Imprimir acórdão
Processo n.º 874/04
1.ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Em 21 de Janeiro de 2005 foi proferida neste processo a seguinte decisão sumária:
A., B., C., D., E., F., G. e H. pretendem recorrer do acórdão tirado no pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em 2 de junho de 2004, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, acusando de inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º4 do artigo 5° do Código das Expropriações aprovado pela Lei 168/99 de 18/9 enquanto “afasta a possibilidade de reversão, quando a adjudicação ocorreu há mais de 20 anos à data da sua entrada em vigor e em que não existiu, à face das leis ordinárias anteriores, possibilidade dos expropriados requererem a reversão”. O recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Visa tal recurso apreciar a conformidade constitucional de norma concretamente aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi. O carácter instrumental deste julgamento impõe que, em caso de provimento do recurso, a decisão recorrida deva ser reformulada de acordo com o juízo de inconstitucionalidade adoptado. A norma acusada de inconstitucional deve, em suma, ser determinante da solução jurídica consagrada na decisão sob recurso. Acontece que, no presente caso, o Supremo Tribunal Administrativo negou a pretensão dos recorrentes com fundamento no seguinte raciocínio:
(...) Assiste razão aos recorrentes quando defendem que, por força da cessação do direito de reversão, quer à luz da al. a), n° 4 do art. 5° do CE91, quer de idêntica norma do CE99, os mesmos não poderam exercer tal direito durante o prazo de dois anos, de 7/02/94 a 7/02/96, visto o mesmo já ter cessado por terem decorrido mais de 20 anos. Pode, assim, concluir-se, na verdade, que o direito de reversão dos recorrentes não caducara porquanto já antes se tinha extinguido pelo decurso do prazo de 20 anos, em conformidade com a alínea a), n° 4, art. 5° quer do CE91 quer do CE99. Só que tal conclusão não conduz à procedência do recurso porquanto o despacho contenciosamente impugnado, que indeferiu a pretensão dos recorrentes, baseou-se na cessação do direito de reversão por terem decorrido mais de 20 anos após a adjudicação do prédio expropriado, em conformidade com o disposto nas referidas normas, não sendo estas inconstitucionais. (...) Sustentam, ainda, os recorrentes (conclusão A) que não procede a invocada caducidade do direito por não terem requerido a reversão do prédio expropriado, já que por quatro vezes o fizeram: 1973, 1976, 1979 e 1992, tendo o requerimento, neste último caso, sido apresentado em 24 de Julho desse ano
(1992) o qual mereceu um despacho de indeferimento por parte da Direcção-Geral do Património e que, interposto recurso de tal despacho para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, este o rejeitou por aquele ser irrecorrível dada a sua falta de definitividade vertical. Para o confirmar juntou fotocópia da respectiva sentença - cfr. fls. 264 e segs. Tal circunstância é, porém, irrelevante uma vez que nessa data ainda não tinha nascido o direito de reversão, nos termos já expostos, porquanto só a partir de
7 de Fevereiro de 1994, o mesmo se verificaria se a tanto não se opusesse a sua cessação por terem decorrido mais de 20 anos desde a adjudicação do prédio expropriado. Por outro lado, quando o acórdão recorrido refere que os recorrentes não requereram a reversão do prédio acrescentou que o não fizeram no prazo de dois anos a contar daquela data, ou seja, desde 7 de Fevereiro de 1994 a 7 de Fevereiro de 1996, em congruência com a sua tese. (...) A interpretação destes trechos permite concluir duas coisas; a primeira é que a
“norma” impugnada não foi aplicada na decisão recorrida, pois dela não consta não ter existido, à face das leis ordinárias anteriores, possibilidade dos expropriados requererem a reversão; pelo contrário, o aresto dá como assente que os recorrentes requereram a reversão por diversas vezes (1973, 1976, 1979 e
1992) e que, a partir do Código de 1991, a possibilidade de ser requerida a reversão resultava directamente da lei. Em segundo lugar, revela que a solução encontrada – na lógica da decisão recorrida – resultou essencialmente do disposto na norma inscrita na alínea a) do n° 4 do artigo 5° do Código das Expropriações de 1991, norma que passou, com idêntica formulação, para o Código das Expropriações de 1999, no domínio do qual foi requerida a reversão. Ora no presente recurso os recorrentes apenas impugnam a norma que resulta do Código de 1999, pelo que em rigor mesmo obtendo nele provimento, ainda assim um fundamento autonomamente determinante da decisão recorrida permaneceria incólume. Cumpre assim concluir, nos termos e para os efeitos do artigo 78º-A n. 1 da LTC, que não pode, por estas razões, conhecer-se do recurso. (...)
Inconformados, os recorrentes reclamam para a conferência, nos seguintes termos:
1 - Os recorrentes deduziram o pedido de reversão do prédio em 24 de Maio de
2000.
2 - Aliás, na informação N° 53/DSAI/2000 elaborada pela Direcção Geral do Património, do Ministério das Finanças, diz-se claramente:
'Pouco importa quantos pedidos de reversão foram feitos antes. Deparando-se a DGP, em Maio de 2000 com um pedido de reversão de um particular expropriado é a luz do Código das Expropriações vigente que este último pedido deve ser analisado. Assim sendo, o actual pedido de reversão tende ser equacionado à luz da lei N°
168/99 de 18 de Setembro'.
3 - Aliás, do oficio junto aos autos e cuja cópia se junta (Doc. 1) que capeava aquele parecer diz-se expressamente 'Em face das conclusões expressas no mesmo e dos despachos merecidos, vimos informar V.ª Exª, que nos termos da alínea a) do n.º 4 do art. 5° da Lei 168/99 de 18 de Setembro, o pedido de direito de reversão tem, necessariamente de ser indeferido'.
4 - Este oficio tem a data de 4 de Julho de 2000 e reporta-se à comunicação dos recorrentes de 24/06/2000.
5 - Quer isto dizer que o acto de que se recorreu foi praticado no ano de 2000, altura em que já estava em vigor o Código das Expropriações aprovado pela Lei
168/99 de 18/9, que entrou em vigor em 17 de Novembro de 1999.
6 - Assim e conforme jurisprudência pacífica do STA, a lei aplicável é a que estiver em vigor á data do pedido de reversão.
7 - Assim e com o devido respeito, parece-nos que é à luz deste Código das Expropriações/1999, que a questão de inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 4 do artigo 5º, deve ser apreciada. Termos em que, Deve a presente reclamação ser julgada procedente e em consequência conhecer-se do recurso, seguindo-se os demais termos até final.
Cumpre decidir.
O recurso foi interposto – revela-o claramente a presente reclamação – numa errada perspectiva processual: a de que o recurso de constitucionalidade é meio idóneo para impugnar a decisão recorrida, enquanto tal. Ora, a verdade é que o recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC tem uma feição própria que o distingue do recurso jurisdicional comum, pois tem carácter normativo, destinando-se unicamente a avaliar a conformidade constitucional de norma jurídica aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi, apesar de acusada de inconstitucional. Daqui decorre que ao Tribunal Constitucional não cabe determinar o direito infra-constitucional aplicável ao caso em apreço, nem censurar as opções que o Tribunal comum elege neste domínio, mas apenas verificar se a norma questionada foi determinante para a decisão recorrida e, depois, se ela é conforme com a Constituição. Aqui residem os escolhos ao conhecimento do presente recurso. Constitui ónus do recorrente seleccionar o preceito que contém a norma impugnada, pois só a ele incumbe circunscrever o âmbito do recurso; Ora, a verdade é que a decisão recorrida não aplicou a norma enunciada pelos recorrentes, visto que o Supremo Tribunal Administrativo não aceitou não ter existido, à face das leis ordinárias anteriores, possibilidade dos expropriados requererem a reversão; na verdade, o Tribunal recorrido até deu como assente que os recorrentes requereram efectivamente a reversão por diversas vezes e que impugnaram contenciosamente, embora sem sucesso, uma das decisões administrativas que lhes negou o dito direito. Para além disto, a decisão recorrida ancorou a norma que constitui a sua ratio decidendi no Código das Expropriações de 1991, preceito que os recorrentes não questionam, pois incluem no Código de 1999 a disposição legal de que resultaria a interpretação normativa que pretendem questionar.
Assim, não havendo coincidência entre a norma que constitui a ratio decidendi da decisão recorrida e aquela que é seleccionada pelo recorrente como objecto do recurso, não ocorrem os pressupostos formais que permitem ao Tribunal conhecer desta pretensão.
Em consequência, decide-se manter a decisão de não conhecimento do recurso. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 8 de Março de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos