Imprimir acórdão
Processo n.º 578/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a A., ora
reclamada, instaurou, contra diversos réus, incluindo a ora reclamante, B.,
acção com processo ordinário, pedindo que se declarasse a nulidade, por
simulação, de determinados negócios jurídicos ou, subsidiariamente, que se
julgasse procedente a impugnação pauliana dos mesmos. A acção foi julgada
procedente, sendo declarada a nulidade, por simulação, de diversos negócios
jurídicos e condenados vários réus como litigantes de má fé. Inconformados,
apelaram os réus, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães julgado improcedente
a apelação.
2. Ainda inconformados, vieram os réus, interpor recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça, formulando, para o que agora releva, as seguintes conclusões:
“[...] 2. Verifica-se que tanto a douta decisão proferida em 1ª instância como o
douto acórdão ora em crise violam o disposto no nºs 2 e 3 do artº 653º e o nº 2
do artº 659º ambos do C.P.C..
3. Volta-se novamente a verificar no douto acórdão a falta de indicação de facto
e de direito que justifiquem a decisão, ou seja não são especificados os
fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.
4. Foi violado o dever de motivação e fundamentação das decisões judiciais, quer
quanto à decisão proferida em 1ª instância como no douto acórdão ora em crise.
5. Sendo por isso violado no dito acórdão o estipulado no artº 208º da C.R.P. e
o disposto no artº 158º, nº 1do C.P.C..
6. Como, também, foi violado o disposto no nº 3 do artº 712º do C.P.C., dado que
o douto acórdão ora em crise não indicou, para cada facto ou grupo de factos os
meios concretos de prova são, entre outros os depoimentos expressamente
designados.
7. Não foram referidos, os depoimentos tidos por decisivos, nem individualizados
os documentos tidos por relevantes, fazendo uma referência genérica aos mesmos.
8. Ou seja, a falta de indicação de facto e de direito que justifiquem a decisão
(artº 698º, nº 1 do C.P.C.) constitui nulidade quando o Tribunal julgou
procedente ou improcedente um pedido, mas não específica quais os fundamentos de
facto ou de direito que não foram relevantes para essa decisão.
9. Assim no que toca à concreta motivação da decisão de facto nos autos, a mesma
não se mostra, efectivamente, muito explicativa, sobretudo ao nível das
respostas positivas.
10. Ora, atenta a posição assumida no douto acórdão ora em crise e a obrigação,
instituída no nº 1 do artº 205º da Lei fundamental, de motivação das decisões
judiciais, de facto, garantia integrante do próprio conceito de Estado de
Direito Democrático a que se refere o artº 2º, foi claramente violada.
11. O registo da prova produzida na audiência de discussão e julgamento deve e
tem que envolver a garantia da possibilidade das instâncias superiores reverem a
matéria de facto posta em crise, sob pena, como sucede no presente caso de ao
não ser feita existir violação de lei atento o disposto no Dec. Lei 39/95 de
15/2.
12. O que se pretende é que o julgador pese, embora, o depoimento de algumas
declarações prestadas pelas testemunhas, não se pronuncie quanto à relevância
deste ou daquele depoimento, quanto ao valor dos depoimentos testemunhais, não
se referindo à sua maior ou menor isenção, credibilidade, clareza, e razão de
ciência, e não esclarece, quanto aos factos não provados, como sucede nos
presentes autos, que os meios de prova não permitiram formar a convicção quanto
à sua ocorrência, ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da realidade.
13. E não é o facto de a produção de prova testemunhal ter sido integralmente
gravada que dispensa essa indicação.
14. Não se aplicando o disposto no Dec. Lei referido em 11 supra nos seus
precisos termos e como sucede no douto acórdão ora em crise estamos perante uma
inconstitucionalidade clamorosa.
15. Ou seja, o douto acórdão ao não ter tido em conta o princípio consagrado
naquele Dec. Lei estamos em sede de recurso perante uma situação de confirmação
das sentenças proferidas em 1ª instância mais do que a procura da descoberta da
verdade material.
16. Além do mais, a obrigação de fundamentação da decisão da matéria de facto é
um corolário lógico da afirmação do princípio da liberdade de julgamento,
assenta este na ponderação, na reflexão e na conjugação dos vários elementos de
prova carreados para o processo que na audiência foram produzidos.
17. Na verdade o STJ tem entendido que a lei não se contenta com a seguinte
fundamentação: “as respostas positivas assentam no juízo formulado no conjunto
das testemunhas respectivamente inquiridas e do exame dos documentos
apresentados, quer em audiência, quer anteriormente”.
18. A afirmação de que as respostas se fundam nos depoimentos das testemunhas
ouvidas e nos documentos juntos não integra a fundamentação exigida pelos artºs
653º e 712º, nº 3 do C.P.C., como sucede nos presentes autos.
19. Aliás, o artº 712º do C.P.C. tem por finalidade garantir a correcção do
apuramento da matéria de facto, podendo neste caso, como se espera, o STJ
intervir, uma vez que a Relação, torna-se indispensável que este indique
explicite, clara e discriminadamente os factos que teve como provados (artºs
659º, nº 2, 713º, nº 2, 716º e 729º do C.P.C.).
[...]”
3. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Abril de 2005, negou a
revista, invocando, nomeadamente, o seguinte:
“[...] Em primeiro lugar, invocam os recorrentes violação do disposto nos art.ºs
653°, n.ºs 2 e 3, e 659°, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, quer pela sentença da 1ª
instância, quer pelo acórdão recorrido.
O que aqueles normativos respectivamente dispõem é que:
[...]
E foi isso exactamente o que foi feito.
Na verdade, a fls. 755 a 759 encontra-se a decisão da matéria de facto proferida
na 1ª instância, pela Ex.ma Juíza a quem competia presidir ao julgamento,
singularmente por ter sido requerida gravação da audiência final.
Nessa decisão são indicados os pontos da matéria de facto que o Tribunal
considerou provados e os pontos não considerados como tal. E a decisão assim
proferida, que não se limita de forma alguma a afirmar que as respostas
resultaram da prova produzida ou do conjunto das testemunhas documentos
apresentados, mostra-se devidamente fundamentada, até de forma exemplar,
mediante análise crítica e ponderada das provas produzidas e especificação de
fundamentos decisivos para a formação da convicção da julgadora, com pormenor e
clareza, sendo de notar que disposição legal alguma impõe a transcrição dos
depoimentos ou do conteúdo dos documentos na fundamentação da decisão da matéria
de facto.
Por sua vez, a sentença proferida na 1ª instância mostra-se elaborada na forma
legal, contendo no local próprio a respectiva fundamentação, de facto (basta
vê-la para logo se constatar a inclusão, nela, da descrição exaustiva dos factos
dados por provados, não se compreendendo sequer como podem os recorrentes
afirmar que tal não se mostra feito) e de direito (mediante interpretação e
aplicação de dispositivos legais atinentes à situação de facto, respeitantes a
compra e venda, simulação, nulidade, registo predial e má fé processual) .
Foi isto mesmo que no acórdão recorrido foi examinado, mediante análise de prova
até mais pormenorizada do que a ali pretendida pelos recorrentes, então
apelantes, - visto que daquele acórdão consta que foi renovada a prova na sua
integralidade de acordo com os elementos constantes dos autos, como até o n.º 2
do art.º 712° do Cód. Proc. Civil lhe permitia, não se limitando portanto à
análise dos elementos então referidos pelos apelantes nas respectivas alegações
-, nele se concluindo, e bem, pela inexistência na sentença da 1ª instância de
qualquer dos invocados vícios.[...]
Assim, tem de se entender, da mesma forma, que o acórdão recorrido não enferma
de qualquer dos apontados vícios, por não infringir qualquer dos apontados
normativos, inclusive o do art.º 158°, n.º 1, do Cód. Proc. Civil ou o Dec. -
Lei n.º 39/95, de 15/2, não se vendo igualmente em que é que foi violado o
disposto no art.º 208°, ou no art.º 205°, n.º 1, da C.R.P. ou qual a norma legal
ordinária que tenha sido interpretada e aplicada em sentido divergente do
consagrado em qualquer dessas disposições constitucionais.
Por isso se entende igualmente que não se verifica a nulidade invocada, que se
supõe ser a do art.º 668°, n.o 1, al. b), do Cód. Proc. Civil: os fundamentos de
facto e de direito que conduziram à decisão mostram-se, como resulta do exposto,
devida e pormenorizadamente especificados, quer na sentença da 1ª instância,
quer no acórdão recorrido.
Quanto à invocação do disposto no n.º 3 do art.º 712° do Cód. Proc. Civil, de
novo não assiste razão aos recorrentes: a renovação na Relação dos meios de
prova produzidos em 1ª instância, para além da análise que nos presentes autos
ali foi feita, constitui mera faculdade da Relação, que a pode determinar quando
a considere necessária por entender que tal renovação se torna indispensável
para o apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada.
Ora, se a Relação considerou desnecessário proceder a essa renovação, formou
ela, com base em elementos que considerou suficientes, o seu próprio juízo sobre
a matéria de facto, como era de sua competência. E esse entendimento integra uma
decisão pelo menos implícita de não renovação dos meios de prova, tomada ao
abrigo do disposto no apontado n.º 3, da qual não cabe recurso (n.º 6 do mesmo
art.º 712°) .
[...]
Para além disso, a matéria de facto apurada já constitui base suficiente para a
decisão de direito e não integra qualquer contradição, pelo que não há também
lugar à remessa dos autos à Relação para os fins do disposto nos art.os 729°,
n.º 3, e 730°, n.º 1, do mesmo diploma [...]”.
4. Deste acórdão foi interposto, por Franklin Soares de Azevedo e outros,
incluindo a ora reclamante, recurso para este Tribunal, através de um
requerimento do seguinte teor:
“[...]Recorrentes nos autos supra identificados,
Porque não se conformam com a, aliás, douta decisão que indeferiu o recurso
apresentado pelos aqui recorrentes que constitui o objecto do processo
identificado em epígrafe dele interpõem recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL,
ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 e 2 do art.º 70.º da Lei 28/82, de 15
de Novembro (alterado pela Lei 143/85, de 25 de Novembro, 85/89, de 7 de
Setembro e 13-A/98 de 26 de Fevereiro), para apreciação da inconstitucionalidade
formal e material das normas estatuídas nos n.ºs 2,3 do art.º 653°, n.º 2 do
art.º 659, 158°, n° 1, n° 3 do art.º 712° e 698 n° 1, todos do Cód. Proc. Civil
e que os recorrentes suscitaram nos diversos recursos interpostos até à presente
decisão ora em crise por violação do estipulado nos art.ºs 205.º, n.º1, 208.º e
2.º, todos da Constituição da República Portuguesa e por conseguinte a
interpretação dada no caso concreto, por este douto Tribunal recorrido, é
inconstitucional por falta de fundamentação da sentença e em especial contra
abusos processuais e defesa dos interesses legalmente protegidos, consagrados no
n.º 1 e 4 do art.º 20.º, n.º1 do art.º 26.º, art.º 32.º e n.º 2 do art.º 202.º
da C.R.P., contrariamente ao por este perfilhado que diz não se verificarem
quaisquer violações daquelas normas e tão pouco se vislumbra qualquer
inconstitucionalidade por se encontrar a decisão em crise devidamente
fundamentada.[...]”
5. Tendo este recurso sido admitido, foi, na sequência, proferida pelo Relator
do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do
objecto do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o seu teor:
“[...] Admitido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, cumpre, antes de mais,
decidir se dele se pode conhecer, uma vez que a decisão que o admitiu não
vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da LTC).
O recorrente indica, como fundamento do recurso, a alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional. Vejamos então se se verificam os
pressupostos de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional
exigidos por essa alínea.
O recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, porque de recurso se trata, pressupõe, designadamente, que o
recorrente tenha suscitado, de modo processualmente adequado perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, a inconstitucionalidade de determinada norma
jurídica - ou de uma sua dimensão normativa e que, não obstante, a decisão
recorrida a tenha aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso.
Importa, pois, começar por averiguar se os recorrentes suscitaram, de modo
processualmente adequado, perante o Supremo Tribunal de Justiça, alguma questão
de constitucionalidade normativa em termos que lhes viessem a permitir interpor
recurso de constitucionalidade para este Tribunal.
Ora, como se verá sucintamente já de seguida, é manifesto que o não fizeram.
De facto, se atentarmos no teor da alegação de recurso apresentada no Supremo
Tribunal de Justiça – única peça aqui relevante e cujas conclusões já
transcrevemos na parte que interessa - verificamos que os recorrentes, ao
contrário do que afirmam no requerimento de interposição do recurso para o
Tribunal Constitucional, não imputam aí, como deviam, a violação da Constituição
a uma qualquer norma, mas sim, quando muito, à própria decisão de que
recorreram. Para o demonstrar basta recordar as passagens daquela peça
processual onde os recorrentes se referem a uma alegada violação da
Constituição. Assim, na conclusão n.º 2, afirmam: “Verifica-se que tanto a douta
decisão proferida em 1ª instância como o douto acórdão ora em crise violam o
disposto no nºs 2 e 3 do artº 653º e o nº 2 do artº 659º ambos do C.P.C.”, para
acrescentarem, na conclusão 5, “Sendo por isso violado no dito acórdão o
estipulado no artº 208º da C.R.P. e o disposto no artº 158º, nº 1do C.P.C.”.
Além disso, afirmam, na conclusão 6, ter sido “também [] violado o disposto no
nº 3 do artº 712º do C.P.C.”, acrescentando, na conclusão 9, que, “no que toca à
concreta motivação da decisão de facto nos autos, a mesma não se mostra,
efectivamente, muito explicativa, sobretudo ao nível das respostas positivas.”,
para concluírem, na conclusão 10ª, que “[...] atenta a posição assumida no douto
acórdão ora em crise e a obrigação, instituída no nº 1 do artº 205º da Lei
fundamental, de motivação das decisões judiciais, de facto, garantia integrante
do próprio conceito de Estado de Direito Democrático a que se refere o artº 2º,
foi claramente violada”. Finalmente, nas conclusões 14 e 15, dizem: “Não se
aplicando o disposto no Dec. Lei. [Dec. Lei 39/95 de 15/2] referido em 11 supra
nos seus precisos termos e como sucede no douto acórdão ora em crise estamos
perante uma inconstitucionalidade clamorosa”. “Ou seja, o douto acórdão ao não
ter tido em conta o princípio consagrado naquele Dec. Lei estamos em sede de
recurso perante uma situação de confirmação das sentenças proferidas em 1ª
instância mais do que a procura da descoberta da verdade material.”(itálico e
negrito aditados).
É, contudo, jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, não estando
em causa uma dimensão normativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a
própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização
concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto
no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82, e assim tem
sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Ora, não tendo
os recorrentes suscitado, de modo processualmente adequado perante o Supremo
Tribunal de Justiça, uma questão de constitucionalidade normativa, como exige a
alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC, ao abrigo da qual recorrem, não está
presente, pelo menos, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso para o
Tribunal Constitucional, o que implica não lhes estar aberta a via de recurso
para este Tribunal.
Acresce que os recorrentes pretendem ver apreciada a “inconstitucionalidade
formal e material das normas estatuídas nos n.ºs 2,3 do art.º 653°, n.º 2 do
art.º 659, 158°, n° 1, n° 3 do art.º 712° e 698 n° 1, todos do Cód. Proc.
Civil”, sendo certo que, em seu entender, essas normas teriam sido violadas pelo
próprio acórdão de que recorreram. Ora, como se afirmou, nomeadamente, no
Acórdão n.º 128/2005 (disponível na página Internet do Tribunal, no endereço
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), “«se se utiliza uma
argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal
ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais,
tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão
judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento
jurídico infra-constitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que
se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e
[que] este é desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se um preceito da
lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que
esgrimir com a violação desse preceito, representa uma óptica de acordo com a
qual ele se mostra consonante com a Constituição». Isto é, se se sustenta que
determinada postura é, simultaneamente, violadora de preceitos do ordenamento
jurídico infra-constitucional e de normas constitucionais só se pode concluir
que se está a questionar a própria decisão judicial e não a constitucionalidade
dos preceitos ordinários. O que, igualmente, sempre conduziria à solução
encontrada na decisão sumária ora reclamada – impossibilidade de conhecimento do
recurso interposto.”
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se
evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que, não
tendo os recorrentes suscitado, de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei
do Tribunal Constitucional, qualquer questão de constitucionalidade normativa,
não está presente, pelo menos, um dos pressupostos da sua admissibilidade.
[...]”
6. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º
3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que a reclamante fundamenta
da seguinte forma:
“[...], reclamar para a conferência da douta decisão sumária proferida pelo
Exmo. Conselheiro Relator que decidiu não conhecer do objecto do recurso
interposto pelo ora reclamante, por considerar que a decisão impugnada não
aplicou as normas com o sentido que a recorrente a submete à apreciação deste
Tribunal.
O que o faz ao abrigo do disposto no art.º 78.º - A. n.º 3 da LTC e com os
seguintes fundamentos:
A douta decisão reclamada prejudica os interesses processuais do requerente e
foi proferida pelo Exmo. Conselheiro - Relator, pelo que lhe assiste o direito
de “requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão” (para usar o
teor literal do n.º 3, do art.º 700.º do C.P.C.).
Com o devido respeito, a requerente discorda da argumentação expendida no douto
acórdão em referência na medida em que, o que se pretende que este Tribunal
Constitucional aprecie é, de facto a inconstitucionalidade formal e material das
normas estatuídas nos nºs 2, 3 do art.º 653.º, n.º 2 do art.º 659.º. 158.º n.º1,
n.º 3 do art.º 712.º e 698.º n.º 1. todos do Código de Processo Civil e que o
recorrente suscitou nos diversos recursos interpostos por violação do estipulado
nos arts 205.º, n.º1, art.º 208.º e 2.º, todos da Constituição da República
Portuguesa, por tais decisões recorridas e por conseguinte a interpretação dada
no caso concreto, é inconstitucional por falta de fundamentação da sentença e em
especial contra abusos processuais e defesa dos interesses legalmente protegidos
e consagrados no n.º 1 e 4 do art.º 20º, n.º l do art. 26.º, art.º 32.º e n.º 2
do art.º 202.º da C.R.P ..
Ora é esta interpretação que se pretende ver fiscalizada por este Tribunal
Constitucional e não qualquer outra.
O facto de o Tribunal da Relação de Guimarães e o STJ ter decidido no sentido de
não dar provimento aos recursos apresentados, é um mero efeito ou consequência
da interpretação que figura das normas aí citadas, que reflecte-se, é aquela que
se pretende ver fiscalizada por este Tribunal.
A inconstitucionalidade das sentenças recorridas por falta de fundamentação e
consequente violação dos preceitos supra referidos e em especial contra abusos
processuais e defesa dos interesses legalmente protegidos.
Aliás, esta mesma interpretação já foi efectuada noutros acórdãos na nossa
Jurisprudência e que têm o mesmo objecto do Recurso ora em crise.
Pelo exposto.
A Reclamante pretende que sobre a matéria da douta decisão sumária em mérito
seja proferido acórdão, pelo que deve a mesma ser submetida à conferência, nos
termos do disposto no art.º 78.º-A, n.º 3, da LTC (cft. art.º 700.º, n.º 3 do
CPC). [...]”
7. Notificada para responder, querendo, à reclamação da recorrente, a A.,
recorrida, nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
8. A recorrente vem reclamar da decisão sumária. A forma como o faz revela,
contudo, que não só estará menos familiarizada com o mecanismo de impugnação das
decisões sumárias proferidas no Tribunal Constitucional, como, sobretudo, o que
é decisivo no presente contexto, não terá compreendido as razões pelas quais não
pode este Tribunal conhecer do recurso que pretendeu interpor e que não deveria
sequer ter sido admitido.
Na verdade, admitindo o presente requerimento como reclamação para a conferência
nos precisos termos do artigo 78º-A n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional,
verifica-se, contudo, que o mesmo em nada infirma os fundamentos da decisão
sumária ora reclamada. Senão vejamos.
A recorrente afirma que vem reclamar da decisão sumária que “decidiu não
conhecer do objecto do recurso interposto pelo ora reclamante, por considerar
que a decisão impugnada não aplicou as normas com o sentido que a recorrente a
submete à apreciação deste Tribunal.” Ora, é manifesto que não é à decisão
sumária proferida neste processo que tal asserção se pode aplicar.
Na verdade, na decisão sumária reclamada, invocando que é “jurisprudência
pacífica e sucessivamente reiterada que, não estando em causa uma dimensão
normativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a própria decisão em si
mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade vigente em Portugal”, concluiu-se, e tanto bastou, que “não
pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que, não tendo os
recorrentes suscitado, de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei do Tribunal
Constitucional, qualquer questão de constitucionalidade normativa, não está
presente, pelo menos, um dos pressupostos da sua admissibilidade.”
Vem a ora reclamante, embora de forma algo confusa e, em alguns casos,
absolutamente ininteligível, na sequência, aliás, do modo como, por vezes, se
expressou ao longo do processo, confirmar, agora, que assim foi. Na verdade,
embora refira uma suposta inconstitucionalidade “formal e material das normas
estatuídas nos nºs 2, 3 do art.º 653.º, n.º 2 do art.º 659.º. 158.º n.º1, n.º 3
do art.º 712.º e 698.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil”, a sua crítica
vai integralmente para a alegada inconstitucionalidade das diferentes decisões
proferidas no processo, sendo certo que a referência que faz a uma, nunca
identificada, “interpretação dada no caso concreto” a determinadas normas mais
não representa do que a referência à aplicação das normas em causa, à subsunção
dos factos a tais normas ou, no limite, à própria decisão recorrida, tudo
insusceptível, como é sobejamente sabido, de ser objecto de recurso para este
Tribunal. Para o demonstrar, basta recordar os seguintes passos da reclamação:
“[...]violação do estipulado nos arts 205.º, n.º1, art.º 208.º e 2.º, todos da
Constituição da República Portuguesa, por tais decisões recorridas e por
conseguinte a interpretação dada no caso concreto, é inconstitucional por falta
de fundamentação da sentença e em especial contra abusos processuais e defesa
dos interesses legalmente protegidos e consagrados no n.º 1 e 4 do art.º 20º,
n.º l do art. 26.º, art.º 32.º e n.º 2 do art.º 202.º da C.R.P. Ora é esta
interpretação que se pretende ver fiscalizada por este Tribunal Constitucional e
não qualquer outra.”; “[...] A inconstitucionalidade das sentenças recorridas
por falta de fundamentação e consequente violação dos preceitos supra referidos
e em especial contra abusos processuais e defesa dos interesses legalmente
protegidos” (itálicos aditados).
9. Assim sendo, pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém
inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente
de não conhecer do objecto do recurso que a ora reclamante pretendeu interpor.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação, confirmando-se a
decisão reclamada de não conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 2 de Novembro de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício