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Proc. nº 175/97
1ª Secção
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. O Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra A., casada, residente na freguesia de .........., concelho de ............, imputando-lhe a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 11º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, e 313º e 314º, alínea c), do Código Penal. Nos autos pendentes no Tribunal Judicial de Alenquer veio o assistente B. deduzir pedido de indemnização cível, peticionando a condenação da arguida a pagar-lhe a quantia de 670.000$00, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 88.110$00, e de juros de mora vincendos.
Procedeu-se a julgamento, tendo a arguida sido absolvida da acusação de prática do crime de emissão de cheque sem provisão e condenada a pagar ao referido B. os montantes indemnizatórios por ele pedidos (sentença proferida em
12 de Novembro de 1996, a fls. 80 a 83 dos autos).
Inconformado com a absolvição penal da arguida, veio o assistente interpor recurso dessa parte da sentença, apresentando a motivação. A arguida, por seu turno, interpôs recurso da parte da sentença em que foi julgado procedente o pedido de indemnização formulado pelo assistente.
O representante do Ministério Público veio também interpor recurso da sentença penal absolutória.
Através de despacho de fls. 132, o Senhor Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Alenquer considerou sem efeito a interposição do recurso pela arguida, atendendo a que esta não havia procedido ao pagamento da taxa de justiça a que se reportava o art. 190º, alínea b), do Código das Custas Judiciais então em vigor e dado o disposto no art. 192º do mesmo diploma.
A arguida não reagiu contra este despacho, mas o representante do Ministério Público dele veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea g) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional invocando as decisões constantes dos acórdãos nºs. 575/96, de 6 de Março, e
956/96, de 10 de Julho, proferidos pelo Tribunal Constitucional (publicados no Diário da República, II Série. nº 166, de 19 de Julho e nº 293, de 19 de Dezembro de 1996, respectivamente), indicando como objecto os divergentes juízos acerca da constitucionalidade do art. 192º do precedente Código de Custas Judiciais.
Este recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho proferido a fls. 138 dos autos.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Notificados para alegar o Ministério Público e o recorrido B., apenas o primeiro apresentou alegações.
Nessa peça processual, concluiu do seguinte modo o recorrente:
'
1º
O decidido pelo Tribunal Constitucional nos acórdãos nºs. 575/96 e 956/96, relativamente à inconstitucionalidade da norma constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais, tem exclusivamente em vista a situação do arguido condenado quanto à matéria penal e que pretende impugnar tal decisão condenatória, ficando o recurso deserto por falta do tempestivo pagamento da taxa de justiça devida pela interposição.
2º
Não ocorre, deste modo, conflito entre o decidido nos autos acerca da preclusão do recurso interposto pelo arguido exclusivamente na qualidade de mero responsável civil, condenado na sequência da procedência do pedido indemnizatório deduzido em processo de adesão, e o juízo de inconstitucionalidade formulado nos Acórdãos nºs. 575/96 e 956/96, pelo que falta um essencial pressuposto do recurso fundado na alínea g) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82.
3º
Termo em que não deverá conhecer-se do recurso interposto.' (a fls. 147-148)
3. Atendendo à simplicidade da questão prévia suscitada, foram dispensados os vistos.
Impõe-se, pois, dilucidar a questão prévia suscitada pela própria entidade recorrente.
II
4. O presente recurso foi interposto com base na alínea g) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Esta alínea reproduz o disposto no nº 5 do art. 280º da Constituição.
Trata-se, pois, de um recurso de decisão que aplicou uma norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. A Constituição configura este recurso como obrigatório para o Ministério Público na medida em que pretende fazer reconhecer a prevalência das decisões do Tribunal Constitucional respeitantes a questões de constitucionalidade sobre entendimentos divergentes em tais matérias por parte dos outros tribunais.
5. No caso sub judicio, não há dúvida de que o Tribunal Judicial de Alenquer aplicou o disposto no art. 192º do Código das Custas Judiciais vigente em 1996 (e revogado com efeitos a partir de 1 de Janeiro de
1997), com o seguinte teor:
' A taxa que seja condição de incidente de recurso ou incidente ou da prática de qualquer acto deve ser paga no prazo de sete dias a contar da apresentação do requerimento na secretaria ou da sua formulação no processo, independentemente de despacho e sob pena de o pedido ser considerado sem efeito. O recurso que tenha por efeito manter a liberdade do réu é recebido independentemente do pagamento da taxa pela interposição, que será paga nos sete dias subsequentes à admissão do recurso.'
Anteriormente a esta decisão sob recurso - proferida em 12 de Novembro de 1996 - o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional 'a norma constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais, na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo, no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pela interposição do recurso da sentença penal condenatória pelo arguido determina irremediavelmente que aquele fique sem efeito, sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido recorrente' (acórdão nº 575/96, citado, da 2ª Secção). E o mesmo julgamento de inconstitucionalidade, no segmento normativo indicado, foi repetido também pelo referido acórdão nº
956/96. Em ambos os casos se considerou que a norma em causa, no segmento indicado, violava o preceituado nas disposições combinadas dos arts. 18º, nºs. 2 e 3, e 32º, nº 1, da Constituição.
Da fundamentação do primeiro destes acórdãos consta o seguinte passo que ilumina o âmbito do juízo de inconstitucionalidade:
' Não será, porém, por paralelismo com o regime estipulado no processo civil que se fundamentará qualquer pretensão de excessiva sanção ou cominação processual, mas antes pela lógica e princípios intrínsecos ao processo penal, ou seja, concretamente, pela aplicação prática do artigo 32º da Constituição, naquilo que ele tem de vinculativamente orientador para o legislador.
Com a consagração constitucional do princípio da defesa em processo penal, nos amplos termos previstos no artigo 32º, nº 1, pretende-se garantir que o Estado assegure aos cidadãos uma protecção e segurança efectivas perante o exercício do ius puniendi, inclusivamente contra uma sentença injusta.
Tem-se, assim, entendido que o direito ao recurso de sentenças penais condenatórias integra necessariamente o núcleo de tais garantias, pelo que tem o recurso penal merecido tratamento diversificado relativamente ao recurso noutros domínios processuais, seja ele o civil, o laboral ou o administrativo.' (nº 9)
Quer dizer, as decisões do Tribunal Constitucional limitaram-se a julgar inconstitucional a norma do art. 192º do precedente Código das Custas Judiciais na medida em que procedia 'a uma intolerável limitação do direito ao recurso e, consequentemente, ao direito de defesa em processo penal' (nº 10 do acórdão nº 575/96).
Como põe em relevo o Exmº. Procurador-Geral Adjunto, o juízo de inconstitucionalidade teve como pressuposto a aplicação da cominação (deserção fiscal) às sentenças penais condenatórias. E tanto assim foi que a 2ª Secção do Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma na medida em que foi aplicada a uma situação de deserção fiscal de um recurso interposto pelo assistente da decisão absolutória do pedido de indemnização cível deduzido em certo processo penal (acórdão nº 269/97, ainda inédito).
Assim sendo, não pode extrapolar-se o juízo de inconstitucionalidade para o plano da indemnização cível (cfr. art. 129º do Código Penal), ainda que deduzida obrigatoriamente no processo penal (cfr. arts. 71º e seguintes do Código de Processo Penal).
6. Impõe-se, assim, a conclusão de que o Tribunal Judicial não julgou anteriormente inconstitucional o art. 192º do precedente Código das Custas Judiciais no segmento aplicado pela decisão recorrida. Falta, assim, o pressuposto de recorribilidade previsto na alínea g) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que deve ser atendida a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.
III
7. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional julgar procedente a questão prévia suscitada pela entidade recorrente, não conhecendo, em consequência, do presente recurso.
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 1 de Julho de 1997 Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa