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Processo n.º 140/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Em 28 de Fevereiro de 2005, o relator do processo proferiu a seguinte decisão
sumária em que se decidiu negar provimento ao recurso:
“1. Nos presentes autos, vindos da 17ª Vara Cível de Lisboa, solicitou a ora
recorrente, A., em requerimento dirigido ao Centro Distrital de Solidariedade e
Segurança Social de Lisboa, apoio judiciário nas modalidades de dispensa ou
redução parcial do pagamento da taxa de justiça, dispensa do pagamento, total ou
parcial dos demais encargos do processo e pagamento de honorários a patrono por
si escolhido.
2. Por decisão de 19 de Dezembro de 2003, foi aquele requerimento deferido na
parte em que vinha solicitado o apoio judiciário na modalidade de dispensa total
de taxa de justiça e demais encargos do processo e indeferido na parte em que
era solicitado o pagamento de honorários ao patrono escolhido pelo recorrente.
3. Inconformada com esta decisão, na parte em que indeferiu o requerido apoio
judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao patrono por si escolhido,
a requerente recorreu para o Tribunal da Comarca de Lisboa, alegando,
nomeadamente, a inconstitucionalidade “ do artigo7º n.º 5 da Lei 30-E/2000, se
entendido como excluindo a sociedades comerciais o benefício de apoio judiciário
na modalidade de nomeação de patrono ou pagamento de honorários a patrono
escolhido, por violação dos princípios da igualdade e acesso ao direito -
artigos 20° n.º 1 e 13° da Constituição da República Portuguesa.”
4. Aquele Tribunal, por decisão de 3 de Maio de 2004, da 17ª Vara Cível,
rejeitou o recurso por manifesta inviabilidade, remetendo para o Acórdão n.º
97/99 do Tribunal Constitucional, para fundamentar a não inconstitucionalidade
da norma em causa.
5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso, para apreciação da
constitucionalidade da norma contida no n.º 5 do artigo 7º da Lei 30-E/2000, de
20 de Dezembro, “se entendido como excluindo a sociedades comerciais o beneficio
de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono
escolhido, por violação dos princípios de igualdade e acesso ao direito- artigo
20° n.º 1 e 13° da Constituição da República Portuguesa”.
II. Fundamentos
6. A questão a decidir é simples. Na verdade, o Tribunal Constitucional já teve
oportunidade de se pronunciar sobre a questão de constitucionalidade da norma
contida no n.º 5 do artigo 7º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, concluindo
pela sua não inconstitucionalidade. Fê-lo, recentemente, no acórdão n.º 399/04
(disponível na página Internet do Tribunal em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ e referente a um processo em
que a recorrente era, precisamente, a mesma), reiterando a doutrina constante
dos acórdãos n.ºs 97/99, 98/99, 167/99, 368/99, 428/99, 90/00, 234/01 (todos
igualmente disponíveis naquela página) relativa ao artigo 7º, n.º 5, do
Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, com a redacção da Lei n.º 46/96, de
3 de Setembro.
No referido acórdão n.º 399/04 afirmou-se, recordando o que, sobre a questão de
inconstitucionalidade, se dizia na sentença então recorrida, que:
“Atento o exposto, entende-se que às sociedades comerciais, como é o caso da
recorrente, é aplicável o disposto no n.º 5 do art. 7°, pelo que apenas lhe pode
ser concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa, total ou parcial, ou
ao diferimento de pagamento de taxas de justiça e demais encargos, estando
vedada a concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono ou
pagamento de honorários a patrono escolhido.
Mais se considera que tal entendimento não viola qualquer princípio
constitucional, nomeadamente o direito à igualdade ou o direito ao acesso ao
direito e aos tribunais.
Com efeito, o princípio da igualdade plasmado no art. 13° da Constituição prevê
o tratamento igual de situações semelhantes. No caso em análise entendeu o
legislador tratar de forma diferente realidades distintas, o que é um
desenvolvimento lógico do princípio da igualdade. Na verdade, conceder um
tratamento preferencial a sociedades com actividade lucrativa, em detrimento de
pessoas singulares e pessoas colectivas sem fim lucrativo é que constituiria uma
violação ao princípio da igualdade, por não haver razão justificativa para dar o
mesmo tratamento a situações diversas.
Não é também prejudicado o princípio do acesso ao direito, já que entendeu a lei
diferenciar, no plano de acesso aos tribunais, aqueles que o fazem dentro de um
plano de exercício de uma actividade dirigida ao lucro e os demais cidadãos, não
sendo assim atingido tal princípio constitucional.
[...]
Acresce que tendo as sociedades comerciais a finalidade de obtenção de lucros,
não seria equitativo afectar receitas do Estado destinadas a fins de
solidariedade social a custos inerentes à actividade da sociedade. Por isso se
considera, como no já citado Acórdão, que ‘a diferença de situações justifica a
diferença de tratamento jurídico e, bem assim, a restrição ao direito a
patrocínio judiciário, quando está em causa uma sociedade’.”
E, transcrevendo o acórdão n.ºs 97/99, já citado, afirmou-se:
“7. [...] será uma violação do direito de igual acesso aos tribunais, consagrado
pelo artigo 20º da Constituição, a já mencionada restrição do apoio judiciário?
A esta pergunta responde o Tribunal Constitucional negativamente, em virtude das
seguintes considerações:
a) Em primeiro lugar, não decorre da Constituição que as entidades com fins
lucrativos sejam equiparáveis às pessoas singulares e pessoas colectivas de fim
não lucrativo para efeitos de promoção pelo Estado de acesso à justiça;
b) Em segundo lugar, as normas sub judicio não esvaziam o direito de acesso à
justiça da sua substância, ao não concederem patrocínio judiciário em caso algum
às pessoas colectivas de fim lucrativo;
c) Por último, as normas sub judicio não constituem uma restrição
desproporcional e injustificada do direito à efectivação do acesso à Justiça.
8. Assim, desde logo, não decorre dos artigos 20º, n.ºs 1 e 2, e 13º da
Constituição que as pessoas colectivas de fins lucrativos devam ser equiparadas
às pessoas singulares quanto ao conteúdo do direito ao patrocínio judiciário.
Aliás, é na consagração do próprio princípio da universalidade que o legislador
constitucional introduz, desde logo, uma ressalva quanto às pessoas colectivas
em geral, determinando que estas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres
“compatíveis com a sua natureza” (artigo 12º, n.º 2).
Sendo o patrocínio judiciário um instrumento de acesso à justiça, a sua
gratuitidade, como forma de protecção jurídica do efectivo exercício daquele
direito, corresponde à promoção das condições necessárias para o acesso à
Justiça. Ora, a promoção destas condições positivas nos casos de insuficiência
económica não tem, necessariamente, a mesma expressão nas pessoas jurídicas com
e sem fim lucrativo. Estas últimas, pela sua natureza lucrativa, têm condições
para integrar na sua normal actividade económica os custos com profissionais do
foro próprios da litigância que nelas é frequente. Assim, tal integração é
própria do exercício normal da respectiva actividade económica.
Não há, deste modo, uma necessidade lógica e valorativa de equiparar as pessoas
singulares, e até mesmo as pessoas colectivas sem fim lucrativo, às pessoas
colectivas com fim lucrativo, no que se refere ao direito de que sejam criadas
ou promovidas condições de acesso à Justiça através da gratuitidade do
patrocínio judiciário, em casos de insuficiência económica. As pessoas
colectivas com fim lucrativo integram, pela sua natureza, na estruturação da sua
actividade económica esses custos, dispondo, por isso mesmo, de condições para a
compensação dos mesmos.
E a possibilidade de integração daqueles custos na actividade económica das
pessoas colectivas de fim lucrativo não é só uma normalidade, mas é mesmo um
pressuposto normativo da própria existência jurídica de tais entidades. A
impossibilidade de suportar os custos normais do exercício da actividade
económica retira viabilidade a pessoas jurídicas, cuja constituição se justifica
apenas para o exercício dessa mesma actividade económica, determinando,
porventura, situações de falência e o congelamento da própria actividade
económica de tais entidades, como forma de protecção dos interesses patrimoniais
de outros e do próprio interesse geral no desenvolvimento saudável da economia.
Por outro lado, a protecção jurídica pelo Estado das pessoas colectivas com fim
lucrativo através do patrocínio judiciário gratuito corresponderia a uma opção
de proteger a litigância de sociedades comerciais e empresas sem condições para
assegurar a sua actividade económica, o que não é certamente uma imposição
constitucional nem uma prática indiscutível à luz da livre concorrência e do
interesse público na protecção da economia.
9. Sendo claro que há uma diferença de posicionamento das pessoas colectivas com
fim lucrativo e das outras pessoas jurídicas quanto à necessidade de protecção
jurídica condicionante do acesso à Justiça, resta saber se esse diferente
posicionamento deixa de existir, em caso de insuficiência económica, quando as
pessoas colectivas de fim lucrativo devam litigar em acções não relacionadas com
a sua actividade económica normal, como poderia acontecer em casos de danos
provocados por acidentes e outras situações inusitadas.
Mas também quanto a estas situações há mecanismos de seguro e prevenção que não
podem deixar de ser integrados nos custos das sociedades comerciais e na gestão
do seu risco, não estando estas, mesmo em tais casos, nas mesmas condições das
pessoas singulares ou das pessoas colectivas com fim não lucrativo.
Não se pode dizer, por conseguinte, que dos artigos 20º, nºs 1 e 2, e 13º da
Constituição resulte a necessidade de equiparação, quanto à protecção jurídica
por patrocínio judiciário gratuito, das pessoas colectivas de fim lucrativo ou a
estas equiparadas às restantes pessoas jurídicas.
10. Por outro lado, as normas sub judicio também não esvaziam o direito de
acesso à justiça da sua substância ao não concederem patrocínio judiciário
gratuito, em caso algum, às pessoas colectivas com fim lucrativo.
Com efeito, tais normas prevêem a dispensa das custas e preparos em casos em que
o respectivo montante seja comprovada e consideravelmente superior às
possibilidades económicas daquelas entidades, “aferidas designadamente em função
do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de
trabalhadores ao seu serviço”. Assim, nos casos em que o “preço da justiça” seja
insuportável para aquelas entidades, impede-se que o acesso à justiça seja
impossibilitado por insuficiência económica.
Os custos com o patrocínio judiciário são, por outro lado, custos negociáveis e
mais previsíveis e controláveis para as sociedades comerciais. Deste modo, e
independentemente de saber se é por exigência constitucional que o direito de
acesso à justiça implica a dispensa das custas e preparos nos casos previstos no
artigo 7º, n.º 5, da Lei n.º 46/96, através dos modos nele previstos, o certo é
que, mesmo na perspectiva de um critério exigente de promoção pelo Estado do
acesso à Justiça, existe uma resposta suficiente naquela norma.
11. Em face das considerações anteriores, conclui-se que a igualdade de
tratamento entre pessoas colectivas de fim lucrativo e as outras pessoas
jurídicas e entidades não lucrativas, em matéria de patrocínio judiciário
gratuito, não é imposta pela Constituição.
Mas mesmo que se entenda que a diferenciação não pode ser total ou que será
necessário respeitar, nas restrições previstas pelas normas sub judicio, uma
certa proporcionalidade relativamente às demais situações, dever-se-á, ainda
assim, reconhecer que tal diferenciação não só é justificada pela diversidade de
condições referida - não sendo, por isso, uma restrição excessiva nem uma
diferenciação desproporcionada - como também está sustentada por razões de
interesse público. Com efeito, tal restrição do direito ao patrocínio judiciário
é justificável por critérios racionais de gestão do interesse colectivo e de
repartição dos encargos públicos, ao dar prioridade e especial protecção no
acesso à Justiça às pessoas e entidades sem fim lucrativo e ao exigir que as
entidades com fim lucrativo suportem - ou criem mecanismos para isso adequados -
os custos da actividade económica de que são beneficiários.”
É esta jurisprudência, com a qual se concorda e que é inteiramente transponível
para o presente caso, que aqui se reitera e que permite, desde já, concluir pela
não inconstitucionalidade da norma contida no n.º5 do artigo 7º da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro, quando interpretada no sentido de excluir as
sociedades comerciais do benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação
de patrono ou pagamento de honorários a patrono escolhido.”
2. Notificada desta decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência,
“tendo em conta as decisões recentes do mesmo Tribunal Constitucional, quer
sumárias, quer acórdãos, em sentido contrário ao defendido na douta decisão
sumária.”
Notificado o recorrido, nada disse.
II - Fundamentação.
3. – Não se desconhecendo, ao tempo da prolação da decisão sumária reclamada, a
existência de decisão em sentido diverso, não se vislumbra, no entanto,
nomeadamente pelas razões aduzidas na referida decisão sumária, qualquer motivo
para modificar a jurisprudência nesta citada.
Ora, assim sendo, nada mais resta do que confirmar o decidido.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada de não conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 13 de Abril de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício