Imprimir acórdão
Proc. nº 364/96
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. Banco A., em apenso à providência cautelar não especificada movida por B., entretanto falecido, e com as herdeiras devidamente habilitadas, C. e outra, veio deduzir embargos, com vista ao levantamento das providências decretadas, que correram seus termos no 7º Juízo Cível de Lisboa.
Por sentença de 10 de Fevereiro de 1993, foram aqueles embargos considerados improcedentes, e a embargante condenada por litigância de má-fé.
2. Inconformado, veio aquele banco A. interpor recurso de apelação daquela sentença. Nas suas alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade do artigo 1029º, nº 1, alínea b), do Código Civil, por violação do artigo 13º da Constituição.
Por acórdão de 2 de Fevereiro de 1995, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença recorrida, com excepção da condenação em litigância de má fé.
Quanto à suscitada questão de inconstitucionalidade, decidiu a Relação que a «petição do embargante nasceu ao arrepio da sua defesa nos autos principais. Essa sintonia com a defesa no que concerne à existência do arrendamento, por si, torna absurdo invocar-se violação do 'princípio da igualdade' consignado no artigo 13º da C.R.P.».
3. Novamente inconformado, o recorrente interpôs recurso desse Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça.
Nas suas alegações, continuou o recorrente a suscitar a questão da inconstitucionalidade da norma constante da alínea b) do nº 1 do artigo 1029º do Código Civil, afirmando ainda que o acórdão recorrido não tomou em atenção essa 'temática', não tendo apreciado a matéria de inconstitucionalidade suscitada.
Por acórdão de 12 de Dezembro de 1995, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, e quanto à suscitada questão de inconstitucionalidade decidiu que
No que respeita à imputação ao acórdão recorrido, de não apreciação da matéria de inconstitucionalidade, resulta do mesmo que isso foi considerado, com efeito e lapidarmente se diz aí que 'essa sintonia ... torna absurdo invocar-se a violação do 'princípio da igualdade' consignado no artigo
13º da Constituição.'
De mais, adiantaremos que tal questão, face ao que acima deixamos dito, teria lugar próprio de discussão na acção de preferência e não nestes autos.
4. É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, para apreciação da «suscitada questão de inconstitucionalidade dos artigos 5º, nº 1, do Decreto Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro e 1029º do Código Civil», por violação dos nºs 1 e 2 do artigo 13º da Constituição, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b) da LTC.
Nas suas alegações neste Tribunal, concluiu assim o recorrente:
a) - Considerou-se que a falta de escritura pública impedia entender-se existir o contrato de arrendamento invocado nos autos.
b) - esse entendimento repercute-se tão só na esfera jurídica de um litigante que seja locador, não sucedendo o mesmo com litigante que seja locatário.
c) - Está-se, pois, perante diferença de tratamento que atinge deliberadamente só certa classe de sujeitos de direito.
d) - Essa diferença de tratamento não tem na sua base quaisquer razões que a justifiquem, sendo pois arbitrária e injusta.
e) - Esta diferença de tratamento tem, igualmente, repercussões no plano processual.
Deve pois considerar-se inconstitucional, por violação dos artigos 13º, nº 2, 18º, nº 1 e 20º da Constituição da República, a norma do nº 3 do artigo 1029º do Código Civil, [...].
5. Nas respectivas contra-alegações, as recorridas, alem de entenderem não existir violação de 'quaisquer disposições ou normas de direito constitucional', suscitaram ainda a questão prévia de não conhecimento do recurso, o que levou o relator, por despacho de 12 de Fevereiro de 1997, a ordenar a notificação do recorrente para responder a essa questão.
Assim, alegaram as recorrentes que:
Porém, como bem salienta o Acórdão recorrido de fls., o conhecimento dessa questão do 'arrendamento' nos presentes autos mostra-se desfasada, já que a sede própria para o efeito seria outra, nomeadamente a acção de preferência principal, onde poderia, eventualmente, ter relevância ou reflexo no direito de preferência exercido pelo B., na alienação do prédio nº
----- da Av. --------, em Lisboa, para a R. sociedade D..
E exactamente por estes fundamentos, o Supremo Tribunal de Justiça, no douto Acórdão ora recorrido, nem sequer entrou na apreciação ou conhecimento dessa concreta questão, ou seja, da existência ou inexistência do pretenso 'arrendamento' invocado pelo A., por via dos presentes embargos.
Pois, de contrário, se poderia estar a resolver em definitivo, por via indirecta, num processo de natureza meramente cautelar e provisória, uma questão cuja sede própria de resolução seria a acção de preferência.
Por sua vez, o recorrente vem dizer, na sua resposta, que
Na verdade, o STJ debruçou-se sobre todos os aspectos que lhe foram apresentados. Resolveu-as de forma que o A. recorrente não perfilha - aliás se assim não fosse nem este recurso teria qualquer razão de ser - por não considerar ser o que decorre das disposições constitucionais aplicáveis.
Mas é manifesto que resolver de forma discordante de que o A. recorrente considera decorrer da lei não é sinónimo de não terem sido objecto de atenção do Tribunal.
O A. recorrente considera que o douto acórdão recorrido não resolveu a questão de inconstitucionalidade que lhe foi colocada de acordo com o enquadramento constitucional que convém à questão em exame.
Mas é indiscutível que das mesmas conheceu, facto de que o acórdão sob recurso - na questão - de (in)constitucionalidade - a uma leitura rápida, desde logo evidencia.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
6. Há, assim, antes de mais, que apreciar a questão prévia suscitada de não conhecimento do recurso.
Entendeu o Supremo que a questão de inconstitucionalidade suscitada 'teria lugar próprio de discussão na acção de preferência e não nestes autos', em virtude do carácter provisório da decisão em causa. Posição esta perfilhada pelas recorridas.
Pois bem, acerca desta questão, da admissibilidade ou não do recurso de constitucionalidade nos procedimentos cautelares, este Tribunal, pela sua 2ª Secção, teve já oportunidade de se pronunciar, nomeadamente no Acórdão nº 151/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., pág. 351) pela forma seguinte:
Afigura-se realmente que deste juízo provisório (desta
«decisão» provisória) sobre a questão da constitucionalidade não cabe recurso para o Tribunal Constitucional.
É que, a ser de outro modo, ou terá de admitir-se o Tribunal Constitucional a proferir (também ele) uma decisão meramente «provisória» sobre a constitucionalidade (pois que «provisória» era a decisão recorrida, e pois que outro tipo de juízo sobre tal matéria não cabe, em rigor, no procedimento em que se enxerta o recurso) - solução que seria absurda e incongruente com o sistema de fiscalização da constitucionalidade delineado na lei fundamental: ou então, entendendo-se que o Tribunal Constitucional haverá de proferir, ainda na hipótese em apreço, uma decisão «definitiva» sobre a constitucionalidade, irá ele, afinal de contas, decidir, no próprio procedimento cautelar, questão que haveria de ser resolvida na acção de que tal procedimento depende - o que, por sua vez, significaria a subversão da índole e da finalidade do próprio procedimento.
Julga-se, pois, que os recursos previstos no nº 1 do artigo
280º da Constituição só serão de admitir de decisões definitivas («definitivas», claro é, para o tribunal que as tiver proferido) respeitando (ainda que só implicitamente) à questão da constitucionalidade de normas jurídicas.
[...]
Para que haja lugar ao recurso previsto no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82
(cingindo-se agora à hipótese dos autos), não basta que tenha havido «aplicação» de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo: é ainda necessário que essa aplicação tenha tido um carácter «definitivo», nos termos oportunamente expostos.
7. Os procedimentos cautelares, pela sua própria natureza, visam apenas uma solução provisória, tendente a evitar os prejuízos que a demora da resolução da acção principal pode ocasionar ao requerente. Bastando, para tanto, a aparência ou probabilidade séria da existência do direito, também o tribunal decidirá essa questão numa apreciação sumária, formulando assim uma decisão meramente provisória, quer sobre a existência do direito, quer quanto às medidas - por natureza, provisórias - a decretar.
Assim, também, e como se pode ler no citado Acórdão 151/85, «nos procedimentos cautelares não cabe senão este tipo de decisão «provisória», relativamente à questão da constitucionalidade de normas de que substantivamente dependa a resolução da questão a decidir no processo principal e, portanto, a concessão da providência» (em sentido contrário, porém, o Acórdão nº 92/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º volume, pág. 625).
Manifestamente, a questão da existência ou não do contrato de arrendamento - e a essa questão se refere o preceito questionado - é questão substantiva naquele sentido. E o raciocínio exposto tanto vale, obviamente, para as decisões sobre os pedidos de providências cautelares como para aqueles que sejam proferidos em embargos a tais providências, na medida em que estes são formas de oposição às mesmas providências cautelares, não se destinando a resolver definitivamente as questões substantivas que são objecto de apreciação no processo principal.
Não pode, assim, este Tribunal decidir tal questão de constitucionalidade sem estar, como tal, a decidir, neste procedimento cautelar, questão que há-de ser resolvida na acção principal. Acção essa de que depende, afinal, aquele procedimento.
III - DECISÃO
8. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 21 de Maio de 1997 Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa