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Processo n.º 939/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), da decisão sumária do relator, de 24 de Novembro de 2004, que decidira, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do objecto do presente recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
“1. A., notificado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Junho de 2004, apresentou o requerimento de fls. 365, no qual se limitava a referir que do mesmo interpunha recurso para o Tribunal Constitucional, sem indicar nenhuma das referências exigidas pelo artigo 75.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC).
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional
(artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
Neste Tribunal, o relator proferiu despacho a convidar o recorrente, nos termos do n.º 6 do referido artigo 75.º-A, a indicar os elementos em falta.
Pelo requerimento de fls. 375 e 376, o recorrente veio indicar que o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que as normas cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada são, por um lado, as do artigo 254.º, conjugado com os artigos 265.º-A, 266.º, n.ºs 1 e 4, e 266.º-A do Código de Processo Civil (CPC), por violação dos artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1,
4 e 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e, por outro lado, as do artigo 145.º, n.ºs 5 e 7, do CPC, por violação dos artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1,
2, 4 e 5, da CRP, questões de inconstitucionalidade essas que teriam sido suscitadas nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e especificando que «no primeiro caso, a interpretação constitucional dos segmentos normativos indicados diz respeito à admissão normativa da desnecessidade de aposição de carimbo postal nos envelopes de correspondência registada e com a data do depósito no correio, isto é, o Supremo Tribunal de Justiça, ao considerar que o réu foi notificado em certa data, por via postal, do despacho que recebeu o recurso, quando o envelope remetido continha apenas uma tarjeta de leitura óptica, sem indicação de data de registo, de leitura difícil para a maior parte dos advogados e dos cidadãos, porque só possível com instrumento próprio dos correios ou através da Internet, a que nem todos têm acesso, fez interpretação inconstitucional daquelas normas do CPC, por violação do princípio da igualdade e do direito de acesso aos tribunais e do direito a que uma causa seja objecto de decisão mediante processo equitativo, com celeridade e prioridade», e que, «no segundo caso, a interpretação inconstitucional diz respeito à elisão da prova de insuficiência económica, persistindo as instâncias em afirmar, sem que esta tenha sido produzida, que o recorrente não está carenciado».
Assim delineado o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, entende-se que o mesmo é inadmissível, o que permite a prolação de decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas (como acontece com o recurso de amparo espanhol ou a queixa constitucional alemã), ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
3. Ora, relativamente ao primeiro conjunto de normas, é patente que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, não perfilhou a interpretação normativa, identificada no requerimento de fls. 375 e 376, segundo a qual o recorrente se considera notificado em certa data, por via postal, «quando o envelope remetido continha apenas uma tarjeta de leitura
óptica, sem indicação de data de registo». Pelo contrário, o que foi entendido, aliás de acordo com os elementos documentados nos autos, foi que a data do registo constava da parte frontal do sobrescrito, juntamente com a identificação do processo e assinada por funcionário judicial (cf. sobrescrito de fls. 319, donde consta: «Proc. n.º 4274/02, 8.ª Secção – 03/01/24 – O Funcionário, assinatura.»), e também do ofício de notificação (constante de fls. 317, com a data de 24/01/2003), sempre assistindo ao recorrente a possibilidade de questionar a correcção dessa data, o que, no caso, não faria sentido, dado que, como se prova da guia fotocopiada a fls. 314, o registo foi efectivamente efectuado em 24 de Janeiro de 2003.
Não tendo a decisão recorrida feito aplicação, como ratio decidendi, da interpretação normativa identificada no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, este recurso é, nessa parte, inadmissível.
4. Quanto à segunda questão, reportada ao artigo 145.º, n.ºs 5 e 7, do CPC, o que o recorrente aduziu nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – peça onde, segundo o mesmo, teriam sido suscitadas as questões de inconstitucionalidade – foi o seguinte:
«31 – Mas, à cautela, não concedendo e em alternativa, o recorrente requereu a isenção ou redução do pagamento da multa liquidada, articulando fundamentos e indicando testemunhas.
32 – A Relação absteve-se de se pronunciar sobre tal requerimento, com o fundamento em já ter sido proferido em conferência acórdão, transitado em julgado, que julgou improcedente idêntico requerimento, e que a questão ficou prejudicada pela decisão de indeferimento da irregularidade do acto da secretaria.
33 – Ora, não se trata de requerimento idêntico, porque é outro o objecto da lide, e o tal acórdão ainda não transitou, como se pode ver nos autos, e nem sequer foram ouvidas testemunhas.
34 – Termos em que o acórdão recorrido deve ser anulado por violação dos normativos referidos.»
Como é patente, não foi suscitada, nesta passagem das alegações para o Supremo Tribunal de Justiça, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, mas apenas imputada directamente à decisão judicial então recorrida a violação de preceitos de direito ordinário.
5. Termos em que, sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, se decide, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta.”
1.2. A reclamação apresentada pelo recorrente contra a decisão sumária do relator desenvolve a seguinte argumentação:
“1 – Pediu a declaração de inconstitucionalidade do acto normativo constituído pelo artigo 254.º congregado com os artigos 265.º-A, 266.º, n.ºs 1 e
4, e 266.º-A do CPC, por violação dos artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da CRP, na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal de bastar a tarjeta de leitura óptica e a aposição de data pela secretaria nos envelopes da correspondência remetida pelo Tribunal, para o destinatário estabelecer o dia do registo.
2 – Por outro lado, arguiu a inconstitucionalidade do segmento normativo retirado do artigo 145.º, n.ºs 5 a 7, do CPC, por violação dos mesmos dispositivos da Constituição acima referidos, na interpretação que lhe foi dada pelas instâncias, prescindindo de averiguação contraditória da insuficiência económica.
3 – O Ex.mo Conselheiro Relator, valendo-se da obscuridade da redacção do esclarecimento da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, quiçá da sua infelicidade, considerou que não estava em causa a normatividade circunscrita pelo recorrente, na decisão das instâncias.
4 – Quanto ao 2.º ponto: retirou das alegações do recurso nas instâncias um passo que não é o que está em causa na argumentação de inconstitucionalidade, para constatar justamente isso mesmo, e, como é lógico, decidir que não tem cabimento.
5 – Contudo, parece ao reclamante não haver razão na decisão sumária.
6 – Com efeito, a interpretação que conduz a ter como relevante e verdadeira data de registo para o destinatário, não a data do carimbo do correio mas a data inscrita no envelope pela secretaria judicial, atinge severamente o direito de acesso à justiça, na modalidade de seguimento dos prazos processuais, porquanto deixa no mero arbítrio da burocracia o estabelecimento dos termos iniciais dos ditos prazos.
7 – E acontece que uma tal prática arbitrária pode naturalmente conduzir, como conduz, à inutilização imediata dos direitos das partes no processo, isto é, à aniquilação do próprio direito de recorrer aos Tribunais: neste sentido, a intervenção postal deve ser entendida como «dado imparcial» ou puro dado de facto.
8 – Neste sentido, não vê razões o reclamante para não insistir na apreciação do recurso de constitucionalidade.
9 – Agora, no que diz respeito ao segundo problema, tem o reclamante de indicar o segmento das conclusões das alegações que tem verdadeira relevância para apreciação tabelar da congruência do pedido recursivo.
10 – Ei-lo:
«Conclusões
(...)
5 – ..., o Tribunal ... terá de se pronunciar sob o pedido de redução da multa aplicada nos termos do artigo 145.º, n.ºs 5 a 7, do CPC, ouvindo as testemunhas indicadas.
6 – Só assim fará jus ao contraditório que rege constitucionalmente o processo judicial.
7 – E, não havendo motivo nenhum para não ser reduzida, concedido o prazo para pagamento, seguirá então o pleito por esta via.
8 – A não serem interpretadas as normas desta maneira, há clara e manifesta violação dos princípios do acesso ao direito e da igualdade, consagrados nos artigos 13.º e 20.º da CRP.
(...).»
11 – Está, sem dúvida, alegada a inconstitucionalidade segundo os parâmetros da lei, para efeitos de ficar prevenido o recurso para o Tribunal Constitucional.
12 – E as instâncias indeferiram esta via de solução do litígio, justamente porque entenderam não haver necessidade de seguir a audição da parte que indicava testemunhas daquilo que alegava, ainda para mais no sentido da sua pobreza, que lhe impedia o prosseguimento da lide, por insuficiência de meios.
13 – Também aqui não se vê razão de convencimento na decisão sumária.”
1.3. O recorrido, notificado da apresentação desta reclamação, não respondeu.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Relativamente à primeira parte da reclamação, é sabido que é no requerimento de interposição do recurso que o recorrente deve identificar, com precisão, o respectivo objecto, sendo-lhe consentido, nas subsequentes alegações, restringir esse objecto (artigo 684.º, n.º 3, do CPC), mas nunca ampliá-lo.
No requerimento que, a convite do relator, complementou o manifestamente insuficiente requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, o recorrente claramente identificou como objecto da primeira parte do recurso interposto a questão da inconstitucionalidade das normas do artigo 254.º, conjugado com os artigos 265.º-A, 266.º, n.ºs 1 e 4, e
266.º-A do CPC, na interpretação, que teria sido acolhida no acórdão recorrido, assim especificada: “a interpretação constitucional dos segmentos normativos indicados diz respeito à admissão normativa da desnecessidade de aposição de carimbo postal nos envelopes de correspondência registada e com a data do depósito no correio, isto é, o Supremo Tribunal de Justiça, ao considerar que o réu foi notificado em certa data, por via postal, do despacho que recebeu o recurso, quando o envelope remetido continha apenas [sublinhado acrescentado] uma tarjeta de leitura óptica, sem indicação de data de registo, de leitura difícil para a maior parte dos advogados e dos cidadãos, porque só possível com instrumento próprio dos correios ou através da Internet, a que nem todos têm acesso, fez interpretação inconstitucional daquelas normas do CPC, por violação do princípio da igualdade e do direito de acesso aos tribunais e do direito a que uma causa seja objecto de decisão mediante processo equitativo, com celeridade e prioridade”.
Como se demonstrou na decisão sumária ora reclamada, essa interpretação, arguida de inconstitucional, não foi acolhida pelas instâncias, e designadamente pelo acórdão recorrido, como ratio decidendi. Na verdade, o que nesse se entendeu, de acordo com os elementos documentados nos autos, foi que a data do registo constava da parte frontal do sobrescrito, juntamente com a identificação do processo e assinada por funcionário judicial
(cf. sobrescrito de fls. 319, donde consta: «Proc. n.º 4274/02, 8.ª Secção –
03/01/24 – O Funcionário, assinatura.»), e também do ofício de notificação
(constante de fls. 317, com a data de 24/01/2003). Não ficou, assim, o recorrente na impossibilidade de determinar a data do registo, como eventualmente sucederia se o acórdão recorrido tivesse de facto acolhido a tese, que lhe é assacada pelo recorrente mas que o Supremo Tribunal de Justiça não subscreveu, de que “o envelope remetido continha apenas uma tarjeta de leitura
óptica, sem indicação de data de registo, de leitura difícil para a maior parte dos advogados e dos cidadãos, porque só possível com instrumento próprio dos correios ou através da Internet”. Ao que acresce que sempre ao recorrente assistiria a possibilidade de questionar a correcção dessa data, tarefa que, no caso, estava votada ao insucesso, uma vez que a data constante do rosto do sobrescrito como sendo a do registo – 24 de Janeiro de 2003 – corresponde de facto à data em que o registo foi efectivado, como se comprova da guia fotocopiada a fls. 314.
Não tendo o acórdão recorrido feito aplicação da dimensão normativa arguida de inconstitucional, o recurso é, nessa parte, inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu objecto, como se decidiu na decisão sumária reclamada.
3. No que respeita à segunda parte da reclamação, a decisão sumária reclamada, uma vez que o recorrente indicara que havia suscitado as questões de inconstitucionalidade nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, procedeu à transcrição do que, no corpo dessas alegações, poderia relacionar-se com a questão de inconstitucionalidade reportada às normas dos n.ºs 5 e 7 do artigo 145.º do CPC e constatou que nessa parte nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa era suscitada.
Sustenta agora o recorrente, na sua reclamação, que nas conclusões 5.ª a 8.ª dessas alegações teria suscitado uma questão de inconstitucionalidade normativa, ao referir que “a não serem interpretadas as normas [do artigo 145.º, n.ºs 5 e 7, do CPC] desta maneira, há clara e manifesta violação dos princípios do acesso ao direito e da igualdade, consagrados nos artigos 13.º e 20.º da CRP”. Reconhece-se que na decisão sumária reclamada não se atentou em que o recorrente, nas conclusões das alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não se limitara a sintetizar o que desenvolvera no corpo dessas alegações (como é próprio das “conclusões”), antes introduzira afirmações que extravasavam o anteriormente explanado.
Mas mesmo atendendo ao aduzido nessas conclusões 5.ª a
8.ª a solução não será diversa. Desde logo, o recorrente não identifica, com precisão e clareza, qual a interpretação normativa que reputa inconstitucional, tendo este Tribunal repetidamente sublinhado que não é idóneo, para o cumprimento deste ónus, o uso de fórmulas como “na interpretação dada pela decisão recorrida” e similares ou, como ocorreu no presente caso, “a não serem interpretadas as normas desta maneira”. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal que, para usar a formulação do Acórdão n.º 367/94:
“Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça.
(...) esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição.”
Mas, para além do incumprimento desse ónus, igualmente determina a inadmissibilidade do presente recurso, na parte ora em apreço, a constatação de que o recorrente, em rigor, não suscita nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, assacando a violação dos princípios constitucionais que invoca (princípios do acesso ao direito e da igualdade) à conduta processual das instâncias por não terem ouvido as testemunhas indicadas no pedido de redução da multa aplicada nos termos do artigo 145.º, n.ºs 5 e 7, do CPC. Trata-se, assim, de uma questão indissociavelmente ligada às particularidades do caso concreto. A isto acresce que os fundamentos das decisões das instâncias, neste ponto, sempre tornariam inútil o conhecimento de eventual questão de inconstitucionalidade que fosse possível delinear a este propósito.
Na verdade, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Setembro de 2003 (fls. 329), confirmou o despacho do Desembargador Relator, de 23 de Junho de 2003 (fls. 322 a 324), que, quanto ao pedido de dispensa de pagamento de multa, decidira o seguinte:
“3 – Requerimento nos termos do artigo 145.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
No mesmo requerimento em que arguiu a irregularidade do acto da secretaria, em alternativa, vem pedir a dispensa do pagamento da multa nos termos do artigo 145.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, por se encontrar em situação de manifesta carência económica e o montante de € 438,94 é manifestamente desproporcionado.
Sobre esta matéria já foi proferido, em conferência, o acórdão de 28 de Novembro de 2002, transitado em julgado, que julgou improcedente idêntico requerimento, pelo que me abstenho de pronunciar sobre esta parte do requerimento de 7 de Março de 2003.
Além disso, a apreciação da questão ora em apreço fica prejudicada pela decisão proferida quanto à irregularidade do acto da secretaria.
4 – Em conformidade com o exposto:
(...)
3.º – Abstenho-me de me pronunciar sobre o requerimento de 7 de Março de 2003 na parte em que vem requerer a dispensa do pagamento da multa a que se refere o artigo 145.º, n.º 7, do Código de Processo Civil;
(...).”
No acórdão ora recorrido, do Supremo Tribunal de Justiça, decidiu-se quanto a este ponto (fls. 361):
“Suscita o recorrente uma outra questão. Afirma que o Tribunal da Relação tem de pronunciar-se sobre o pedido de redução da multa, só assim fazendo «jus ao contraditório».
O acórdão recorrido analisou correctamente o problema e o mesmo Tribunal já anteriormente tinha julgado improcedente o requerido.
Saliente-se que não só não está provada a manifesta carência económica, como o montante da multa não se revela manifestamente desproporcionado (artigo 145.º, n.º 7, do Código de Processo Civil).”
Constata-se, assim, que a decisão das instâncias foi no sentido do não conhecimento do pedido de dispensa do pagamento da multa, por força da existência de anterior decisão sobre a mesma questão transitada em julgado (acrescentando-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que nem sequer o montante da multa se podia considerar desproporcionado), enquanto o sentido normativo que, com generosidade, se podia considerar arguido de inconstitucional pelo recorrente seria o de considerar-se admissível o indeferimento de tal pedido com base em falta de prova da carência económica sem prévia inquirição das testemunhas oferecidas pelo requerente sobre essa matéria. Isto é: de novo, mesmo que fosse de considerar adequadamente suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa, a dimensão arguida de inconstitucional não teria sida aplicada pela decisão recorrida, como ratio decidendi, o que torna o recurso de constitucionalidade inadmissível, também quanto a esta segunda questão.
4. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2005
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos