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Processo n.º 636/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.Por acórdão de 8 de Julho de 2003 o Tribunal Central Administrativo decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto pela Associação A. da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, que julgara improcedente a impugnação judicial deduzida por aquela contra as liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998, e respectivos juros compensatórios. Diz-se no referido acórdão:
«1.1 “A.”, devidamente identificada nos autos, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, de
24-1-2003, que julgou improcedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA relativas a anos de 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998, e respectivos juros compensatórios - cf. fls. 167 e seguintes.
1.2 Em alegação, a recorrente formula as conclusões que se apresentam - cf. fls.
191 a 239. a) As quotas pagas pelos associados de uma associação, em conformidade com os estatutos, não são rendimentos sujeitos a IRC, sendo certo que, no caso vertente, todos os valores considerados pela acção da inspecção para a determinação da liquidação adicional se baseou exclusivamente nas quotas dos sócios. b) Sem prescindir ou conceder, mesmo que se considerasse que apenas são quotas,
à luz da lei tributária, as que os associados da recorrente pagam pelo simples facto de serem sócios, a chamada quota base, esta nunca poderia deixar de ser considerada rendimento sujeito a IRC por força do n.º 3 do artigo 48.º do Código do IRC, pelo que não poderia ter o valor de tais quotas servido para liquidar o rendimento sujeito a IRC, constante das liquidações adicionais. c) Sem prescindir ou conceder, porque a Fazenda Nacional usou métodos indiciários na determinação dos valores das liquidações adicionais, alegando contudo que tomou em conta os dados disponibilizados pela recorrente, por isso, violou os artigos 51.º, n.º 2, 108.º, n.º 1, 75.º, n.º 1, e 76.º do Código do IRC, e b) do artigo 87.º da Lei Geral Tributária. d) Sem prescindir ou conceder, porque a Fazenda Nacional, em violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 48.º do Código do IRC não segregou dos custos indispensáveis à obtenção do rendimento global os especificamente ligados à obtenção dos rendimentos não sujeitos ou isentos. e) Sem prescindir ou conceder, persistindo dúvidas sobre a existência e qualificação do facto tributário, deverão ser anuladas as liquidações adicionais impugnadas, por força do n.º 1 do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que o recurso não merece provimento - cf. fls. 242.
1.5 Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência. Antes do conhecimento de qualquer outra, importa, no caso, enfrentar a questão de saber se deve, ou não, conhecer-se do objecto do presente recurso.
2. É entendimento jurisprudencial corrente que são as conclusões da alegação do recorrente que, em regra, fixam o âmbito e o objecto do recurso jurisdicional. Na verdade, o n.º 1 do artigo 690.º do Código de Processo Civil reza, sob a epígrafe de “ónus de alegar e de formular conclusões”, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. De outra banda, diz o n.º 4 do mesmo artigo 684.º do Código de Processo Civil que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo. E, assim, têm de considerar-se definitivamente decididas e precludidas, não podendo delas conhecer-se em recurso, todas as questões que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, e que tenham sido objecto de julgamento na decisão recorrida - cf., neste sentido, o acórdão desta Secção deste Tribunal Central Administrativo, de 4-2-2003, proferido no recurso n.º
7374-02. No mesmo sentido, pode ler-se ainda em Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, 2003, na anotação 15 ao artigo 282.º, que, se o recorrente não trata das questões decididas na sentença recorrida, “pode chegar-se a uma situação em que não seja possível conhecer-se do objecto do recurso”, uma vez que “o Tribunal superior está impedido de tomar posição sobre elas, pois nesta matéria vale o princípio do dispositivo, nos termos do qual é o recorrente que delimita o âmbito do recurso através das conclusões das alegações”. No caso sub judicio, acontece que a recorrente, nas conclusões da sua alegação, reproduzidas supra no ponto 1.2, versa claramente sobre outro objecto, não tratado na sentença recorrida, e que não é, de resto, o objecto do presente processo de impugnação judicial. Objecto dos presentes autos de impugnação judicial são as liquidações adicionais de IVA relativas a anos de 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998, e respectivos juros compensatórios - conforme se deixou apontado supra no ponto 1.1. E, na verdade, nas conclusões da alegação, como no próprio texto da alegação, aliás, vem apresentado outro objecto para o presente recurso jurisdicional (ao que parece, questiona-se uma liquidação adicional de IRC). Deste modo, o objecto ou as questões apresentadas pela ora recorrente não podem ser conhecida[s] no presente recurso. Decisivamente, não pode operar-se o conhecimento do objecto do recurso trazido a este Tribunal, porque a sentença recorrida se estabilizou esteada nos específicos fundamentos da decisão que encontrou para o objecto do processo - objecto que manifestamente não vem questionado. Do exposto, podemos extrair, entre outras, as seguintes conclusões, que se alinham em súmula. I. Em regra, as conclusões da respectiva alegação fixam o âmbito e o objecto do recurso jurisdicional. II. Se as conclusões do recurso não incidem sobre o objecto do processo
(trata-se, v. g., de uma liquidação de IRC, em vez das liquidações de IVA impugnadas), não pode proceder-se ao conhecimento do objecto do recurso - de harmonia com as disposições combinadas dos artigos 690.º, n.º 1, e 684.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
3. Termos em que se decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.» Notificada desta decisão, veio a recorrente apresentar novo recurso, desta feita porque “no seu entender, existe oposição de acórdãos entre o proferido e, um anterior, o acórdão n.º 020799, de 04.03.98, da 2ª Secção, em que foi Relator o Ex.mo Senhor Conselheiro Jorge de Sousa”, nos seguintes termos:
«Refere o primeiro Acórdão, em sumário, que: I – Uma forma adequada de atacar uma decisão que se pronuncia sobre o mérito da causa e conclui pela improcedência, é defender as razões que, no entender do recorrente, devem levar à procedência. II – Mesmo que nas conclusões não se contenham referências explícitas à decisão recorrida, se as conclusões e alegações de recurso, globalmente consideradas, constituem uma crítica perceptível àquela decisão, que tomou posições a ela contrárias, não se deve deixar de conhecer do recurso. III – Se entendesse que as conclusões apresentadas não serviam para definir o objecto do recurso, o Tribunal Tributário de 2ª Instância deveria considerá-las como deficientes e convidar o recorrente para as complementar, nos termos do art.º 690.º, n.º 3, do C.P.C., na redacção anterior ao Decreto-Lei n.° 329-A/95, de 12 de Dezembro. Deste Acórdão decorre que a posição do julgador, invocada pela aqui recorrente, adoptou uma solução jurídica oposta à do Acórdão recorrido, ou seja:
- os Acórdãos versam sobre situações idênticas;
- o Acórdão invocado transitou em julgado;
- foram ambos proferidos em quadro legislativo idêntico;
- os Acórdãos foram proferidos em processos diferentes. Estando, assim, preenchido[s] os requisitos para o presente recurso, requer a V. Ex.a. que se digne admiti-lo, sendo intenção da recorrente apresentar alegações no prazo estabelecido na lei. Por outro lado e sem prescindir, salvo o devido respeito por melhor opinião, é clara a oposição entre o art.º 20.° da Constituição da República Portuguesa e a interpretação dada, no Acórdão recorrido, ao art.º 690.º do Cód. Processo Civil, na medida em que constitui um impedimento de acesso ao Tribunal para defesa dos direitos do cidadão. Tal contradição viola a Constituição pretendendo a recorrente a apreciação também desta inconstitucionalidade. A recorrente concluiu assim as suas alegações:
“a) o Acórdão recorrido e o invocado [acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Março de 1998, proferido no processo n.º 020799] estão em contradição; b) os pressupostos do presente recurso estão preenchidos; c) o Acórdão recorrido viola o art.º 20.° da C. República Portuguesa. Por despacho do relator no Tribunal Central Administrativo, de 3 de Dezembro de
2003, foi aquele recurso julgado findo, dizendo-se:
«Manifestamente não ocorre oposição de julgados entre o acórdão recorrido (de fls. 244 e 245) e o acórdão fundamento (de fls. 265 a 268), pois que é diferente a questão de direito resolvida em cada um deles: no acórdão fundamento decidiu-se que “uma forma adequada de atacar uma decisão que se pronuncia sobre o mérito da causa e conclui pela improcedência, é defender as razões que, no entender do recorrente, devem levar à procedência”; no acórdão recorrido decidiu-se que “se as conclusões do recurso não incidem sobre o objecto do processo (trata-se, digo, de uma liquidação de IRC, em vez das liquidações impugnadas de IVA), não pode proceder-se ao conhecimento do objecto do recurso - de harmonia com as disposições combinadas dos art.ºs 690.º, n.º 1, e 684.º, n.º
4, do C.P. Civil.”. Assim, porque não existe oposição de acórdãos, julgo o recurso findo, nos termos do n.º 5 do art.º 284.º do C.P.P.Tributário.» Inconformada, a recorrente reclamou, em 19 de Dezembro de 2003, para o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, reafirmando existir oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado, no sentido de que “sendo visível e notório o erro [quando nas conclusões fala em IRC e não em IVA] parece evidente que seria um dos casos em que o Ex.m.º Senhor Juiz Relator deveria mandar proceder à sua correcção”, uma vez que “no todo, alegações e conclusões, era perfeitamente perceptível que o Recorrente se referira a IVA e não a IRC no seu recurso”, sendo que, na sua óptica, o que o acórdão “invocado refere é isso mesmo, acrescentando até que ‘se as conclusões e alegações globalmente consideradas constituem uma crítica perceptível àquela não se deve deixar de conhecer do recurso’”, “pelo que a não admissão do recurso viola as regras constitucionais do art.º 20.º e art.º 690.º do Cód. Proc. Civil”. Em 20 de Janeiro de 2004 foi proferido o seguinte despacho (fls. 277 dos autos):
“Não há lugar à reclamação apresentada. Incorpore no processo principal. Subam ao Tribunal superior, nos termos do art.º 286º do CPPTributário.” Subidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, não foram aqueles admitidos, por despacho de 14 de Abril de 2004, com o seguinte teor :
«A fls. 269 foi proferido despacho julgando findo o recurso por não existir oposição, nos termos do art.º 284.º-5 do CPPT. E se nada tivesse sido requerido deveria findar o processo. Contudo foi apresentada reclamação para o Ex.mo Presidente do STA (cfr. fls. 274 a 276). Sobre tal reclamação foi proferido o despacho de fls. 277 afirmando “que não há lugar à reclamação apresentada” e ordenando a incorporação no processo principal e a subida ao Tribunal Superior, nos termos do art.º 286.º do CPPT. Este despacho foi notificado às partes (cfr. fls. 298 e 299) pelo que transitou, pelo que nada pode este STA ordenar quanto à afirmação de “que não há lugar à reclamação apresentada”. E nada mais pode ordenar quanto à existência ou não de oposição nos presente autos já que o despacho de fls. 269 afirmou tal inexistência de oposição a qual não se encontra contestada nos presentes autos. Não deveriam, por isso, os presentes autos ser remetidos ao STA, nos termos do art.º 286.º-1 do CPPT, já que este preceito bem como o art.º 284.º-5 do CPPT só permitem tal remessa no caso de ocorrer oposição pois que, caso contrário, deverá considerar-se findo o recurso.»
2. A recorrente interpôs então o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), “não se conformando com a decisão […] proferida, na parte em que a mesma rejeita o conhecimento da questão levantada no requerimento de 19/12/2003”, e pretendendo ver apreciada “a questão da interpretação dada pelo Tribunal Central Administrativo ao disposto no art.º 690.º, n.º 1, combinada com o art.º 684.º, n.º 4 do C.P.C.”. A recorrente entende que tal interpretação, “no sentido de que se as conclusões do recurso não incidem sobre o objecto do processo não se pode proceder ao conhecimento do mesmo, independentemente de as alegações e as conclusões globalmente consideradas serem claras como uma crítica perceptível à decisão recorrida”, viola os princípios de acesso ao direito e à tutela jurídica efectiva previstos nos art.ºs 13.º, 20.º,
32.º, n.º 5, da Constituição. Notificada para produzir alegações, a recorrente concluiu:
“1. A Recorrente nas suas alegações expôs claramente que pretendia, através do seu recurso, ver reapreciada a decisão proferida pelo Tribunal da 1ª Instância do Porto que considerou improcedente a impugnação que visava as liquidações do IVA.
2. Ficando claro no seu conjunto o que pretendia a Recorrente com o seu recurso as alegações na sua unidade contêm o objecto do recurso.
3. Muito embora devendo as conclusões conterem o âmbito do recurso quando é patente um erro na sua formulação, como é o caso vertente em que se fala nelas de um imposto, o IRC, quando no texto alegatório se identificam os actos tributários em apreço como sendo liquidações adicionais de IVA, natural e útil seria que o erro fosse corrigido.
4. E que não fosse transformado em fundamento para o não conhecimento do recurso.
5. Não é causa de nulidade do recurso a deficiência, obscuridade ou falta de alegações (art.º 690.º do C.P.C.).
6. Ou seja, se por lapso não tivessem sido elaboradas as conclusões seria aplicável o n.º 3 do art.º 690.º do C.P.C., convidando-se o Recorrente a apresentá-las.
7. Não parecendo curial que um lapso na elaboração das alegações seja punido com o não conhecimento do recurso, quando a sua falta teria como consequência a correcção da omissão.
8. Ainda assim, no caso vertente, nas conclusões das alegações apresentadas e apesar de confessado o erro resulta claramente que há uma exposição de argumentos contra a decisão recorrida, pelo que, implicitamente pelo menos, há uma crítica à mesma.
9. Não se justificando assim dizer-se que o recurso tem falta de objecto - a decisão que declarou manter as liquidações adicionais do IVA.
10. Não existem fórmulas estereotipadas na lei para mostrar a discordância com as decisões, podendo umas serem mais claras do que outras, mas nem por isso se poderá falar em falta de objecto.
11. E, finalmente, se o texto global suscita estranheza pela conclusão em que se fez referência a um imposto diverso do mencionado nas alegações e na decisão atacada, seria legítimo que, por força do n.° 3 do art.º 690.º do C.P.C., fosse a recorrente convidada a colmatar a sua omissão e erro.
12. Pelo que a decisão de não conhecer do recurso por falta de objecto nas suas conclusões viola os princípios constitucionais plasmados nos art.ºs 13.°, 20.° e
32.º/5 da Constituição.” Nas suas contra-alegações, a Fazenda Pública veio suscitar a questão prévia de não conhecimento do recurso, dizendo:
«1°. A recorrente alega pretender ver apreciado por este Venerando Tribunal a interpretação que foi dada pelo Tribunal Central Administrativo do disposto no n.° 1 do artigo 690.° combinada com o previsto no n.° 4 do artigo 684.° do CPC.
2°. Acontece que, na sua alegação de recurso, a recorrente não imputa qualquer inconstitucionalidade do artigo 690.° do CPC, antes clamando pela sua aplicação, pretendendo que, ocorrendo, “a deficiência, obscuridade ou falta de alegações”, ou seja “se por lapso não tivessem sido elaboradas as conclusões seria aplicável o n.° 3 do artigo 690.° do CPC, convidando-se a recorrente a apresentá-las”.
3º. A recorrente mais não faz do que arguir que a decisão em apreço não fez aplicação da norma que dispõe que quando as conclusões faltem, sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não indiquem as normas jurídicas violadas, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, norma esta contida no n.° 4 do artigo 690.° do CPC (e não no n.°
3, como, certamente por lapso, a recorrente afirma).
4°. Isto é, a recorrente, na sua alegação, limita-se a discutir o enquadramento jurídico dado ao caso, o que não pode ser objecto do presente recurso.» Notificada para se pronunciar sobre esta questão prévia no não conhecimento do recurso, por as normas impugnadas não terem sido aplicadas pelo tribunal recorrido, a recorrente veio dizer.
“A Recorrente entendeu e entende que o Mm.º Senhor Juiz do Tribunal recorrido fez uma interpretação inconstitucional do disposto no art. 690.º/1, combinada com a previsão do art. 684.º/4, ambas do Cód. Proc. Civil, por a mesma violar os normativos 13.º, 20.º e 32.º/5 da Constituição. Estas normas do Cód. Proc. Civil foram a sustentação da decisão de 08.07.2003 proferida pelo Tribunal Central Administrativo no recurso n.º 342-03. Por esse facto estranha a Recorrente a menção da não aplicação das normas referidas. E, neste processo, a penalização infligida à Recorrente, pela aplicação de uma justiça estritamente formal e literal, sonegando-se a apreciação do fundo substancial da causa, é o cerne do problema. O direito a aceder à justiça verdadeira, em que os problemas de fundo não são substituídos pelos pormenores processuais definem o espírito da proteçcão constitucional. Nestes autos a decisão do Tribunal Central Administrativo que, com base na leitura estrita do art. 690.º/1 do Cód. Proc. Civil e ignorando o art. 690.º/4 do mesmo diploma, impediu a análise de fundo da questão em apreço, profusamente exposta nas alegações, faz exactamente o contrário que o espírito da lei constitucional prescreve. Por esse facto, requer a V.Ex.ª que, no âmbito da elevada função em que estão investidos, apreciem a interpretação que o Mm.º Senhor Juiz do Tribunal Central Administrativo fez das normas usadas na decisão referida, à luz da Constituição, e, por violarem os princípios invocados, a revoguem.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4. Há que começar por apurar se pode tomar-se conhecimento do recurso, que vem intentado ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional. Como se sabe, são requisitos específicos para se poder tomar conhecimento deste tipo de recurso, além do esgotamento dos recursos ordinários, que se tenha suscitado durante o processo a inconstitucionalidade da norma impugnada no recurso de constitucionalidade e que essa norma tenha sido aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi. Este último requisito explica-se, desde logo, pela necessidade, para a decisão do recurso de constitucionalidade poder ter algum efeito útil, de aplicação como ratio decidendi, na decisão recorrida, da norma que o Tribunal Constitucional vai apreciar – se existiu outra ratio decidendi, a decisão do recurso de constitucionalidade não teria a virtualidade de vir a projectar-se na decisão recorrida. Ora, no caso vertente, é manifesto que falha este requisito, sendo a decisão impugnada, como é, a decisão de 14 de Abril de 2004, tomada no Supremo Tribunal Administrativo. Depois da decisão do Tribunal Central Administrativo a que a recorrente faz referência na resposta à questão prévia suscitada no Tribunal Constitucional já existiram, na verdade, várias decisões – em resposta ao recurso por oposição de julgados que tentou interpor, e à reclamação contra a sua não admissão, que deduziu. E que a decisão recorrida só pode ser a proferida no Supremo Tribunal Administrativo, é o que resulta, além do mais, do próprio requerimento de recurso, onde a recorrente declara não se conformar com a decisão proferida “na parte em que a mesma rejeita o conhecimento da questão levantada no requerimento de 19/12/2003” – ou seja, com a decisão tomada em 14 de Abril de 2004. Ora, esta decisão não se baseou em qualquer interpretação dos artigos 690.º, n.º
1, ou 684.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, nem se pronunciou, sequer, sobre se as conclusões de um recurso anteriormente interposto incidiam sobre o objecto do recurso, ou eram ou não globalmente perceptíveis. A decisão recorrida baseou-se antes, simplesmente, na circunstância de o despacho de fls. 277, no sentido de que não havia lugar à reclamação apresentada transitou em julgado, depois de notificado às partes – “(…) transitou, pelo que nada pode este STA ordenar quanto à afirmação de ‘que não há lugar à reclamação apresentada’ ”(…) e
“nada mais pode ordenar quanto à existência ou não de oposição nos presente autos”. Como se vê, as normas que a recorrente impugnou no presente recurso de constitucionalidade não foram de todo aplicadas pela decisão recorrida – que se baseou antes no trânsito em julgado de anterior decisão sobre a reclamação apresentada –, e qualquer decisão que o Tribunal Constitucional sobre elas tomasse não poderia projectar-se utilmente no processo. Pelo que não pode tomar-se conhecimento do recurso. III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do presente recurso. Custas pela recorrente, com 10 (dez) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 15 de Março de 2005 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos