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Processo n.º: 896/2005
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 21 de Novembro de 2005 o relator proferiu a seguinte
decisão: –
“1. Tendo o arguido A. peticionado a abertura da instrução
e solicitado, no requerimento consubstanciador desse pedido, a reinquirição de
determinado indivíduo e a ‘produção de prova pericial no sentido da mesma
determinar com precisão quais os circuitos documentais da sociedade B.,
especificando-se como os mesmos são concebidos e circulam’, o Juiz do 5º Juízo
do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, por despacho de 29 de Outubro de
2004, veio a indeferir essa pretensão, dizendo, em síntese: –
– no que concerne à reinquirição, que nos autos não
constava ninguém com o nome do indivíduo citado naquele requerimento, existindo,
isso sim, um outro, que foi ouvido no inquérito e que, face ao teor das
declarações prestadas e à qualidade em que as prestou, tornava-se desnecessária
a sua nova audição;
– no tocante à requerida produção de prova pericial,
entendeu que ela não revestia de matéria relevante para uma conscienciosa
decisão instrutória, perante a prova produzida em sede de inquérito,
afigurando-se que o solicitado poderia ser havido como a prática de um acto
destinado a protelar o andamento do processo.
Apresentou então o arguido reclamação, o que fez, disse,
‘nos termos do art.º 291.º do Código de Processo Penal’, tendo o aludido Juiz,
por despacho de 18 de Novembro de 2004, mantido o seu anterior despacho.
Do despacho de 18 de Novembro de 2004 requereu o arguido a
respectiva aclaração, o que veio a ser indeferido por despacho de 24 de Novembro
de 2004.
Daquele despacho de 18 de Novembro de 2004 interpôs o
arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa – constando dos presentes
autos a apresentação de uma motivação em que, porém, se escreveu ‘C., Arguido
nos autos à margem referenciados’ –, recurso esse que não foi admitido nos
termos do nº 1 do artº 291º do Código de Processo Penal.
Dessa não admissão reclamou o arguido para o Presidente
daquele Tribunal de 2ª instância, tendo, na peça processual em que a reclamação
foi deduzida, dito, a dado passo e no que agora interessa: –
‘(…)
Ainda noutra vertente apreciada,
Sempre se terá de ter por inconstitucional a interpretação do artigo 291.º, n.º
1 do CPP, no sentido em que é irrecorrível qualquer despacho que se limite a
indeferir a reclamação da não admissão das diligências requeridas em sede de
instrução.
Pois não é esse o intuito da norma, pois quando se trata de despacho
visivelmente não fundamentado, sem qualquer relação ou refer[ê]ncia aos factos
constantes dos autos que indefere, o que o torna claramente ilegal, não pode ser
vedada a via de recurso ao lesado, neste caso o Arguido.
Pois tal situação seria uma inadmissível limitação ao direito e às garantias de
defesa do Arguido o que ofende de frente as normas da lei fundamental constantes
do artigo 20.º e 32.º da CRP.
(…)’
O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, por
despacho de 29 de Agosto de 2005, indeferiu a reclamação.
Pode ler-se nesse despacho: –
‘(…)
II
8. Ressalvado o devido respeito, não pode
conceder-se provimento à tese do reclamante.
9. Com efeito, desde logo, o despacho que indefere as diligências instrutórias
requeridas pelo arguido/reclamante alinha, com clareza inarredável, ainda que de
forma sucinta, as razões por que considera que a inquirição e a perícia
requeridas não interessam à instrução.
10. Por outro lado, nos termos prevenidos no art. 291.º/1, do CPP, «[…] o juiz
indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à
instrução [… ]». A irrecorribilidade da decisão em referência, introduzida pela
Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, visou, consabidamente, eliminar incertezas e
hesitações resultantes da versão originária do preceito sobre a possibilidade de
recurso de actos intermédios quando, em regra, não era admissível o recurso da
decisão instrutória.
11. Acresce salientar que o Tribunal Constitucional considerou já que o preceito
em referência, e a dita interpretação que dele se extracta, não é
inconstitucional – remetendo-se o reclamante para as razões arroladas nos
Acórdãos daquele Tribunal n.ºs 371/2000 (Diário da República – II Série, n.º
280, de 5-12-2000, p. 19758 e segs.), 375/2000 (Diário da República – II Série,
n.º 265. de 16-11-2000, p. 17607 e segs.), 459/2000 (Diário da República – II
Série, n.º 284, de 11-12-2000, p. 19811) e 176/2002 (Diário da República – II
Série, n.º 131, de 7-6-2002, p. 10740 e segs.).
(…)’
Do despacho de que parte se encontra transcrita recorreu o
arguido para o Tribunal Constitucional, o que fez por meio de requerimento com o
seguinte teor: –
‘A., tendo sido notificado da douta decisão de V. Exa., oportunamente exarada,
que considerou improcedente a reclamação por si interposta, vem ao abrigo do
disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei 28/82 de 15 de Novembro e
diplomas que a alteraram, respeitosamente, recorrer para o Tribunal
Constitucional do mesmo, douto Despacho, que se pronunciou pela não
inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 291.º, n.º 1 do Código de
Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de
Agosto, na parte em que determina a irrecorribilidade do despacho do juiz que
indefere o requerimento de realização de diligências instrutórias, por violação
do disposto nos artigos 20.º, 29.º, 32.º e 205.º e ‘a contraio’ dos artigos
209.º, n.º 1, al. a) e 210.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa’,
bem como do art.º 6.º da CEDH. que vigora na ordem jurídica Constitucional
Portuguesa, por força do princípio da recepção automática consignado no art.º
8.º da mesma Constituição.
Num Estado de Direito Democrático as norma jurídicas têm de possuir uma
interpretação minimamente coerente do ponto de vista lógico e literal, não se
podendo extrair das mesmas conclusões irreais, sob pena de se preterir e violar
o Estado de Direito Democrático.’
Tendo o Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa,
por despacho de 7 de Outubro de 2005, convidado o arguido a aperfeiçoar o
requerimento de interposição de recurso, indicando a peça processual em que
suscitou a questão de inconstitucionalidade, veio o mesmo arguido dizer que uma
tal suscitação ocorreu na reclamação dirigida ao Juiz do Tribunal de Instrução
Criminal de Lisboa, ‘Colocando em causa a interpretação da norma contida no
artigo 291.º do CPP, que considere atribuído ao Juiz um poder discricionário que
lhe permita indeferir as diligências requeridas sem usar de qualquer
fundamentação concreta de facto, que não seja por mer[o] assento em conclusões
pessoais de direito’, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da
Relação de Lisboa e na reclamação dirigida ao Presidente desse Tribunal de 2ª
instância.
Por despacho lavrado em 27 de Outubro de 2005, o
Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa admitiu o recurso interposto
para o Tribunal Constitucional, vindo os autos a ser remetidos a este em 2 de
Novembro seguinte.
2. Entende-se ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do
artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Não se deixa de anotar que, na reclamação dirigida ao
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido – como deflui da
transcrição supra efectuada – questionou a harmonia constitucional da norma
vertida no nº 1 do artº 291º do diploma adjectivo criminal enquanto interpretada
‘no sentido em que é irrecorrível qualquer despacho que se limite a indeferir a
reclamação da não admissão das diligências requeridas em sede de instrução’, já
que a intenção normativa não seria a da determinação da irrecorribilidade quando
se tratasse ‘de despacho visivelmente não fundamentado, sem qualquer relação ou
refer[ê]ncia aos factos constantes dos autos que indefere’.
Ora, o despacho sob censura, de todo em todo, não aplicou
tal normativo na dimensão interpretativa de acordo com a qual a estatuição da
irrecorribilidade constante do citado preceito era também abrangente das
situações em que a decisão de indeferimento de realização de diligências
requeridas em instrução se não encontrasse fundamentada.
Pelo contrário, o Presidente do Tribunal da Relação de
Lisboa entendeu que o despacho prolatado pelo Juiz do 5º Juízo do Tribunal de
Instrução Criminal de Lisboa alinhava, «com clareza inarredável», as razões
pelas quais indeferiu a realização das solicitadas diligências.
Poder-se-ia, assim, dizer que o sentido interpretativo
que, neste particular, foi tido pelo arguido como desconforme com o Diploma
Básico, não cobrou aplicação no despacho ora sub specie.
Todavia, como, numa primeira asserção, na falada
reclamação, o arguido veio sustentar que o normativo em apreço seria
inconstitucional ao prescrever a irrecorribilidade de ‘qualquer despacho que se
limite a indeferir a reclamação da não admissão das diligências requeridas em
sede de instrução’, e como no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional se reporta tão só à ‘norma ínsita no artigo 291.º, n.º 1
do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/98, de
25 de Agosto, na parte em que determina a irrecorribilidade do despacho do juiz
que indefere o requerimento de realização de diligências instrutórias’,
admite-se que o vertente recurso incida sobre o indicado preceito, na redacção
actualmente em vigor, mas tão somente no segmento em que dele se extrai a
irrecorribilidade dos despachos que indeferem actos requeridos que não
interessarem à instrução.
Nesta admissibilidade, tendo em conta a jurisprudência que
tem sido lavrada por este Tribunal, haverá que concluir que a questão deve ser
perspectivada como «simples» para os efeitos do nº 1 do já indicado artº 78º-A
da Lei nº 28/82.
Na verdade, já por várias vezes este órgão de fiscalização
concentrada da constitucionalidade se pronunciou sobre a compatibilidade
constitucional da norma sub iudicio.
Fê-lo, verbi gratia, nos seus Acórdãos números 371/2000,
375/2000, 459/2000 e 176/2002 (citados, aliás, no despacho proferido pelo
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa) e nos Acórdãos números 78/2001
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt) e 464/2003 (publicado na II Série
do Diário da República de 5 de Janeiro de 2004).
É para a fundamentação carreada a esses arestos – que
impostaram a questão, analisando as invocadas violações das disposições
constitucionais citadas pelo arguido no requerimento de interposição do presente
recurso [sendo que, no respeitante aos artigos 205º, 209º, nº 1, alínea a), e
210º, nº 1, todos da Constituição, se não vislumbra minimamente a razão da sua
convocação] –, que agora se remete, concluindo-se, identicamente, que a norma em
causa não padece do vício de inconstitucionalidade.
Neste contexto, nega-se provimento ao recurso,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em seis unidades de conta.
Da transcrita decisão veio o recorrente reclamar para a
conferência nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, dizendo que “Mais
se ousa referir, que o Acórdão número 464/2003, citado na decisão sumária, que
serviu também de âncora à mesma decisão, se refere a um ofendido, quando a
questão em discussão nos presentes autos se reporta a um arguido, regimes
jurídico-constitucionais de protecção legal, manifestamente opostos”.
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério
Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a mesma ser
manifestamente improcedente, já que “a argumentação do reclamante não é
obviamente susceptível de pôr em crise a corrente jurisprudencial que
reiteradamente se vem pronunciando sobre a questão por ele colocada”.
Cumpre decidir.
2. Na reclamação ora sub iudicio não são avançadas quaisquer
razões, além da parte acima transcrita, que apontem no sentido de, na presente
situação, não ser levado a efeito um juízo de não desconformidade constitucional
da norma inserta no nº 1 do artº 291º do Código de Processo Penal em vigor na
parte em que dela se retire o comando da irrecorribilidade dos despachos que
indeferem actos requeridos que não interessem à instrução.
Na decisão em crise, para além do Acórdão nº 464/2003, outros
arestos deste órgão de administração de justiça foram objecto de citação,
tirados em casos em que quem figurava como sujeito processual que desejava
recorrer de despachos daquele jaez era o arguido, neles se tendo igualmente
concluído pela não insolvência constitucional da norma em apreço.
Não se vislumbrando motivos para divergir da jurisprudência
tomada por este Tribunal, indefere-se a reclamação, em consequência se
confirmando a decisão que negou provimento ao recurso.
Custas pelo impugnante, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 7 de Novembro de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício