do Código de Processo Civil e 8º, nº 3 e 9º, nº 1, do Código Civil, a que a recorrente atribuiu a natureza de 'normas legais com valor reforçado'.
Nem tão pouco se poderá falar em violação do direito de acesso aos tribunais a que se reporta o artigo 20º, nº 1 da Constituição, norma aliás não aduzida pela recorrente.
Como é sabido, o direito de acesso aos tribunais inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, o direito de acção, isto é, o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, solicitando a abertura de um processo com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada.
Mas, para além do direito de acção, que se materializa através do processo, compreendem-se, no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente:
(a) o direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso; (b) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas; (c) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas;
(d) o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que, através do
órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença proferida pelo tribunal.
Há-de ainda assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual
'a proibição da `indefesa' que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses' (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pp. 163 e 164 e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pp.
82 e 83).
Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, caracterizando o acórdão nº 86/88, Diário da República, II série, de 22 de Agosto de 1988, o direito de acesso aos tribunais como sendo 'entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 364)'.
Ora, no seguimento destes princípios, não pode afirmar-se que o entendimento interpretativo dado àquelas normas pelo acórdão recorrido se traduza em violação do direito à tutela judicial efectiva constitucionalmente consagrado.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar, no que à questão de constitucionalidade respeita, o acórdão recorrido.
Lisboa, 24 de Setembro de 1997 Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa