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Processo n.º 379/02
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. impugnou contenciosamente o despacho proferido pelo Presidente da
Comissão de Coordenação da Região do Alentejo em 18 de Dezembro de 1985,
consubstanciado na ordem de suspensão dos trabalhos de construção civil e de
proibição de prosseguimento da obra que o interessado levava a efeito nessa
data, em lote de que era proprietário, no empreendimento B., em Tróia.
Esta pretensão acabou por ser definitivamente julgada em acórdão emitido em 6 de
Março de 2002 na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo que decidiu
rejeitar o recurso contencioso com fundamento na irrecorribilidade do acto
administrativo impugnado. É a seguinte a fundamentação do aresto:
'[...]
2.2.A - O facto de a lei, no art. 61° do D.L. 448/91 atribuir ao Presidente da
Comissão de Coordenação Regional competência para proceder ao embargo em questão
não significa que o seu acto seja, por si, lesivo e contenciosamente recorrível.
As Comissões de Coordenação Regional são serviços descentralizados do Ministério
do Planeamento e da Administração do Território (segundo a orgânica do Governo
vigente à data da prática do acto recorrido) e não entes públicos situados fora
de qualquer relação de hierarquia administrativa.
Por esse motivo, este Supremo Tribunal tem considerado, em diversos arestos, que
dos actos dos órgãos das C.C.Rs cabe recurso hierárquico necessário para o
membro do Governo competente, concretamente, em matéria de pareceres
obrigatoriamente emitidos por aquelas Comissões sobre actos e operações de
loteamento (ver entre outros ac. de 27.11.97, rec. 37.619 e ac. de 16.1.01 rec.
31.317).
No nosso sistema jurídico a regra é a de que a competência própria do subalterno
é uma competência separada, e não uma competência reservada ou exclusiva (na
terminologia de Freitas do Amaral), que são excepcionais; só perante uma
disposição legal concreta e inequívoca - que, no caso, não existe - seria lícito
afirmar a atribuição ao Presidente da C.C.R. de uma competência exclusiva (ver
Freitas do Amaral, Lições Policopiadas do Curso de Dtº Administrativo Vol. I
pág. 614; ver ac. deste STA de 29-2-96, rec. 34.996 in Ap. ao DR de 31.8.98 pág.
1492 e segs; de 24-11-99, rec. 43.961 entre outros autos).
E não tem qualquer sentido afirmar, como o faz o Recorrente, que a competência
do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território,
neste âmbito, é apenas política.
Na verdade, tal argumento não leva em conta que os membros do Governo são, como
é sabido, os órgãos do topo da hierarquia administrativa estadual e que a
matéria em questão não é política, mas administrativa, isto é: 'não tem como
objecto directo e imediato a conservação da Sociedade política e a definição e
prossecução do interesse geral mediante a livre escolha dos rumos ou soluções
considerados preferíveis' como é próprio da função política, (na definição de
Marcelo Caetano, não contraditada no essencial pelos tratadistas mais recentes
), mas antes 'a satisfação das necessidades colectivas relacionadas com o
bem-estar moral e material e progresso' (Esteves de Oliveira, Direito
Administrativo, Vol. I, pág. 38), que está subjacente à aplicação das normas
administrativas em matéria de urbanismo.
O Recorrente despreza ainda os poderes que, logo no artigo seguinte ao que
dispõe sobre a competência do Presidente da C.C.R., a lei (art. 62° do DL
448/91) atribuiu ao Ministro do Planeamento e da Administração do Território: o
poder de ordenar a demolição das obras embargadas a que se refere o art. 61º.
O que, além do mais, significa que em matéria de construções executadas com
desrespeito das normas legais e regulamentares em vigor, o Presidente da C.C.R.
apenas detém competência própria, que não exclusiva, para o embargo, pois a
demolição só o Ministro do Planeamento e da Administração do Território (com
ressalva dos poderes dos Presidentes das Câmaras Municipais) a pode ordenar.
O Recorrente mostra ainda não distinguir, com clareza, o conceito de acto lesivo
do conceito de acto de execução desse acto lesivo.
É certo que, após a revisão constitucional de 1989, o critério de selecção dos
actos administrativos que se consideram contenciosamente impugnáveis deixou de
assentar nas características da definitividade e da executoriedade do acto, para
passar a determinar-se pela capacidade de o acto em causa lesar direitos ou
interesses legalmente protegidos.
Ora, conforme se escreve no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de
22/6/95, rec. 32.291 «Vistas as coisas a esta luz, compreende-se que os actos de
execução, que se destinam a pôr em prática a determinação contida no acto
exequendo, continuem a ser considerados, em regra, irrecorríveis, uma vez que,
não sendo mais do que o efeito lógico necessário do primeiro acto, não assumem
autonomamente a natureza de actos lesivos de direitos ou interesses legalmente
protegidos. Esta lesão, a ter existido, radicaria no acto que definiu a situação
do interessado, pelo que se contra este acto regularmente notificado, não foi
deduzida impugnação, formou-se caso decidido ou caso resolvido, que o acto de
execução se limitou a pôr em prática, sem que lhe possa ser imputada qualquer
capacidade de lesão autónoma dos direitos ou interesses legítimos dos
administrados».
Neste enquadramento, que se tem por correcto, o despacho do Secretário de Estado
da Administração Local e do Ordenamento do Território que, concordando com a
informação e proposta do Presidente da C.C.R.A, determinou à C.C.R do Alentejo
que procedesse ao embargo, é o acto administrativo lesivo, contenciosamente
recorrível, em face do n.º 4 do art. 268° da C.R.P
O despacho do Presidente da C.C.R.A que, invocando aquele despacho do Secretário
de Estado, ordenou o embargo, destina-se a pôr em prática a 'determinação
contida no acto exequendo, carecendo de lesividade própria.
E, ao invés do argumentado pelo Recorrente, declarado nulo ou anulado o despacho
do Secretário de Estado, desapareceria da ordem jurídica o despacho do
Presidente da C.C.R. impugnado no recurso contencioso, como acto dependente
daquele primeiro despacho.
Tendo presente tudo o que se deixa referido, não há razão para considerar
inconstitucional a interpretação efectuada do art. 57° § 4° do RSTA, que
considera 'a manifesta ilegalidade do recurso' - como se entende ser o caso -
circunstância que afecta o respectivo prosseguimento.
Quanto ao art. 54° da LPTA, que prescreve a audição da parte sobre as questões
prévias suscitadas, nem sequer se entende a respectiva arguição de
inconstitucionalidade, de resto, não concretizada.
De facto, o particular tinha ao seu dispor, de acordo com o prescrito no n.º 4
do art. 268° da C.R.P, o meio processual do recurso contencioso para impugnar o
acto lesivo; ponto era que tivesse elegido correctamente o acto que afectou
negativamente a sua esfera jurídica, com força coerciva própria.
Face ao exposto, forçoso é concluir pela procedência da questão prévia da
irrecorribilidade do acto impugnado, suscitada pela Relatora a fls 235 e segs, o
que determina a rejeição do recurso contencioso, por ilegalidade da sua
interposição, nos termos do art. 57 § 4° do R.S.T.A.
3 - Nestes termos, acordam em:
a) Rejeitar o recurso contencioso, por ilegalidade de respectiva interposição,
nos termos das disposições conjugadas dos art° 268° n.° 4 da CRP e 57° § 4° do
RSTA;
b) Considerar prejudicado o conhecimento do recurso jurisdicional, face à
decisão contida em a).
[...]'
Inconformado, A. recorre deste acórdão ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo
70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC) nos seguintes termos:
01. A norma que se pretende seja apreciada é a ínsita no § 4º do artigo 57º do
Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, na interpretação que lhe é dada
pelo Acórdão recorrido, e o preceito constitucional que se tem por violado é o
n.º 4 do artigo 268° da Lei Fundamental, o princípio da tutela jurisdicional
efectiva.
02. Fundamenta o Recorrente a interposição do presente recurso, parafraseando a
doutrina mais autorizada, na opção constitucional de conferir recorribilidade a
qualquer acto administrativo desde que lesivo dos direitos dos particulares,
pois a ideia de que o recurso hierárquico necessário poderia valer como uma
espécie de pré-processo contencioso, deve ser afastada em razão dos princípios
constitucionais da separação de poderes entre a Administração e a Justiça e do
Direito ao Recurso Contencioso, opção que é incompatível com a interpretação e
aplicação que o Acórdão Recorrido faz do § 4, do artigo 57º do RSTA.
03. Entende, pois, a Recorrente, que o § 4 do artigo 57º do RSTA, na
interpretação que lhe foi dada pelo Ac. Recorrido, ao habilitar a rejeição de
recurso de acto de embargo, e para mais com fundamento na manifesta ilegalidade
da sua interposição, acto esse previsto na lei como de competência própria
exclusiva de uma determinada entidade, viola o princípio da tutela jurisdicional
efectiva.
O recurso foi admitido e o recorrente alegou, concluindo, em suma:
Termos em que o § 4° do artigo 57° do RSTA, na interpretação que lhe é dada pelo
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo tirado no Processo n.º 45.314, ao
habilitar a rejeição de recurso do acto de embargo com fundamento na manifesta
ilegalidade da sua interposição, quando esse acto está previsto na lei como de
competência da entidade que o praticou e é dotado de lesividade, deve ser
declarado inconstitucional, por violação do princípio da plenitude e
efectividade da tutela jurisdicional decorrente do n.º 4 do artigo 268° da CRP e
implícito nos artigos 20º e 2° da mesma CRP, o que se peticiona e requer,
concedendo-se provimento ao recurso, a fim de obter a reforma da decisão
recorrida, tudo nos termos do artigo 80º da LTC.
A autoridade recorrida ofereceu o merecimento dos autos.
2. Pretende, portanto, o recorrente impugnar a norma contida no artigo §
4° do artigo 57° do Regulamento do STA, 'na interpretação que lhe foi dada ao
habilitar a rejeição de recurso do acto de embargo com fundamento na manifesta
ilegalidade da sua interposição, quando esse acto está previsto na lei como de
competência da entidade que o praticou e é dotado de lesividade '.
Ora, a primeira questão que cumpre apreciar é verificar se estão reunidos os
pressupostos do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC apenas
de cabe das decisões que apliquem normas inconstitucionais e o seu âmbito
restringe-se à questão da inconstitucionalidade (artigo 71º n.º 1 da LTC), o que
vale por dizer que o recurso tem carácter normativo, isto é, que tem por objecto
normas jurídicas e não as decisões jurisdicionais propriamente ditas.
O problema que agora se coloca consiste em saber se o recorrente questiona
verdadeiramente uma norma jurídica contida no dito § 4° do artigo 57° do
Regulamento do STA aplicada – com a interpretação sindicada –, ou se, embora a
coberto de uma pretensa formulação normativa, o recorrente questiona a decisão
em si, a determinação jurisdicional concreta que pôs termo ao recurso
contencioso que intentara no tribunal administrativo.
O referido § 4.° do artigo 57° do Regulamento do STA, aprovado pelo Decreto
41.234 de 20 de Agosto de 1957, tinha a seguinte redacção:
§ 4.° – Consideram-se circunstâncias que afectam o prosseguimento do recurso a
extemporaneidade, a ilegitimidade das partes e a manifesta ilegalidade do
recurso.
O preceito pretendia enunciar os motivos determinantes da rejeição do recurso
contencioso. No domínio de aplicação desta norma, a jurisprudência do Supremo
Tribunal Administrativo era pacífica ao qualificar a não definitividade do acto
recorrido como uma das causas da ilegalidade da interposição do recurso. Na
verdade, o artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
(Decreto-Lei n.º 267/85 de 16 de Julho) dispunha, na sequência de uma longa
tradição do contencioso administrativo português, aliás, reflectida na
Constituição de 1976 – artigo 268º n.º 3 –, que só era admissível recurso 'dos
actos definitivos e executórios'.
Ora, com a segunda revisão constitucional (RC/89), o dito n.º 3 do artigo 268º
da Constituição, passou a n.º 4 com a seguinte redacção:
Artigo 268.º
(Direitos e garantias dos administrados)
1....
2....
3....
4. É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em
ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua
forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
5....
6....
Entendeu-se, então, que a Constituição modificara de alguma forma as condições
de recorribilidade dos actos administrativos, ao apagar a referência aos actos
definitivos e executórios e ao permitir o recurso dos actos lesivos, pelo que –
em atenção à matéria de que trata – projectaria directamente sobre o n. 1 do
artigo 25º da LPTA a sua força vinculativa.
Assim, quando o Supremo Tribunal Administrativo decide, na decisão recorrida,
'rejeitar o recurso contencioso, por ilegalidade de respectiva interposição, nos
termos das disposições conjugadas dos artigos 268° n.° 4 da CRP e 57° § 4° do
RSTA', está a aplicar o dito preceito constitucional em vez do n.º 1 do artigo
25º da LPTA, é essa a norma que verdadeiramente determina a rejeição do recurso,
pois, no juízo acolhido pelo STA, o acto recorrido, não sendo lesivo, seria
irrecorrível.
Ora, verdadeiramente é esse julgamento que o recorrente pretende submeter ao
filtro do recurso de constitucionalidade ao sindicar a determinação jurídica
impugnada, isto é, a norma do § 4.° do artigo 57° do Regulamento do STA 'na
interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido, ao habilitar a rejeição
de recurso de acto de embargo, e para mais com fundamento na manifesta
ilegalidade da sua interposição, acto esse previsto na lei como de competência
própria exclusiva de uma determinada entidade'. O que se questiona, em suma, não
é que o recurso possa ser rejeitado em caso de ilegalidade de interposição, mas,
antes, que o recurso tenha sido rejeitado com fundamento na falta de lesividade
do acto, apesar de – supostamente – o seu autor deter 'competência própria
exclusiva' para o emitir.
3. Quando ouvido expressamente sobre esta questão, o recorrente, embora
numa perspectiva de discordância da sua procedência, acaba por admitir que o
juízo de inconstitucionalidade (pontos 59./74.) que pretende obter, deve incidir
sobre a qualificação do acto recorrido operada no Supremo Tribunal
Administrativo, que nesse acto não encontrou as características próprias de um
acto lesivo, assim recusando a sua sindicância contenciosa. Julgamento que, no
entender do recorrente, ofende o disposto no artigo 268º n.º 4 da Constituição.
Ora bem: alega-se que este julgamento provém de uma leitura inconstitucional do
impugnado § 4º do artigo 57º do Regulamento do STA; mas o certo é que, ao
contrário, o comando normativo é aqui indiferente, pois tudo depende da
qualificação do acto e do reconhecimento da sua natureza lesiva, o que decorre
de operações jurisdicionais típicas de aplicação do critério normativo à
realidade de facto apurada, insindicáveis para efeitos da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC.
A enunciação normativa impugnada revela, portanto, que o recorrente pretende
atacar a determinação jurisdicional de qualificação do acto contenciosamente
recorrido, sem pôr em causa a norma que, no dizer do Tribunal recorrido, liga a
natureza do acto não lesivo à rejeição do recurso; o objecto do recurso
consistiria, assim, no julgamento do próprio Tribunal ao qualificar como não
lesivo o acto recorrido, o que é o mesmo que solicitar ao Tribunal
Constitucional que se envolva no controlo das operações subsuntivas realizadas
pelo tribunal comum.
Aliás, a questão está enunciada por forma a que não é sequer possível discernir
qual foi o critério normativo adoptado pelo Tribunal recorrido na fase de
interpretação do aludido artigo § 4° do artigo 57° do Regulamento do STA.
4. Termos em que se decide não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 16 de Novembro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Artur Maurício